Volume 2
Capítulo 13: Hora do chá.
"Eu falei de chá, mas será que ao menos tem o necessário nessa casa pra fazer um?" — Harkin pensava, enquanto cruzava os corredores levando os convidados até a sala. — "Deve ter sim. É cultural no Império tomar chá, então em algum lugar vai ter. Por enquanto, vou improvisando."
— Ainda não estou familiarizado com essa casa, mas aqui é a sala... A cozinha não deve ser muito longe. Por que vocês não aguardam aqui enquanto eu preparo tudo? Prometo não demorar.
— Precisa de ajuda? — perguntou Gabriela, seca.
— Não, eu me viro.
— Eu vou ajudar. Não se preocupem — disse Serafina.
— Tá tudo bem, Sera.
— Eu não pedi, Harkin. Tô comunicando.
Gabriela observou a cena, vendo a garota peitar seu irmão. — "Será que ela sabe que ele já matou gente por bem menos que isso?” — Contrário do que ela esperava, Harkin apenas respirou fundo e deu de ombros.
— Tá, você que sabe.
Jeff, Adrien e Gabriela pensaram ao mesmo tempo:
"Fácil assim?"
Jeff deu um passo à frente, indicando que ia seguir os dois. Harkin o encarou com os olhos púrpura, de cima a baixo. O olhar bastou para Jeff entender que era melhor recuar.
Os dois pombinhos seguiram em direção ao que Harkin presumiu ser a cozinha. Gabriela olhou para Jeff e Adrien e comentou:
— Então ele mudou só com garotas agora? Não tô entendendo.
— Ele ainda pode te ouvir, Gab — alertou Adrien.
— Que ouça. Eu e o Jeff acompanhamos ele desde que virou um psicopata mirim. E ele o encara como se um passo fosse o suficiente pra matar ele... mas uma garota bonita dá uma ordem, e ele abaixa a cabeça?
— Eu não sou uma garota bonita, chefa — Jeff respondeu, virando-se para Pietro. — Por acaso, você sabe se essa casa tem uma adega, meu jovem?
— Meio cedo pra beber, Jeff...
— Nunca é cedo pra beber, Pietro. Ainda mais nessas circunstâncias.
— Tem uma, no canto da sala — respondeu Pietro. — Mas por que a gente não se senta e espera eles voltarem?
Ele se dirigiu aos longos sofás da enorme sala. Todos o acompanharam.
— A Sera não é só uma garota bonita — disse Okini, encarando Gabriela. — Então, por favor, respeite ela. Eu não sei qual é o problema entre vocês dois, mas não envolve ela nisso.
— Oh, uma defensora... — respondeu Gabriela, com ironia. — Mas você está certa. Nós, mulheres, temos que nos apoiar, não nos atacar. Espero que entenda que tudo isso é um grande choque pra mim.
— Tudo bem. Só não faz de novo — disse Okini.
— Mas devo te avisar: se você gosta e preza por aquela garota, o melhor que faz é tirar o Harkin da vida dela.
A fala pegou Okini e Pietro de surpresa. De tudo que esperavam ouvir da irmã dele, aquilo não estava na lista.
— Eu sei que ele é difícil, mas isso não é exagero? — perguntou Pietro.
— Não, Pietro. Você conviveu com ele por dois anos. Já devia saber que, em alguns aspectos, meu irmão não é flor que se cheire.
— Ainda assim, Gabriela... Não é meio extremo?
— Não. Quando foi que você viu ele com uma mulher por mais de uma noite? Eu já vi cenas dele que me deram nojo. Teve um tempo em que não consegui nem olhar pra ele direito.
— Tá, pera. A gente tá falando do mesmo cara? A Sera literalmente me disse que eles tão namorando agora.
— Namorando?! — todos, exceto Okini, reagiram surpresos.
Um silêncio pairou por alguns segundos. Gabriela se aproximou de Jeff e disse:
— Me serve uma dose. Definitivamente não esperava por essa.
— Amor, como o Pietro disse... não tá meio cedo pra isso, não?
— Estaria, se o meu psicopata favorito não tivesse saído do escopo do que eu entendo dele.
Ela pegou o copo da mão de Jeff e tomou um gole forte.
