Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 38: Entre Espiões

ALIENOR

 

Então quer dizer que qualquer um aqui pode ser um Karakhan? Eles não me enganarão de forma alguma, estarei atenta a qualquer detalhe. Malditos sejam!

O problema é que terei de investigar sem que o Coiotes perceba, e isso não será fácil, pois ele nos segue o tempo todo. Esse tarado desprezível.

O pior de tudo é que ele nem se esforça para esconder a sua taradisse, muito pelo contrário, parece se orgulhar.

— O que acharam deste? — pergunto.

— Muito bonita — diz a branquela. Enfim ela gostou de uma, que garota exigente.

— Gostei, lhe cai muito bem — diz o tarado.

Porém ele gostou de todos, portanto a opinião dele vale pouco mais que nada.

As roupas que eu escolho são calças verdes, botas altas marrons, um jaquetão feminino com capuz. Sim, eles adoram capuz! e também idolatram o verde, pois são todas verdes!

Bom, devo admitir que gostei da cor. Só que eles não precisam saber disso.

— Vou levar este então. Você que paga, branquela, pois está cheia da grana que eu sei — digo isso ao passo que recolho a manta para jogá-la no lixo da loja em que estamos.

— O que você pensa em fazer? — diz o mascarado assediador, enquanto segura meu pulso. Ele é mais forte do que parece.

— Vou jogar fora. Era só um manto improvisado.

Os dois lumens se entreolham e suspiram, na medida em que abaixam a cabeça. Entretanto a albina junta forças para dizer:

— Srta. Alienor, pode ser verdade que foi um objeto criado rapidamente pelo Grande Khan, mas algo feito por ele é valiosíssimo e não pode ser tratado como lixo.

— Você não está defendendo demais alguém que te mantém prisioneira? — questiono.

Será que ela é daquelas garotas estranhas que gostam de caras maus e abusivos?

— Negar a existência da chuva não me tornará impermeável. Humpf! — Ela cruza os braços, vira o rosto e resmunga, enquanto faz beiço.

Olho para o alto. Não há sinal algum de que vai chover. Do que será que ela está falando, afinal? Apesar que quem é bom nisso é o Gris, ele sempre acerta quando vai chover, então perguntarei para ele depois.

— É uma expressão lumen, Alienor — diz o Karakhan. — Em todo caso, agora vamos ao segundo andar, pois têm uns restaurantes por lá.

Nós três aproveitamos que o Cramunhão e o aspirante a cramunhão saíram juntos e resolvemos caminhar um pouco, comprar uma roupa nova e também para comermos, pois estou quase desmaiando de fome. O que seria uma grave violação à minha Pirâ...

— Srta. Alienor, você me desculpa pelo que eu disse antes? — pergunta a branquela.

Mas o que você disse antes?

— Sobre você ter sorte por conseguir sair da sua cidade natal sem problemas.

Ahm?

Ahm? — ela balbucia.

— Você falou algo assim?

Percebo que o Sr. Coiotas faz um sinal muito estranho para a Albina, pois ele posiciona seu dedo indicador na altura da têmpora direita, então o gira no sentido horário várias vezes. Após isso, dá de ombros.

Agora vejo a branquela imitar o último gesto do Sr. Coiotes. Será que este é um sinal secreto dos espiões? Mas se for, isto quer dizer que Kali também é uma espiã?

— É verdade o que a Srta. disse antes? Que você estava transformada em Raposa de Fogo por sete meses?

Ela parece muito interessada em coletar informações secretas sobre mim. Estou em desvantagem numérica, portanto jogarei do seu jogo.

— Sim, foram sete meses ao todo. Apesar que eu voltei à forma normal, mas precisei me transformar novamente em raposa logo depois.

Acho que eu soltei toda a letra. Não sou tão boa nisso quanto a Srta. Cintia.

— Caramba, deve ter sido bem difícil para você.

— Ah! Até que nem tanto. Depois de um tempo, eu me acostumei. As pulgas incomodavam um pouco, mas era só atear fogo nelas. Hahaha.

