Infinity World Brasileira

Autor(a): Infinity World


Volume 1

Capítulo 7: Por Trás da Pele

O cheiro de seiva estagnada e sangue fresco impregnava o ar, pesado e nauseante. A floresta já não era mais floresta. O que antes vibrava com o canto dos pássaros e o sussurrar do vento entre as copas agora jazia em silêncio, sufocado pela devastação. Troncos despedaçados e galhos quebrados cobriam o chão como ossos partidos, e a terra — antes úmida e viva — estava revolvida, um tapete de lama e raízes expostas.

Um véu de fumaça tênue serpenteava entre os troncos mutilados, resquício da essência lançada por Suu-Yuky instantes antes. A névoa distorcia a visão, havia algo nela que queimava levemente os olhos.

No meio daquele campo de ruínas, dois homens permaneciam de pé — não pela força dos músculos, mas pela rigidez obstinada da vontade.

Suu-Yuky, capa rasgada, olhos semicerrados, apertava o punho firmemente. O braço tremia, não de medo, mas pela tensão acumulada, pronto para liberar toda a força contida. Ao seu lado, o jovem aventureiro girava o revólver entre os dedos com destreza, os olhos atentos, analisando cada movimento no terreno arrasado.

Do outro lado, a criatura.

Seus olhos queimavam como brasa prestes a se apagar, mas ainda havia força naquelas patas cravadas no solo. O pescoço ferido pulsava num ritmo febril, vertendo sangue grosso que fumegava ao tocar a terra fria. A criatura, exausta, preparava o corpo massivo para mais um salto — um último suspiro de brutalidade.

Ambos estavam feridos. Ambos estavam no limite.

Mas a luta, definitivamente, ainda não tinha acabado.

— Vamos acabar com isso — murmurou Suu-Yuky.

A criatura ergueu a cabeça. Seus pulmões inflaram. E então veio o rugido.

Desta vez, não foi um grito de ameaça. Foi um lamento primitivo do fim. Uma onda sônica crua e distorcida, carregada de dor antiga, explodiu de sua garganta. A onda sônica rompeu a clareira com força bruta. As árvores tremeram. Os pássaros despencaram dos galhos. O ar se despedaçou em dor.

O grito escapou da garganta de Suu-Yuky — não por escolha, mas porque o corpo o traiu. Caiu de joelhos, os ouvidos pressionados com força, os olhos se fecharam com brutalidade. Sangue escorreu em fios finos por entre os dedos, enquanto o chão abaixo se manchava em silêncio.

O rapaz cambaleou um passo para trás, os tímpanos zunindo. Mas manteve-se em pé. Com os olhos semicerrados e o instinto no comando, sacou o revólver de gancho e apontou. O cano brilhou por um instante entre as sombras da floresta.

Algo mudou. Enquanto o garoto erguia a arma, o revólver rangeu em resposta, com um estalo seco. As placas metálicas que formavam o mecanismo do gancho se retraíram sozinhas. O metal se redistribuiu com fluidez quase orgânica, revelando sob a estrutura improvisada uma forma mais limpa, mais sólida. Ele puxou o gatilho.

O estampido cortou o ar. O projétil atravessou a fumaça e atingiu o olho direito da criatura. O globo ocular se desfez num estalo úmido. Sangue espesso jorrou em filetes curtos. A criatura cambaleou, instável, cega de um lado, arfando em sucessos curtos e descompassados.

Ela girava sobre as patas, tateando o mundo com o faro embaralhado, os sentidos falhando um a um.

— Agora! — gritou o rapaz, enquanto já corria para a lateral. Sacou a adaga com um movimento rápido, girou-a entre os dedos e a lançou pelo ar.

Suu-Yuky agarrou a arma no meio da fumaça. Não parou. Ergueu o corpo, sujo de sangue, suor e orvalho envelhecido. Avançou sem desviar.

Mas a criatura, mesmo em agonia, ainda barrava o caminho.

Ela sentiu o movimento. Disparou um golpe às cegas com uma das patas dianteiras, quebrando troncos ao redor. Suu-Yuky se abaixou no último segundo, sentindo o vento rasgar sua capa já em farrapos. Aproveitou o embalo e deslizou pela lama, passando por debaixo da criatura.

Com um giro do corpo, cravou a lâmina em sua pata traseira, tentando inutilizá-la. O sangue jorrou como de uma veia aberta, espesso e fervente. A fera rugiu, tropeçando para o lado, e se virou para esmagá-lo.

Nesse instante, o rapaz reapareceu.

Disparou o gancho do revólver contra um galho alto, usou o recuo para se lançar em um salto violento. No ar, sacou uma segunda adaga. A lâmina brilhou no instante em que ele cortou o lado oposto do pescoço do monstro, abrindo uma nova fissura sangrenta.

A lâmina entrou fundo. A pata cedeu.

