Vol. 1 – Arco 1

Capítulo 5: Maldito Hippie Sujo (2)

Mansão do Amadeus, Woodnation – 9:40 da noite, treze de Julho.

Leonard ficou espantado ao ver aquele homem completamente nú conseguir estraçalhar a porta com um mero chute.

— Então está me dizendo que não se chama Einstein Heisenberg Holmes? — perguntou o peladão. — Se esse é o caso, qual seria o seu nome?

As enormes mechas douradas do indivíduo misterioso praticamente flutuavam devido a ventania que invadiu a sala desde que a porta fora arrombada, mas mesmo assim, o cabelo continuava a cobrir as orelhas dele. 

— Acha mesmo que te direi, rapá? — falou o detetive, ainda vestido com aqueles trapos imundos e com o rosto coberto por um saco que apenas deixava os seus olhos e boca levemente visíveis.

— Exato.

— Então cê é burro. 

— Como ousa…? — Uma crescente de raiva surgiu no rosto do estranho. 

— Primeiro me diz o que quer com o Einstein.

— O conhece? Curioso — Sorriu, como se a situação estivesse na palma de sua mão. — Tenho que levá-lo para que ele seja morto.

— O quê? — Leonard se levantou. — Por quê?

— Não tenho a resposta dessa pergunta. Na verdade, apenas imagino que ele vá ser morto. Mas convenhamos, é a maior possibilidade.

— Tá me dizendo que está atrás dele e nem sabe o motivo disso? Que desculpa esfarrapada.

— Me poupe.

— Mentir é feio, sabia?

— “Mentir é feio”? Que piada. Como se fosse sensato acrescentar um adjetivo desses a um conceito tão bobo. A feiura não é algo natural, já a mentira, é um mecanismo de defesa que usamos para sobrevivermos em diversas situações.

— Em?

— Nada criado pelo processo evolutivo desse mundo, ou de qualquer outro, é feio. A feiura é a dominação da natureza, a transformação desta em um mero produto de uma sociedade cancerígena. Até posso mentir uma vez ou outra para levar vantagem, mas nada do que sou ou do que faço é feio. Afinal, sou um só com a natureza. Eu sou a natureza.

— Espera! — berrou. — Essas falas… Isso quer dizer que… 

— Alguém como você não entenderia. Preso aos vícios proporcionados pela tecnologia, feito de gado pelo consumismo. Não é alguém livre. É um escravo de seus desejos, feito apenas para trabalhar e comprar…

Perplexo com o que acabara de presenciar, Leonard respirava com dificuldades. Caiu no chão, suando frio. “Então isso é real? Já me falaram sobre eles, mas pensava que era apenas uma lenda. Mas é real. É real!”

Enquanto o loiro continuava com o seu monólogo infinito, o detetive sofria de um intenso ataque de pânico. Debatia-se como uma sardinha fora d’água e berrava como um pokémon selvagem e violento.

— Tu anda sem roupa e odeia a sociedade atual… adora a natureza… isso significa que é um… um… 

Só não mais morto do que um cadáver, se levantou vagarosamente e dirigiu-se até o homem nú. Parou na frente dele, transpirando. 

O seu semblante fora tomado por uma seriedade mórbida, tudo aquilo por estar cara-a-cara com uma lenda urbana.

Estava cara-a-cara com um hippie.

— Como ousa me interromper? — questionou o loiro, até ter o rosto atropelado pelo punho do investigador.

MALDITO HIPPIE SUJO!!! 

O corpo do hippie desabou violentamente, estraçalhando o piso de madeira.

— Desgraçado! — gritou Leonard, pisoteando enlouquecidamente o caído. — Acha que nunca me contaram sobre as lendas de sua espécie? 

Enxugou as lágrimas, sem parar de pisoteá-lo.

— Muitos me avisaram sobre os perigos de um hippie, mas nunca acreditei que pessoas tão asquerosas como vocês fossem reais. Me arrependo profundamente de não ter tido fé. MORRA, VERME!

Em meio aos seus chutes incessantes, no interior de sua mente, nascia o desespero. 

Como poderia estar lidando com um ser tão maldito? O que Einstein fez para merecer ser perseguido por aquele homem? Não, não tinha como ele ter feito algo para merecer isso, nem o mais perigoso criminoso mereceria um castigo tamanho! 

