Volume 1

Capítulo 1: Nascimento do Predestinado

Era uma noite clara graças a imponente lua no céu, mas por algum motivo mais fria que o comum. O vento uivava entre as casas que mais pareciam abandonadas. Quase todas essas casas tinham suas luzes ou tochas em descanso. Menos uma, que mantinha a claridade que escapava pela pequena janela. Dê lá, um choro estridente ecoava.

— Calma, calma — Um homem já velho, balançava com cuidado um bebê de olhos azuis em seus braços. — É um belo bebê, senhorita Santica.

Enquanto embalava o pequeno bebê, o homem dialogava com uma mulher de aparência jovial, embora exausta na cama. Seus olhos azuis, semelhantes aos do bebê, pareciam um oceano em meio ao globo branco. Cabelos brancos caíam delicadamente sobre seus ombros. E, um colar prateado adornava seu pescoço.

— Meu filho… — Um belo sorriso singelo iluminou seu rosto enquanto ela esticava as mãos, tentando alcançar o bebê. — Meu lindo filho…

— Te darei ele, mas logo vou levá-lo, pois você precisa descansar. — O homem, com cuidado, entregou a criança nas mãos da mãe.

— Dolbrian… — Ela pegou o bebê, retrocedeu os braços, colando o corpo da criança em seus peitos. O que fez o bebê cessar o choro. — Você é tão cuidadoso… É como um pai para mim.

Dolbrian ficou sem jeito, colocou a mão na nuca e sorriu sem graça. Ser chamado de pai era algo diferente para ele. Contudo, o sorriso logo cessou, e um olhar sério dominou sua feição.

— Senhorita Santica… O bebê, ele é o escolhido… O que faremos?

Ela olhou para o ancião preocupada, voltando o olhar para o bebê. Suas mãos apertaram a criança, como se já soubesse todo o significado disso.

— Eu não sei, Dolbrian… Se meu pai descobrir quem ele é… — Seu olhar ficou vazio enquanto ela tentava acariciar a criança. — Nunca poderemos contar para ele quem realmente é. Me prometa, Dolbrian, me prometa que nunca irá contar.

O homem escutou aquelas palavras e, por um instante, hesitou em esconder da criança quem de fato ele era. Parecia cruel demais. Mas, no fim, sempre foi o melhor a ser feito. 

Ele baixou a cabeça, seu olhar fixou-se no chão de madeira já desgastado da casa, antes de se voltar para Santica, demonstrando determinação.

— Eu prometo. — No entanto, havia algo que ele ainda desconhecia e decidiu perguntar: — E qual será o nome dele?

Ela ouviu a pergunta, dirigindo o olhar para o bebê já adormecido em seus braços. Acomodou-se na cama, que não era nada confortável, e então retornou o olhar para Dolbrian. Sorrindo, proclamou:

— Ele se chamará Gideon.

— Um belo nome. — Ele inclinou a cabeça levemente para o lado, com um sorriso discreto. — De onde foi inspirado?

— De uma amiga minha. Ela veio de Re’loyal e me sugeriu o nome Gédéon; eu apenas o adaptei à nossa cultura. 

Santica, mesmo tendo dado à luz há poucos instantes, parecia já plenamente recuperada, algo impressionante que Dolbrian decidiu não comentar, mas que o deixou intrigado. No entanto, ele notou uma certa melancolia na moça após mencionar essa tal amiga, como se algo a entristecesse.

Ele iniciou um curto caminhar, criando o som dos tábuas rangendo sob seus passos. Ao se aproximar da mulher, abaixou-se, levando sua mão já calejada ao ombro dela.

— O que foi...? — Seu olhar suavizou enquanto tentava entender o que se passava. Um silêncio ensurdecedor seguiu a pergunta, constantemente quebrado por estalos das chamas das tochas.

Ela virou o olhar para o ancião, guiando-o até a mão em seu ombro e depois para o bebê ainda adormecido. Aquele olhar começou a se umedecer, ficando cada vez mais distante.

— Ela... Ela... — Fechou os olhos com firmeza, impedindo que qualquer lágrima escapasse. — Não quero falar sobre isso.

— Mas-

Dolbrian antes de poder terminar a pergunta, um som incomum do lado de fora começou, vozes e mais vozes, passos pesados como se algo estivesse agitando as coisas do lado de fora.

— O que é isso? — perguntou Santica.

— Não sei, vou verificar. — Ele esticou as mãos para pegar o bebê de volta. — Você precisa descansar agora, me entregue o bebê.

