Volume 2

Capítulo 35: Declaração de guerra

                         

GUAYAYAYAYAAAAAAAAHH!!

— Acho que tá bom, não é?

— Você acha? — Sashi pergunta com ares de decepção.

— Com esse já são 100? — Coço a cabeça

— Nem sei. Parei de contar depois dos 60 — admite ela enquanto retalha mais um pesadelo urubu — com descarga de moto nas laterais do corpo, asas com o dobro de um corvo normal e, enroscadas em cada uma, um três oitão.

Sério, quem é o cria que adormeceu e sonhou com isso?

O que parece o último urubu monstro, com o rosto meio amedrontado, dispara uma rajada de desespero e erra muitos tiros. Já o último tiro vai na direção do rosto de Sashi e é defletido por um quase invisível balançar do braço da katana. A bala ricocheteia na lâmina incandescente e volta na cabeça dele.

HEADSHOT!

O bando inteiro é dizimado facilmente. Nem mesmo uma gota de suor escorre da testa lisinha da Sashi.

— Hoje esses pesadelos estão um verdadeiro pé no saco, né? — Sashi diz, embainhando a espada em um giro maestral.

Não muito tempo depois, um daqueles homens estranhos que sempre vejo acompanhar a Nádia em todos os lugares, todo vestido de preto e com uma máscara branca e neutra de emoji, surge de algum lugar.

Por conta da luta recente, Sashi ainda está alerta como um gato arisco, ameaçando brandir a katana para qualquer um que se aproxime demais.

— Quem é você?

— Vim a mando da Executiva Nádia — responde. — Para entregar isso.

Ele mostra uma bolinha dourada na mão e estende ela até nós, indicando que quer que nós a peguemos. Sashi se oferece para pegar a bolinha, ainda com uma pulga atrás da orelha.

— O que é isso? — pergunto.

— Um convite. — Ele se vira para ir embora. — Convite entregue, estou indo embora.

— ...?

— Que caras bizarros.

— Certo, mas como exatamente uma bolinha dourada poderia ser um convite? E um convite para quê?

A Sashi olha minuciosamente o item, mas ele não reage a nada. É apenas uma bolinha de ouro, do tamanho de uma bola de tênis, com alguns relevos e o símbolo de um mandala pintado de preto em cima.

— Será que isso faz alguma coisa? — Sashi se pergunta em voz baixa.

— Posso ver? — peço a ela o objeto.

Ela me entrega e então os relevos da bolinha dourada começam a brilhar de repente, me fazendo soltar a esfera no chão com o susto. Ela quica duas vezes e sai rolando até parar a alguns metros de nós, vibrando em espasmos e brilhando intensamente.

— Que você fez? — Sashi saca sua arma, se preparando para o pior.

— Eu não fiz nada! Eu...!

Antes que eu possa terminar de falar, aquela bola explode em uma bola de fumaça e ar quente. A onda de ar quente passa por nós, castigando meu rosto e dando não mais do que um empurrão forte.

Quando sinto que posso abrir os olhos, algo grande vai tomando forma entre a fumaça. Mesmo com silhuetas tremulantes, é possível ver que se trata de algo grande e... quadrado. Sashi balança sua espada para dissipar a fumaça e o que se esconde nela nos pega totalmente de calças arriadas.

— Quê?!

— Mas que...?

O que está ali diante de nós é um teatrinho de papelão! Duas cadeirinhas de criança colorida estão na frente, indicando que nós somos a plateia.

Mas que caralhos é isso?! Algum tipo de brincadeirinha? Cadê a câmera escondida? Olho para os lados, mas só tem o teatrinho.

Sashi se senta bem rápido, sequer tendo a decência de checar aquilo antes. E se aquilo ejetasse a gente para algum tipo de campo lúdico maluco? Alguma realidade utópica e bizarra criada pela mente autista com QI acima da média de alguém?

Eu sei que vou me arrepender disso, imagino ao suspirar.

