Carta da Alma Brasileira

Autor(a): Zeugma


Volume 1

Capítulo 9: Aura

Ao olhar para o resto do corpo de seus inimigos percebeu que mais objetos haviam caído no chão, semelhantes a cartas. Dentre eles mais 2 poções de vida e algumas cartas novas:
 
[Berserker (Feitiço)
Dobra os atributos físicos do alvo por um curto período, mas enquanto o efeito estiver ativo o alvo perde o controle sobre suas ações]
 
[Fuga relâmpago (Feitiço)
Ao ativar envia o alvo para um lugar seguro imediatamente]
 
[Marca Ecoante (Especial)
Essa marca torna possível o diálogo mental entre as cartas de invocação do usuário, mesmo dentro de seu Grimório]
 
Seus olhos se fixaram em uma carta específica — Marca Ecoante
 
— Então essas são as cartas especiais... elas não lembram muito as de Feitiço mesmo. O efeito dessa carta é muito útil, acho melhor testá-la agora.
 
Ela pega a carta com suas mãos, olhando bem para ela. Ao olhar seus detalhes percebe um tipo de numeração em seu canto superior direito, com o número 23/100.
 
— Me lembro de ter lido que havia 100 espaços de cartas especiais, então se essa é tem um número gravado significa que ela é única? Se cada carta especial for única isso pode ser um problema... Se por acaso eu possuísse uma carta almejada por outra pessoa ela poderia me atacar para obtê-la.  Esse jogo é mais complexo do que eu esperava..., bom, que seja! 
 
Marca ecoante!
 
A carta começa a brilhar na ponta de seus dedos e emana um calor gentil sobre sua pele. A luz formada toma conta de toda carta e começa a alterar sua forma, virando apenas um feixe de luz que vai até a boca de Ester, invadindo-a.
 
E-Ei!!
 
Uma ardência toma conta de sua língua, semelhante àquela que formou a tatuagem em sua mão anteriormente. Agora, uma tatuagem semelhante a uma onda de raios está cravada no fundo de sua língua.
 
— O que aconteceu na minha boca? Isso queimou... Se eu tivesse ao menos um espelho para ver melhor. Será que isso funcionou mesmo? Como eu uso esse troço?! 
 
Ér... Roy? Tá me ouvindo?
 
— Sim. — A voz de Roy ecoou por sua cabeça
 
— Funcionou! — Exclamou Ester 
 
— Você consegue ouvir tudo o que eu falo?
 
— Não só isso, mas agora consigo ver através de seus olhos. — Respondeu Roy
 
— Nossa! Espera... isso é invasão de privacidade! E quando eu for ao banheiro?! 
 
Não irei olhar esse tipo de coisa... 
 
— Espero que não mesmo!
 
— Mas, mudando de assunto, por que você virou uma carta? Pensei que você estava me observando escondido.
 
— De fato estava, mas foi você mesmo que fez com que eu me transformasse.
 
— Oque? Eu não me lembro de ter feito isso.
 
— Após ter começado a agir de forma estranha eu me aproximei de você, foi quando você ordenou meu retorno.
 
— Agir de forma estranha? 
 
— Você se ajoelhou e começou a gritar de dor após ter visto alguma coisa. 
 
— Eu... isso é estranho... minhas memórias estão confusas. Lembro de ter visto alguma coisa, mas não lembro oqu-
 
Enquanto falava algo se movimentando em sua visão panorâmica a atraiu. Era aquela mesma fumaça estranha que se assemelhava a uma névoa saindo do corpo dos animais recém mortos.
 
— Isso... era isso! — disse apontando para os cadáveres 
 
— Os macacos? O que tem neles? — indagou Roy
 
— Como assim, você não vê? 
 
— Ver o quê?
 
— Essa fumaça saindo de seus corpos e se esvaindo no ar!
 
— Ester, não sei do que você está falando.
 
— O qu-
 
A mesma dor de cabeça de antes retorna.
 
— Droga, de novo não!
 
Estr, o qu sta havndo?! — As palavras embaralharam em sua mente

Apertando seus cabelos lisos e bagunçados com as mãos num gesto desesperado, Ester gritava por socorro.

— Essa sensação, é como se algo quisesse invadir meu cérebro!

Os joelhos de Ester desabam ao chão novamente. Tentando conter a dor e manter-se sã ela morde seus lábios e arranha o chão, escorrendo sangue de sua boca e quebrando suas unhas. Os olhos de Ester vacilavam a cada poucos segundos, até que ela solta um grito desesperado, alto o suficiente para que suas cordas vocais sangrassem.
 
— Já chega disso! Minha mente é só minha porra!!
 
Aos poucos a dor vai diminuindo e seus movimentos retornam, o pior já passou...

— Ester, está me ouvindo! — A voz de Roy voltou ao normal 
 
— S-Sim... 
 
— O que aconteceu?
 
