Crônicas Divinais Brasileira

Autor(a): Guilherme Lacerda


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 13.1: Relâmpago Negro - Parte 01

O som de um disparo rompeu o clima festivo.

Para Akito foi como se ele não estivesse ali, era um mero espectador vendo Jenna tombar da mesa ao seu lado, atingida de súbito pelo impacto do que pareceu um tiro de rifle. Inapto a qualquer reação. 

Ao mesmo tempo, seus olhos se esbugalharam a ponto de quase saltarem das órbitas e a boca se abriu no esgar de um grito mudo. As outras pessoas no shopping de repente voltaram a si, e um tumulto generalizado tomou conta da praça de alimentação.

— Pobrezinha — Dante escarneceu, sem nenhum pingo de consternação real na voz. — Nós nem mesmo pretendíamos matá-la…

— Ao menos tente esconder esta sórdida expressão de regozijo, antes de cuspir sobre mim tais disparates — Akito o repreendeu, a estupefação lentamente dando lugar à raiva.

— Não podíamos correr o risco de sua aliada nos atrapalhar, Urushibara — ele continuou, sem se abalar pela censura, ou pelo alvoroço das pessoas que empurravam umas às outras na direção das saídas. — Espero que você entenda que não era nada pessoal.

Ao redor deles, em meio ao choro ardido dos infantes e um pandemônio de vozes, os que ficavam pelo caminho eram pisoteados, acotovelando-se ao cair por sobre mesas e cadeiras.

— Seu desgraçado! — explodiu, por fim, o filho do deus da guerra. — Eu vou mandá-lo para o inferno com minhas próprias mãos por isso! Gear: Aglavros!

A uma batida de coração, ele materializou o sabre, desembainhando-o do vazio feito um samurai, como aprendera de seu mestre.

— Isso mesmo, Akito! — Fulmine gargalhou, abrindo os braços, feito um mestre de cerimônias que convidasse a atração principal ao palco. — Concentre-se em todo esse ódio que está sentindo e me dê a batalha que vim até aqui procurando.

De um bolso interno do paletó, ele puxou uma adaga de lâmina negra, bem a tempo de aparar a primeira estocada de Aglavros, assim desviando toda a carga de Kyoko, do Quinteto de Espadas. Ao colidir seu sabre contra a faca do oponente, Akito soube que ela não era de metal comum e as faíscas de eletricidade que saltaram do embate, revelaram a ele que aquela arma fora concebida para enfrentar o gear dos Caçadores.

Ao desviar o curso da técnica do jovem espadachim, Dante Fulmine se colocou numa posição de vantagem, bem às costas de seu alvo e, revelando-se um lutador versátil, ajeitou o jogo de pés para que num gingado desferisse um corte em arco de cima para baixo. A habilidade do mais novo assassino contratado, porém, não surpreendeu Akito, que após se livrar de duas emboscadas do Submundo, já esperava que a situação ficasse ainda pior.

Frente a um ataque direto, supostamente de guarda aberta, ele concentrou a respiração e se focou apenas no movimento da adaga, que lhe ameaçava um beijo de aço. Não tardou para que o mundo ao seu redor começasse a se dissipar, para que concluísse aquela postura incomparável.

— Quinteto de Espadas: Tomoe!

O contra-ataque se desenhou sem que ele se afastasse ou movesse a espada, num movimento defensivo, em que ele primeiro se esquivou, com a lâmina de Dante Fulmine cortando o ar bem a frente do seu rosto e então Aglavros zumbiu com a força da seguinte estocada, aproveitando o curso natural da postura, naquele movimento treinado à exaustão. Seu novo algoz, contudo, revelou-se um combatente compenetrado, nos olhos que em nenhum momento piscaram, e corrigindo o movimento na última hora, ele se afastou com um sobrepasso, dado que sua adaga não possuia o alcance necessário para conter o golpe.

— Você é bem mais impressionante do que eu imaginava — o assassino elogiou, com um autêntico sorriso de júbilo no rosto. — Derrotar aquela vice-presidente cheia de pose não foi grande coisa, mas agora eu vejo que vencer Arcandros e Layla Pearson está longe de ter sido uma coincidência. Você é uma presa que vale ser perseguida, Urushibara.