Sento na cadeira e, para a minha surpresa, nada acontece ao longo de alguns segundos, além do ambiente ficar repentinamente mais escuro, até que apenas um feixe de luz sobrepujasse nossas cabeças. As cortinas do palco começam a se abrir e então...!

— Olá, abiguinhoooos! ~★

Eu não sei sequer como reagir àquilo, então fico com cara de bunda. Sashi segura um riso. Tem um boneco de pano daquele menino que comandava o evento na arena no dia dos testes, só que com uma voz tão fina e burlesca que fazia as imitações do Bernardo parecerem dublagens profissionais.

Sashi acena de volta.

— Oláaaaaaaaa!~♥

— Sério que tu tá respondendo?!

— Esse é um convite eeeeexxxxpecial para os fictors Calebe e Sashiiiii!! Parabéns, pipols, pela aprovaçãaaaaao!! ~★

— Fictors? Eu e Calebe? — Sashi pende a cabeça para o lado, confusa.

— Eles devem ter errado na hora de fazer essa put... convite — engasgo. — Eu acho. Afinal, quem sabe sobre a gente não sabe bem como nos classificar.

— É, imagino que tenha razão — concorda Sashi e ri como boba.

— Venha à sede da Mandala no Vila Olímpia, Rua Ribeirão Claro, n° 842, amanhã nesse mesmo horário. Não se atrasem, hein? ~★

— Tá bom, mas me responde uma coisa...

— Agora, iniciando processo de autodestruição em 3... — Um pavio queimando surge na cabeça do bonequinho tosco.

—...!

— Calebe? Isso é brincad...

— 2...

— Acho que isso não é uma brincadeira, não! Sashi!

— 1! ~★

BOOOOM!!

Um pouco antes do clarão, Sashi se joga sobre mim e me carrega para trás de uma árvore. A explosão cria uma bolha de pressão quente e arrasadora, empurrando tudo que estivesse no seu raio de alcance. No mundo real, é como se uma ventania extremamente forte, tipo um sopro, ocorresse e depois parasse.

O som estridente faz um zumbido chato sufocar minha audição por alguns segundos. A arvore nas minhas costas sacoleja violentamente e várias pitombas caem de uma vez. Capim, terra e poeira voam.

— Que merda... foi essa?!

— Eles queriam nos matar?

Controlando um pouco a respiração, enquanto o susto passa, procuro na minha mochila meu bloco de notas e um papel. Sempre ando com essas coisas, principalmente porque nunca sei se vou ter que voltar à vida de assalariado médio como estava tendo antes.

Não... isso não é mais opção.

Anotei o endereço que teria de comparecer amanhã, engolindo em seco. Vila Olímpia, Rua Ribeirão Claro, número 842. Daqui para frente, não tenho como ter ideia alguma do que virá.

Só posso contar com a Sashi para estar comigo e tentarmos vencermos a todos.

No dia seguinte, estamos no endereço dado. Diferente de antes, o prédio é um prédio comercial com muitas lojas. Praticamente um mini shopping. Há muitos pesadelos lá, mas a grande maioria são praticamente inofensivos e o restante sequer pode andar na frente da Sashi.

Pesadelos de várias formas, pequenas, grandes, gordas, magras, esticadas e outras parecendo um intestino deformado. É nojento. Procuro, como da outra vez, algo que se destaque no ambiente. Dessa vez, não encontro nada que chamasse tanta atenção além dessa pessoa.

— Nádia?

— Chegaram bem na hora. — Ela vem até nós, nos receber pessoalmente.

Mais daqueles homens pretos com máscaras de emoji surgem de vários lugares. Os pesadelos nos arredores fogem, mas eu sei que não é por causa deles que fogem.

É por causa dela. A presença esmagadora de Nádia.

— Que é isso? Quem são esses caras?

Tragedianos — responde ela. — São a principal força militar da Mandala e criados a partir de um fictor da alta cúpula.