— Não sei explicar... parecia que meu cérebro estava queimando. Tenho a sensação de perder a consciência constantemente, como se algo quisesse tomar meu corpo a força. Não sei o motivo disso, mas parece que dessa vez consegui conter essa força e retomar o controle com a ajuda da dor.
 
— Isso é estranho. — Disse Roy — Não há nenhuma criatura que possa possuir um humano dessa maneira, pelo menos não que eu saiba. Além disso, não senti nenhuma influência mágica sobre seu corpo, sendo impossível ser influência externa de algum mago como eu. 
 
— Isso nunca aconteceu comigo antes, será que tem algo a ver com esse jogo e essas cartas estranhas?
 
— É possível, mas acho que não é algo que podemos descobrir agora. Precisamos finalizar essa... 
 
Dungeon — Respondeu Ester 
 
— Se é assim que vocês chamam...
 
Ester olhou mais uma vez para os cadáveres, relutante e de coração apertado, tomado de incertezas e inseguranças. Queria descobrir o porquê de sentir tais emoções, o porquê de Roy não ser capaz de enxergar, o porquê de tantas coisas estranhas de repente começarem a acontecer em sua vida...
 
— Melhor eu ficar longe dessa aura estranha por agora, pelo menos até descobrir o que é.
 
De repente, todos os pelos de seu corpo arrepiaram em um instante. 
 
Medo.
 
Parecia que a gravidade havia virado ao contrário, fazendo suas pernas ficarem bambas. 
Uma pressão vinda do horizonte tocou seu corpo frágil e o mergulhou em sua presença aterrorizante. Seja lá o que estivesse por trás dessa sensação, com certeza era algo muito mais forte que os lacaios anteriores.
 
— Essa presença horrível, o que é isso?!
 
— Deve ser o chefe dessa "Dungeon" — disse Roy
 
— O chefe? É mesmo... nas formas de conseguir SP tinha uma menção sobre isso. Mas, por ser uma dungeon de uma estrela pensei que não haveria um chefe, ou que ao menos não seria tão forte!
 
— Você quer que eu lhe ajude? — Perguntou Roy
 
— Não. — Respondeu Ester — Eu não sou alguém que volta atrás na minha palavra. Se eu disse que vou fazer, então não importa o método, mas eu vou fazer!
 
— Entendo. Se é o que deseja, boa sorte. — Respondeu Roy 
 
Ester olhou seu estado deplorável, com suas roupas quase todas rasgadas e banhadas em sangue fresco, inúmeras lacerações por sua pele e hemorragias pequenas. Estava destruída!
 
— Nesse estado não vou conseguir nem arranhar o chefe... 
 
Pensou...
 
— É mesmo, as poções! Venha.
 
Abriu seu Grimório e apanhou a carta de poções de vida, invocando-a e transformando-a em sua forma física. Nos recipientes arredondados de vidro transparente havia um líquido vermelho escuro que balançava a cada movimento, mas que estranhamente não manchava o frasco. Abrindo a tampa Ester desceu o líquido goela abaixo. Seu gosto era estranho, um misto de morango adocicado, avelã e uma pitada de magia e conhecimento ancestral.
 
Ao ingeri-lo uma ardência tomou conta de seu corpo mais uma vez, como se o líquido não fosse enviado apenas para seu sistema digestório, mas para cada uma de suas células. 
Por onde ele passava uma rápida camada de pele fechava as aberturas e removia as impurezas, cicatrizando os ferimentos em instantes. Estava mais uma vez novinha em folha! Porém, percebeu que sua fadiga gerada pela luta se manteve.
 
— Estranho... meus ferimentos se curaram, mas continuo me sentindo cansada, na verdade me sinto ainda mais exausta!
 
— Isso é porque essas poções apenas aceleram os processos curativos naturais do corpo. A poção serve como um amplificador para o seu organismo, fortificando as células e fatores que influenciam na regeneração. Porém, como percebeu, esse efeito não alivia o cansaço, muito pelo contrário. Quanto mais poções de cura você usar ou quanto maior a ferida, maior será sua fadiga, até chegar ao ponto em que seu corpo irá colapsar e a levará a morte. — Disse Roy.
 
— Então mesmo que eu ainda tenha poções não significa que sobreviverei ao próximo combate... 
 
— Você deve evitar ao máximo ser ferida, e até nós entendermos do que se trata esse jogo, evitar usar as cartas.
 
— Tudo bem, farei isso. Mas, apesar de todos meus músculos estarem cansados e rígidos, acho que consigo vencer o que me aguarda!
 
Com os olhos ansiosos virou a cabeça para a direção da presença que havia lhe atingido, não estava longe... Abriu passada larga, mesmo com seu corpo entrando em conflito travando os músculos em autodefesa. Não ligava para isso.