Aquele desgraçado precisava ser eliminado imediatamente, antes que se reproduzisse como um vírus por toda a cidade — afinal, o meliante já encontrava-se pelado, pronto para colocar a mão na massa.

Leonard chutou, chutou, chutou e chutou, com toda a ira do mundo. Isso até seu pé ser agarrado pela mão do demônio.

— Qual foi? — Tentou se soltar, mas um único movimento do inimigo bastou para que seu pé fosse entortado como uma colher.

O detetive berrou de dor e tombou sobre o pavimento de madeira.

— Não deveria ter feito isso comigo. — O outro se levantou. Sangue saindo do nariz e da boca, hematomas espalhados por seu peitoral. — Seja lá o que seja um hippie, sou apenas um homem em busca de justiça. O que você fez comigo não foi nada justo.

— Seu desgraçado. Cê quebrou o meu pé! 

— Não finja que isso foi um feito de má fé. Você ia me matar. Ia impedir o meu sonho de ser realizado.

— Nem vem… — murmurou, observando o peladão se levantar. — Fica longe de mim, maluco.

Um sorriso nasceu no rosto do loiro. Subitamente, um animal saiu dentre as pernas dele. 

Para a felicidade de Leonard, não era uma cobra. O chihuahua de pelagem bem-cuidada pousou em sua frente, o encarando com a língua para fora e um olhar inocente. 

“Onde que esse bicho estava por todo esse tempo?” 

— Sabe o que alguém que tenta acabar com os sonhos dos outros merece, sujeitinho? — indagou o loiro.

— Um apanhador de sonho para ajudar no trabalh– ei! — Afastou a mão do cachorro depois de ser arranhado por uma de suas patas.

O sorriso no rosto do homem nú cresceu consideravelmente, junto à sua malícia:

— É exatamente isso que eles merecem. Um pesadelo.

— Do que tá falando? Vê se educa o seu bicho, ô peladão.

Sendo totalmente ignorado, a raiva do investigador apenas cresceu. Começou a se arrastar até o sofá logo atrás, para conseguir apoiar-se em algum lugar e se reerguer. 

Enquanto isso, o cachorrinho e o loiro davam as costas para ele e voltavam-se para a direção da porta.

— Vai fugir, é? — indagou o detetive. — Covardão.

— Você é realmente uma figura. Não estou fugindo, já venci a luta.

— Não é um pezinho quebrado que vai me fazer parar. — Sentou-se no sofá e agarrou o controle remoto largado ao seu lado.

Um suspiro firme e um pouco de concentração, isso foi o necessário para arremessar o controle até a cachola do loiro. Impulsionado pela grande força, o aparelho voou como uma flecha. 

— Acredito que consiga suportar a dor de um pé quebrado, mas a questão é que…

O controle foi voando, até ser agarrado pelos dentes do chihuahua.

“O quê?!”, pensou o detetive, perplexo com o feito do animal.

Após pular incrivelmente alto e agarrar o objeto, o cachorrinho pousou no chão, com o controle prensado em seus dentes. Os destroços pareciam ter sido esmagados por alguma máquina enorme.

— Muito obrigado — agradeceu o loiro ao chihuahua. — Agora compreende? Quando se é um só com a natureza, ela faz tudo para protegê-lo.

“Esse cão é do Diabo. Bem que ouvi falar sobre hippies serem todos satanistas!” Por fim, Leonard gritou:

— Cara, cê vai ver. Quando eu te pegar, vou… vou… fazer algo muito violento, mas primeiro, irei tirar uma soneca! 

— Boa noite.

— Espera, não! Por que falei isso?

Coberto de ódio, até tentou se reerguer para continuar a luta, porém, seu corpo se encontrava muito mais disposto a brincar de Bela Adormecida. Desabou no chão.

“O que tá rolando? De onde esse sono todo veio?” Encontrava-se tão sonolento que seria preciso três latas de energético só para ser capaz de levantar um dedo.

Era bizarro pensar que, há três segundos, nem cogitava dormir.

