Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 30: Tempestade vindoura

Acho que já faz algum tempo desde que papai esteve tão ansioso. Bem, a última vez foi quando foi implorar pela ajuda de John Hollick, o pai de Lewnard.

Eu lembro bem daquele dia.

Não o vi, nem me contaram como foi a conversa. Estava ocupada demais brincando com dois irmãos que eu havia encontrado. Eu devia ter em torno de 6 anos de idade, mais ou menos a mesma idade dele.

Aquela foi a primeira vez que vi Lewnard Hollick. Lembro de vê-lo todo machucado, enquanto brincava junto da irmã mais nova. Aquilo chamou minha atenção e, sem perceber, fui até eles.

Quando perguntei o porquê dele estar naquele estado, apenas virou o rosto, tentando esconder a irritação. Depois de um tempo quieto, sua irmã mais nova, que era estranhamente inteligente para quem só tinha 2 anos, tentou explicar da melhor forma possível…

Acabou que um bando de crianças pegaram um brinquedo dela e Lewnard foi tirar satisfação. Por mais que fosse mais velho e conseguisse trazer o brinquedo de volta, os irmãos e primos não gostaram da “ovelha negra” atormentando os outros e deram uma lição nele.

Mais tarde, fiquei sabendo que, para o espanto dos mais velhos, ele continuou se levantando até devolverem o brinquedo.

Após aquele dia, eu só viria a reencontrá-lo recentemente. Ele mudou muito desde então, mas… ao mesmo tempo, acho que ele ainda é o mesmo. Continua fazendo o que ele acha correto, independente das consequências.

Ele descobriu a maldição que fora colocada na minha família e, mesmo sabendo dos perigos, ainda estava disposto a me ajudar.

Contudo, antes que tivesse a chance, ocorreram várias coisas. Sua irmã foi raptada e estava para ser executada, ele saiu da cidade e não aparece já tem tempo. Não é incomum um portador agir como quer, mas ainda é preocupante.

Eles são a nossa melhor arma nessa guerra e são criados assim desde crianças. Eles tem liberdade para fazer o que quiserem desde que matem Nors o suficiente para contribuir. Talvez por isso que vários enlouqueceram.

Era um estilo de vida cruel, por isso era importante ter uma criação específica, uma que Lewnard não teve. As chances dele mudar são altas, as chances de enlouquecer mais ainda.

Suspirei enquanto olhava para o jardim do castelo. Era uma tradição na nossa família que cada criança ganhava um desses para cuidar. Isso nos ensinava a como gerir recursos e pensar sempre no próximo.

Acariciei uma das babosas ali enquanto regava as macieiras. Não lembro do rosto da minha mãe direito, mas lembro que meu pai disse que ela sempre cuidava do jardim.

— Sua mãe era… uma pessoa incrível. Gentil com tudo e todos, era quase como uma dessas orquídeas — falou enquanto me apresentava ao jardim que eu cuidaria.

Eu perguntei mais coisas, mas ele nunca quis falar muito e, quando falava, ficava perdido em pensamentos. Ele era forte e só se tornou o rei de Juvicent devido a sua força. Ouvi que contribuiu na Guerra do Lago Enfari, assim como liderou algumas expedições fracassadas no continente perdido de Corpist.

Ainda que não demonstrasse, tenho certeza que a guerra deixou, pelo menos, algumas sequelas nele. Quer dizer, ninguém passa por aquele inferno sem uma cicatriz.

Por isso mesmo que sei que não devo ficar próxima de Lewnard. Não é que ele seja mal, acho que é uma boa pessoa, mas… é muito incerto.

Não há garantia que ele continue o mesmo depois de algum tempo, e também não acho que estaria segura estando por perto.

Portadores são conhecidos por adquirirem inimigos com o passar do tempo e, pelo que sei dele, acho que está muito mais propenso a irritar quem não deve.

Ele estava disposto a fazer isso por mim… Novamente, olhei para uma das hortênsias enquanto me perdia mais e mais em pensamentos.

Senti meu rosto esquentar quando lembrei da discussão que teve. Meu pai me explicou que os Diários carregam algo chamado de espírito guardião.

Tratam-se de Portadores passados, que usam a experiência de toda a linhagem para auxiliar no desenvolvimento de outros portadores. Normalmente, a personalidade dominante era do Espírito mais parecido com o Portador…

Pelo contexto, estava claro que estavam em desacordo e ainda consigo lembrar do que ele me disse depois daquela briga.

— Olha, eu não me importo muito com o que dizem — disse, tentando parecer o mais calmo possível. — Não sou muito inteligente, sabe? Normalmente eu ajo primeiro e deixo as consequências para os outros. O que eu estou querendo dizer é que eu vou achar uma cura. Eu prometo.

