Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lyly


Volume 2

Capítulo 9: Matsuda 6

Centro, Khaoz

31 de julho de 1052, 16hrs

Rebeca Matsuda

 

Há algumas horas havíamos caído numa mata em alguma cidade ao sudoeste de Khaoz graças ao poder de Geki. Estávamos em um grupo de cerca de 20 pessoas. Tivemos que andar pela mata quando um homem disse que conhecia aquele lugar, que já viveu ali antes de ser preso pelo VGM, então o seguimos tranquilamente. Era o mesmo homem que havia me salvado antes, então confiei nele.

No momento estávamos em uma casa isolada e bastante velha, com todo o seu interior e exterior bastante deteriorados, como se tivesse sido incendiada e não fosse tocada por alguma pessoa por anos.

Todos estavam tentando relaxar um pouco e assimilar a situação. Finalmente estávamos livres, mas o peso de tudo o que havia acontecido ainda nos perturbava.

Eu me permiti descansar um pouco também. Rachel havia se deitado em um colchão velho como se não fosse nada, então me juntei a ela. Foi algo tranquilo, me senti flutuando por horas. Corremos e lutamos por tanto tempo, minha perna ainda estava baleada, mas me deram os devidos cuidados no caminho, então ignorar a dor era a única coisa que eu precisava fazer.

Será que a Naomi tá bem?, pensei. Eu quero ver meus pais.

Só chegou um momento em que todos estavam dormindo no meio de uma sala com insetos e sujeira. Isso não é um acampamento, pensei. Ri com aquilo. Todos adormecemos.

 

Centro, Khaoz

31 de julho de 1052, 21hrs

Rebeca Matsuda

 

Acabei acordando no meio da noite. Minha garganta estava seca e senti uma forte vontade de ir ao banheiro. Atendendo a um chamado logo me levantei e fui buscar o que precisava. Foi difícil, a casa estava deteriorada, mas era como um labirinto. Me senti na instalação de novo, mas com corredores menores.

 

AaaaaaahCara, que sensação boa… – Ouvi uma voz vindo de um quarto próximo. Sua luz estava acesa.

 

– Você se contenta com pouco, Eloah – disse outra voz.

 

Eu me aproximei para espiar. Quando vi pela brecha da porta, Eloah estava junto ao dono da casa, o homem que me salvou. Eles estavam conversando sobre algo.

 

– Então, quando vai contar pra ela? –  perguntou Eloah.

 

–  Na verdade, podemos conversar sobre isso agora, ela vai acabar descobrindo por ser curiosa.

 

Mesmo que não fosse para mim, doeu. Estava me virando para deixar de ver seus assuntos até que algo tomou minha atenção.

 

– Acho que essa é a vantagem de voltar no tempo – disse Eloah. – Nada que aconteça te impressiona, você já sabe de tudo

 

– Claro, claro. Mas não é só saber, eu tenho que preparar tudo. Sabe quão difícil foi planejar que ela fosse capturada mesmo eu estando dentro da Instalação? Foram muitos resets, Eloah. Tipo, muitos mesmo.

 

Uhm, imagino, mas ela não vai gostar de saber disso. Nem eu consegui contar que você tá envolvido em tudo.

 

– Ela vai ter que aceitar. Em algumas linhas do tempo ela foi bem amistosa, reconheceu toda a causa e tudo mais.

 

– E por que você tá aqui agora?

 

– Coisas aconteceram, tive que resetar.

 

Eles soltaram uma risada baixinha, como se estivessem compartilhando uma piada interna. E eu continuava lá, ouvindo tudo. Algo estava me irritando. Ele volta no tempo? Ele prendeu alguèm lá? Independente do que eu pensasse, eu era esse alguém. Pela brecha da porta, por instinto, o encarei com raiva.

 

– Mas então, Rebeca – o homem voltou a falar. – O que você acha?

 

Uhm? –  Ele me notou, sabia que eu estava ali. Nem mesmo me olhou.

 

– É, você passou longas semanas de tortura naquele lugar, deve sentir bastante raiva.

 

– Do que você tá falando? –  Não havendo mais como me esconder, apenas abri a porta e me mostrei.

 

– Você ouviu toda a nossa conversa. Não se finja de besta –  Ele continuou sentado, mas lançou um sorriso largo para mim.

 

–  Ah, entendi, então eu estava certa… – Fui para sua frente, retribuindo seu sorriso. E então eu o soquei. – Seu filho da puta! Eu vou te matar!

 

Eloah saltou para me segurar, mas o homem o impediu pondo o braço na frente.

Eu pulei em cima dele e continuei batendo em seu rosto com todas as minhas forças. Ele não tentou me impedir, mas chegou num ponto em que todos da casa ouviram meus gritos e os sons dos socos. Vários vieram e me puxaram, e nisso pude dar um último golpe chutando a cara dele com minha perna machucada.

 

– Me deixa matar ele! Esse filho da puta é o culpado de tudo!

 

Ele estava ofegante na sua cama, pondo as mãos para parar o sangramento da sua boca e nariz. Acho que pude causar um bom dano nele com o que pude fazer.

 

– Deixem a garota, ela tá com raiva – ele comentou.

 

– Raiva?! – gritei. – Eu tô possessa! Então era realmente culpa sua? Espera… Essa porra de plano de fulga era coisa sua também? Tudo aquilo?

 

– Pra começar… – Puxou seu nariz com força. Pude ouvir o som de algo sendo colocado de volta no lugar –  prazer, meu nome é Akin, eu sou aquele que organizou nossa fug-...

 

E desferi um chute em seu queixo, jogando sua cabeça para cima.