— Não deveria ter subestimado o meu cachorro, homenzinho — comentou o loiro, com aquele sorriso desdenhoso. — Um arranhão de sua garra basta para fazer o mais forte elefante cair em um sono sem fim.

— Sério? — Arfou, sua voz desleixada de tão sonolenta. — Felizmente, não sou um elefante…

— É um modo de falar, maldito — vociferou. — É humilhante, não é? Ser derrotado por um animal desses, que vocês tanto subestimam e usam como meros brinquedos. É esse o preço de brincar com vidas. E nem ouse fingir que não avisei, pois sabe muito bem que está tendo o que merece.

Embora com vontade de retrucar, já não tinha mais forças nem mesmo para manter os olhos abertos. A escuridão foi tomando a sua visão e a última coisa que foi tomada pelas sombras de suas pálpebras foi a força da natureza que existia entre as pernas do hippie.

“Essa vai ser a minha última visão? Merda!”

— Bons sonhos — disse o loiro, e então o detetive apagou. — Olha só, quem será?

 

Minutos antes…

 

Einstein Heisenberg Holmes permanecia em seu posto, na calçada oposta a da mansão, completamente estático dentro de uma muda de arbustos.

“Mal posso esperar para ver o detetive sair daquela mansão com o meu querido irmão em seus braços!”, pensou. “Espero mesmo que o Galileu esteja lá dentro. Para falar a verdade, tenho que torcer para que o detetive continue vivo até agora. Aqueles barulhos de tiros me deixaram preocupado… Espera, quem é aquele cara?”

Referia-se ao homem completamente nú que desfilava pela rua até parar na frente do portão da mansão do Amadeus.

— Oh! — Se assustou quando o meliante escalou o portão e saltou para dentro em um piscar de olhos, como se aquilo não fosse nada.

“Carambolas, esse sujeitinho parece ser bem casca grossa. Por que está invadindo a casa? Será que é um amigo do Amadeus? E se ele encontrar o detetive?!” Temendo a ideia, saltou para fora dos arbustos e cerrou os punhos. “Isso é perigoso, terei que me envolver!”

Deu os seus primeiros passos em direção a casa, mas logo a indecisão tomou conta de si e voltou para dentro do arbusto. “Não, o detetive me mandou ficar aqui e só ir até lá se ele não sair em uma hora.”

Lembrou-se que as sirenes das viaturas policiais já estavam audíveis.

“Droga, algum paspalhão que ouviu os tiros ligou para a polícia!”

Ao ser bombardeado pelos mais diversos tipos de medos, entendeu que se o seu colega estivesse precisando de ajuda e não fosse salvo imediatamente, poderia acabar tendo um destino muito cruel; como ser preso pela polícia por invasão de propriedade, ser sequestrado por aquele homem nú ou até mesmo ser assassinado e ter o cadáver jogado em alguma sarjeta qualquer. 

Caso fosse ainda mais azarado, poderia sofrer de um destino muito pior: ser obrigado por aquele homem a ler todos os capítulos de Genealogia Mystery!

Sabendo que não poderia permitir uma atrocidade dessas, saltou para fora dos arbustos e correu desengonçadamente até a mansão.

Quando parou na frente do portão, já era capaz de ouvir gritos de todos os tipos vindos lá de dentro: “MALDITO HIPPIE SUJO!”, “Desgraçado!”, “MORRA! MORRA! MORRA!

Precisava urgentemente entrar! Por isso, usou todas as suas forças para escalar o portão.

Demorou quase dois minutos.

— Detetiveeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! — gritou tão alto quanto uma barraqueira surtada de 46 anos com sete filhos e meio (o último nasceu sem pernas), correndo pelo jardim raivosamente. 

Dali, já conseguia ver as costas do homem pelado, além de sua cabeleira enorme e sua bunda seca (seca por falta de hidratação, pois as nádegas eram bem redondas e protuberantes, como duas bolas de basquete... ok, acho que foram ditos detalhes que ninguém precisava saber). 

Talvez essa descrição tenha sido um pouco desnecessária.

  — Olá? — O loiro virou-se para ele.

Einstein logo alcançou o homem. Nisso, proveio de acertá-lo com um soco no rosto.

Tolo arrependimento.

Ai, ai, ai, ai! — gritou, sacudindo sua mão. — Você é duro que nem o detetive, nossa!