— Tá, entendi. Todo mundo aqui sabe quem o Cabelo de Fogo é, tudo sobre ele. Menos eu. Então: primeiro, minha amiga tá correndo risco de pegar alguma doença desse inútil? Segundo, por que todo mundo age como se ele fosse o pica das galáxias? E terceiro, ele contou só o básico do que passou, mas ele não parece ser esse psicopata todo que vocês descrevem. O que é que eu não sei? — Okini perguntava gesticulando agressivamente.
— Muita coisa — respondeu Pietro, seco. — Eu não falei porque ele pediu. Ele vai contar pra você... então não se preocupa.
— É isso? "Não se preocupa?" Porra, Pietro, virei criança agora?
Pietro desviou o olhar. A culpa pesava um pouco.
— Não é minha vida. É ele quem tem que contar. E eu prometi.
— Mas eu não prometi nada — disse Gabriela, se aproximando. — Quer que eu comece por onde?
Pietro pensou em intervir, mas Adrien apenas balançou a cabeça.
"Isso é entre os irmãos, melhor deixar que eles que se resolvam."
— Pela primeira pergunta — respondeu Okini, tensa.
— Tá, como é seu nome mesmo?
— Okini Ander Centuri.
— Certo, muito prazer, Okini. Eu sou Gabriela et Abrasax. Espero que possamos nos dar bem.
— Et Abrasax? Achei que o Harkin fosse seu irmão adotivo.
— Então ele te contou isso. Menos um item da lista. De fato, sou. Mas quando ele renunciou à coroa e a mãe dele recusou, o bispo da rainha sugeriu indicar outro sucessor. Ela me adotou, e eu me tornei a segunda na linha de sucessão.
A expressão de Okini passou de confusão para entendimento.
— Agora, quanto à sua primeira pergunta: não se preocupa. O corpo do Harkin passou por tantas mutações que ele é praticamente imune a quase tudo. Envenenamento, doenças, algumas maldições... basicamente impossível afetá-lo.
— Porra! — respondeu Okini, surpresa. — Ele é tipo... um super-humano?
— O que nos leva à segunda pergunta. Sim. Em muitos sentidos, ele é mesmo o pica das galáxias. Nos estudos da Touriga Tech, descobrimos que ele praticamente não é humano.
— Tá, isso tá saindo do controle. Muita informação de uma vez.
— Calma. Vai levar tempo se quiser entender tudo. É isso que você quer?
— Não. Só quero o básico pra decidir se mato ele ou não pra proteger minha amiga.
— Olha, desculpa se isso vai te ofender — disse Adrien — mas você precisaria treinar muito pra sequer machucar ele. Não me entenda mal, sinto que você é uma excelente guerreira. Mas, em termos imperiais, seu nível seria o de uma capitã.
— E daí? — respondeu ela. — Ele seria o quê, um major?
Adrien riu e respondeu sério:
— Em termos imperiais? Coronel 1º oficial. Quase um general. Então, não é subestimando você, porém é como eu disse você não conseguiria nem arranhar ele.
— Vocês tão me zoando, né? Ele deu uma surra no Drake e no Stein, beleza... Mas "coronel 1º oficial"? Isso vai muito além do que ele mostrou.
— Exato. O que ele mostrou. Não quem ele é. Entende a diferença?
Okini ficou em silêncio. Tentava processar tudo, ainda incrédula. Olhou para Pietro, que permaneceu calado — e isso bastava pra saber que Adrien não estava mentindo.
— Agora que isso tá esclarecido... vamos à terceira pergunta.
— Calma, tem mais?
— Acredite... isso é o resumo. Quanto a porque chamar ele de psicopata, provavelmente ele te contou só o básico. Mas com 11 anos, Harkin já tinha realizado o massacre dos Touriga. Com 12, destruiu um sindicato do crime — literalmente matou cada um dos chefes de Nerio. Saiu caçando todo mundo que representava uma ameaça.
— E isso foi ruim... por quê exatamente? — perguntou Pietro.
— Porque ele não diferenciava quem era totalmente culpado de quem só tentava sobreviver. Matou todos que não se submeteram.
— Não tô dizendo que ele é santo, mas... não vejo por que faria diferente. Não existe "meio culpado". Se tá no meio, carrega culpa. Ponto.
— Vocês pensam de forma parecida... mas o problema foi o que isso causou a ele. Ele viveu três anos em combate constante. Vocês viram as cicatrizes. Aquilo... podia ter sido diferente.
O silêncio caiu como uma pedra. As decisões de Harkin pesavam. Os extremos sempre deixam marcas — e às vezes, calos na consciência.
