Volume 2
Capítulo 68: Mudança de Planos
Não foi uma surpresa Daniel acordar tarde na sexta-feira pós-evento. Deitado na cama, olhando para as horas em seu celular e depois para o teto do quarto, repensou por que decidiu arranjar um trabalho comum.
O processo movido por Ronald Emerich foi um golpe em suas finanças, porém o maior problema foi a repercussão dele. Ao sair do controle, a viralização do seu ato de violência causou uma espiral que afetou todos os seus contratos e parcerias.
Todas as empresas e marcas envolvidas com Daniel rescindiram seus contratos. Elas evocaram cláusulas indenizatórias por ele envolver-se em um escândalo de grande proporção que poderia manchar a imagem da marca.
Mesmo meses depois do fato, pensar nisso ainda lhe causava sensações negativas, pensamentos ruins e culpa. Fechou os olhos e parou para refletir sobre o assunto.
Nascido de uma família de classe média baixa, nunca passou necessidade ou momentos difíceis. Ainda assim, sempre se sensibilizou com situações difíceis e se colocava no lugar das pessoas que via passando necessidades.
Quando toda sua imagem foi jogada na lama e todos os advogados do mundo vieram lhe cobrar indenização, Daniel entrou em desespero e em depressão ao ver seu patrimônio quase sumir naqueles meses infernais.
Mas aos poucos o furacão que destruiu sua vida se distanciou. As nuvens foram se abrindo com o passar dos dias até o primeiro raio de sol iluminar um pouquinho sua vida sombria.
Desde então, nunca mais cogitou tirar a própria vida. Isso aconteceu pouco antes de receber a mensagem misteriosa que reacendeu sua paixão pelo jogo, sua grande razão de viver, talvez empatado com seu amor por uma certa garota.
Talvez não fosse necessário se desesperar e aceitar o primeiro emprego formal que surgiu. Bastava esperar o pior passar. No fim, 99% dos nossos problemas vão se resolver com o tempo. Só nos basta perseverar e fazer o possível para ver o dia seguinte.
Ainda cansado, mas agora motivado, pegou o celular e escreveu um textão para a firma se desculpando por faltar hoje. Daniel sabia que poderia se levantar, se aprontar e bater ponto apesar do atraso, mas estava sedento pelo jogo.
— Até que foi bom trabalhar lá, mas amanhã vou anunciar meus 30 dias — verbalizou suas intenções para o vento.
Levantou da cama e se espreguiçou. No meio da atividade, estremeceu com uma lembrança da noite passada.
Pegou o celular outra vez, navegou pelas dezenas de notificações até encontrar uma mensagem de Júlia. Não havia nada escrito, era uma imagem do jogo. Uma espada longa, cinzenta, cujo pomo e as extremidades da guarda tinham o formato de folhas de carvalho.
É um item bonito, lembra a arma da Havoc. Mas uma espada, para um druida?
Quando leu o nome do item, tudo fez sentido.
— Espada Mágica de Salazar. Não pode ser, é outra obra-prima de Bjorn?
Escreveu uma mensagem repleta de elogios para ela, e logo foi respondido.
“Sorte a sua que eu presto atenção nas suas historinhas de druida. Você poderia muito bem ter esperado e ido hoje lá escolher seu item. Imagina se eu tivesse pego outra coisa? Eu me sentiria culpada pelo resto da vida. Nunca mais quero tanta responsabilidade pra mim!”.
Daniel sabia que ela tinha todo o direito de ficar furiosa. Sua decisão de deixá-la escolher foi burrice, um fruto da exaustão extrema que sentia no momento. Mais uma vez foi salvo pela sorte… ou por ter em sua vida alguém que se importava tanto com ele.
— Para quem não acredita em karma… — brincou.
O sol brilhava forte no leste, irradiando sua luz em um vilarejo devastado pela matança. As ruas, outrora repletas de moradores e aventureiros, foram tomadas por zumbis e esqueletos procurando por sobreviventes escondidos enquanto Gigantes Zumbis e Cavaleiros Post-Mortem rondavam em patrulhas.
Horas depois de tomarem a vila, Amon convocou toda sua seita para uma conversa. O local escolhido para sediar o evento foi a Praça Central. Em pouco tempo, arrumaram as cadeiras, as mesas, jogaram o lixo fora e organizaram todo o resto. Estava impecável, com formações enfileiradas de mortos-vivos nas extremidades e esquadrões nas laterais, prontos para cumprir as próximas ordens.
