Volume 1

Capítulo 20: Revanche dos sonhos

 

Ao abrir os olhos, eu não estou mais no dormitório explodido, na minha cama pequena de colchão duro. Nesse ponto estou nos ares, como um pássaro que voa pelo céu infinito e livre, sem um rumo certo. Meu corpo parece mais leve e o chão parece escapar dos meus...

— AAAAAAAAAAHHH!! QUE MERDA EU TÔ FAZENDO AQUI EM CIMA?! E POR QUE EU TÔ VESTIDO DESSE JEITO? ESSA ROUPA... ESSAS SALIÊNCIAS NO MEU PEITO! ESSE FRIO NAS MINHAS... PERA!! PERA, PERA, PERA, PERA!! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!!

Dá pra parar de ficar gritando como uma cabra barulhenta e se concentrar?

— Sashi?! Onde você está Sashi? Eu não tô vendo você em canto nenhum, mulher!

É porque você tá no meu corpo.

Olhando direito, minhas mãos estão menores e mais delicadas. A ponta do cabo da katana invade o canto da minha visão, pesando na cintura. Dobras de quimono roxas e brancas são visíveis cobrindo as saliências que são meus... não acredito.

— O que será que...?

O que você vai...?

Eu apalpo aquelas coisas com curiosidade, sentindo um choque que deixa meu peito em chamas. Macias e perfeitamente ovais. Cabem direitinho na mão, olha só! Começo a sentir um formigamento estranho que percorre todo meu corpo e alguns lugares estranhos ficam...

O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO, SEU LOUCO?! A voz de Sashi explode na minha cabeça, tremendo.

— Deu certo. Realmente deu certo! Eu tô no corpo da Sashi! Que da hora!!

É, deu certo, mas agora SE CONCENTRA!! TEM UM INIMI...

A voz dela é cortada por um som bem alto que derruba lá de cima, uma altura singela de alguns metros até o chão. Os prédios começam a ruir, neblina parece se esvair, mas o domo preto e branco não some apesar das rachaduras em sua superfície.

— Charles!

Essa não! Ele tá em apuros!

O detetive aparece na minha frente, prostrado no chão e ofegante. Está cansado e machucado, algumas partes de seu sobretudo marrom cortadas ou faltando. Sua gravata agora está pela metade.

— Você luta bem para um senhor de idade. Admito que estou surpreso. Não esperava que fosse um oponente tão interessante quanto se mostrou. Qual seu nome, ancião?

— Charles... puf! Agradeço o elogio.

— Apreciei muito nosso duelo, senhor Charles! É uma pena que eu tenha que tomar sua vida para que nossa luta tenha uma capitulação.

Charles só consegue rir diante da nodachi de Yatsufusa, como se debochasse dele. Ele deve entender, em algum lugar, que havia dado certo seu plano, pois olha para trás com um sorriso de vitória.

— Creio que não seja capaz disso, samurai.

Sinto, mas do que consigo enxergar, uma veia de raiva se contorcendo por baixo daquela máscara.

— Sashi! E agora? O que eu faço! Diz logo!

Faça o que eu faria. Você tem todas as minhas capacidades agora, Calebe. Já viu tudo do que sou capaz. Já assistiu eu usar minhas técnicas várias vezes. Tenho confiança de que sabe exatamente o que tem que fazer.

Sashi, assim como a minha mãe, depositam muita fé em mim, credo! Respiro forte três vezes, soltando lufadas de ar pela boca e, como em um filme de artes marciais, saco minha espada e coloco firme perto do rosto, mirando a ponta da lâmina no meu alvo.

Em Yatsufusa.

— Como era mesmo?

Repita comigo, Calebe. Sashi comanda desde minha mente.

—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio: Impulso da Lança Outonal! 』

Assim que me impulsiono para frente, meu corpo se comprime em uma velocidade absurda para um humano normal. As pernas de Sashi tem uma força sobre-humana, apesar de não serem musculosas ao extremo.

A espada vai sozinha — na verdade é a vontade de Sashi ali, me direcionando — enquanto que todo meu corpo é rodeado por aquelas chamas violetas que já são tão marca registrada dela.

— É uma pena lhe dizer isso, senhor Charles, mas... — Yatsufusa levanta a espada para finalizar o velho, mas não contava com algo vindo até ele.

Nesse encontrão, antes que ele degolasse Charles, nossas lâminas se encontram em uma potência tão avassaladora que uma explosão de faíscas é formada de um vácuo no ponto de impacto, antes de Yatsufusa ser jogado pra longe. O mascarado só teve tempo para se defender.