Seguiu até avistar um local sem árvores, uma espécie de ruínas de uma antiga construção que se assemelha a uma mansão de tijolos enormes. Diversos pilares estão destroçados no chão e cercados por musgo e vinhas. Grandes pedaços de pedras já brancas e desgastadas pelo tempo rodeiam o lugar, assim como postes de madeira com tochas em suas pontas — todas apagadas, obviamente.

No centro havia a constrição que mais resistiu a destruição, um grande portão de aço cercado por paredes espessas de rochas brancas destruídas com entalhes espirais. O portão que deveria estar fechado se encontra aberto devido a um grande buraco causado por algo extremamente afiado.

Seriam garras? Lâminas, não se sabe..., mas seja lá o que for, está após o portão lhe esperando... Fechou os punhos e deu o primeiro passo até o outro lado da parede, medo e ansiedade eram o que lhe acompanhavam.
 
Ao olhar o horizonte, onde imaginou que seria uma grande e bela mansão havia agora uma gigantesca árvore, e diferente das outras que eram escuras, secas e sem folhas, essa exalava vida. Seu tronco era rígido como uma montanha, exibindo seu marrom alaranjado exótico. As pétalas que caiam pareciam tanto flocos de neve puros e intocados, assim como cinzas de uma casa em chamas. Suas folhas eram brancas e brilhantes, totalmente diferente de tudo ao seu redor.
 
Seguindo o fluxo gentil das pétalas até o chão os olhos de Ester foram levados até um ser que ali hibernava. No pé da árvore havia uma grande criatura, algo que Ester nunca imaginou ver em vida.

Mesmo deitada era maior que Ester, facilmente alcançando os cinco metros de altura enquanto de pé. Porém o mais amedrontador era a incoerência de sua estrutura corporal. Sua cabeça enorme presenteada com pelos definidos de um leão era anexada em um corpo musculoso e lotado de cicatrizes de cabra. Saindo da parte de trás e cobrindo todo seu corpo estava sua cauda de serpente amedrontadora. 

Aquilo, acreditando ou não, era uma Quimera.
 
"Isso só pode ser brincadeira!!" Pensou em êxtase.
 
"O que uma coisa dessas tá fazendo aqui?! Nem ferrando que esse é o chefe! Tem mesmo como eu matar isso?"
 
Rooonc!
 
Ester não sabia o que era mais alto, o som de sua barriga ou seu ronco. Seu corpo paralisou enquanto sua mente trabalhava em possíveis formas de vencer o oponente em sua frente, sem sucesso. Enquanto sua mente ficava em branco e seus pés recusavam a aproximar-se daquela criatura, seu focinho começa a balançar farejando algo.
 
"Ele tá dormindo né...  não tem como ele me sentir desse jeito... certo?!"
 
Seus olhos se abriram, revelando uma pupila estreita como a de um gato e uma íris vermelha como as chamas do inferno. 
 
Ela foi vista.
 
Groaarhh!!
 
Um rugido grotesco fez o chão tremer e derrubar ainda mais pétalas. A criatura se ergue, mostrando a gigante diferença de altura entre ambos.
 
— L-Lascou!
 
O monstro ergue sua pata esquerda exibindo suas unhas afiadas e duras como espadas, descendo-a com velocidade absurda na direção da jovem, que não pode fazer nada além de proteger-se com os braços.
 
— Merda!!
 
Ester foi arremessada em menos de um segundo até a estrutura de rochas a retaguarda, terminando de destruir o que restou e enterrando-a nos destroços. Ela se viu numa situação semelhante — Enfiada em escombros, ferida e com uma besta monstruosa prestes a ceifar sua pobre alma.
 
Mas, agora ela estava diferente.
 
— Cê é forte em..., mas vamo ver se aguenta porrada!
 
Rapidamente ela convoca seu Grimório e pega mais uma de suas poções de vida, tomando-a enquanto corre na direção da enorme Quimera. Ela podia sentir suas costelas recém partidas voltarem ao estado original enquanto se movia — desagradável...
 
A criatura soltou mais um rugido, forte o suficiente para fazer os ouvidos zunirem. Ambos começaram a se aproximar em alta velocidade, mas a criatura aproveita o comprimento maior de seus membros e disfere um ataque com sua pata, destruindo o chão. Por pouco Ester se joga para o lado, fugindo do golpe. Ela continua correndo contra a besta, chegando abaixo de seu corpo e entre suas pernas.
 
— Toma essa!
 
Com seu punho fechado e usando seu soco inglês ela golpeia o monstro por baixo, rachando o solo sobre seus pés com o impacto. Porém, a criatura sofreu apenas pequenos arranhões. 
 
— Nem assim?!
 
Ela se prepara para outro golpe, mas antes que pudesse desferi-lo a Quimera salta de forma estranha. Enquanto observava-a no ar, suas costas começaram a se deformar. Parecia que seus músculos estavam a se mover e rasgar sua pele, até o ponto de duas asas enormes são expelidas de seu corpo.
 
A criatura estava a voar.



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