— Então, não são pessoas de verdade?

— A grande maioria não — diz ela. — Mas basta de distrações. Você é o único que faltava para começarmos. Vamos andando.

— EU? Mas eu vi no horário...

Uma plataforma se forma debaixo de mim e da Sashi, com barulho de pedra sendo dividida e talhado e nos ergue no ar. O teto acima de nós se abre como um portão automático e vários andares acima também.

Somos levados pela plataforma de pedra mágica junto de Nádia e os tragedianos. Eles se mantem enfileirados, os braços entrelaçados a formar uma corrente inquebrável. É assustadoramente bizarro o quão organizados e robóticos são quando me lembro que alguns podem ser humanos.

Ao chegarmos no que seria o terraço do prédio, um pedaço do céu se abre assim os tetos abaixo. Ao passarmos pela parte fatiada do céu, alcançamos a entrada de uma grande mansão no meio de algum lugar fora do mundo.

Os tragedianos que nos cercam se espalham e outros somem de repente. Nádia sai andando na frente e faz um gesto convidativo.

— Por aqui.

Nós nos entreolhamos e seguimos a Executiva até o interior da mansão. Ao pisar no lado de dentro, fico sem fôlego com o que vejo. O hall de entrada é um espaço insano e indescritivelmente grandioso, com um teto que se lembra um céu estrelado em constante mutação, com auroras boreais passando, estrelas cadentes e corpos celestes brilhando no infinito.

Feixes de luz dourada dançam suavemente pelas paredes de mármore branco, criando padrões hipnotizantes. Uma fonte de água cristalina jorra no centro, seus jatos assumindo formas etéreas e dançantes antes de se dispersarem no ar.

As escadarias em espiral, feitas de cristal translúcido, parecem flutuar no ar enquanto nos levam a diferentes níveis da mansão, que se estende para cima como uma torre interminável. Ao subir, os corrimãos em espiral são entrelaçados com videiras cintilantes que cantam uma doce melodia celestial, enfeitadas com flores que brilham abarcando toda a palheta de cores.

Olhando para cima, posso ver varandas suspensas que se estendem como varandas flutuantes, oferecendo vistas encantadoras do interior da mansão ao passo que pequenos seres de luz voam entre nós.

— PU-TA QUE PA-RI-U! — Até soletro, quase sem ar.

— Impressionante!

Nádia solta um risinho lá da frente.

— Tive a mesma reação quando pisei aqui pela primeira vez — conta. — Ainda hoje me surpreendo com a paisagem.

A sala de estar principal é um espaço deslumbrante e aberto, com tetos altos que se desvanecem em um horizonte pintado à mão com nuvens vivas passando preguiçosamente no céu. Assentos flutuantes com mãos e pés, assim como candelabros, parecem desafiar a gravidade, enquanto lareiras ardentes emanam calor sem produzir fumaça.

A música etérea parece emergir do próprio ar, preenchendo cada canto com melodias reconfortantes e animadas. A energia daquele lugar é tão boa que me sinto revigorado, como se tivesse acabado de despertar do melhor sono da minha vida.

E lá dentro onde estão os outros fictors que participaram do evento junto comigo, entre eles Yatsufusa e o Rei de Latão. Para a minha surpresa, os outros dois são a empregada com tapa-olho e cara assassina e o boxeador das manoplas gigantes.

Nós fomos os únicos escolhidos?

— Todos chegaram, pelo visto, né? — Uma voz transcendental, se assemelhando a uma voz de uma multidão, sobrepujando a música do ambiente. — Permitam-me que eu me apresente adequadamente. Sou Liebe Krou Icht, o 7° presidente da Mandala. — A imagem de uma criança aparece em um telão imenso que surge de repente, nos assustando. — Todo esse espaço é criação minha e da minha Fictomancia, então não se preocupem, né?