Ela hesitou, mas não tinha outra escolha, e entregou o bebê nas mãos do ancião. Ele desejou boa noite e começou a sair da sua humilde casa.

No lado externo, muitas pessoas se aglomeravam por algum motivo, em uma espécie de praça esquecida pelo tempo que ficava à frente de sua casa. O local era espaçoso, mas em situação deplorável. A única atração visível era a fonte no centro, com água podre, emitindo um cheiro desagradável que permeava o ar gélido. O chão de terra era áspero sob os pés dos presentes, enquanto as casas ao redor desmoronavam aos pedaços. 

Dolbrian balançava o bebê que estava coberto por uma manta, observando toda aquela agitação incomum e ponderando sobre o que poderia estar acontecendo. As pessoas ao redor pareciam ansiosas, perplexas, talvez curiosas. Todos tinham o olhar fixo à frente, e Dolbrian fez o mesmo, podendo assim perceber o motivo da comoção.

O que viu foi um homem imponente avançando pelo solo terroso em direção às pessoas; seus passos ressoavam contra o vento uivante e levantavam poeira pela firmeza com que eram executados. Seus cabelos negros dançavam em harmonia com a brisa noturna, enquanto sua armadura prateada reluzia sob os raios da lua.

Ele continuava adentrando a multidão, aparentemente desinteressado por todos ali, mas, para surpresa de Dolbrian, o homem fixou seus olhos nele e acelerou seus passos em sua direção. Embora pensasse em recuar e voltar para casa, o ancião decidiu esperar para entender tudo o que se passava.

O homem chegou próximo a Dolbrian, retirou um papel de seu bolso, um papel no mínimo requintado, provavelmente mais caro que todo o local ao redor.

Após olhar para o papel e, em seguida, fitar Dolbrian, o homem virou-se, dando as costas ao ancião, e lançou seu olhar penetrante sobre todos os presentes.

— Atenção! Todos cidadãos de Reven! — começou o homem, com uma expressão muito séria. — Por decreto da capital real. Este bebê conhecido como escolhido, será levado!

— O que!? — Dolbrian assustou-se imediatamente. Como a realeza poderia ter essa informação? Ele nunca havia compartilhado com ninguém.

A surpresa não ficou restrita ao ancião; todos os presentes reagiram de forma semelhante. Primeiro, descobriram que o pequeno bebê era um escolhido, e segundo, a realeza estava interessada em alguém da favela de Reven, um lugar abandonado pelas autoridades.

As pessoas também ficaram curiosas sobre quem era aquele homem e qual era sua importância para a capital. Mas ao observarem o brasão em sua armadura, tiveram suas respostas. Ele era um cavaleiro da classe espadachim, membro de uma das famílias mais importantes da capital. O ancião não tinha opções: entregava o bebê ou seria acusado de resistência às ordens reais.

— Como? E por que? O que o Rei quer com esta criança? — perguntava o ancião, seus olhos indicavam tensão, seus ombros estavam rígidos, suas mãos começavam a apertar o bebê em seu colo. — Me diga o porquê!

O cavaleiro virou-se para ele e, franziu a testa, junto das sobrancelhas, a quantidade de perguntas entraram na sua cabeça e o estressaram. Ele deu um passo para trás e colocou a mão em sua espada, uma espada que se fosse sacada, ficaria manchada de sangue. No entanto, se recompôs, respirou fundo e acabou falando:

— Irei explicar então. Como sabemos? Simples informações voam como vento. Porque? Ele é o escolhido, não é mesmo? Então está aí a resposta da segunda pergunta. O escolhido deve ser criado na capital real, com todo o treinamento necessário para que ele se torne o mais poderoso e cumpra seu destino e dever.

De repente, uma figura que exalava imponência se destacou em meio a multidão, com cabelos loiros e olhos verdes, tendo uma estatura mediana.

Atrás dessa figura, uma outra silhueta desconhecida saia do local, a passos largos. Até que finalmente sumiu.

Ao avistar a primeira figura, o Cavaleiro imediatamente ajoelhou-se. Com poucas palavras firmes, todos seguiram o exemplo e essas palavras foram:

— Que isso tudo se encerre! Em meu nome, Príncipe Darwin! — Ele estava com uma postura ereta, digna da realeza. 

A respiração do Cavaleiro ficou irregular e mais pesada. Seus olhos vidraram no príncipe e sua expressão era a de confusão total. No meio dessa confusão, ele perguntou: — Meu senhor! O que está fazendo aqui?

