Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 72: Um contrato com o rei demônio

Meu punho viajou numa velocidade muito superior àquela que um humano normal conseguiria produzir. Naquele momento, minha consciência estava completamente focada, muito mais do que jamais esteve. 

Consegui ver tudo ao meu redor, ainda naquele curto espaço de tempo. Desde a contração dos músculos dos guardas até a expressão de choque de Zozolum. 

Foi quando viu que meu punho acabara de sair da linha da cintura que Aleister se moveu. Pulando para longe, desviou por completo do meu golpe e conseguiu se aproximar de uma lança ornamental que estava ali. 

O trono era feito de mármore, sem dúvidas quebraria minha mão sem energia astral, mas estava muito avançado. Não conseguiria parar o golpe, então não o fiz. 

Como se por instinto, senti minha conexão expandir conforme meus músculos contraíam e meu punho alcançava a estrutura. Estava presa dentro da pele. 

Por esse motivo, quando alcancei o acento, vi-o ser destruído por completo, uma nuvem de fumaça expandiu-se e senti a dor da pele sendo arrancada com o impacto. 

Não me importei.

Pulando para onde senti a energia dele, desviei da lâmina daquela lança ao abaixar meu corpo. Ainda no chão, dei uma rasteira, que foi esquivada, e segui com diversos socos baixos, todos defletidos pelo cabo.

Seguido disso, senti um corte se formar na minha carne, um que não tirou sangue, mas ainda ardeu um pouco. A técnica que usei foi ensinada a mim por… alguém. 

Não consigo lembrar quem, nem me importo muito. 

Ela está servindo o seu papel. A fraqueza da conexão também me ajuda a evitar danos internos, permitindo que só meu corpo seja reforçado. 

Trocamos golpes enquanto circulamos, senti dor com os cortes e as porradas com a base da arma, além de me sentir frustrado quando percebi que não acertei um único golpe.

Esse merdinha está usando o comprimento da lança para me impedir, é? Vamos ver como lida com isso…

Aproximando-me, usei a mão esquerda para segurar a lança e lancei um chute bem no queixo dele, sentindo um pouco de dor. 

Não estou acostumado a usar chutes, por isso, minhas pernas não são tão flexíveis quanto poderiam. Além disso, ainda que tenha sentido impacto, vi que quase não encostou direito. 

Ele pulou antes que conseguisse acertar?

Ainda assim, senti um pouco de satisfação ao vê-lo cuspir sangue. Segui com o ataque, vendo-o ser colocado na defensiva pela primeira vez. 

Meus chutes viajavam o ar, impedindo-o de atacar, e meus socos impactavam na lança, até que…

Ela quebrou. 

Sorri com a vitória e Aleister sentiu uma enorme raiva. É isso que dá lutar com uma arma que está desacostumado!

Pulou para longe, jogando a lâmina ornamentada contra mim. Sem me importar, dei um golpe no lado, defletindo o projétil e corri em direção a ele. Meus punhos eram defletidos pelo cabo quebrado e minhas pernas eram usadas para bloquear os chutes dele.

Vendo que se aproximava de mais uma arma, mordi o lábio. Tenho que acabar com isso agora! 

Corri na direção dele, aplicando a mesma técnica para aumentar minha velocidade, mas, para minha surpresa, usou o bastão para me desacelerar. 

Com um soco, a arma foi despedaçada. Isso deu tempo para que pegasse a espada e amaldiçoei um pouco essa situação.

Era uma cimitarra, uma arma bem semelhante à que Aleister costumava usar. 

Não importa. Tenho que vencer, independente do que aconteça. Não posso permitir que continue vagando por esse mundo.

Não depois do que fez.

Meus punhos continuaram tentando alcançá-lo, falhando cada vez que chegavam perto. Além disso, a arma era mais afiada do que pensei, o suficiente para arrancar um pouco de sangue a cada golpe defletido.

Não importa… Nada importa. Nada, apenas saciar esse fogo que arde dentro. Foco. Lembre-se do treino que fez, lembre-se do motivo que o levou a lutar.