Foi naquele momento, quando ele me olhou com aquela seriedade, que eu finalmente lembrei de quem ele era.

A única pessoa que não me tratava como se eu fosse de vidro, alguém que é franco em tudo, o único laço fora da minha família que eu posso dizer que era verdadeiro.

Infelizmente, ele não lembrava de mim.

Suspirei enquanto voltava a regar as plantas. Dei uma atenção especial para as tulipas vermelhas, que, devido a um descuido, não receberam muita água.

Enquanto pensava, uma brisa veio rápida, tirando o chapéu da minha cabeça. Olhando para cima, senti um calafrio.

Vai ter uma tempestade hoje.

 

Eu e Reide procuramos por toda a base abandonada, mas, fora um ou outro Nor, não achamos ninguém. Com certa relutância, deixei que ela me levasse para fora enquanto pensava qual seria o próximo passo a se tomar.

Quando enfim chegamos, vi algo que tirou o ar dos meus pulmões e fez com que o cigarro caísse no chão.

Havia algumas covas à direita e, à esquerda, alguns soldados sendo tratados. Pude ver, para meu alívio, que Edwars ainda estava entre os vivos. Para minha surpresa, contudo, havia apenas uma pessoa tratando os feridos.

— Lewnard? O que está fazendo…

Ele não respondeu. Parecia concentrado demais em uma única coisa. Olhei bem para ele e entendi enfim o motivo dele estar tão focado.

— Incrível, não é? — perguntou Edwars, mancando até nós. Olhando para a situação dele, consegui perceber que a luta foi difícil. — Ele não descansou em nenhum momento desde que saiu. Teve certeza de procurar por feridos no campo de batalha e curar eles.

— E você? Venceu?

— Não. Fui totalmente derrotado. — Sua voz carregava um pouco de decepção, assim como fraqueza. — Ele estava para me matar quando parou e correu.

— Estranho…

Ficou quieto por alguns segundos, olhou para mim e se calou de novo. Perguntei o que foi, e, com um suspiro, ele respondeu.

— Não é tão estranho assim… Aquele cara, ele não parecia gostar do que estávamos fazendo. Não havia nenhum traço de raiva nele quando eu matei os outros… Era quase como se não tivesse lealdade alguma…

— Ou fosse para outra pessoa. — Nós dois olhamos para Reide, esperando que ela continuasse. — Pensa comigo… O último sobrevivente de uma guerra horrível foge e reaparece sob os serviços de um ser poderoso? Tá mais do que óbvio o que aconteceu aqui.

— Olhando dessa forma… — Puxei um trago do meu cigarro enquanto considerava o que ela disse. — Será que está tendo mais desses? A guerra do lago Enflari esteve destruindo muitas famílias. Talvez por isso que a atividade de Nors esteve aumentando em Juvicent nos últimos anos.

— “Famílias”? Não trate eles como humanos, Shiki — disse Reide, indo até Lewnard. — Monstros que comem crianças não podem ser considerados humanos…

Após ela sair de perto, voltei minha atenção aos feridos e, para minha surpresa, notei a presença de minha irmã. Ela estava deitada na neve, inconsciente, mas estava estável.

Era um contraste interessante. Ela era tudo menos gentil. Passava longe de ser uma boa pessoa… Aquela imagem, no entanto, era inocente o suficiente para ser desagradável.

Peguei outro cigarro e pisei naquele que caiu no chão. Tomando um trago, pensei na jornada até aqui e olhei novamente para Edwars.

— Você… você…

— O que foi? Desembucha.

— Como esteve ficando tão forte? — Com um suspiro, olhei fundo nos olhos dele. — O que sacrificou?

Os olhos dele se arregalaram e então soltou um suspiro. Com certa relutância, ficou sério e pegou o cigarro que estava no chão.

— Por que quer saber?

Vendo o que ele queria, ofereci um cigarro para ele, e, para minha surpresa, aceitou de bom grado. — Você é mais humano do que Nor… acho que, por isso, deve ter sacrificado algo importante para ficar tão forte… Poder não vem sem sacrifício.

Puxando um trago, seus olhos se perderam momentaneamente enquanto olhava para o céu.

— Vamos fazer o seguinte… Quando voltarmos a Juvicent, você me paga uma bebida e eu te conto um pouco do meu passado… — No seu rosto, havia algo como irritação, rancor. Um breve vento soprou enquanto olhava para o céu calmo. — Vai ter uma tempestade hoje…


Bem, voltamos com nossa programação normal. 

Tenho que admitir que gostei de escrever esse capítulo, em especial a parte da Elizabeth.

De qualquer forma, mesma coisa de sempre. Entrem no meu server e no da Novel Brasil:
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Até um próximo dia!



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