— UAAAU!! QUE DEMAIS, HAHAHAHAA!! SEMPRE QUIS FAZER ALGO ASSIM!!

— Quem é você? — Charles pergunta, segurando o braço imobilizado e ferido.

— Não sou Sashi e nem Calebe. Eu sou aquela que irá cuidar...

— Somos nós, Charles. O Calebe tá só usando meu corpo — diz Sashi ao assumir seu corpo de novo por um curto intervalo.

— Aff, mulher! Tu acaba com a minha onda, sabia?

Não tenho culpa se você tá sendo besta. Eu só o respondi adequadamente.

— Hunf! É... sou eu, velho. Tô alugando o corpicho da Sashi por enquanto — falo com uma tentativa de pose sensual. Só tentativa mesmo.

— Então deu certo. Você conseguiu mesmo, jovem Calebe! Sente algo diferente?

— Além de me sentir invencível, megapoderoso e praticamente um deus? Nada de diferente. Mas é... — Eu percebo um detalhe que interrompe meu momento de glória. As pernas de Charles estão translúcidas. — Charles... suas pernas! Suas pernas estão...!

—  Ah... isso. Parece que meu tempo está acabando, hehe.

Estreito os olhos com as sobrancelhas franzidas, ouvindo o som de uma lâmina arranhar o chão, vindo de longe.

— Não se preocupa, velho. Senta e pega um arzinho que a gente vai cuidar disso.

Charles solta um suspiro prolongado, deixando que o corpo desabasse sentado no chão sozinho. Ele se esforçou muito para comprar tempo para mim e dá pra ver isso na expressão cansada e rosto ferido.

— Hehe... estava contando com isso, meu jovem.

Caminhamos na direção um do outro, nos encarando, nos estudando, até pararmos cara-a-cara, apenas alguns metros para nos separar.

— Por que vocês insistem em interromper meus duelos? — pergunta Yatsufusa com a voz baixa e puto da vida.

— E você aí, hein? Sua mãe não te ensinou a respeitar os mais velhos não?

— Hum... você está estranhamente diferente de antes, Musashi.

Ele ainda acha que sou eu, Sashi faz uma nota mental. Ele não sabe do que fizemos.

Eu apenas sorrio discretamente.

— Pois você continua o mesmo cara chato de antes. Essa sua obsessão por derrotar os outros termina hoje — brando aquela katana foda para ela.

Caralho, eu sempre quis fazer isso!! Que foda!

Hihihihi. Não vai se acostumar, viu?

— Então deseja me parar? Deseja se colocar entre mim e meu destino?

— Não..., não vou só parar você. Vou acabar com a tua raça.

Yatsufusa solta uma gargalhada alta e gira a espada no punho, perfurando o chão em seguida.

— Muito bem. Mostre-me sua vontade, guerreira Musashi!

Calebe! A máscara dele!

A máscara lentamente se transforma na máscara negra de corvo. Seus olhos liberam uma aura azul e sua arma, uma torrente de energia que faz ter calafrios. Antes, separado da Sashi, eu não conseguia sentir a tal energia onírica que Sashi tanto sentia, mas agora eu consigo. É assustador. É como se atingido e engolido por um tsunami de gelo, uma avalanche de areia.

—『Yatagarasu no kata: Kagemusha!

De repente, sua forma se desmancha em uma névoa negra e fria que se espalha pelo ambiente. O espaço parece se obscurecer ainda mais. A sensação é de que ele está em todos os lugares. E em lugar nenhum.

Atrás de você!

Giro o corpo rapidamente e a espada vai junto. Um sibilar metálico é arrancado da lamina quando essa bate em algo invisível. Uma cascata negra que se mostra sendo o mascarado.

— Humm... impressionante. Seus reflexos estão melhores.

— Hunf! Vai ficar de conversinha mole?! — Eu o afasto com um movimento brusco para cima e brado em seguida: —『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Pétalas do Deus do Verão! 』

Meus braços golpeiam vigorosamente, bem rápido, cada balançar da katana criando cortes e espirais de fogo violeta que lembram flores e pétalas — daí o nome da técnica —, enquanto o pressiono. É como se meus braços ganhassem vida própria e empreendessem uma força tirada de algum lugar, mas não minha. Que capacidade incrível! Yatsufusa mal consegue bloquear meus ataques enquanto trocamos golpes velozes no céu, praticamente voando.

