Volume 1

Capítulo 13: O Forjador

Ao explorarem mais as ruas de pedra de Windefel, depararam-se com um odor penetrante de aço fundido que preenchia o ar. A cidade outrora limpa e agradável transformara-se numa paisagem poluída, com casas cobertas de fuligem e árvores secas devido à intensa poluição.

Alaric e Gideon tossiam incessantemente, adaptando-se gradualmente ao ar pesado. Adentraram ao que Aldebaram denominou como o "Distrito Fundido", um local onde todo tipo de mineral, incluindo aço e mithril, era fundido a partir das montanhas de Windefel. O cenário era dominado por construções imponentes, armazéns até onde a vista alcançava e recipientes imensos de lava ardente.

No epicentro dessas fundições colossais, avistaram uma construção menor com uma placa que anunciava "Giga Forja". 

Ao se aproximarem, perceberam um odor distinto de aço derretido, diferente do aço bruto derretido, era um cheiro mais refinado. O local ainda sim era sujo igual a todo distrito. 

— Ei, Zick — chamou enquanto acenava para um rapaz dentro daquele local infernal.

— Opa? Aldebaram! O que te traz aqui? — O homem saiu da forja.

Apesar do trabalho que só os mais velhos faziam, o homem era bem jovem, com cabelos pretos. Usava um avental todo sujo de carvão, na realidade todo seu corpo estava sujo.

Aldebaram puxou Alaric e o colocou à sua frente.

— Quero uma arma para esse garoto.

O homem aproximou-se rapidamente, e começou a analisar Alaric. Erguendo seus braços, colocando a mão suja em seu rosto.

— Ele já me parece carregar armas, Aldebaram — respondeu Zick, que tinha sentido as espadas de luz em Alaric.

Alaric bateu na mão do homem ainda em seu rosto e deu um passo para trás, já preparando-se para lutar.

— Como sabe!? — questionou Alaric.

— Simples, toda arma invocada, fica marcada na alma de seu portador. Eu abençoado por Hefesto, posso sentir essas armas.

— Acalme-se, garoto — falou Aldebaram, colocando a mão no ombro de Alaric e tomando sua frente. — E, é por isso que desejo uma espada para ele, Zick.

— Ó, entendo, entendo — Zick falou acariciando seu queixo. — É para situações onde o núcleo de mana dele está vazio né?

— Exatamente, até que é esperto hahaha!

Gideon que até então não tinha dado um “A”. Movido pela curiosidade intrínseca em teu ser, decide quebrar seu silêncio.

— Ei, eu estava quieto, mas agora tô querendo saber, como assim alma? Marcada?

— Bom…

Zick esclareceu que as armas invocáveis eram inscritas na alma de seu portador, persistindo mesmo através de reencarnações. Funcionavam de maneira semelhante às especificações mágicas, gravadas na alma desde o nascimento, o que tornava impossível alterar sua natureza.

Diante disso, Alaric indagou sobre o motivo pelo qual as espadas de luz estavam marcadas em sua alma.

Zick sugeriu a hipótese de Alaric ter as portado em sua vida passada, mas ter falecido há algum tempo, permitindo que sua alma renascesse já com elas. Poderia ser que, em uma vida passada, Alaric tenha mantido uma crença em deuses da morte como Osíris ou Yu Huang, os quais concediam a reencarnação.

Outra possibilidade levantada era que Alaric teve uma ligação especial com a arma, resultando na marcação de sua alma.

— Impossível, nunca encontrei nenhuma espada de luz — Alaric descartou essa possibilidade. Já que nunca na vida, ele havia encontrado algo que, sequer parecia essas espadas.

— Reencarnação, divindade da morte? Aaah, isso é demais para minha cabeça… — Gideon ficou sobrecarregado de informações.

— Seja como for, não posso te fornecer uma arma.

— E, porque!? — questiona Alaric, olhando fixamente para Zick.

— Um ferreiro faz armas especiais, aquelas que surpreendem e são realmente importantes. É como se colocássemos nossas almas nelas — Zick rebateu o questionamento de Alaric, o olhando mais firmemente. — Não posso criar uma arma sem qualquer importância ou propósito, você já tem uma arma com qualidades.

