Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 39: Propostas de emprego

Ao entrar na biblioteca, um enorme candelabro tomou o olhar de todos, com um intenso brilho que Hiroshi levou algum tempo para se acostumar. Cada canto, por menor que fosse, brilhava intensamente, cada livro, por mais simples que fosse, atraia a atenção para si, todo aquele lugar irradiava como uma estrela. 

Passado essa entrada triunfal, o primeiro corredor dos livros favoritos de Pavlov, as duas estantes, que davam a impressão do lugar ser menor que era, acabaram, dando espaço para uma sequência de escadas espirais que se entrelaçavam entre si. 

— Escadas de novo não... — comentou Hiroshi. 

A guia seguiu por uma delas, que levava ao quarto andar, onde Yoko esperava em uma mesa com uma longa chaleira, duas xícaras e alguns doces. 

— Fique à vontade — disse ela, oferecendo o prato com as guloseimas. — Algum livro aqui te interessou? 

— Esse lugar inteiro... Essa biblioteca é tão única que sinceramente nem tive tempo de dar atenção aos livros. 

— Pois passe a prestar. O propósito dessa biblioteca é como todas as outras. Não foi feita para ser apenas agradável ao olhar, mas sim para ser digna de armazenar o maior tesouro dessa casa. 

— Os livros? 

— Eles estão separados em categorias apontadas pelas placas, mas como estão em russo, pedi antecipadamente para que a tradutora fizesse essa lista. — E entregou um caderno com uma extensa lista de categorias de livros em russo, com as traduções ao lado.  

— Eu agradeço que tenha tido todo esse cuidado, porém, os livros daqui não estão em russo? Como eu conseguirei lê-los? 

— Para isso deixei grifado as categorias visuais, como os livros de fotografia e ilustrações. Escolha logo um para começarmos nossa conversa. — E ela começou a bater seus dedos na mesa, transmitindo descaradamente sua impaciência. 

Hiroshi procurou pela placa dos livros de ilustrações, desceu as escadas, escolheu um pequeno livro qualquer e subiu novamente. 

— Sobre o que gostaria de falar? — perguntou Hiroshi, se sentando, enchendo sua xícara de chá, cruzando suas pernas e abrindo o livro, imitando a pose da Yoko. 

— O que achou desse lugar?  

— É confortável. 

— O que acha de trabalhar como cozinheiro para nós? 

— Temporariamente? 

— Nenhum emprego no mundo é permanente. 

— Mas por quanto tempo? 

— O máximo possível. Você entraria em um emprego contando as horas para sair? 

— Mas e se eu tiver algo programado que me impedirá de trabalhar daqui a um certo tempo? 

— Para isso que existem folgas e férias. 

— Isso não é algo que posso resolver em uma simples folga. Eu estaria disposto a trabalhar aqui, mas só até chegarmos no Japão. Depois disso já não sei quanto tempo terei que me dedicar a essa nova tarefa. 

— Que tarefa seria essa? 

— Motivos pessoais, preferiria não contar. 

— Então estamos decididos? Emprego temporário até chegarmos no Japão... O contrato estará pronto até amanhã de tarde. 

— Por mim tudo bem. — Hiroshi fechou o livro e se levantou. É isso que tinha para falar? 

— Mais uma coisa. — Ela também fechou seu livro e olhou para Hiroshi pela primeira vez nessa conversa. — Se é por pena, é melhor que pare. 

— O que quer dizer com isso? 

— Não há necessidade de ser bom com o garoto, se suas motivações forem só pena. Já cometi esse erro uma vez. 

— Só porque ele não é seu filho biológico? Receio que não vou conseguir agir como deseja, pelo menos não nesse pedido. — A atitude de Hiroshi mudou instantaneamente ao ouvir essa frase. Ele se virou para ir embora, irritado, se relembrando de um enorme problema antigo relacionado a sucessão. 

— Eu entendo o motivo de você chegar a essa conclusão, mas não tem nada a ver com isso. Esse foi um conselho, não um pedido ou ordem, nada mudará para mim se você se relacionar ou não com ele... — A voz dela se tornou trêmula, lagrimas começaram a cair de seus olhos. — Mas se você preza mesmo pelo bem dele, não crie uma falsa esperança. Se você fosse morar aqui por um longo tempo, não haveria problemas, mas ver ele perder, ele sofrer mais ainda... Seria difícil demais. Ele já teve que se despedir de pessoas queridas vezes demais para idade dele.  

— Pensarei melhor sobre o assunto. 

E Hiroshi desceu as escadas espirais, incerto sobre se aquilo era uma atuação ou o sentimento genuíno dela.  

Ao abrir a porta, ele se deparou com o chefe de cozinha o esperando. 

— Hiroshi! Quer fugir daqui? — perguntou Victor. 

— Estava esperando que a conversa fosse tão mal assim? 

— Então foi uma conversa boa... Que inesperado. — E coçou sua barba, repensando seus planos. — Mesmo assim! Ainda mantenho minha oferta. 

— Podemos conversar em um lugar mais reservado? — Devido a todos esses gritos durante a noite, os outros empregados que passaram pelo corredor olharam com desgosto e cochicharam uns com os outros. 

— Quer ir conversar no açougue? 

— Não tem nenhuma sala mais normal livre? De funcionários, algo assim. 

— Me siga.  

E Victor subiu quatro andares, chegando até uma sala abandonada no topo da mansão, que dava visão para toda a propriedade. 

— Para lá! — disse Victor, apontando para a direção do labirinto. — Ao invés de voltar para o Japão, venha viajar comigo para conhecermos novas receitas e ingredientes! 

— Recuso. 

— Pense sobre isso com um pouco mais de carinho, por favor... 

— Em quanto tempo o Pavlov planeja sair daqui? 

— Um mês. 

— Vou ficar por aqui mesmo. 

— O que você tem de tão importante te esperando no Japão? 

— Uma dívida de mil anos. 



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