— Detetive? 

— O que está fazendo aqui e o que fez com o meu colega?!

— Estou atrás de alguém chamado Einstein Heisenberg Holmes.

— Ora bolas, como diabos sabe o meu nome completo?

— Acho que me contaram. Espera, é você?! Perfeito.

— Quem te contou?

— Quer saber mesmo? Posso levá-lo até o homem que me contou isso. Vim até aqui a mando dele. Sinto que você vai adorar conhecê-lo.

— Hm, deixa eu pensar… primeiramente, por que o meu amigo está desmaiado atrás do senhor?

— Não tenho a mínima ideia. Quando cheguei aqui, ele já estava assim.

— Mentira! — gritou, estapeando o homem. — Aí, aí, aí, minha mão!

O loiro ficou sorridente, incapaz de ignorar o aspecto ridículo de Einstein. Só que, de um momento para o outro, seu sorriso foi alterado por uma expressão de surpresa. 

Strange Magic! — esbravejou o feiticeiro (ainda achava o nome do poder pouco criativo, mas não conseguiu pensar em outro nome a tempo e por algum motivo sentia que precisava gritar algum nome na hora de usar os poderzinhos).

O corpo do hippie fora subjugado por uma poderosa ventania, até ser arremessado contra a parede como se fosse um pedaço de papel.

— O que foi isso? — indagou, atônito.

— Uma bola de ar mágica que explodiu bem na sua fuça sem você nem perceber, zé mané! — respondeu Einstein. Um orbe de raios começou a crescer sobre a palma de sua mão. — Quem é você, quem te disse o meu nome e o que os dois querem comigo?! 

— Quer tanto saber? Então me pergunto o motivo de não vir comigo. Não vamos machucá-lo de forma alguma, juro.

— Seu cafajeste, como ousa falar isso depois de espancar o meu detetive particular?

— Só fiz isso pois ele começou a me bater primeiro!

— Fala outra.

— É sério! Ele me chamou de hippie e partiu para cima de mim, por isso que estou todo ferido. Não vê?

“Espera, e se…?”, pensou. O que foi dito pelo loiro o fez se lembrar da  ofensa à hippies que ouviu quando estava frente-a-frente com o portão da mansão. Será que o detetive simplesmente desviou de sua missão para espancar aquele sujeito unicamente pelo fato dele possuir um estilo de vida diferenciado?

Einstein não sabia muito bem o que era um hippie, só sabia que eles gostam de maconha e de paz. Mas se eles são totalmente pacíficos, por que o detetive sentiria tanta raiva deles?

Talvez Leonard fosse simplesmente intolerante, seja por alguma lógica distorcida ou por outro motivo. Afinal, só o conhecia há poucos dias. Inclusive, queria matá-lo por pensar que ele era Amadeus há pouquíssimo tempo. 

Não poderia botar a mão no fogo em nome dele, pois sequer conhecia os seus verdadeiros ideais.

— Você virá comigo? — indagou o homem nú, aproximando-se lentamente.

— Deixe-me pensar…

As sirenes se tornavam cada vez mais estridentes.

— Sem querer te apressar, mas a polícia vai invadir a mansão em cerca de cinco minutos.

— Como sabe se são cinco minutos?

“Eu vou ou não?”, pensou. Embora não devesse colocar a mão no fogo pelo investigador, simplesmente abandoná-lo seria uma verdadeira traição. A veracidade de tudo era como uma aposta.

— A minha audição é boa, consigo definir as distâncias através dela — respondeu rapidamente. — Decidiu?

— Posso levá-lo comigo? — Apontou para o inconsciente. 

— Claro. — Sequer pensou duas vezes.

— Okay. Primeiro, me diga quem é o homem que te mandou ir atrás de mim e o que ele quer comigo.

— Não temos tempo!

— Cinco minutos é o suficiente!

O loiro cruzou os braços e suspirou:

— Tudo bem. Vou tentar explicar o mais resumidamente possível. Eu me chamo Laertes e estou fazendo um favor a um amigo meu. O nome dele é Pan…

 

Au, au!

 

O cachorrinho se aproximou latindo do feiticeiro, que o agarrou e exclamou:

— Cacetadas, que bichinho mais fofo! Engraçado, não tinha visto ele aqui antes.