— Meu deus me disse para vir aqui, assim fiz e agora entendo o porquê. De agora em diante, não deixarei que alguém o tome de seus familiares.

— Mas senhor — disse ele, que ainda estava com os olhos arregalados e começando a ficar desesperado — é uma ordem da capital real, do próprio Rei Bartolomeu!

Todos aguardavam ansiosos pelas próximas palavras do príncipe, conscientes de que estas poderiam mudar tudo. Ele se aproximava do grande homem, a cada pequeno passo, dava a impressão de estar esmagando a todos, era como se subjugasse todos ao seu redor. Os olhares de todos fixos nele, uma aura inexplicável emanava, tornando sua presença indescritível.

— Me dê este papel, que está a ordem real — falou o Príncipe e ninguém poderia recusar ou teria a coragem de fazer isto.

O cavalheiro entregou o papel em suas mãos, e ele simplesmente o rasgou diante de todos, proferindo as seguintes palavras: 

— Este bebê está sob a minha proteção. Quem ousar tocar ou sequer pensar em tocar nele, terá que se entender comigo, o Príncipe deste reino! — Este era um aviso que ninguém iria ousar desrespeitar.

O Cavaleiro estava desesperado, até porque era sua cabeça que estava em jogo.

— Meu senhor… — Ele estava com as mãos trêmulas e seus olhos ainda arregalados. — O que eu digo ao rei? 

O Príncipe fixou os olhos nele de maneira singular, um olhar que, de alguma forma, transmitiu tranquilidade ao cavaleiro. Colocou a mão sobre seus ombros tensos e afirmou: 

— Fique tranquilo, eu cuidarei disso com meu pai. E você. — Apontou para Dolbrian, que desde que o príncipe revelou-se, decidiu permanecer-se em silêncio.

— Meu príncipe… O que deseja?

— Cuide bem dele. Acima de tudo, conte com meu apoio em questões envolvendo a família real.

“Se você soubesse quem ele é…jovem príncipe, quem é a mãe dele…” pensava o ancião que assentiu com a cabeça.

Com tudo resolvido, o cavaleiro partiu em seu cavalo em direção à capital real. O Príncipe, que surgiu de forma abrupta, desapareceu da mesma do mesmo jeito. Após uma noite tumultuada com a presença de figuras imponentes, todos exaustos dirigiram-se às suas casas.

O ancião decidiu levar o bebê de volta à mãe, mas ao chegar ao quarto, um ar estranho pairava, causando arrepios.

— Santica, voltei. Você não acredita, no que... — Ele viu pequenos pingos avermelhados no assoalho. Abaixou-se, passando o dedo. — Vinho? Não... não temos vinho em casa... Santica!

Dolbrian abruptamente levantou-se e começou a correr em direção aos aposentos da moça. Quanto mais se aproximava, mais forte ficava o cheiro, um odor forte de sangue. À medida que avançava, via que aquelas marcas no chão começavam a tomar formas de solas de alguma bota. "Alguém esteve aqui!"

— Santica! — Nenhuma resposta, até que ele finalmente chegou ao quarto, e seu coração por milésimos parou, acelerando em seguida de maneira descontrolada. Suas pupilas dilataram. Suas pernas fraquejaram. — Santica!

Em sua visão, a cama onde Santica repousava, agora era um mar vermelho, havia braço largado caído da cama, e um filete de sangue corria por ele até ter fim na ponta dos dedos e despencar ao chão. Seguindo esse braço, um corpo antes belo e cheio de vida, agora pintado de carmesim. O ar pesou como se o cheiro podre do sangue estivesse solidificando-se.

— Santica! Santica! — Dolbrian correu e se jogou aos pés da cama, balançando o corpo dela, mas as respostas não vinham. — Por favor! Acorde! Filha!

O termo "filha" escapou naturalmente, sem intenção, e aquele pai agora via sua filha sem vida acima dos lençóis antes limpos. Mesmo com toda gritaria, ninguém veio em socorro do homem, como se o som simplesmente não saísse da casa. Contudo, o bebê assustou-se com toda a situação, começando a berrar.

— Meus deuses… Por favor… Me ajudem… — O cheiro invadia suas narinas, e o silêncio cruel era quebrado pelos berros do bebê. Dolbrian se via perdido, sem qualquer resquício de esperança. — Alguém! Por favor! Alguém!

Seus gritos continuavam ineficazes, pois ninguém ainda vinha; ele estava sozinho, ele e o bebê. De repente a luz lunar inundou o quarto pela pequena janela, iluminando o corpo da moça como se uma divindade estivesse conduzindo sua alma para o além.