E então, desço a katana em um golpe vertical de cima para baixo, bloqueado por ele com muita dificuldade. A colisão das duas lâminas fez o chão abaixo de nós se partir, o ar ao redor esquentar e enlouquecer.

— Está mais veloz... e sua força também aumentou muito! — geme Yatsufusa, seus braços tremendo para suportar o peso da nossa espada.

— É que eu aprendo rápido — respondo. —『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio: Divisor Horizonte Primaveril! 』

Ainda com as lâminas entrelaçadas, executo a técnica mais poderosa da Sashi, sem que o mascarado consiga tomar distância, ou tenha tempo para bloquear ou tentar qualquer gracinha. Brasas violetas serpenteiam ao redor do gume, como uma segunda lâmina, e a potência do golpe, o calor e a fricção fazem a lâmina de Yatsufusa se partir.

A espada encaixa na altura do trapézio dele e se enterra em seu corpo, continuando a descer e partir e cortar pelo peito em uma linha diagonal, até chegar no flanco direito, rasgando o abdome. Quando a ponta da katana deixa o corpo do samurai e raspa no chão, uma fissura profunda é criada por até quatro metros à frente.

Conseguiu! Calebe, você o derrotou!

— Eu... consegui. Venci!

— Tem certeza?

— ...!

Essa não!

Uma sombra! O que eu corto é a porra de uma sombra, que começa a se dissipar lentamente. E a ponta da nodachi de Yatsufusa surge do peito dela, vindo na direção do meu peito. Eu consigo bloquear o ataque dele por um triz, mas sua lâmina resvala na minha e me acerta na altura do meu ombro, de raspão.

Sou jogado para trás com a força do golpe e consigo me afastar dele, sentindo muita dor no ombro. E então...

— O-o... que?!

Me sinto tonto, a visão perde o foco. Um enjoo visceral me aflige de mãos dadas com a dor intensa, sentindo que vou ter minha consciência sugada para fora do meu corpo.

Não... para fora daquele corpo!

Não! Calebe, se concentra! Se concentra! Não acorde agora! A voz ecoante da Sashi implora.

Então é isso! Eu ainda estou dormindo naquele quarto. Estou dormindo pra valer dessa vez enquanto minha consciência está aqui no corpo da Sashi. Tudo que ela sente, eu sinto. Mais do que nunca. E aquela dor... aquela dor vai me fazer acordar! Droga! Se eu acordar, eu perco minha conexão com o corpo da Sashi, e... e...

E então será nosso fim.

— Porra! Porra! — Eu fecho e abro os olhos com força, tentando me manter acordado nessa realidade. Me manter acordado naquele corpo. — Não, não! Fica, fica, fica!

— Você está muito mais forte que da última vez, Musashi. Mas ainda tem muito o que aprender. — Ele gira sua nodachi com malabarismos até apontar para nós. — Agora, de pé.

Eu tento me equilibrar sobre as duas pernas, mas ainda não estou 100%. As palavras de força e conforto da Sashi inundam meus pensamentos. Agora estou com a ponta da nodachi de Yatsufusa a poucos metros de talhar meu pescoço.

— Já lhe disse, não disse? O motivo pelo qual você perdeu e continuará a perder para mim. Acho que me fiz bem claro da última vez.

— É... fez sim. Mas eu poderia dizer só mais uma última palavra?

— E qual seria?

— Troca!

De um segundo a outra, o braço que empunha a espada sobe de uma vez e corta de raspão parte da máscara de Yatsufusa, fazendo-a rachar, o jogando longe. Mas assim que ele para no lugar, a gente percebe que não foi só a máscara que foi cortada.

O peito musculoso e seco do samurai mascarado começa a sangrar. Um corte superficial foi feito. Sashi assume seu corpo mais uma vez ao empunhar a katana perpendicular ao rosto, posição de guarda feita.

— Não vou desistir de lutar pelo Calebe, nem que eu morra por isso!

— Muito bem! Respeito seu espírito de luta e sua determinação, guerreira! Vamos definir logo o resultado dessa luta!

A máscara muda de forma para a forma do demônio. Ele vai lutar a sério.

—『Oni no kata: Yamizuki koketsu!

—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Pétalas do Deus do Verão! 』

Nós dois voamos pra cima dele e ele, de nós. Diferente das outras vezes, agora eu posso enxergar tudo, acompanhar tudo. Cada golpe, cada retinir de espadas, cada balançar, cada esquiva, cada manobra... um novo universo se abre para mim durante aquele confronto, até então invisível.