— Mas não foi — respondeu Harkin, entrando na sala. — E não me arrependo de nada. Por mais que eu não quisesse entrar nesse assunto com a Okini agora... você já fez isso por mim. Vamos tomar chá e conversar sobre o que fazer.
Ao notar a expressão de Serafina, Okini percebeu que sua melhor amiga já sabia de tudo. Ela olhou para Sera, que apenas balançou a cabeça.
— Isso é assunto dele. A gente combinou que o que você me conta não vai necessariamente pra ele, e o que ele me conta, não necessariamente pra você. Foi um acordo.
— Ata... entendi. Agora você joga mais de quinze anos de amizade no lixo por duas semanas de namoro?
— Não é isso, NiNi, e você sabe. Vocês dois são, de certa forma, família. E isso é entre vocês dois, ok? E agente começou a namorar oficialmente hoje.
A discussão morreu ali. Quando Harkin e Serafina serviram o chá e alguns acompanhamentos na mesa da sala, todos se sentaram e se serviram. Harkin notou as bebidas nas mãos de Gabriela e Jeff.
— Meio cedo pra beber, não acham?
— Cara, já são 16h. Cruzei o mar, entrei num carro, viajei até aqui... e ainda levei uma olhada sua de assassino. O mínimo que mereço é uma bebida — disse Jeff.
— Quanto a mim — respondeu Gabriela — precisei tomar uma dose pra digerir o fato de que meu psicopata mirim, que fez um verdadeiro escarcéu quando eu namorei um cara decente, resolveu aderir à monogamia e apareceu com uma namorada semanas depois de sair de casa. Hipocrisia dessa magnitude só desce com álcool.
— Ok, então já vamos seguir no tiro, porrada e bomba logo de cara?
— É assim que você gosta, não é? Ou já esqueceu que disse que ia matar o Adrien, segundo suas próprias palavras?
Harkin se reclinou na poltrona e cobriu os olhos com a mão.
— Quantas vezes eu vou ter que repetir? Ele é um maldito sentinela! Não é sobre ele ser legal ou não. Eu sei quem ele é. Passei anos ao lado dele, treinando, conversando, criando uma amizade. — O garoto apontou o dedo para Adrien. — E você jogou tudo isso fora, colocando minha irmã em risco.
— Isso é tudo que você tem pra falar? E quando foi você que me colocou em risco, psicopata? Já se esqueceu das noites em que passou mais de 24 horas acordado na porta do meu quarto esperando alguém aparecer? Ou das vezes em que matou gente que queria me pegar porque você mesmo dizimou os chefes do crime de Nerio?
— É diferente, e você sabe disso. Eles estavam atrás de mim porque eu matei Demétrius.
— Exatamente. Você matou Demétrius.
— E queria que eu deixasse ele te estuprar? Te transformar em prostituta? Escravizar nós dois até implorarmos pela morte?
A sala mergulhou num silêncio tenso. Mesmo cercados por luxo, o clima era pesado. Gabriela virou o copo de uma vez e se serviu de outro.
— Você foi longe demais, Harkin. Já entendi que está puto comigo, mas precisa descontar na sua irmã? — disse Adrien, o segurando pelo colarinho e o erguendo do sofá.
Harkin se desvencilhou com um golpe e se afastou.
— Você contou a ela o que significa ser um sentinela? Que seu corpo foi modificado? Que talvez vocês nunca possam ter filhos? Ou que você pode matá-la durante o sexo?
— Ele me contou, seu babaca.
— E você ainda aceita isso? Seu sonho sempre foi ser mãe, construir uma família.
— E, ao que parece, já estou fazendo isso. Ainda cuido de você como se tivesse quatro anos e nossos pais tivessem morrido ontem.
Harkin não respondeu. Sentou-se de novo e soltou um suspiro, derrotado. A garrafa de Uischaim flutuou até sua mão, mas antes que pudesse abrir, Serafina segurou seu pulso.
— Não. Você não vai ser infantil. Na cozinha, você me prometeu que ia tentar.
— Eu tentei.
— Não o suficiente. E você não vai se esconder atrás da bebida pra justificar seus atos depois. Se vira, ou aceita sua irmã na sua vida, ou vive com as consequências.
— Você disse que não ia me dizer o que fazer...
— E você prometeu tentar. Cresce, Harkin. Se você não consegue nem conversar com sua irmã, como espera manter um relacionamento comigo?
