Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 40: Fator humano

Victor continuou insistindo para que Hiroshi viajasse com ele por mais alguns dias, mas sem resultado, certa manhã ele desapareceu sem deixar mensagem alguma para trás. 

— Tem certeza de que ele está bem? — perguntou Hiroshi para Pavlov. 

— Claro, de vez em quando ele faz isso. 

— Mas quem vai ficar no lugar dele agora? 

Pavlov colocou sua mão sobre o ombro de Hiroshi, entregou um avental e sorriu. 

— Parabéns, você acaba de ser promovido! — Então virou seu rosto e sussurrou. — Boa sorte... Eles já devem estar te esperando na cozinha. 

— Eles? 

— Agora são... Sete e quarenta e dois? Você está atrasado, bom se apressar. 

— Como assim eu estou atrasado? O que era para eu fazer? 

— Eles te explicam, vai lá. 

Hiroshi andou apressadamente até a cozinha. Nesse ponto, ele já não precisava de guia para se localizar na mansão. 

— Para que tanta comida?... Alguém precisa de ajuda? 

Diferente de quando cozinhava com Victor, a cozinha estava um caos. Pessoas indo e voltando em um espaço bagunçado e lotado, esbarrando umas nas outras, com xingamentos e gritos reclamando sobre atrasos, machucados e acidentes por todos os lados. 

— Ainda não terminou de ferver a água!? 

— Culpa desse imbecil que acha que metade da cozinha é inteira dele! 

— E você? O que está fazendo aí parado? Vai cortar alguns legumes, lavar uma louça, sei lá! 

Sem questionar, Hiroshi entrou nesse fluxo de trabalho caótico, fazendo todos os tipos de tarefas, sem descanso, por quatro horas seguidas. 

— Muito bem, pausa para o almoço! — E todos fugiram o mais rápido possível da cozinha ao ouvir esse anúncio. 

— Finalmente... — Hiroshi estava totalmente devastado. Seu corpo estava bem, mas sua mente estava esgotada como se tivesse tido cem duelos consecutivos.  

Depois dessa debandada, um novo grupo veio e em cinco minutos, a cozinha estava completamente limpa e organizada como se nada disso tivesse acontecido. Depois dessa limpeza, o único restante lá era Hiroshi. 

Lá, lá, lá, tro, lo, lo... Hiroshi!? O que está fazendo aqui? — Uma face familiar chegou na cozinha alguns minutos depois, um dos ajudantes de Victor, que cantarolava tranquilamente. — O nosso turno é depois deles, por que chegou tão... Ah, ele nos abandonou de novo, não é? 

— Como que eu nunca vi, como que o Victor nunca falou deles antes? —perguntou Hiroshi. 

— Que maldade o Pavlov te enviar para eles no primeiro dia, será que ele te superestima? Você até pode ser um monstro cozinhando, mas não liderando... — E ele começou a preparar as coisas para cozinhar. — Pode descansar hoje, eu cuido disso. 

— Está tudo bem, eu te ajudo — disse Hiroshi, se levantando desajeitadamente. 

— Bom ir se preparando se pensa que vou recusar. — O ajudante falava em russo, apesar de saber japonês, a pedido de Hiroshi, que estava treinando o idioma. — Como hoje é um dia da semana, é um dos pratos de rotina, acabou a farinha?  

—Ainda sobrou um pouco, do lado do açúcar, se precisar de mais eu busco no depósito.  

Hiroshi se alongou, lavou suas mãos e começou a cozinhar o almoço dos Pavlov. 

— E aí, o que achou deles? — perguntou o ajudante. 

— Estressante. Como que o Victor lida com eles? 

— Ele não. Um dia ele chamou todo mundo lá de incompetentes e nunca mais tentou ajudar eles. 

— O Pavlov não podia contratar outras pessoas se eles são tão ruins? 

— Acho que é de propósito. De início ele não mandava o chefe cuidar do almoço dos funcionários, mas depois da terceira vez que ele viajou sem avisar, o Pavlov demitiu o antigo segundo chefe e mandou o Victor fazer o trabalho dobrado.  

— E agora vai sobrar para mim? 

— Sinto muito, mas sobre isso não posso fazer nada. 

— Será que eu peço para o Pavlov contratar outra pessoa? 