Um combate, que muitas vezes se reduzia a vultos e explosões de faíscas feitas do nada, agora é completamente compreensível.

Sashi e eu revezamos várias vezes, principalmente agora que consigo me manter estável no corpo dela apesar da dor insuportável do ferimento. Golpe atrás de golpe, troca de ataques, esquivas, manobras arriscadas... É tão rápido que não há tempo para pensar duas vezes. Hesitar pode ser o sinônimo de se matar.

—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Círculo do Espelho do Inverno! 』

—『Oni no kata: Geppaku Saika!

Um ataque implacável contra uma defesa impenetrável. Um tremor sacode a terra quando as duas lâminas se encontram. As lâminas do Círculo do Espelho do Inverno afastam Yatsufusa, mas ainda não é o suficiente; parte da força do ataque — que tem força de sobra — nos atinge e nos afunda em um buraco na terra.

Porra! Se eu não troco com a Sashi agora, para ela absorver grande parte do dano, eu teria acordado na mesma hora, me retorcendo na cama, procurando ar pra respirar. Os ataques dele com aquela máscara de demônio são muito mais fortes e selvagens que com as outras máscaras.

Mesmo unido com a Sashi, mal conseguimos segurar o peso dos golpes dele. Que infernos!

—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio: Impulso da Lança Outonal! 』

—『Oni no Kata: Kage Sorou Kakutsuchi!

Merda!

As duas estocadas se encontram, além de um balançar das duas armas que gera outra explosão de chamas violeta, rajadas de vento e raias negras no céu. A pressão nos jogou longe mais uma vez, mas o mascarado também sai voando.

Sashi aterrissa no chão e me passa rapidamente o controle do corpo para que eu assuma. Sem esperar tempo ruim, eu grito: —『Retalhadora de Sonhos, Es... — Droga! Sinto uma sensação ruim dentro de mim, aquela pressão como se tivesse um cano gigantesco puxando minha consciência pra algum lugar.

Calebe?! O que está acontecendo? O que...?

...Estilo do Equinócio: Impulso da Lança Outonal! 』

Outro avanço contra ele, sem deixar que ele nem respire. Vou me jogar em cima desse arrombado até que ele peça arrego.

—『Oni no Kata: Kuroko Rinbi!

As raias negras que circulam ele, se juntam de novo no espadão e bloqueiam nossa técnica. As lâminas se cruzam, nossos rostos estão próximos. Aqueles olhos assassinos estão fixos nos meus, espiando minha alma através daquela máscara rachada.

— Fazia muito tempo que eu não lutava desse jeito. Eu tenho que te agradecer por isso, guerreira Musashi!

— Dro... Droga!

Calebe! Troca comigo. Você não está acostumado a lutar no meu corpo! Por favor, precisa para com...

Ignorando gloriosamente as palavras da Sashi, eu faço mais força, colocando todo o peso contra ele, mas ele usa isso a seu favor. Miserável! Deixando que fosse pra cima, ele retira a própria força e cria uma situação desfavorável para mim, fazendo com que eu me desequilibrasse.

Nisso, nosso queixo recebe a visita da ponta do cabo da nodachi dele e então, um soco na boca do estômago. E, por fim, um balançar da espada que rasga o dorso e armadura de peito da Sashi, deixando o quimono rasgado e as bandagens que cobrem os peitos da Sashi amostra. Um corte feio, quase alcançando o pescoço espirra sangue.

A visão se entorpece, os sentidos falham. Sinto dor, náuseas, tontura, sensação de febre... estou todo ferrado, sentindo que iria apagar completamente a qualquer momento.

Sashi! O que é isso?!

Ela toma o controle do corpo à força e então eu acordo dentro do dormitório, meu corpo doído, mas sem ferimentos.

— Merda! Aquela idiota!

Eu saio às pressas do dormitório e vou até onde a batalha está acontecendo, sem cabeça para tentar uma nova meditação para me unir a ela de novo. Merda! O que ela está pensando?! Sem mim, ela não vai conseguir vencer o Yatsufusa!

— Sashi! Que porra é essa?!

Charles me olha como se fosse ter um surto.

— Jovem Calebe? O que está fazendo aqui?! Eu pensei que...

— Ela quer lutar contra ele sozinha, porra! Ela endoidou! Sashi!

— Hum...? — Yatsufusa olha com curiosidade na minha direção.