— Guarde suas besteiras para quem quer que vá recebê-lo no inferno! Minha lâmina dirá a você tudo o que precisa saber acerca do descuido que foi me enraivecer!

— Isso se você conseguir trespassar a minha Raio Negro — ele provocou, girando orgulhoso a adaga nas mãos. — Esta lâmina foi forjada em adamantino, um metal raro capaz de cortar até diamantes, minerado apenas na Babel Verdadeira. Com ela, sou capaz de enfrentar um gear na forma de arma como o seu.

Concentrando toda a energia na velocidade de seu jogo de pés, Akito criou uma pós-imagem de si, sem dar espaço ao inimigo para continuar falando, e confundiu Dante, que tentou acertá-lo a seu próprio estilo, com uma estocada. A miragem desapareceu ao ser atingida e, com o assassino de guarda aberta, ele se preparou para um corte a queima-roupa.

— Gear! — Dante exclamou, trincando os dentes ao perceber que, por mais habilidoso que fosse, não tinha como se esquivar. — Thunderbolt Strike!

Relâmpagos negros saltaram de seu corpo logo que recebeu o corte de Akito no peito. A eletricidade dançou pela lâmina de Aglavros e fez todos os músculos do jovem espadachim se retesarem, como se mil agulhas o perfurassem numa onda de formigamento, de um jeito que o anel rúnico de Arcandros não conseguira, com o choque arremessando-o sobre uma mesa enquanto Fulmine caía com uma mancha de sangue a empapar-lhe a camisa e o paletó rasgados.

Mesmo sentindo os músculos dormentes, o filho do deus da guerra fez força para se levantar, apoiando-se na espada. Seu adversário não ficou para trás, e pondo a mão no peito, deitou-se de lado em busca de sustento para se erguer.

Não era um amador que confiava tão somente no poder do Anima e levava uma arma qualquer à Babel Verdadeira para ficar balançando-a na frente dos monstros feito um açougueiro, mas um combatente marcial habilidoso, com um foco em seus olhos que não piscavam comparável ao que Akito adquirira usando a Visão Perfeita. 

Os dois até mesmo se equiparavam na maneira descuidada com que atacavam. O fato dele executar um contragolpe de imediato, ao perceber que não se esquivaria de Homura, a despeito da segurança do próprio corpo, fez o rapaz perceber que aquele homem era sua pior combinação possível de oponente.

Ajoelhados, eles se fitaram mutuamente, analisando-se em detalhe antes do próximo assalto, quando Akito sentiu uma mão pousar em seu ombro. Jenna usara-o como apoio e, para total espanto do jovem espadachim e perplexidade de Dante Fulmine, colocou-se de pé, encarando o assassino de cenho franzido.

— Pensei que estivesse morta… — Akito balbuciou, tomado de um súbito alívio.

As marés da batalha pareciam ter mudado, com a praça de alimentação já quase esvaziada e a perspectiva de um combate mais equilibrado.

— Pareço assim tão fraca? — Jenna desdenhou.

— Não esperava menos de uma página oito — Dante resfolegou num riso. — Mas hoje estou aqui para caçar o Urushibara.

— Akito! — ela o chamou, ignorando o que seu oponente acabara de dizer.

— Sim?

— Eu disse que havia uma razão para me alimentar com tamanha voracidade. E agora você entenderá o porquê. 

Uma aura púrpura cintilou ao envolver todo o corpo de Jenna, irradiando tão intensamente ao ponto de abrir rachaduras no piso ao seu redor e distorcer o ar. Aquela presença de um violeta intenso criou ainda uma sensação opressiva no coração do rapaz e ainda que a expressão de Fulmine não se alterasse, ele devia sentir o mesmo, pois cambaleou um passo para trás.

— Esse é o poder do meu gear. Eu não preciso ativá-lo e ele me protege e fortalece o meu corpo, mas em troca, há um gasto excessivo de energia. Um gear para obliterar tudo o que está no meu caminho. Devore o mundo: Impetuous World Destruction!

Ela avançou num sobrepasso, cobrindo a curta distância até Dante Fulmine, em menos de um piscar de olhos, e seu punho apenas não se afundou contra o rosto dele, porque um tiro de rifle a atrapalhou. A trajetória do golpe foi desviada apenas ao ponto de o soco passar a centímetros da bochecha esquerda do assassino e a onda de choque que se formou, fez tremular seu paletó e explodiu uma fileira de mesas atrás dele, provocando um lamento coletivo das pessoas que ainda lutavam para escapar dali.