Parei de repente, percebendo algo conforme a minha conexão regredia. 

Por que estou lutando? Não era por paz? Então por qual motivo comecei essa luta? 

Senti o ar ser retirado dos meus pulmões com um chute dele, então meu queixo foi golpeado com o joelho e, antes que pudesse pensar em contra-atacar, senti um forte soco quebrar minhas costelas.

Fui mandado voando três metros, parando só até ficar de joelhos enquanto olhava as sandálias daquele que mais odiava. 

Por que eu o odeio para início de conversa?

— Últimas palavras? — perguntou, a sombra da espada pairando sobre mim. Olhando para cima, engoli em seco, incapaz de me levantar. — Acho que isso é um não…

— Pare! — A voz de Elizabeth soou e, antes que pudesse perceber o que acontecera, o monarca de Kielrakai bloqueou uma labareda de chama laranja, forçando-o para trás. 

De repente, ela estava na minha frente e, apenas quando vi o olhar dela sobre mim, um frustrado e decepcionado, percebi o que acabara de fazer. 

Eu arruinei as nossas chances com esse aliado… 

— Interessante… É a primeira vez que vejo alguém invocando chamas do nada — disse, olhando para o braço queimado. — E são bem controladas. Não foram feitas para matar, apenas para repelir… 

Merda… Isso é ruim. 

Acabamos de revelar o segredo do Plano Astral para um normal. Um que eu particularmente preferia que fosse mantido no escuro. 

Olhei para Zozolum, notando como a surpresa no rosto dele foi mascarada por indiferença e percebi que não se meteria nisso. 

Era eu e Elizabeth. 

— Rei Mikaelangelo, gostaria de pedir-lhe que… que salve meu povo. — Começou, a voz estranhamente fraca e tímida, quase como se voltasse aos dias anteriores. 

O jovem pensou alguns segundos e então sorriu com crueldade. 

— Darei a vocês meia hora para se acalmarem. Depois disso, discutiremos o acordo… assim como a punição desse bárbaro.

Dito isso, um dos guardas nos guiou para fora.

 

Gritei quando senti a força sobre-humana de Elizabeth empurrando-me contra a parede com tanta força que rachou-a.

— No que raios estava pensando! — gritou, frustrada além da conta. Não podia culpá-la, não depois do show que dei.

Por isso, apenas fechei o rosto enquanto aguentava a fúria daquela mulher. Ao longe, ouvi Grace rosnar com a atitude da princesa, mas bastou um olhar de Zozolum para que se acalmasse. 

— Elizabeth… quero, uma palavrinha, Lewnard… A sós — disse, as sombras criaram uma sensação opressiva e cruel, forçando todos ali a saírem. Senti-me congelar com aqueles olhos.

Era uma expressão que nunca vi nele. O sorriso charmoso foi substituído por uma linha fria; a pele, normalmente corada, agora estava tão pálida quanto um morto; e, talvez o mais assustador, não havia vida nenhuma no olhar. 

Era como se tirassem todo o calor da sala, como se me puxasse para dentro, fazendo-me perder a direção numa espiral de desespero e tormento. 

— Explique-se. 

Engoli em seco e suspirei, decidindo, apesar de todos os instintos cultivados pelo tempo que passei com ele, ser honesto. 

— Eu o odeio — falei, olhando para o chão enquanto sentia a confusão nele, forçando-me a elaborar. — Não sei o que foi que causou isso. Não sei o porquê disso, mas sei que nunca senti algo minimamente parecido. Quase como se cada célula do meu corpo mandasse eu matá-lo.

Pareceu pensar um pouco, a sensação que as sombras passavam diminuiu e pude respirar com calma novamente. 

— O nome Aleister… o que significa para você?

— Não sei ao certo — respondi, olhando para a janela e cuidando da lua. — Ele me chamou de algo… um outro nome… Não consigo lembrar qual era. Só sei que, quando ouvi-o falando aquilo, foi como se todo ódio que sentia dele me forçasse a me mover. Quase como um… 

— Trauma? — disse, suspirando ao ver-me assentir. 