Aldebaram aproximou-se dele, com um sorriso grande em seu rosto, colocou a mão em seu ombro e proferiu:

— Por favor, amigo, faça isso. Tu me deve lembrar?

O ferreiro, o olhou de canto, fechou suas mãos trêmulas e respondeu:

— Tá bom, tá bom. Vamos fazer assim, vocês irão me trazer materiais e eu farei a arma.

— Que mudança rápida de pensamento, hein — indaga Alaric, provocando Zick.

— Eu realmente devo a Aldebaram, e meu deus Hefesto, me ordenou a fazer isso — afirmou com convicção.

Alaric, Aldebaram e Gideon, não questionaram.

— Sabia que poderia contar com você amigo hahaha! E que materiais devemos trazer? — perguntou Aldebaram com um sorriso enorme no rosto — Aço?… Mithril?

Ha-ha-ha, Não. Vocês irão até a forja de Hefesto.

O sorriso de Aldebaram cessou subitamente.

— Tá louco!? A forja fica em Estudenfel e aqueles lunáticos odeiam qualquer um que não seja de lá! — Aldebaram estava irritado e indignado.

— Ué, a arma perfeita só poderá ser forjada com aquele material — Zick deu com os ombros, fezendo uma cara de deboche.

— É tão perigoso lá, Aldebaram? — questionou Gideon, olhando para o guerreiro.

— Perigoso? Ir lá é uma sentença de morte.

Estudenfel, um reino formado por antigos gigantes tradicionalistas acima de Windefel, que ao serem extintos deixaram seus herdeiros, com os mesmos ideais. Com uma política fechada e ódio a estrangeiros, matando quem adentrava o território.

— Que foi? Tá com medo? Ó, grande guerreiro religioso — Alaric tirava sarro de Aldebaram.

— Eu? Hahah! Nunca. Iremos para forja de Hefesto — o guerreiro, orgulhoso, não demonstrava medo.

— Mas não é perigoso, pessoal? — Gideon, que sim estava com medo, perguntou.

— Medinho, Gideon? — provocava Alaric, olhando para Gideon.

— Medinho? Não, não.

— Então está decidido — Aldebaram abraçou os dois e olhou para o céu. — Próxima parada é Estudenfel garotos.

E assim a nova jornada pelos reinos congelados teria início, até a antiga forja de Hefesto, agora se tudo acabaria bem. Bom, não sabemos.

Por trás de uma parede, uma presença observava escutava tudo.

Depois de terem falado com o forjador, os três decidiram ir até uma estalagem passar a noite. Caminhando pela rua de pedra compactada, perceberam uma grande movimentação de soldados.

— Nossa, quantos soldados — comentou Gideon surpreso.

— Isso se dá graças a tensões da região — respondeu Aldebaram, observando os soldados passando.

— Tensão? — questionou Alaric.

Os três caminharam alguns metros e pararam à sombra da fachada de uma loja. Gideon e Aldebaram sentaram-se no meio-fio, enquanto Alaric permaneceu em pé, encostado na parede.

— Sim, tensão. Tudo se deve ao lugar que estamos indo, Estudenfel — Afirmou o guerreiro, sentado com os braços por cima das pernas.

Gideon, inclinou-se para trás, se apoiando nas mãos e perguntou:

— Bom, mas lá não é só um reino que não aceita estrangeiros? 

— É, isso também, mas a questão é mais complexa que apenas isso, garoto — respondeu Aldebaram, com um franzir bem sutil de sobrancelhas.

Alaric de braços cruzados, encostado na parede, com sarcasmo falou:

— Olha, não sei se você funciona a moedas, mas poderia falar tudo de uma vez, só dessa vez.

Ah, meu jovem e impaciente Alaric. — Ele olhou para o jovem. — Na vida a dois tipos de pessoas, as sarcásticas e as legais, adivinha em qual você se encaixa melhor?

— Tanto faz, só diga tudo logo sem rodeios — pediu Alaric, já bem impaciente.

Aiai…Tá bom, tá bom.