O bebê berrava sem parar, como se soubesse da morte de sua progenitora diante dele. O ancião não era capaz de mexer um músculo, e as lágrimas que estava tentando conter até aquele momento começavam a escorrer pelo seu rosto. Subitamente, a luz da lua envolveu o jovem "Escolhido", como se o estivesse acalmando, e de fato o acalmou.

— Luna…? — O ancião não entendia o que poderia ser, mas suas crenças o levavam a acreditar que era a deusa Luna, a responsável por tais atos. Isso trouxe uma pequena faísca de esperança; talvez os deuses ainda zelassem por ele. E as lágrimas, mesmo que mínimas, foram transformando-se em gotas felizes.

Dolbrian então ajoelhou-se sobre o sangue que escorria pelo chão e agradeceu à deusa Luna, prometendo que, dali em diante, criaria o pequeno escolhido como um filho, ou melhor, seu neto.

— Eu prometo, minha deusa. E como prova de minha promessa, mudarei meu nome neste dia! — Nomes neste reino eram de extrema importância, quase como uma questão religiosa. — A partir de hoje, me chamarei Dolbrian Stormheart. 

Então Dolbrian olhou para o corpo esvaido de qualquer resquício de vitalidade.

— E quanto a você senhorita Santica... Eu preciso prometo, nunca contar ao Gideon o que houve com você.... E quem é a verdadeira família dele.

"Stormheart" era o suposto sobrenome da mãe de Gideon

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Um mês se passou desde o triste ocorrido da morte da mãe de Gideon.

Buaaaaaaaaaaaa!!

— Ele não para de chorar meus deuses… O que eu faço? O que eu faço!? Ah, já sei! — Ele colocou as mãos sobre o rosto e simplesmente as tirou, gritando: Achou!

hehehe! — Inacreditavelmente isso deu certo e o bebê começava a rir sem parar.

— Cadê o vovô?......Achou!

— hehehe!

— Vovô te dará algo de comer. Aliás, preciso conseguir mais leite materno… — Ele franziu a testa e desviou o olhar, claramente desconfortável com a ideia.

Dolbrian saiu de sua modesta residência na favela do reino em busca de leite materno, percorreu as estreitas ruas Reve, o distrito pobre da cidade de Reven. Sob o céu azul, o vento balançava as folhas das árvores. Ao caminhar mais alguns metros pelas ruas de terra, ele se aproximou da modesta vendinha dos moradores, situada ao lado do esgoto a céu aberto da cidade. Já habituados ao odor, não se incomodavam mais.

— Bom dia, senhorita Andra. Como vai? — ele falou com um sorriso enorme no rosto.

Estreitando o olhar e forçando para tentar lembrar, ela respondeu: — Olá, mas quem é o senhor? 

— Oras, sou o Dolbrian. — Ele estava com um sorriso confiante no rosto. — Ah, deve ser minha mudança de visual, deixei a barba crescer.

Mudar muito a aparência era algo raro neste mundo, pois a imagem pessoal frequentemente refletia a identidade. Dolbrian, adotou um semblante de um homem idoso, porém bem preservado. Deixou a barba crescer que tinha sido a principal mudança, exibindo cabelos grisalhos e olhos castanhos, tornando-se um verdadeiro galã. A notável beleza exterior era acompanhada por uma igualmente notável humildade.

Aaaah, senhor Dolbrian! Hahaha! O senhor mudo tanto nesse novo visual, que nem te reconheci, mas então o que o senhor vai querer hoje? — perguntou Andra, como quem já sabia o que era.

Com um largo sorriso no rosto, ele respondeu:

— Estou à procura de leite materno, para meu amado neto. — Simplesmente falar "neto" causava tal efeito. Mas logo após o sorriso, vinha o desvio de olhar pelo desconforto de buscar o leite.

— Já imaginava. — Ela entrou no beco, onde ficava parte de sua mercadoria, e voltou com uma garrafinha de leite. — Tome.

Dolbrian pegou, meio sem jeito. Mas uma dúvida pairava na sua mente, ele tomou coragem e perguntou:

— Onde você arruma esse leite?

— Isso… É um segredo de vendedora — Ela respondeu com um sorriso.

Como Andra, nada ia revelar. Dolbrian, retornou rápido para casa com o leite em mãos, pois o bebê era mais importante que suas questões. Até porque, ele estava com seu amigo e obviamente: o vovô estava sentindo falta de seu neto. 

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