Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 40: Estourar

GRIS

 

Nos inscrevemos nesta manhã e agora a tarde já é a primeira etapa do torneio. Por sorte ou azar, fizemos isso algumas horas antes de se encerrar o prazo.

O problema é que não tivemos tempo algum para nos preparar. Entretanto, nossas reservas de fluxo estão cheias, então não creio que teremos muitos problemas, não agora.

Por falar em problemas, estarei em uma enrascada quando Valefar retornar, isso eu já aceitei como fato. Entretanto é por um motivo justo, eu quero ajudar a Srta. Kali e encontrei um meio para isso. Pedirei ao Sr. Khan que a deixe sair de Ticandar, caso vençamos o torneio.

O professor não está aqui para ajudá-la. Precisarei fazê-lo, portanto. Bom, tentarei pelo menos.

Sei que o professor e o Sr. Khan disseram que ela é uma santa, portanto ajudá-la seria o caminho correto.

— Gris, me diz uma coisa — aduz Alienor.

— O quê?

— Será que vai chover hoje?

De onde ela tira essas perguntas!?

Olho para o céu, respiro fundo. Não há qualquer sinal, então respondo: — Acredito que não, Alienor.

Ah! Sabia que ela estava errada, obrigada. — Ela vira para frente e começa a cantarolar.

Se há algo que aprendi com Alienor, é que certas coisas são melhores eu apenas deixar passar e nunca perguntar a respeito.

Bem... Ainda tenho dúvidas sobre o fato do professor dizer que a Srta. Kali é uma santa. Não vi tais características em Kali ainda.

A verdade é que eu começo a duvidar se a definição de santa que o professor me contou é a correta. Alienor falou há um tempo que santos não mais existem, já o professor não a corrigiu. Pelo contrário, parece que Valefar até concordou com tal afirmação.

Sobre a Kali, a verdade é que tenho a sensação de que ela está a todo momento pensando em fugir e não se importa muito com os demais. Ela me parece um pouco egoísta para uma santa, esta que é a verdade.

Desde que eu saí com o professor, esse comportamento da lumen só piorou. Em alguns momentos, ela me evita e em outros me ofende. Será que tem relação com o fato do professor não estar aqui? Não saberia dizer.

Porém, por enquanto, eu resolvi confiar no julgamento de Valefar. Também confiarei nos meus instintos, pois sinto que devo ajudá-la. Só não sei explicar a razão, mas eu também não sabia a razão de lutar ao lado da Srta. Raposa naquele dia, apenas o fiz.

Tenho pensado sobre o professor ter me dado este colar. Depois de analisar por um longo tempo o assunto, creio que Valefar tenha me entregue por ajudar a Alienor naquele dia.

Ainda não acho que eu mereça este símbolo, entretanto não quero desapontar o professor. É por isso que estou aqui na Arena Fir Kari, junto de Alienor, e preparado para o que vem a seguir.

Em que pese eu ter dito o contrário, não estou aqui porque acho que a Srta. Kali é uma santa, faço isso porque é o que um santo faria por ela.

— Então quer dizer que você tem sangue lumen? — pergunta Alienor.

— Não tenho certeza, afinal aquela pedra não conseguiu definir de que cidade eu era.

— Acho que ela busca essa última informação em suas memórias, então não a encontrou.

— Creio que você tenha razão.

Olho para a arquibancada e vejo a Srta. Kali e o Sr. Karakhan sentados lá no meio. Ao me ver, o mascarado levanta seu punho fechado e balança sua cabeça em sinal de afirmação.

Creio que ele está torcendo por mim. O Sr. Karakhan é um cara legal no final das contas. Na mesma medida que Kali se tornou mais desagradável comigo.

Por falar na Srta. Kali, ela me observa com um olhar fulminante. Creio que está com muita raiva de mim, por eu ter me inscrito no torneio e levado Alienor comigo. Porém não faço isso por sua aprovação.

Uau! Olha que enorme é aqui dentro, Gris!  — exclama Alienor perto das grades que limitam nosso camarim da arena.

— Verdade. Lá de fora não dá para ter noção do tamanho... Alienor, eu preciso te pedir um favor.

Hum? Desde quando você me pede favores? — ela responde, ao passo que inclina sua cabeça.

— Se ganharmos o torneio, você me deixaria fazer o pedido ao Sr. Khan?

Ué! Pode, sim... Eu até tinha algo a pedir, mas tudo bem, se é o que você quer.

Achei que ela seria mais relutante quanto a isso, mas que bom que aceitou. Em todo caso, creio que é melhor eu não perguntar o motivo, pois ela pode mudar de ideia. Alienor é o tipo de pessoa que mudaria de ideia em alguns segundos.

O local em que estamos agora é uma espécie de sala de espera para cada dupla, no térreo da arena, mas com uma grande abertura em que podemos ver todo o campo de batalha e parte da arquibancada.