— Zozolum… o que está acontecendo comigo? Às vezes, sinto que não sou eu mesmo. Tenho sonhos estranhos, quase como memórias, memórias que não vivi… de um tempo distante.

O bruxo das sombras não falou nada, apenas se virou e começou a caminhar até a porta. Quando estava para abri-la, ouvi-o dizer, num tom decisivo:

— Tenho, suspeitas. Mas, só isso. Suspeitas. Preciso, tempo, comprová-las. Agora, vai-te embora. Pegue Grace e Benkei, siga, grupo Gasper. Não olhe para trás. 

Suspirei, cansado. 

Tenho que continuar essa viagem. Ao menos não estaria só. 

 

— O que você quer?

— Oi?

Olhei para o imperador à minha frente, frustrada. Não consigo ver meu rosto, mas ainda senti o queimar nos olhos…

Bem que poderia ter um frasco comigo. Lágrimas de Fênix custam bem caro.

— O que preciso fazer para que me ajude a recuperar meu reino? — Olhou para mim por alguns segundos e então sorriu. Senti um calafrio quando aquele olhar tocou-me.

Era pior do que ter um predador respirando perto de mim. Era pior que qualquer certeza que já provei. Estava me prostrando na frente de um demônio e implorando pela sua ajuda.

Claro que isso custaria caro.

A fama desse homem não me deixaria mentir. Um imperador que reconstruiu um império enorme das cinzas da guerra; surgindo do nada, sem qualquer linhagem ou indício de realeza, tomou o poder por mérito próprio. 

Muitos pensariam que alguém que veio do nada teria compaixão, mas sei bem que essa regra não se aplica a Mikaelangelo. Invés disso, era uma pessoa fria, calculista e, acima de tudo, cruel. 

Gostava de punir aqueles que iam contra si da forma mais dolorosa possível. Por esse motivo que não teve ninguém o desafiando nos últimos 5 anos de seu reinado, mesmo quando tinha um pouco menos da idade de Grace.

Era tido como um gênio em tudo o que fazia. Combinado a seu sadismo, adquiriu uma alcunha vinda diretamente das lendas de Kaira.

O Rei do Inferno; Maoh.

— Bem, eu poderia pedir muitas coisas. Poderia pedir que virasse uma concubina, podia por esse seu belo corpo em trapos e fazer de você minha escrava pessoal, ou melhor ainda… Podia ordenar que matasse aquele idiota que me atacou. Tantas opções…

Senti meu coração quebrar conforme listava, abaixando minha cabeça e prostrando-me, de forma que não visse minhas lágrimas de frustração. 

Eu odeio isso. 

Odeio essa humilhação. Odeio que perdi tudo… Odeio ter que me sujeitar aos caprichos de um rei de um país menor… 

Mas… mas é algo que tem de ser feito. Tanto para meu povo quanto para meu próprio bem. 

Jurei que recuperaria Juvicent, e essa promessa é algo que pretendo cumprir, independente das consequências. 

Não importa se jamais poderei encará-lo novamente. 

Eu tenho que fazer isso.

— Mas, tem algo que você tem e que mesmo eu não tenho… — Continuou, o olhar prendeu-me ali, fazendo-me incapaz de sequer falar. — Aquela chama… Eu a quero. 

Suspirei, cansada. 

Devia imaginar que seria algo assim. 

— Não é algo que posso lhe dar, mas… — Engoli em seco, olhando finalmente para ele, vendo o sorriso que portava no rosto, um de quem sabia que já havia ganhado. — É algo que pode ser ensinado.

 

Quando penso nos momentos-chave dessa história, esse é sem dúvidas um dentre vários. Contudo, mesmo eu não posso negar a importância que teve para o que aconteceria dentro de alguns anos. 

Agora vamos continuar este conto, dessa vez sobre outra perspectiva. 




Faremos uma pausa de 2 semanas, mas depois voltaremos com o próximo arco!



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