— O nome dele é Coolio.

— Hahah. Nome diferente! Ele é muito fofinho. Enfim, continue o que estava falando. — Como resposta ao carinho, o chihuahua saltou contra o seu rosto, arrancou o nariz de sua máscara com a boca e começou a devorar o seu rosto de borracha. — Controle esse cachorro, ele é louco! 

Não parava de berrar, agarrando o pequenino para arrancá-lo de seu rosto. Surpreendentemente, o chihuahua era mais teimoso e forte do que esperava, não largando de forma alguma.

Era como se estivesse lidando com um verdadeiro monstro. Enquanto isso, Laertes apenas observava a cena de braços cruzados, impaciente:

— Quer saber? Darei a você as informações que tanto quer quando chegarmos ao nosso destino.

— O quê? Não. Então não quero! Tira ele do meu rosto!

— Achei que havia deixado claro em minha última frase que isso já não é mais uma escolha.

“Hah, bem que achei que esse cara era um paspalhão. Como esse é o caso, me desculpe, cachorrinho.”

Subitamente, Coolio saiu voando como um papel ao ser empurrado pela ventania monstruosa que saiu das mãos do feiticeiro.

Au, au, au! — O cachorro latia em pânico. A ventania não parava e nem deixava seu corpinho pousar no chão. Flutuou pela sala por uns segundos antes da ventania sobrenatural se dispersar e ele cair no sofá.

Com a máscara toda arranhada, Einstein abriu bem as mãos, onde dois orbes cresceram sobre. O da mão esquerda fora moldado por um ninho com centenas de faíscas elétricas, enquanto o da direita fervia o ambiente com suas poderosas chamas alaranjadas.

— Eu vou pegar o meu amigo e sair daqui antes da polícia chegar, e você vai me deixar fazer isso sem reclamações, ok? Senão, te esbagaçarei todinho e seu cachorro vai virar órfão!

Por mais que um homem fantasiado de hamster com duas bolas maciças nas mãos não seja algo muito assustador quando se fala desse jeito, é algo que soa bem mais perigoso quando se está de fato na frente de um, ainda mais quando as bolas maciças são capazes de eletrocutar uma pessoa até a morte ou cremá-la em poucos segundos.

Ainda assim, Laertes não exalava nem mesmo o mais mínimo sinal de medo. Permaneceu encostado no sofá, quieto.

— Vai ser desse jeito? Tudo bem. — Com um movimento do feiticeiro, a esfera de raios foi arremessada.

A eletricidade invadiu o corpo da vítima e deu início a um show de gritos. 

Os choques duraram bons segundos, parando apenas quando o cadáver desabou no chão, enegrecido e cheio de fumaça.

Einstein não tirou os olhos do morto, perplexo. Não esperava que seu desespero o levaria até aquilo. Embora estivesse disposto desde o início, não imaginava que realmente viria a tirar a vida de alguém daquele jeito. Ajoelhou-se, perplexo.

— Isso foi muito monstruoso da sua parte — comentou o hippie, observando o chihuahua morto sobre seus pés.

“Como um cachorrinho daqueles conseguiu saltar tão alto e tão rápido? Como isso é possível?”, pensou Einstein. “Merda, ele era tão fofo… e eu o matei!”

— Desculpa, foi sem querer…

— Ele sabia o que ia acontecer ao pular em minha frente — falou Laertes, sem nenhum sinal de tristeza, aproximando-se do feiticeiro e parando em sua frente. — E você não esperava que esse incidente aconteceria, não é?

— É…

Os olhos deles se cruzaram — lantejoulas esbugalhadas versus um par de olhos que talvez fiquem vermelhos com frequência. 

— Se é o caso, por que não desiste e vem logo comigo? Não quero que mais acidentes acabem acontecendo.

Einstein manteve-se atento.

— N–

A perna depilada do hippie reverberou violentamente contra o seu rosto.

— Ai! — Por trás da máscara de hamster habitavam um nariz quebrado e um rosto molhado de sangue. — Por que isso?

— Acabou de matar um animal inocente e ainda ousa negar o meu pedido? — Toda a ira do mundo repentinamente se moldou na face do loiro. — A sua insolência já passou dos limites há muito tempo!