Aos poucos os membros da seita foram chegando. Amon os aguardava no centro da praça, em frente às mesas reorganizadas em um semicírculo. Um ressoar longo e poderoso de trombeta fez todos os presentes olharem para a entrada sul da praça.
Uma comitiva de quarenta zumbis e esqueletos chegou marchando, liderados por seis jogadores. Logo atrás dessa formação vinham dois gigantes e dois Post-Mortem carregando uma estátua de mármore pela base, ela tinha mais de três metros de altura e dois de largura e comprimento.
Eles seguiram adiante, passaram por Amon. Os três jogadores na dianteira o cumprimentaram. Amon retribuiu o gesto, depois ordenou:
Os gigantes se abaixaram devagarinho e colocaram a estátua no chão. Ela era esculpida em mármore branco e era a chave para o ritual. A figura do necromante segurava uma balança de bronze pendendo quatro centímetros para a esquerda. A superfície do prato guardava uma caveira humana; já no prato oposto, uma pirâmide de cristal vermelho cintilava sedenta por sacrifícios.
Amon lembrava do dia que encontrou essa pirâmide. Ela era branca, transparente, imaculada. Após receber a missão de Mergraff, foi ficando vermelha a cada sacrifício oferecido.
Deixando o passado para trás, aproximou-se da estátua, retirou do inventário uma pedra rubra e a ofereceu à balança. O brilho da pirâmide se acentuou, açoitando os olhos de quem estava perto.
A pedra na mão dele começou a emitir uma fumaça de mesma vermelhidão. A nuvem dançou pelo ar e então foi puxada. A fumaça relutou, tentou escapar, mas a força da pirâmide a sobrepujou, trancando-a dentro de si. A balança pendeu alguns milímetros para a direita.
Os sacrifícios de Amon agora descansavam dentro da pirâmide. Em seguida, ordenou seus jogadores a fazerem o mesmo. Eles se enfileiraram diante da estátua, pegaram seus cristais de sacrifício e os ofereceram à pirâmide.
Aos poucos, a balança pendeu mais e mais para a direita. Quando o último jogador esvaziou seu cristal, ainda faltava meio centímetro para atingir o equilíbrio com a caveira no outro prato.
— Sentem-se, logo iremos conversar sobre isso — ordenou Amon, apontando para as mesas dispostas em semicírculo.
A vontade que tinha era de berrar em ódio e frustração. Era para ter sido hoje, ainda durante a madrugada, mas apesar de toda a preparação, uma parte importante da população conseguiu fugir.
Pensou no que poderia ter feito melhor. Houve momentos e decisões dos quais gostaria de voltar atrás, mas essa era uma armadilha que não iria cair, não agora, pois precisava se preparar para o futuro.
A missão não foi um fracasso completo, ela apenas iria demorar mais um pouco. Ele sacudiu seu manto preto e passou a mão sobre o sol nascente bordado na altura do peito. Agora mais relaxado, andou até o meio do semicírculo formado pelas mesas ocupadas por seus colegas de guilda e deu início à reunião com um breve discurso.
— Apesar dos pesares, nossa campanha de conquista do vilarejo foi vitoriosa. Obtivemos um número recorde de sacrifícios em apenas algumas horas. E eu sei, era para terminar hoje. Em um mundo ideal, Mergraff já teria retornado — disse apontando para a figura do necromante petrificado. — Precisamos aceitar a realidade. Hoje poderia ter sido melhor, mas falta pouco para alcançarmos nosso objetivo. Alguém gostaria de acrescentar alguma coisa?
Apenas um mago se manifestou erguendo a mão. Amon lhe concedeu a palavra.
— Para mim, o problema foi parar naquela hora para nos reagrupar.
— Discordo — um guerreiro a três cadeiras de distância manifestou-se. — Se tivéssemos prosseguido com a perseguição lá atrás, eles teriam se reagrupado com as forças ao norte e iriam nos enfrentar de igual para igual. Reunir nossas forças para o ataque final foi a decisão correta na hora. Eu quero saber o que aconteceu com aquela guilda para os miseráveis fugirem do nada.