A criatura desabou com o peso do próprio corpo, o rugido cortado no meio. Tentou se erguer, mas falhou. As patas escorregavam. O corpo tremia.

Estava confusa. Os olhos giravam, buscando um alvo que não via. O peito subia e descia, arfando com violência. Cada respiração parecia um esforço. Tentou mover a cabeça, mas mal controlava o pescoço.

O rapaz aterrissou em uma cambalhota e rolou até os pés de Suu-Yuky.

— Você vai ter que fazer o serviço sujo — disse, com um meio sorriso. E lançou a adaga principal.

Suu-Yuky a pegou no ar.

Parou, com os joelhos levemente flexionados, o corpo ainda meio inclinado.

O sangue escorria entre seus dedos, denso e quente, manchando a pele com um vermelho-escuro que já parecia parte dele.

Ele olhou para a própria mão por tempo demais.

Não havia espanto. Nem pressa. Só algo estranho, incômodo: a sensação de já ter visto aquilo antes. Não na mente — mas na pele.

Os dedos se ajustaram por conta própria. O polegar escorregou até o ponto exato do equilíbrio. O pulso girou. Os músculos tensionaram com precisão. O corpo se posicionou. O calcanhar recuou meio passo. A outra perna travou firme. Ombros alinhados. Respiração presa.

Mas a mente estava em branco.

Ele apertou o punho.

E avançou.

Através do único olho ainda aberto, a criatura viu a silhueta se aproximando. Um vulto de carne e sombra, envolto na luz morna do sangue e da fumaça.

Ela não entendeu.

Só soube quando a lâmina penetrou fundo em sua carne já ferida, no pescoço aberto, afundando com precisão cruel. A lâmina girou, escorregando entre os músculos, separando o que restava de sua força. Um som gorgolejante escapou de sua garganta enquanto tentava respirar uma última vez.

O olho branco da criatura tremeu. E então, vazou lágrimas — puras, quentes, como se implorasse por algo que nem ela sabia.

As pernas cederam primeiro.

Depois a cabeça tombou com o peso de sua própria morte, batendo contra a terra e afundando-a como uma pedra afunda o leito de um rio.

A floresta silenciou.

Suu-Yuky permaneceu de pé, o peito arfando, a adaga ainda cravada no monstro que enfim se calara.

O rapaz se aproximou, recolhendo o revólver com um suspiro.

— Que final bonito… — murmurou. — Se eu chorasse por monstros, esse seria um bom motivo.

Suu-Yuky recuou um passo. A respiração ainda vinha pesada, mas os ombros começaram a relaxar. Ele virou-se devagar, sem pressa.

O sangue escorria pela lâmina até a ponta dos dedos. Estendeu o braço. A adaga balançava levemente em sua mão, ainda quente do último golpe.

Sem olhar diretamente para o rapaz, entregou a arma.

— Obrigado — disse, com voz rouca.

— De nada. Mas lembra do trato… agora você me deve um favor.

A fumaça da essência começava a se dissipar, misturando-se ao cheiro metálico do sangue e da terra revolvida. Os dois ficaram alguns segundos ali, apenas respirando. E os pássaros, tímidos, voltavam a cantar.

O rapaz foi o primeiro a quebrar o silêncio, chutando suavemente o corpo da criatura, agora imóvel.

— Bom, o bicho já era. E agora, o que você vai fazer? — perguntou, olhando para Suu-Yuky com um meio sorriso. — Não vai me dizer que matou ele só por matar?

Suu-Yuky pegou a segunda adaga cravada no cadáver da fera e a limpou na própria capa, que já era só um farrapo. Depois a guardou.

— Tenho que levar isso pra uma cidade não muito longe daqui — respondeu, com o olhar fixo na carcaça. — Me mandaram matá-la em troca de uma espada.

O rapaz arqueou uma sobrancelha e olhou para o monstro abatido.

—Matar um bicho desses em troca de uma espada?! — exclamou o rapaz, incrédulo. — E como você pretende levar essa coisa? Vai puxar com a alma?

— Bom… foi isso que eu fiz. Por isso mesmo você vai me ajudar — disse Suu-Yuky, já se afastando para buscar madeira.

O outro riu, espreguiçando os braços.

— Ah, claro... eu ajudo. Acho que arrastar cadáver de monstro é bem mais legal do que morrer.

Logo, estavam os dois reunindo troncos e cipós, improvisando uma estrutura de arrasto. O trabalho era pesado, mas havia uma estranha leveza no ar — como se o alívio pela sobrevivência desse a cada gesto um ritmo mais calmo.

— Então, como se chama? — perguntou o rapaz, enquanto amarrava os galhos com firmeza.

— É verdade, você me ajudou e eu ainda não me apresentei. Eu me chamo Suu-Yuky.

— Nome esquisito, hein? — disse ele, rindo. — Vou te chamar de Yuky.