— Pode até tentar, mas acho difícil funcionar. O último que ficou a cargo disso pediu a mesma coisa e teve que aturar ainda mais problemas por causa de um velhinho bravo meio biruta que contrataram como chefe por seis meses. 

— Será que o Pavlov está tentando encontrar alguém para substituir o Victor? 

— Existe essa chance. Dúvidas solucionadas? 

— Sim. 

— Então de volta ao trabalho. 

No dia seguinte, Hiroshi acordou no horário e decidiu apenas observar novamente como eles trabalhavam. 

— De novo você parado? Na próxima vez eu vou jogar essa panela na sua cabeça! 

— Eu trabalho no outro turno. 

— E eu com isso? Se vai ficar aqui vadiando, melhor ajudar! 

— Não quero soar arrogante, mas fui colocado aqui no lugar do seu chefe anterior então é melhor falar com um pouco mais de respeito... Pelo seu bem. 

Ela deu uma longa gargalhada, atirou a panela na direção de Hiroshi, que desviou, e dois outros tiveram que correr para segurá-la e impedir que começasse uma briga. 

Nesse mesmo dia, Hiroshi passou uma hora elaborando um plano para organizar e aumentar a efetividade da cozinha. 

Ele chegou meia hora antes do expediente começar no dia seguinte, mas ninguém o escutou. 

— Eu entendi, não vou tentar argumentar, o que é para eu fazer? — perguntou Hiroshi. 

— E eu lá sou sua mãe para ficar te dizendo o que é e não é para mexer? Se vira! 

Nesse dia, o ajudante do segundo expediente encontrou um corpo estirado e pisoteado no chão da cozinha. 

— Hiroshi!? Você está bem? 

— Estou... Estou. Bem. 

— Dessa vez eu digo de verdade, vai descansar um pouco que eu cuido do almoço. 

— Não! Eu estou... Bem. 

Depois de terminar o almoço, Hiroshi passou todo seu tempo livre pensando em um novo plano e em uma forma de contar esse plano para não ser ignorado. 

— Eu não estou sugerindo, sai daqui e vai descansar. 

— Eu estou... — E Hiroshi desmaiou. 

Falha completa. 

Depois de se recuperar, ele varou a noite pensando em planos A, B, C e D. 

Falha completa. 

Ele usou a modificação de percepção do tempo para estender o dia e trabalhar trinta dias em três. 

Falha completa. 

Finalmente, depois de dez dias físicos, eles finalmente escutaram e decidiram seguir as ordens de Hiroshi, mas isso estava longe de ser uma vitória. Toda vez que ele tentava resolver as coisas, tudo piorava ainda mais.  

Apesar de resolver a questão da segurança e dos acidentes, ele estava se atrasando em tempos preocupantes ou tendo uma queda notável na qualidade da comida, o que estava gerando revoltas entre os outros empregados.  

Pavlov conseguiu reprimir um pouco disso, entendendo que Hiroshi estava tentando resolver um problema que ele mesmo havia criado, mas fez isso dizendo que não conseguiria fazer isso por muito mais tempo antes de haver uma greve ou motim. 

Mais dois dias se passaram e Hiroshi, assim como Victor, perdeu a paciência e desistiu por completo, permitindo que o primeiro expediente fizesse tudo do jeito que achassem melhor. 

— Certas questões humanas não podem ser resolvidas apenas com lógica! Li isso em algum livro da biblioteca... — disse o ajudante do segundo expediente. 

— Talvez eles só funcionem sobre pressão? Não, eu devo ser o problema. Eu sou um fracasso. 

— Não se culpe tanto, se nem o Victor conseguiu resolver isso em um ano, não é você que tem que fazer isso em um mês. 

— Quanto mais sobre a cozinha eu estive negligenciando? Será que eu estou mesmo pronto para abrir uma padaria? 

— Você não está. Por isso, que tal me contratar para resolver essas coisas? 

— Está falando sério? 

— Eu sempre quis conhecer o Japão, estamos indo lá de qualquer jeito e eu não aguento mais lidar com o Victor... 

— O salário... 

— Lidamos com isso depois! 

— Contratado? 

Assim, Hiroshi deu o primeiro passo real para o seu sonho. 



Comentários