— Correto — disse Amon. — Meu maior erro foi aceitar a ajuda daquela guilda sem os conhecer primeiro. Agora, deixando isso de lado, precisamos falar do que fazer a seguir. Primeiro o óbvio, trazer de volta todos os inimigos mortos aqui. Depois, organizar nossas defesas para o ataque que está por vir. Não fiquem pensando que eles vão ficar parados enquanto saímos em busca dos sacrifícios restantes.
Foi estranho tomar um café de manhã tranquilo durante a semana, sem aquela pressa e a necessidade de olhar a hora a cada cinco minutos. Mais estranho ainda foi ficar de pijama enquanto lavava a louça.
— Isso parece muito errado — Daniel disse para si mesmo, minutos antes do celular vibrar em cima da mesa.
Ele secou o último prato e pegou o celular para ver a mensagem. Era de seu chefe, Mário, dizendo que Daniel poderia tirar o dia de folga desde que recuperasse as horas até o fim do mês. E terminou avisando que, na próxima vez, avisasse com antecedência ao menos um dia antes.
Ficou feliz com a resposta apesar da leve bronca, muito se devia ao fato de já planejar sua demissão na segunda-feira. O mais importante era que estava tudo pronto para voltar ao jogo.
Saiu assobiando da cozinha, passou pela sala, entrou no quarto, sentou-se na cápsula de imersão, pôs o visor de realidade virtual e entrou em Nova Avalon.
Ragnar surgiu no corredor do palácio onde havia desconectado. A porta logo atrás estava fechada. Tentou abri-la empurrando a maçaneta, porém estava trancada.
Queria ter dado uma olhada na coleção do duque sem estar morrendo de sono.
Deixando isso de lado, refez o caminho em direção à entrada da residência: atravessou o corredor, desceu a escada em espiral e, quando pôs os pés no térreo, foi abordado por um dos cavaleiros zumbis.
— Você está aqui, ótimo. O duque quer falar com você. Por favor, me acompanhe.
Sem ter motivos para recusar, seguiu o cavaleiro até a ala leste do palácio e parou diante da última porta do corredor.
Ragnar bateu três vezes na porta e a abriu.
Van Clóvis estava atrás da mesa, de costas para Ragnar, fumando um cigarro e olhando a paisagem pela janela. Ele virou-se, expeliu a fumaça acumulada na boca e apontou para a cadeira estofada em frente à sua mesa.
— Venha, sente-se. Que bom que você veio, queria muito conversar com você.
Tecnicamente eu nunca parti, brincou em pensamento.
O duque apagou o cigarro no cinzeiro em forma de cisne em cima da mesa, e falou:
— Como você sabe, essa madrugada eu convoquei uma reunião emergencial com todos os meus conselheiros. Foram horas deliberando o que deveria ser feito, precisei convencê-los da realidade da ameaça que estamos lidando. Durante vários momentos, desejei que você estivesse conosco, mas graças ao seu Cristal de Sacrifício, eles entenderam a urgência e apoiaram meu plano de convocar o Exército Provincial. O chamado levará até dez dias para ser atendido, e só então teremos as tropas necessárias para iniciar uma grande ofensiva contra nossos inimigos.
— Isso me preocupa. — Ragnar levantou da cadeira. — O ideal seria atacar enquanto eles estão se recuperando da Batalha da Vila Torino. Nós também não sabemos se o Caminho da Aurora já tem sacrifícios suficientes para iniciar o ritual para trazer Mergraff à vida.
— Entendo seu ponto, mas leva tempo para reunir até as tropas dessa cidade. Um ataque rápido assim cedo teria chances altas de fracassar.
A invasão aconteceria na quarta-feira.
Ragnar pensou melhor nas opções à mesa. Agora os inimigos estavam na defesa, protegidos pelo muro do vilarejo. A dinâmica do confronto seria outra.
— Hipoteticamente falando — disse ao duque. — Quantos soldados você conseguiria reunir em… quatro ou cinco dias?
— Uns mil, mil e quinhentos no máximo.
Eram poucos soldados, muito poucos. Entretanto, passando dessa data, a chance de o necromante retornar aumentaria em algumas grandezas.
— Obrigado — Ragnar agradeceu, despediu-se do duque e saiu do palácio.
Passando pela porta e entrando na varanda, surpreendeu-se com a beleza do jardim durante o dia. A água cristalina do riacho cortando o terreno reluzia em meio aos canteiros de flores brancas e árvores frutíferas.