Suu-Yuky observou o rapaz por alguns segundos. Quando ouviu o apelido, arqueou uma sobrancelha, ligeiramente. Então, com um suspiro discreto, os lábios se curvaram num meio sorriso, quase imperceptível.

— Yuky… Bom, me chama como quiser... — Ele passou a mão pela nuca, limpando o suor misturado com sangue seco. — E quem você é afinal? É bem habilidoso pra ser qualquer um.

— Ia dizer isso agora mesmo. Sou Greg Magno. Caçador de recompensas, famoso por aqui. Talvez já tenha ouvido falar… me chamam de Gatilho de Agulha — falou com um orgulho evidente, como se esperasse reconhecimento imediato.

— Nunca vi mais gordo — retrucou Suu-Yuky.

— Você é muito sem graça, viu. Mas deixando isso de lado, você está bem? Tomou umas lapadas feias daquele bicho e está andando como se nada tivesse acontecido.

— Já estive melhor, se é isso o que quer saber — disse Suu-Yuky, a voz rouca, o corpo ainda tenso.

Greg remexeu uma das bolsas presas ao cinto e puxou um pequeno frasco cilíndrico de vidro grosso. O líquido dentro era rosado, com um brilho opaco que parecia pulsar levemente sob a luz filtrada da floresta.

— Toma isso aqui — disse Greg, jogando o frasco com precisão. — Poção de cura. Não dá pra confiar nessa sua cara de durão. Daqui a pouco, você apaga em pé.

Suu-Yuky pegou o frasco no ar. Quebrou o lacre com o polegar e bebeu tudo de uma vez.

Segundos depois, os cortes começaram a se fechar. A pele se reconstituía devagar, como se costurada por dentro. Ele sentiu o calor se espalhar pelos músculos, dissipando a dor aos poucos.

— Valeu — murmurou, devolvendo o frasco vazio com um leve aceno de cabeça.

Eles começaram a arrastar o corpo pela trilha improvisada. O som dos galhos quebrando e da carne pesada roçando no chão substituía o silêncio anterior. Era um trabalho demorado, lento — mas tinha um objetivo.

Enquanto avançavam pela floresta, o céu começava a mudar de cor, tingido pelos tons alaranjados do fim de tarde.

— Beleza, Yuky. Agora que somos melhores amigos, que tal você me contar que raio de criatura era essa?

— Não sei. Nunca vi nada igual — respondeu, enquanto arrastava um tronco grosso para a base da estrutura. — E ninguém soube me dizer de onde ela surgiu.

Greg parou por um instante, olhando para o corpo gigantesco.

— Bom... seja lá o que era, não tá mais aqui. Mas vou te falar, ela não queria só matar. Tinha alguma coisa naquele rugido... era tipo... sei lá. Tristeza.

Suu-Yuky não respondeu de imediato. Só ajeitou melhor os troncos sob a carcaça e puxou uma corda improvisada.

— Tristeza não muda o que ela fez — disse, por fim. — Só torna pior o que ela se tornou.

Greg assobiou, impressionado.

— Profundo. Quase poético, cara pálida.

— Cala a boca e ajuda a puxar.

Enquanto Suu-Yuky recuperava o fôlego, Greg se aproximou da criatura caída. Seus olhos vasculhavam cada detalhe, como se tentasse desvendar um mistério que insistia em escapar. Algo naquela besta não encaixava. Era diferente — uma anomalia que despertava sua atenção inquieta.

Agora falando sério o que diabos é essa coisa? Já vi muita aberração por aí, mas nada parecido com isso...

Ele afastou os pelos embaraçados da pata machucada e revelou um sinal gravado sob a pele: uma numeração precisa, quase clínica.

“A-0012.”

Greg engoliu em seco, fixando os olhos na sequência.

Essa numeração… será que isso é…?

Com a criatura entre eles, Suu-Yuky e Greg retomaram a caminhada em direção à ‘Cidade Sem Nome’. A floresta ao redor parecia engolir seus passos, mas longe dali, em um local completamente diferente, o clima era outro.

Em uma câmara escura, iluminada apenas por tochas tremeluzentes, uma figura envolta em sombras fitava atentamente um antigo pergaminho coberto de símbolos e runas. Seus olhos arregalados refletiam a luz oscilante, enquanto mãos trêmulas manipulavam frascos e instrumentos alquímicos sobre uma mesa de madeira gasta.

— Isso não está certo! — a voz cortou o silêncio, cheia de urgência. — A conexão foi perdida! O experimento A-0012 foi eliminado!

De repente, pequenas tochas presas às paredes começaram a crepitar e soltar faíscas inquietas. Sinos de bronze ressoaram pela câmara, seus toques abafados ecoando nas paredes de pedra. O ar ficou pesado, anunciando que algo escapava do controle.

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