De repente, os outros Executivos surgem de alguma porta astral que surge do meio do espaço, ocupando seus espaços em poltronas luxuosas que deveriam valer uma nota preta se fossem vendidas no mundo real.

A grande parte deles eu conhecia só de olhar, mas não sabíamos nada sobre eles. Somente Magic e Nádia são plenamente reconhecíveis. O menino com o pano de olhos pintados na cara volta a dizer.

— Irei fazer uma rápida apresentação para que os bois sejam devidamente nomeados, né? — A primeira poltrona em uma fileira de seis é iluminada. A poltrona onde o rapaz com olheiras, enfeitando um par de olhos mortos, está sentado com as pernas cruzadas e o dedo na boca. — 2° Executivo do Norte, Karma.

Ele acenou para nós com a coragem e o ânimo de um emo.

— Oi.

A próxima se acende. É a poltrona da menininha serelepe de vestido de princesa preto.

— 1° Executiva do Norte, Princesa Carrapeta, né?

— Oi, oi, oi, oi!! Hihihi! É um prazer conhecer vocês, amigos! ♥

Ela é totalmente o oposto do outro! Como pode?!

A próxima se acende e revela o sério e empertigado mordomo, sentado com braços cruzados e rosto impassível.

— Executivo do Centro-Oeste, Valkenstein T. Verona! — apresenta.

Ele não responde nada e nem acena, permanecendo com a mesma expressão analítica. Nem o velho Charles era tão sério quanto esse cara, credo.

— Executivo do Sul, King! — A poltrona do menino vestido de rei se acende, com ele sentado em uma postura imperiosa que exala desdém.

— Bah, espero que se esforcem para serem uteis — diz com cara de deboche.

— E com sua careca perfeitamente polida, o Executivo do Nordeste: Magic Moreno!

— Eita, negada arretada! — Ele levantou o braço com o punho fechado. — Vamo com tudo que os novos Sigmas não esperam por ninguém!

— E por fim, mas não menos importante, a mais nova Executiva do Sudeste, Nádia.

Nádia passa por nós e toma seu lugar no último dos seis assentos iluminados, flutuando até ele em uma plataforma feita do próprio chão.

As poltronas formam um semiarco de frente para nós, com os seis Executivos da Mandala de frente para nós. O ambiente se silencia subitamente e a música para. Um clima de tensão vai instalando entre nós.

— Muito bem, feito as apresentações, quero parabenizar os cinco que passaram na seleção, né. Quero dizer que essa seleção em específico foi especial, mas infelizmente, não em um bom sentido.

— Como assim? — O boxeador, dos dreadlocks maneiros, pergunta.

— A situação ultimamente está muito pior do que poderíamos imaginar e esse recrutamento foi em caráter de urgência, né — diz o menino gesticulando com as mãos, como se fossem bonequinhos. — Um grande mal se aproxima junto do despertar do “Diferentão”.

Diferentão?! — exclamamos em uníssono.

Diferentão!? Tá de sacanagem comigo?

As reações são mistas; uns reagem com seriedade e até preocupação, enquanto outros apenas tentam conter uma avalanche de risos ou disfarçar com rostos de deboche.

— Não sabemos do que se trata ainda, mas com o aparecimento e a descoberta do amigo Calebe ali... — Ele aponta para mim e Sashi. Nessa hora quero enfiar minha cabeça no primeiro buraco dos sonhos que eu encontrar. — Um mal que assombrou a Mandala no passado voltou para nos ameaçar. Chamamos tal fenômeno de “A volta do Diferentão”.

O que eu tô ouvindo aqui, Jesus?!

— E que mal seria esse, afinal? — pergunta a empregada de tapa-olho.

— E que tal se eu responder essa pergunta a vocês? — A voz do menino de repente começa a distorcer de forma assustadora, tomando um aspecto feminino e chiado. A voz corta várias vezes e a visão que temos do telão falha de novo e de novo e de novo...

... dando lugar a uma silhueta feminina com olhos vermelhos profundos e hipnóticos.