— Ei! Pra onde você tá olhando? Eu sou sua oponente e estou bem na sua frente! — grita Sashi.

Os dois montam suas posturas, preparam seus ataques. Sashi está visivelmente cansada, mesmo que Yatsufusa não esteja tão melhor que ela. Parte de suas pernas começam a ficar translúcidas, assim como quase todo o corpo de Charles está agora.

— Sashi! Para com isso! Não tem como vencê-lo sozinha! — Enquanto grito, as lembranças daquela visão me assombram. Estou tão aterrorizado com a hipótese daquilo se concretizar que sinto que vou passar mal.

— Sashi! Droga! Porque tá fazendo isso?! Deixa eu lutar contigo! Deixa eu carregar seus ferimentos com você! Deixa eu...

E assim como naquela visão ela lentamente vira seu rosto para mim e sorri.

— Porque eu sou seu persona. Eu existo para te proteger. Eu existo por você. Eu sou parte de você, Calebe. E quando eu luto, você luta comigo. Tenha fé em mim

Meus olhos ardem. Mordo o lábio tão forte que o gosto ferroso do sangue se espalha pela boca.

— Eu... eu... — A garganta dói, meus olhos ardem tanto que os fecho bem forte. — Desculpa, Sashi. Eu acredito em você. — Levantando o punho com um joinha, eu berro tão alto que minha garganta coça e lateja. — AFINAL, VOCÊ É A MUSASHI, A GRANDE ESPADACHIM QUE DERROTA TODO O MAL!

Ela sorri.

Ele luta por si mesmo. Por sua espada. Ela luta por alguém, por quem ama.

—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio...

— Esse vai ser meu derradeiro ataque! Venha com tudo que você tem, Musashi! — Ele balança a nodachi, reunindo todas as raias negras na ponta da arma. — 『ONI NO KATA...

Uma batalha não mais de força... não mais de técnica...

Sashi saca sua katana, todas as suas chamas violetas reunidas em um só ataque e então termina, exclamando: — DIVISOR HORIZONTE PRIMAVERIL! 』

MUKEN!

..., mas uma batalha de vontades. De determinações!

— Jovem Calebe! Venha pra cá! — grita Charles.

Assim como da última vez, os dois ataques colidem e o mundo fica estático diante daquele evento de proporções calamitosas. Um enorme vácuo suga o ar, suga a atmosfera, objetos, a luz... Charles faz de tudo para conter a energia gerada pela explosão daquele impacto, mas está muito fraco e o resultado não podia ser outro.

O domo preto em branco onde estamos e que é seu campo lúdico se despedaça totalmente como um globo de espelhos caído no chão e uma onda quente de vento, pedras e poeira nos joga na puta que pariu, esquina com a casa do caralho. Eu e Charles capotamos vários metros, rolando e tombando até paramos com um quilo de terra sobre nós.

O mundo fica inerte e eu demoro bons minutos pra conseguir me levantar. Já estou todo moído, mais moído do que nunca fiquei em toda minha vida. Depois de hoje, certamente eu ia ficar de molho por pelo menos uma semana.

No fim, tudo o que resta do campo de batalha é uma enorme cratera, os dois parados no centro dela. Uma dor indescritível atinge meu corpo e eu caio paralisado a poucos metros deles. Sashi foi gravemente ferida. Essa não!

Mas ela não cai. Antes de cair, ela se apoia em sua própria arma, que dessa vez não quebrou.

Yatsufusa vai guardar sua arma também quando algo incrível acontece: Um ferimento profundo esguicha sangue enquanto ele caminha tranquilamente na direção oposta da de Sashi, sua nodachi se quebrando junto de outra coisa...

Sua máscara! Finalmente veríamos seu rosto!

— Ghulp! Meus... parabéns... guerreira Musashi. — Antes de terminar sua frase, ele se vira e, ao olhar para o seu rosto, eu quase tenho um treco.

É o rosto da Emma debaixo de uma meia máscara de demônio rachada. Seus olhos estão mortos, estafados, de alguém cuja alma se foi há muito tempo. A imagem de Yatsufusa desaparece lentamente e então, um pensamento sombrio passa pela minha cabeça, algo que faz meu corpo suar frio.

— Yatsu... urgh! Arf! Arf! — Tanto Sashi como eu não conseguimos mais nos mexer. Assim como o velho detetive acabado lá atrás, ela está perto de sumir também.

E então, antes de sumir completamente, Yatsu... quer dizer, Emma termina sua frase:

—... você... venceu.

 



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