Em meio à contemplação, recebeu uma mensagem de Julie. “Jogando a essa hora, o que aconteceu?”
Ragnar resumiu a situação para ela via texto, depois marcaram um breve encontro aproveitando a pausa dela no trabalho de instrutora para a Red Crows. Por sorte Julie ainda estava na cidade. O local de encontro foi um lugar seguro: a loja do vampiro Sinistro.
Ragnar correu até o lugar do encontro, manteve a forma humana para não chamar atenção pelas ruas movimentadas daquela manhã. Chegando lá, foi recebido de braços abertos pelo dono da loja.
Enquanto esperava por Julie, papeou com o vampiro na bancada sobre os últimos acontecimentos. Até tentou pressioná-lo a convencer o duque a atacar o vilarejo com suas tropas, mas sem sucesso.
O vampiro se inclinou para o lado, espiou a porta, abriu um sorriso e disse:
— Sua amiga chegou. — Ele levantou a voz. — Seja bem-vinda à minha loja.
Julie andou até o balcão e sentou-se à direita de Ragnar.
Tudo bem com vocês? — disse ela, pousando uma espada sobre a bancada.
Era a arma da foto daquela manhã, a Espada de Salazar. Ragnar estendeu a mão até a arma.
Julie pegou a arma pela empunhadura e a empurrou até o druida.
Ragnar segurou a arma pela lâmina e pela empunhadura. Durante um tempo ficou apenas analisando o objeto, e quando se deu por satisfeito, abriu a descrição do item.
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Espada Mágica de Salazar |
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[Categoria: Espada] [Nível: 40] [Raridade: Épica] [Dano Físico: 220] [Dano Mágico: 22] |
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Efeito Especial |
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Roubo de Mana: ataques dessa arma restauram sua mana em 10% do dano causado. |
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Descrição |
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Apesar de não ser a arma favorita do rei, ela foi essencial durante as cruzadas contra os mortos-vivos pois, armado com ela, Salazar conseguiu alimentar suas reservas de mana enquanto lutava na linha de frente e castigava as hordas nefastas com seus feitiços sagrados. Essa arma foi forjada e presenteada ao rei pelo Arquidruida Bjorn. |
Estava confirmado, era outra obra-prima de seu antecessor.
Ragnar solicitou uma troca com Julie. Ela aceitou, abrindo uma janela do sistema para ambos. Julie colocou a espada em sua caixa de troca e, quase que ao mesmo tempo, eles aceitaram a troca e confirmaram.
Ragnar segurou a Espada Mágica de Salazar na mão direita e equipou o Terror das Víboras na mão esquerda. Enquanto isso, Sinistro pôs a mão no queixo e observou a cena do outro lado do balcão.
O druida aproximou as duas armas e esperou o processo de absorção iniciar.
A Espada Mágica de Salazar é um item de nível 40
Você precisa estar no nível 40 para iniciar o processo
Essa regra era nova, porém fazia sentido.
— Obrigado, você foi demais — Ragnar agradeceu, levantou-se do banco e abraçou-a.
Julie permaneceu parada, olhando para o vampiro que a fitava com um olhar sugestivo. Ela abraçou Ragnar de volta e disse:
— Desculpa pela mensagem hoje de manhã, eu exagerei. Você pode confiar em mim quando precisar de alguma coisa.
Encerraram o abraço e voltaram a sentar nos bancos.
— O que você escolheu? — disse Ragnar.
Julie fuçou seu inventário, pegou o item escolhido em mãos e o exibiu para Ragnar enquanto anunciava o nome:
— Técnicas Marciais Secretas da Seita Oculta.
Era um rolo de pergaminho tão grande que precisava ser manuseado com as duas mãos.
— Técnica secreta de uma seita oculta? Parece redundante. Do que se trata?
Ela colocou o pergaminho no balcão antes de dizer:
— Não tive muito tempo para analisar o texto com cuidado, mas parece ser uma leitura bem difícil. É repleto de figuras de linguagens e menções a nomes que eu nunca ouvi falar, e também nem consta nos bancos de dados do jogo. Pelo menos o seu presente será útil alguma hora. Já eu, vou ter que procurar um doutor em História das Artes Marciais das Seitas Ocultas de Nova Avalon Online.
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