Aldebaram explicou que Estudenfel, só era daquele jeito por se prenderem a raízes gigantes, ou seja, a cultura antiga, sendo bem tradicionalistas e, que eles odiavam os outros reinos nórdicos por se “renderem” ao modernismo. Sendo assim, eles poderiam tentar invadir a qualquer momento.

— Isso é bem sério, mas porque ainda não invadiram? — indagou Gideon.

Aldebaram tacando pedrinhas na rua, respondeu:

— Bom, porque eles ainda não tem um exército realmente poderoso para lidar com os países nórdicos.

— Então vamos logo para Estudenfel, antes que iniciem a guerra — sugestiono Alaric, ainda de braços cruzados.

Após isso, os três decidem ir a uma estalagem, passar a noite e sair bem cedo.

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Enquanto isso no palácio real de Windefel, há uma agitação incomum.

— Meu Rei. — Um homem desconhecido ajoelhou-se.

— Vejo que trás informações — respondeu o Rei, sentado no trono. 

— Sim! Meu rei. Aldebaram está na cidade.

Ao proferir essas palavras, todos na sala do trono se aquietaram, e o rei sorriu.

— Traga-o aqui, imediatamente! — ordenou o rei, com uma expressão de felicidade genuína em seu rosto.

— Meu marido? O que te deixa tão feliz, nessa notícia? — questionou a mulher ao lado direito do rei.

Um homem vestido com uma armadura elegante e fina, feita de Mithril, destacou-se no meio dos outros nobres.

— Eu também não sei, ele é apenas um guerreiro, filho de uma família nobre falida que, nem existe mais.

— Silêncio, Darian! — O rei exaltou-se um pouco.

O cavaleiro, obedeceu e abaixou a cabeça.

Um homem ao lado esquerdo do rei, aproximou-se do ouvido de sua majestade e sussurrou:

— Meu senhor, cuidado com as palavras, lembre-se de quem ele é.

— Eu sei… — O rei colocou os dedos na testa, e continuou: — É o Barão Cavaleiro, que responde pelo interesse do exército.

— Exatamente, meu rei, e um descontentamento maior e ele pode simplesmente liderar uma revolta militar, que não preciso nem dizer, que não podemos lidar agora — disse o homem, olhando para frente ao lado do rei.

O homem ao lado do rei era seu conselheiro Arician, ele era um homem de meia-idade, que possuía uma presença marcante e expressão serena. Vestindo trajes elegantes e discretos, que refletiam sua posição próxima ao rei.

Na corte também estavam presentes Ladros (Barão camponês), e a mulher ao lado do rei, a rainha de Windefel, Seraphina.

O rei relutou, mas entendeu e seguiu os conselhos de seu conselheiro.

— Tenham paciência, assim que Aldebaram estiver na corte, vocês entenderão o porquê de eu requerir sua presença.

Com essa fala, todos ali presentes acalmaram-se.

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Em um lugar caindo aos pedaços, feito de madeira, mas ao que parecia podre nesse momento, se encontravam os três; Aldebaram, Gideon e Alaric.

— Seria melhor você responder a moedas mesmo, guerreiro, pelo menos agora teríamos dinheiro para algo melhor que essa espelunca — reclamou Alaric, ainda sendo sarcástico.

— Mais uma reclamação e você será arremessado, vai voar mais que as espadas de luz — rebateu Aldebaram, já irritado com Alaric.

— Calma, calma, nem é tão ruim assim. — Gideon falou isso, mas acabou de ver um rato passar entre seus pés.

Alaric sentou no que parecia ser uma cama.

— Realmente não é tão ruim, temos até ratos para nos servir.

Esse foi o único local, que o bolso de Aldebaram, conseguiu suportar. Eles passaram por várias estalagens antes, mas os preços eram exorbitantes, até encontrarem este local. Que aceitou os abrigarem, com a condição de que no outro dia cedo eles pegassem lebres.

No interior de um quarto com parte do telhado desfeito e estrutura de madeira exposta, cupins moviam-se de um lado para o outro. Ratos eram presença constante, ocupando o espaço escasso que continha apenas duas camas com colchões finos. Um odor pútrido permeava o ambiente, possivelmente devido à presença de ratos mortos nas proximidades.