— Ora bolas… já você, está muito ousado para quem está tão perto de mim.

Em uma frenesi de raiva, estendeu a palma direita. “Ele não vai conseguir desviar dessa distância!” Então, o orbe de chamas escorregou de sua mão e partiu contra o rosto do inimigo.

Mas mesmo naquela distância, o peladão desviou.

“Ah.”

Era incrível ver como o meliante fazia parecer fácil se jogar para trás e deixar o veloz projétil flamejante passar por cima de seu rosto. 

O hamster tentou replicar sua velocidade, mas seu rosto foi brutalmente atropelado pela perna do inimigo. Caiu, atônito.  

— A sua frase de efeito já foi ridícula por si só, mas dizê-la para depois falhar em me acertar é tremendamente vergonhoso — comentou Laertes, regredindo seu estado de espírito de volta para a calma arrogante.

O hamster tentou se levantar, mas começou a ser agredido pelos vários chutes do loiro.

A cada chute, sua cabeça ficava mais e mais coberta por uma vertigem agressiva e uma tontura ácida. Erguer-se era um desafio naquele estado, o que fora completamente impossibilitado pelos chutes infinitos. 

A única coisa que conseguia era olhar o inimigo de baixo para cima e se surpreender com o cachorrinho que surgiu de um segundo para o outro no ombro dele.

Embora sua visão não estivesse no melhor estado, conseguia notar que aquele cachorro era exatamente idêntico ao chihuahua que fora morto há menos de um minuto.

“Ué? O cachorrinho voltou dos mortos? Ou essa história já está na fase do irmão gêmeo maligno?!”

Os chutes pararam e Laertes sorriu, imerso em um mar cruel de felicidade.

— Acabou. Não resista, isso só vai piorar a sua situação.

— Como assim? — questionou com uma inocência estranha. Viu o cachorro pular e cair em sua pança de hamster. 

— Olhe só, não tenho a mínima ideia do que ele vai fazer contigo quando eu te entregar. Era mentira quando falei que certamente seria algo pacífico. Torça para que ele precise de ti acordado, ou então que seja muito misericordioso. Caso contrário, Einstein, saiba que nunca mais acordará.

O cachorrinho sorriu. As presas dele pareciam uma fileira de facões,  todos preparados para dilacerar qualquer tipo de carne. “Isso não é um chihuahua!”

— Qualquer um que for perfurado pelo Coolio é preso em um sono eterno, meu caro amigo — falou Laertes, como se estivesse esperando ansiosamente pela reação do alvo. — E só voltará caso seja de minha vontade. Isso, claro, se eu não fosse alguém com muito rancor no coração.

— Então… foi isso que você fez ao detetive?!

— É — respondeu vagarosamente, decepcionado. 

— Seu… seu monstro!

— Não se preocupe. Deixarei os dois dormindo juntinhos.

O hippie deixou um sorriso escapar, enquanto o cachorro mastigava a barriga daquele traje de hamster. Isso até perceber que, por mais afiados que os dentes do cachorro fossem, não conseguia fazer mais do que deixar arranhões na roupa. “Os seus dentes conseguem arrancar o pedaço de um braço humano facilmente, mas não essa fantasia ridícula? Era só o que me faltava…” pensou. “Tudo bem, é apenas questão de tempo.”

— Mas, quem sabe, eu teria feito Coolio acordá-lo se você tivesse vindo conosco. Só que a sua escolha foi tentar me matar.  Péssima decisão, Einstein. — Sem tirar o sorriso do rosto, estendeu a mão até a máscara do feiticeiro. — Péssima decisão.

“Não, não, não!”, pensou o feiticeiro. Tentou agarrar o pulso do homem, mas a dor o tornava fraco demais para impedi-lo de desmascará-lo. 

Sem muitas opções, apenas observou sua máscara ficar cada vez mais próxima de cair. Colocou suas mãos sobre o chão. Pensou em como interrompê-lo, mas sequer tinha força o suficiente para isso.

Por fim, assim como um mortal não pode evitar a morte, Einstein não conseguiu evitar o incidente.

A máscara foi arrancada de seu rosto.



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