— ...!

Esses olhos... eu já os vi antes!

— Que é isso?! — Nádia franze o cenho, olhando para o teto.

A mansão começa a endoidar. O que era um lindo paraíso celestial, com paredes vivas e dançantes, objetos flutuantes e auroras que se estendiam ao infinito agora se transforma em um ambiente sombrio e frio.

As luzes se apagam, os objetos se tornam cobras, aranhas e morcegos enormes e as paredes e chão se deterioram rapidamente, criando camadas de musgo e bolores. Nuvens negras preenchem o céu infinito daquela mansão onírica.

E essa sensação...!

Olho para Sashi e ela está com um semblante assustado, também reconhecendo a voz e aura tenebrosa que a acompanha.

Os Executivos saem de suas cadeiras, cada um ficando a postos para uma eventual batalha. Nádia forma uma plataforma embaixo dela, feita do chão apodrecido e vem até nós; Magic fica em uma postura de luta que lembra o boxe do menino dos dreads, seus punhos liberando um brilho fraco.

Valkenstein fica em uma postura de carateca e a Princesa Carrapeta fica saltitando, olhando em várias direções com uma assustadora animação. King faz aparecer dois grandes soldados de pedra musculosos e monta em um deles. Já o tal de Karma... bom, ele fica bocejando enquanto observa.

— Quem é você?! Apareça! — grita King sentado em cima do ombro de um dos colossos de pedra esculpidos.

— Estão com medo em ver todos os Executivos aqui?! Malditos cagões! — provoca Magic batendo os punhos.

— Eles não vão aparecer, buaaaah! Vamos logo terminar com isso que eu tô mó cansadão! — reclama Karma, ainda sentado na sua cadeira.

— Como você consegue ficar tão calmo, caramba?!

— Você é Excella?! O que fez com o Liebe?! — grita Nádia em direção ao telão.

— Infelizmente, não fiz nada com ele. Mesmo que eu deseje muito brincar com todos vocês, agora não é o momento. Apenas tomei seu lugar como host desse sonho por alguns segundos — explica a voz medonha e distorcida que vem da silhueta escura, lembrando um personagem bloqueado em algum jogo de luta. — Meu propósito aqui é declarar guerra a vocês, Mandala! ♥

Declarar guerra?! Assim, do nada?, imagino, assustado.

— Bah, acha que essa demonstraçãozinha vai nos amedrontar?! — desdenha King. — Não fez nada além de atucanar a gente!

— Eu imaginei que não, então trouxe algo mais... amedrontador para vocês, Executivos. ♥

Seis telões surgem em pleno ar de repente, projetando imagens aos poucos. Imagens assustadoras de acidentes, prédios em chamas e ataques de lunáticos na rua são mostrados em vários lugares diferentes, passando como slides para nós.

— Que isso?! O que você está fazendo!?

— Eu? É uma suposição um tanto precipitada, minha jovem — retruca Excella. Sua voz viperina nos causa calafrios. — Meus bichinhos começaram a agir. Vocês pensam que estão fazendo um grande trabalho, livrando o mundo e a humanidade de seus temores e falhas, tornando o mundo um lugar mais suportável, mas nem imaginam o quão fundo é esse iceberg.

— O que? O que está...?!

— Têm olhado na internet recentemente? — Ela interrompe Nádia.

Meu primeiro impulso é pegar o celular no bolso e acessar algum site de notícias, teclando com dedos trêmulos e nervosos. Me deparo com uma mídia em polvorosa e sinto uma dolorosa falta de ar.

 


Cidade, Data - O clima de apreensão e medo continua a se intensificar na capital de Goiás, à medida que relatos de um surto misterioso varrem as ruas. O que começou como rumores isolados rapidamente evoluiu para um caos social generalizado e histeria coletiva.