— Impressionante! — elogiou o enviado do Submundo, com um leve assovio de admiração ao ver que o projétil do rifle fora esmagado ao atingir o punho de Jenna. — Mas como eu disse, vim até aqui para lutar contra o Urushibara.

Ele estalou os dedos e o tumulto da evacuação se tornou ainda mais audível, conforme grades de segurança lentamente desciam para barrar as pessoas. Novamente o povo se viu em meio a um empurra-empurra brutal e, ao fim, meia centena daquela gente ainda permaneceu engaiolada com os combatentes.

Um novo disparo explodiu aos pés de uma garotinha, que se agarrou às saias da mãe, esgoelando-se de tanto chorar.

— O aviso está dado, garota. Intrometa-se de novo e essas pessoas pagarão o preço.

Jenna apertou os dentes, mas cedeu, afastando-se dele com os punhos ainda cerrados. Seu olhar indo do assassino para as galerias da praça de alimentação e finalmente vacilando ao pousar sobre os olhares assustados nos rostos inocentes.

— Muito bem! — Fulmine sorriu com todos os dentes. — Agora você pode tirar a roupa e ficar de joelhos.

— Desgraçado! — Akito quis discutir, mas Jenna o silenciou pondo a mão em seu ombro.

Sem tirar os olhos dos reféns, ela puxou um zíper às costas, primeiro revelando um sutiã de renda preta e delicada, em estilo balconê, que destacava a curva natural dos seios.

— Vamos depressa com isso, eu não tenho o dia inteiro.

Bufando, a garota deu um puxão mais brusco, fazendo o vestido escorregar pelas pernas, e expôs a todos a calcinha, também de renda, num corte que revelava sutilmente a volúpia das ancas. O preto, clássico e sedutor, realçava a peça na totalidade, numa combinação de elegância e sensualidade, a que se adicionava um laço de cetim num adorno à parte frontal, que fez Akito corar.

— Apesar de ter dito que não costuma se vestir assim… — ele não encontrava as palavras. — Isso ficou bem em você.

Ajoelhando-se, Jenna ordenou, num resmungo, que ele calasse a boca e assim o rapaz fez, ignorando a tentação que se desenhava de canto de olho ao focar as atenções em Dante Fulmine.

— Excelente, menina. Agora fique quieta e me deixa terminar com Akito.

Como um verdadeiro paladino, o filho do deus da guerra caminhou para se interpor entre Jenna e o vilão. Apontando a espada para aquele homem cruel com o braço dominante, ele usou o outro para cobrir sua aliada numa postura defensiva.

— Chega a ser cômico sua amiga ficar nesse estado para defender esses vermes não Caçadores, a ponto de um lixo da classe F precisar defendê-la.

— Não sei se eu vou conseguir segurar muito mais esse cara — Akito sussurrou para vice-mestre da Brigada de Estrelas. — Em termos de habilidade estamos a par, mas toda vez que eu acertá-lo com gravidade, o gear dele vai me ferir.

— Você tem que usar aquela sua visão de que falou na luta contra Chevallier para achar o atirador. Se conseguir fazer isso eu cuido dele.

— O que vocês dois estão cochichando, aí?! — Fulmine indagou, com ferocidade na voz, e avançou com sua faca.

Akito foi contra ele mais uma vez, e fagulhas riscaram ao redor deles, quando Aglavros encontrou Raio Negro para uma nova dança.

O objetivo do espadachim era manter aquele rufião ocupado, enquanto se concentrava na Visão Perfeita, para avaliar o ambiente ao seu redor. Sussurros e um prantear baixo ainda tomavam o ambiente, com os mais velhos tentando acalmar as crianças na vã esperança de que os Lobos viessem salvar a todos.

Tolice! Se soubessem que o Dark Guardian e Henzo Hashimoto servem ao mesmo mestre, não depositariam sua fé naquela escória mascarada.

Em geral, o filho do deus da guerra se aproveitava do embate para ler o estilo de luta dos oponentes, compreender suas personalidades e descobrir sua linha de raciocínio. Porém, como determinar as intenções de um oponente que atacava a distância e apenas o fizera algumas poucas vezes?



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