O campo de batalha, no caso, é enorme e deve ter em torno de uns cem metros comprimento por uns sessenta de profundidade.

No total, são dezesseis duplas que competem. Metade delas são lumens e a outra; estrangeiros, como Alienor e eu. A competição é eliminatória, portanto basta vencermos quatro partidas que seremos campeões. Não parece algo tão difícil, visto dessa forma.

Cada uma das duplas está em sua respectiva sala, e não podemos vê-las agora. Creio que isto seja para evitar brigas e que cada uma possa conversar sobre suas estratégias em privado.

Alienor parece nutrir um ódio em relação a um dos participantes, um garoto de Thar, mas não entendi o motivo ainda.

Em um mezanino, pouco mais alto que a última cadeira das arquibancadas, há dez lumens. Um deles é alguém que eu já vi de perto: o Sr. Khan, e ele se senta na cadeira central, a qual se destaca dos demais.

Dentre as figuras que lá estão, uma lumen toma a frente, leva sua mão ao pescoço e profere algumas palavras que não consigo ouvir, dada a distância em que estamos. Entretanto, em seguida sua voz ecoa por todo o ambiente, e ela diz na linguagem comum:

— Bem-vindos à Ticandar, terra do Deus da Criação, Kaz Aragon. O qual é representado por Vossa Excelência, o Grande Khan.

A lumen estende sua mão em direção ao ancião, ao passo que o reverencia. Então ela se volta para nós e continua:

— Quem vos fala é a Presidente Vi Kari, e tenho o prazer de ser vossa anfitriã e árbitra neste evento quinquenal. Sendo assim, cumprimento os meus pares, os membros do Conselho de Ticandar. Também os cidadãos deste país e os estrangeiros que aqui vieram participar.

— Sabemos que este país normalmente é fechado àqueles que vem de fora, pois nos orgulhamos de manter nosso estilo de vida determinado por Kaz Aragon. Entretanto, nesta data, o Criador determina que todos aqueles que demonstraram a coragem de atravessar a Floresta de Prata são bem-vindos a participar das festividades.

Escuto os aplausos do público em resposta a tais palavras.

— O torneio de lutas que estamos prestes a contemplar é um evento criado por meu ancestral, Fir Kari, e marca o rito de passagem lumen para a idade adulta. Ninguém é obrigado a participar, mas todos são convidados a fazê-lo, inclusive aqueles de outros países. Todavia todos aqueles que competirem serão emancipados e também considerados guerreiros, pelos lumens.

— Os combates simularão desafios da vida real, todavia este é um evento amigável e qualquer ameaça à vida deve e será evitada.

Isso é bom, não tenho a intenção de matar ou morrer para concluir meu objetivo.

— Os participantes da primeira rodada somente saberão quem é o seu oponente no momento em que sortearmos seus nomes na presente urna. Somente depois, serão definidas as chaves e, portanto, a ordem das demais lutas.

— As regras dessa primeira etapa são simples, as duplas lutarão entre si até que um adversário esteja fora de combate, desista ou saia dos limites da arena. A dupla que permanecer de pé, vence. Transcorridos vinte minutos de combate, se nenhuma das duplas vencer, eu decidirei o vencedor.

— Os vencedores de hoje competirão novamente daqui dois dias.

Dois dias, será mais que suficiente para reestabelecer as minhas reservas de fluxo.

 — Por agora, ditarei o nome das duplas, e elas devem comparecer aqui para se desafiarem. Boa sorte a todos. Toda glória ao vencedor, e ao perdedor; o respeito.

Os sons ensurdecedores dos aplausos e dos brados da plateia tomam conta da arena. É possível sentir o chão tremer por conta da multidão.

Vi Kari caminha até uma urna, na qual coloca sua mão e retira uma pequena pedra. Ela lê o nome, levanta seu braço e expõe a pedra. Então diz:

— Varanir e Zunoar de Ticandar!

Então a líder lumen retira outra pedra. Novamente lê, mas desta vez olha em minha direção e declara:

— Gris, apátrida, e Alienor de Vermilion de Galantur!

— Que sorte, Gris! Bora lançá-los pelos ares!

— Calma, Alienor! Você não pode exagerar ou seremos desclassificados.

Tá! Eu vou começar com as explosões fracas. Só vamos logo.

Removi meu colar e o deixei no banco de fora da arena, afinal são proibidos artefatos mágicos. Já não há tanto perigo, pois eu posso usar o impetus para impedir o descontrole de fluxo.

Não é como se eu tivesse alguma opção, pois a promítia também impede meu uso do impetus. Portanto deixá-lo lá é a única opção. Avisei Alienor para ela se afastar, caso eu desmaie e perca o controle ou algo parecido.

O problema é que preciso gastar uma quantidade pequena de fluxo a todo o instante, enquanto estou sem o amuleto. Sendo assim, estou neste momento com minha visão aprimorada pela técnica e necessitarei manter algum dos cinco dons durante a luta inteira.