 


A histeria coletiva se intensificou quando vídeos de confrontos entre a polícia de Belo Horizonte e indivíduos assustados começaram a circular nas redes sociais. A situação piorou quando um protesto inicialmente pacífico contra as medidas de contenção implementadas pelas autoridades rapidamente se transformou em tumultos violentos. Lojas foram saqueadas, carros incendiados e prédios públicos vandalizados.


 


Acidente envolvendo um ônibus cheio de pessoas e vários carros gerou tumultos no centro de Fortaleza – CE. As autoridades investigam as causas do acidente, que já tem várias vítimas fatais confirmadas e o dobro de feridos.


 


Incêndios misteriosos estão acontecendo por toda a Baixada Fluminense. As autoridades dizem se tratar de ataques e guerras entre facções, mas as causas ainda estão sendo apuradas. A população está temerosa com relação à segurança.


 

Droga! Todas essas notícias não tem nem 1h que foram publicadas! Será que tem a ver com o que a Excella está dizendo?

— Estão vendo? Apesar de todos os seus esforços, não há nada que possam fazer para conter a fúria da humanidade. Conter os impulsos agressivos e egoístas que são intrinsecamente parte de todos.

O espaço daquele salão aos poucos se transforma e nos é mostrado a imagem de vários garotos mais velhos agredindo um mais novo com chutes, cuspes e xingamentos. Ao redor deles, várias pessoas filmam com seus celulares a agressão.

— Os humanos são ruins por natureza e os pesadelos nada mais são que as incorporações físicas desse fato. Uma mera consequência. Então por que lutar contra a consequência e não a causa?

— Que mulher balaqueira da porra! — resmunga King. — Tá falando merda demais, guria.

— Está louca? Está dizendo que deveríamos estar do lado dos pesadelos? — pergunta Valkenstein.

— Estou dizendo que deveriam apenas “sumir”. Puf! Entendem? Vocês são a âncora que impedem a humanidade de abraçar quem de fato são. Que impedem dos pesadelos tomarem seu espaço no mundo e um verdadeiro mundo pleno, dominado pelos desejos, nascer. E com esse objetivo, a EXistor está surgindo das sombras para colocar vocês, humanos presunçosos, em seu devido lugar!

— Você não vai sair dessa! — Eu falo e me mexo sem pensar, me aproximando do telão, passando por todos os Executivos. — Eu vou salvar o Enrico de você e então, eu e a Sashi vamos chutar sua bunda cheia de silicone até você parar de pensar e dizer essas merdas, Excella!!

Por fora eu disse isso com uma confiança inabalável, um olhar firme e irredutível. Liquidaria qualquer mal que ousasse tirar minha paz e de quem eu gosto.

Por dentro:

Puta merda, por que eu disse isso?!! Quem tem merda na cabeça sou eu! Eu não sou nenhum herói, porra!! E se ela resolver nos chamar para o X1 agora? Se ela acabar com a nossa raça e a Sashi...?! Se acalma, se acalma, Calebe... respira! Ela vê você como um inseto insignificante, então ela não vai sequer prestar atenção em...

— Calebe... — Ela invoca meu nome.

— Que?!

— Você, dentre todos da minha lista de empecilhos, é o único que quero me livrar o mais rápido possível.

Ai, ferrou! Agora que ela me chama para a trocação! Já até consigo imaginar o entrevero aqui!

— Mas — ela prossegue, suas feições agora se tornando claras no telão tomado do Liebe. — Ainda não é a hora. Você voltará para mim muito mais forte e então terei a diversão que tanto espero de você...

Sua imagem distorce, assim como a sua voz, e vai desaparecendo enquanto o ambiente vai rebobinando em uma sequência insana de acontecimentos. Como se tudo aquilo fosse um filme e alguém tivesse apertado o botão do Playback.

Excella vai embora e termina dizendo uma frase que, além de enigmática e sombria, me renderia pelo menos umas duas horas de interrogatório e mais uma de dor de cabeça.

 


Meu filho... nascido da tragédia.


 



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