O silêncio voltou, dessa vez mais pesado. Ninguém esperava que uma garota de 1,60 calasse Harkin daquela forma.
— Ok, definitivamente gosto de você, garota. Eu te aprovo como cunhada. Qual é o seu nome mesmo?
— Serafina Fornel, ao seu dispor.
— Muito prazer, Serafina. Eu sou Gabriela et Abrasax, também ao seu dispor.
— Agora que vocês já são melhores amigas — disse Jeff —, Harkin, e aí? Vai parar de encher o saco do Adrien ou vamos meter o pé?
— Antes de você responder — interrompeu Adrien, encarando-o nos olhos —, se eu não fosse um sentinela, você reagiria diferente?
— Não. Ainda seria a minha irmã. E mesmo que você não fosse uma arma criada por mim, eu ainda ia querer te matar.
— Então é isso? Ciúme?
— Não. E não importa. A decisão final é da Gab. Se ela quiser ficar com esse idiota, é problema dela.
Adrien esboçou um sorriso discreto — "Recuperei meu amigo. Tô devendo uma pra essa tal de Serafina."
Harkin, por sua vez, notou o alívio no olhar da irmã. Mas antes que houvesse trégua total, ele ergueu a mão:
— Contudo, tenho uma condição. Calma! — disse, vendo os olhares mortais de Serafina e Gabriela. — Eu tenho meus motivos. Sentinelas carregam uma maldição no corpo, uma espécie de backup. Se tentarem se rebelar, ela é ativada.
— Já disse antes: que a maldição me consuma se eu sequer tentar levantar a mão contra ela! Quantas vezes preciso repetir isso?
— E o que isso faria com a Gab? Você já pensou nisso?
Adrien hesitou, e Harkin o silenciou com um gesto.
— Por isso, tenho uma alternativa. Estou trabalhando em algo novo, e já apliquei em mim. — Ele moveu o braço protético. — Foi o que me ajudou a construir essa belezinha. Pretendo aplicar a mesma tecnologia no seu corpo.
— Transformar meu namorado num pedaço de metal? Tá louco?
— Não é isso. Vou criar circuitos de mana artificiais. Com eles, poderei remover a maldição sem levantar suspeitas. Eu criei os sentinelas, mas não controlo mais o programa.
Ele se levantou e encarou Adrien, a um braço de distância.
— E aí, aceita?
— Quais os riscos? — perguntou Gabriela antes que Adrien respondesse.
Mas Adrien foi mais rápido. Estendeu a mão:
— Eu aceito.
Eles apertaram as mãos. Uma fórmula mágica surgiu entre os dois, selando o acordo.
— Você enlouqueceu, Adrien. E se algo acontecer?
— O seu irmão é um psicopata, mas todos os procedimentos dos sentinelas foram testados primeiro nele. Se ele usou isso no próprio corpo, quer dizer que é seguro.
— O idiota do seu namorado está meio certo. Tem 1% de chance de você perder os poderes, mas relaxa. Eu não ia desperdiçar um cara do seu nível.
— Ótimo. Agora que todo mundo se resolveu, o que a gente faz? — perguntou Pietro.
Foi quando a campainha tocou, quebrando o clima.
— Alguém tá esperando visita? — Harkin franziu a testa. — Não conheço essa aura…
Okini congelou.
— NiNi? — ele chamou, sem resposta.
Sem esperar, Harkin foi até a porta e a abriu.
Seu rosto empalideceu.
— Essa era a última expressão que eu esperava ver no seu rosto, meu bem. Posso entrar?
— Po… pode — respondeu, gaguejando.
A mulher entrou. A sala silenciou ao vê-la se acomodar, tranquila, como se fosse a dona do lugar.
— Chá. Que consideração. — disse, pegando uma xícara.
— Não foi de propósito, milady. Mas que bom que é do seu agrado.
— Vovó? O que a senhora tá fazendo aqui? — perguntou Pietro.
— E desde quando isso é da sua conta?
Ela se virou para Gabriela e sorriu com polidez.
— Enfim… é um prazer conhecê-la, jovem de Nerio. Sou Jeanne Ferrucini Von Empera.
— A imperatriz? — murmurou a jovem, surpresa.
— Em carne e osso. Mas antes de qualquer conversa… — ela ajeitou a postura, solene. — Preciso tratar de um assunto com meu enteado. Só eu e você, Harkin.
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