Levo comigo apenas minhas roupas de caçador e a espada negra em minha mão esquerda. O professor disse que a espada tem muita afinidade com magias, mas não é um item mágico.

Além disso, ela é leve o suficiente manejá-la apenas com uma das mãos, mas admito que é muito desconfortável lutar apenas com a esquerda, minha mão ruim. Porém não é como se houvesse alternativa.

Alienor está com uma roupa parecida com a de Kali, mas agora sem a manta dada por Khan, pois parece que ela possui alguns resquícios da magia na qual foi elaborada.

O campo aparenta muito maior quando estamos dentro dele. Além disso, a arena não está completamente cheia, mas devem ter pelo menos umas dez mil pessoas a nos observar. Minha mão está suada. Será que agi corretamente ao nos inscrever?

Pego um pouco da areia no chão e esfrego minhas mãos com ela. Não quero que minha espada escape.

Não dá para voltar atrás. Preciso me concentrar no que vem a seguir.

Vejo meus oponentes, eles estão há uns oitenta metros de nós, na outra extremidade do campo. São dois lumens masculinos, e não sei muito das suas formas de lutarem, salvo o que eu vi aqueles dois Karakhans fazerem na floresta.

Se tiverem uma força parecida com a daqueles dois, teremos problemas.

— Alienor, não exagere no começo. Vamos medir a força deles, e só mostrar o necessário.

— Humpf! Como se eu não soubesse controlar minhas magias... — Ela vira o rosto e me esnoba.

— Alienor!

— Tá!

— Ao meu sinal! — diz Vi Kari em seu mezanino, a qual estende seu braço em nossa direção e profere: — Lutem!

— Fique de longe, Alienor. Irei na frente testar a força deles.

— Certo!

Corro em direção aos lumens, pois preciso proteger Alienor. Ela é uma maga de destruição e muito poderosa para causar danos aos inimigos, mas não é muito resistente, já eu uso impetus e posso suportar impactos maiores.

O dois lumens correm em nossa direção também, o da esquerda se transforma em um javali alaranjado e avança mais que o outro.

Na forma bestial, ele pode usar magia mais rápido, portanto preciso tomar cuidado e decido fortalecer meu corpo com impetus. Além disso, aumento meu peso para evitar ser lançado para fora dos limites da arena.

Ao se aproximar de mim, o javali abre sua boca, e dela surge um gás verde. Provavelmente é veneno. Eu pulo para a esquerda e escapo. Porém, o outro lumem coloca suas mãos no chão e diz:

— Frutise espinosa. —  Vejo o fluxo verde sair das mãos do lumen e percorrer o chão como ondas de água até chegarem em mim, entretanto eu acabo de saltar e não tenho ponto de apoio ainda para desviar.

Só há uma opção e, portanto, fortaleço ainda mais meu corpo com impetus para resistir ao ataque dele, ao passo que me protejo com os braços na frente do rosto. Todavia, o golpe não ocorre. Será que ele falhou?

Preciso aproveitar a brecha para investir contra o javali, pois não posso fazer nada à distância.

Entretanto, ao tentar andar, percebo que meus pés estão pesados. Olho para baixo e vejo vinhas com espinhos que saem do chão e me prendem. Foi o lumen. Não era um ataque, mas uma magia de restrição!

O javali se prepara para usar o gás novamente. Droga, não terei como fugir deste!

Utilizo o dom da força para romper as vinhas e escapar. Eu as rompo.

— O quê? — diz o lumen, confuso.

Meus olhos são guiados a um grande vórtice vermelho que se forma na frente do javali, é o fluxo de Alienor tomando forma. Droga! Ela disse que se conteria.

No centro do vórtice, um ponto branco aparece e começa a se expandir.

Vejo o lumen colocar as duas mãos no chão e dizer: — Frutise espinosa!

As vinhas surgirem do chão e formam uma barreira entre ele e o vórtice, de modo a protegê-los do impacto.

A resposta deles foi boa e rápida, mas não creio que será suficiente. O Fluxo branco cresce e colapsa o vórtice.

A explosão me alcançará também. Não conseguirei fugir, portanto só posso resistir ao dano.

Olho para trás para proteger meus olhos e vejo Alienor com um sorriso no rosto. Sua palma da mão está estendida em nossa direção. Então ela diz: — Crepta.

Bum! Tenho certeza que a conjuração usada foi a mais inferior das magias de explosão: Estourar.

Entretanto, a força é quase tão grande quanto aquelas usadas nos soldados de vermelho. A parede de vinhas é destruída e a explosão atinge o javali, o qual é arremessado e quica várias vezes até sair dos limites do campo. Ele é desclassificado.

Já o outro lumen apenas levanta suas mãos para o alto e, amedrontado, diz: — D-desisto!

— Alienor?!

— Era... era para ser uma das pequenas. Eu juro! — Ela coça sua cabeça e parece confusa.

 

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