— Bom, teremos que dividir a cama — disse Aldebaram com um sorriso.

Ah, eu não! — Gideon pulou na cama vaga.

A cama quebrou e Gideon caiu no chão.

Hahahahah!

Hahahahah!

— Ei! Não riam!

Aldebaram e Alaric, após darem boas risadas, param. Alaric, foi na direção de Gideon e estendeu a mão.

Gideon a agarrou e levantou, após sacudir um pouco a poeira, arrumou o colchão no chão e deitou. Aldebaram, deitou na cama vaga, praticamente ocupava a cama inteira.

“Como essa cama não quebra?” Se questionou Alaric mentalmente.

Alaric, foi até a pequena varanda do quarto, e ficou observando a rua, o silêncio e a plenitude reinava. Ninguém passava na rua, apenas soldados com tochas. Alaric observava a lua, imaginando quando iria reencontrar Luna, ao pensar nisso seu coração acelerou.

"O que é isso?” Se perguntou Alaric.

Gideon rolava de um lado pro outro, mas não conseguia dormir, sua mente também estava cheia. Pensamentos iam e vinham.

— Aldebaram? — falou Gideon.

— Oi, garoto.

— Você acha matar, errado? 

— De novo com isso, Gideon? — indagou Alaric.

— Bom, acho que a morte é um ciclo natural, garoto

— Mais matando, não estando forçando esse ciclo? Não seria mais algo natural, certo? — questionou Gideon.

— Quer saber, conversem vocês, tô indo dar uma volta! — exclamou Alaric, que logo pulou da varanda da estalagem.

Aldebaram passava a mão pelo cabelo, e olhava para cima. Era um homem que já havia passado por muitas coisas. A lua podia ser vista, pelo grande buraco no teto.

— Você está certo garoto, nunca tivemos o direito de tirar a vida de alguém — respondeu Aldebaram.

— Então, você acha matar errado? — perguntou novamente Gideon, interessado na resposta.

Aldebaram voltou seu olhar para a lua e ergueu a mão, obscurecendo a luz lunar. Nessa mão iluminada, tornaram-se visíveis marcas e cicatrizes, testemunhas de inúmeras batalhas e lutas travadas ao longo do tempo.

— Sabe, Gideon. Seria hipócrita da minha parte afirmar que matar é errado, após ter ceifado inúmeras vidas. Posso recorrer a diversas justificativas; era uma ordem, parte do meu trabalho, era ele ou eu. No entanto, isso nunca alterará o fato de eu ter encerrado uma vida. — desabafou, com uma lágrima em seus olhos.

— Então você é igual o Alaric — afirmou.

Aldebaram foi pego de surpresa e virou a cabeça na direção de Gideon.

— Como assim?

Gideon olhando para o teto e com as mãos por cima da barriga, respondeu:

— Porque você é igual a ele, você enxerga o valor da vida, mais que qualquer um. — Ele sorria. — E, igual ele, você não quer matar.

— Como assim, enxergo o valor da vida? Se eu mato pessoas? — questionou confuso.

— Bem... Você e Alaric enfrentam as consequências dos atos, não se esquivam de assumir a responsabilidade pelas mortes. E eu? Estou aqui questionando a moralidade de matar, pois busco uma desculpa para aliviar a culpa que carrego pela morte de um homem.

— Mas Gideon, tentar arrumar desculpas, é o melhor a se fazer para não ficar mal.

— Sim, mas ao arranjar desculpas, eu retiro minha culpa e banalizo a valor daquela vida. Por isso eu não enxergo o valor da vida, igual a vocês.

O Guerreiro, silente, optou pelo silêncio e dedicou-se a contemplar o céu. Enquanto isso, lágrimas marcavam o rosto de Gideon, e o quarto agora se impregnava com a densidade da melancolia.

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Notas:

Deuses citados para caso não seja de seu conhecimento:

- Hefesto, deus grego da forja.

- Osíris, deus dos mortos e responsável pelo além.

- Yu huang, deus chinês, também conhecido como imperador de jade, senhor dos céus.

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