 

– Você é aquele que me botou naquele lugar, isso sim! Fala pra que tudo aquilo! – Tentava me soltar dos braços dos outros, mas a todo custo eles tentavam me acalmar. Pareciam tensos também, meus amigos demonstraram certa raiva, mas o que podiam fazer? Pensando melhor, que bom que não me deixaram continuar.

 

– Rebeca, se acalma. Eu posso explicar tudo – disse limpando o sangue do seu rosto. – Você só precisa ficar de boa e vai saber.

 

– Eu vou te matar! – Eu estava chorando de raiva. Não me impressionaria se sangue saísse dos meus olhos.

 

Isso durou por longos 20 minutos até eu cansar e cair de joelhos. Já não tinha mais voz ou lágrimas para continuar, então apenas desisti.

 

– … – Ele estava agachado ao meu lado. – Se sente melhor?

 

– Não…

 

– Entendo.

 

– Se entendesse de verdade, não teria feito essa merda! – gaguejei, tossindo entre cada palavra.

 

Suspirou. Olhou para os lados tentando encontrar as palavras certas e voltou a me encarar.

 

– Rebeca, você sabe qual o meu Auxiliar?

 

– Tá falando do seu poder…?

 

– Sim, meu poder.

 

– Tem algo haver com o tal plano que tanto falam? – questionei com deboche.

 

– Isso mesmo, tem tudo haver. E agora é hora de você aprender de novo.

 

– Como assim “de novo”?

 

– Meu auxiliar me permite voltar no tempo, Rebeca – Invocou então na sua mão um relógio de bolso. – Toda vez que eu morro eu volto até certa parte do tempo, mais precisamente para a última vez que dormi, e atualmente estamos tendo essa conversa pela ducentésima trigésima primeira vez.

 

– Isso… Eloah, isso é possível?

 

Ele apenas confirmou com a cabeça. Isso é loucura.

 

– Então você voltou no tempo mais de duzentas vezes?!

 

– Não, foram duzentas vezes tentando ter esse momento tranquilo com você. Isso já deu errado tantas outras vezes, mas essa é a primeira que tudo está dando certo. Ao menos, de uma maneira menos pior que as outras.

 

– O que aconteceu nas outras?

 

– Algumas vezes você me matava de raiva, outras vezes morria na fuga, outras vezes eu te matava sem querer ou por querer. São muitas variáveis, mas estou apostando nessa.

 

– E pra quê?! Eu tô louca agora e com uma bala na perna! Não tem como voltar e fazer isso não acontecer?!

 

– Olha, sim e não, eu já tentei de tantas outras formas, mas essa é a única que encontrei pra finalizar tudo do jeito que quero.

 

– E o que você quer?

 

– Eu quero me vingar.

 

O jeito que ele falava era tão calmo e assertivo. Parecia que sabia o que falar, então ia direto ao ponto. 

Ele puxou um objeto pontiagudo e riscou no velho chão de madeira, desenhando algumas linhas.

 

– O meu plano é destruir o VGM e acabar com a guerra, unindo os povos. O fato é que eu preciso do seu poder pois ele vai ser útil no futuro, acredite. 

 

– Abrir portas? 

 

– Mais do que isso. Às vezes Auxiliares são forçadas a evoluir, e preciso de você para abrir as portas do destino e salvar a todos.

 

– Largue as metáforas.

 

– Acredite, eu já tentei fazer do jeito certo e tal, mas em todas algo dava errado. Já tentei até ser direto e só te chamar, mas você não estava por dentro da causa por ter uma vida pacífica.

 

– Então você me fez passar por aquilo?

 

– Isso! Só assim você entenderia que isso é algo importante! 

 

– Eu tô nem aí – Levantei e fui em direção à porta. – Sério, você só me deixou com raiva. Eu quero meus pais e minha namorada, cara.

 

– Beca! Você sabe que não pode lutar contra isso! 

 

– Não me chame assim.

 

– Olha, esquece isso. Mas pensa comigo: você agora é uma fugitiva como todos nós. Você passou semanas desaparecida. E ainda tá machucada! 

 

– Merda…

 

– Além do mais, eu posso meter algo na minha cabeça e fazer tudo de novo.

 

– Aí, sem ameaças! – Dei meia volta e apontei para ele.

 

– Foi mal, foi mal – disse levantando as mãos. – Só quero que saiba que você é importante, Rebeca. Você é uma de nós e depois do que passou deveria ser mais compreensiva.

 

Todos naquele quarto estavam tensos com a situação. Eles encaravam aquilo de diversas formas, seja por raiva de seu momento de paz ser destruído ou curiosidade sobre o assunto.

 

– Eu poderia ser, mas tô cansada dessa merda – bufei antes de voltar para a porta e sair. – E que se foda toda essa sua história de revolução. Não volta no tempo e nem me procura mais.

 

– Pra onde você vai? – perguntou com desdém.

 

– Procurar uma maneira de voltar pra minha família – terminei batendo a porta com força.

 

Eu não dei uma última olhada nos outros ali, apenas saí. 

Me senti culpada e atordoada a certo ponto. O Akin estava certo, não tinha como voltar a ter minha vida pacífica, mas naquele momento eu não conseguia me importar.

Apenas segui um caminho mais aberto na mata da frente da casa esperando ter a sorte de encontrar alguma cidade ou encontrar alguém que pudesse ajudar de verdade. Nem mesmo considerei montar um plano real.

 

– O que eu faço…

 

Quando me dei conta, já estava numa estrada de terra extensa. 

O buraco de bala na minha perna coçava e minha garganta ardia.

E eu não pude deixar de notar algo me observando.



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