Definitivamente, estou dando toda a letra. Não sou boa em guardar segredos.

— Creio que a Srta. Kali se referia aos instintos bestiais — diz o da máscara de coiote.

— Instintos?

Do que eles estão falando? Será que é algum código entre espiões de novo?

— Sim, você não sente alguma compulsão quando está na forma de raposa?

— Pensando bem... Eu sinto, sim.

Ah, é? E qual seria — pergunta a Albina.

— Explodir coisas. Eu sinto uma vontade de explodir coisas. Às vezes, de atear fogo em tudo, mas explodir é sempre melhor.

Eles trocam olhares novamente, parecem um pouco confusos com minha resposta.

— É uma compulsão bem estranha, mas quem sabe Raposas de Fogo não sejam todas assim — comenta o Sr. Coiotes.

— A minha, por exemplo, é que eu sinto compulsão por sangue. Se eu sentir o cheiro ou gosto de sangue, eu fico agressiva com todos à minha volta — diz a patricinha.

— Comigo também acontece algo do tipo, mas eu não posso dizer, pois é segredo de ofício. Hehehe — complementa o Coiote.

— Mas não sei se entendi bem... O que isto tem a ver com eu permanecer na forma de raposa por muito tempo? — pergunto a eles.

Ora... é que quanto mais tempo você fica na forma bestial, mais intensa é a compulsão e mais difícil é reprimi-la — diz a branquela.

— Exato, e já houveram casos em que pessoas ficaram na forma de besta para sempre, foram dominadas pela compulsão. — Complementa o Coiotes.

— Mas eu acho que isso não acontece comigo não, sei lá.

Eu creio que me lembro de ouvir algo assim de minha mãe, mas não dei tanta importância na época. Afinal eu nem cogitava me transformar em raposa por tanto tempo. Sexta regra da pirâmide e tal.

Só que o problema não é esse. O problema é que eu falei até pelos cotovelos e não escondi nada dos dois espiões.

O que será que a Srta. Cintia faria no meu lugar? Vamos, pense, pense... Já sei! Ela desviaria o foco do assunto para alguma outra coisa. Sim, é exatamente o que ela faria.

— Mas, hein! Eu não estaria tão preocupada comigo, Srta. Kali. Você tem preocupações mais sérias agora para resolver. — Muahahaha.

— Como assim? Você diz a respeito do lumen que... — responde a garota, preocupada.

Isso! Ela está sentindo culpa agora e deve se lembrar que mandou para a terra do pé junto aquele lumen na floresta. Mas meu plano é ainda mais genial do que isso!

— Não, é por conta de outra coisa, na verdade. Você irritou alguém que não deveria irritar, alguém que pode acabar com você a qualquer momento. Ele pode tramar contra sua vida neste exato instante!

— O Grande Khan? Ele não... — diz Kali. Já o espião maldito começa a prestar maior atenção ao assunto ao ouvir o nome de seu mestre.

— Não! Você provocou a ira de alguém pior ainda...

— Seria o Sr. Valefar? Ele provavelmente é forte, mas não diria que é mais que o Grande Khan — Interrompe o Sr. Coiote.

— Também não! — respondo.

— Pare de suspense e diga logo! — exclama a lumen.

Carambolas, não sabia que ela é nervosa assim.

— Você irritou o frio e calculista. O aspirante a Lorde Demônio...

— Diga logo! — Ambos gritam no meio da rua.

— Tá bom, tá bom! É o Gris.

Os dois espias se entreolham com uma cara apática. Então caem na gargalhada: — Pfff! Hahahahaha.

— Não sabia que a Srta. Alienor era uma comediante — aduz o da máscara.

— Srta. Alienor — diz a albina —, eu sei que é uma piada, mas mesmo assim, a Srta. não deveria dizer tais coisas, pois ele não está aqui para se defender. Além disso, o Gris é um pouco estranho, mas ele é muito novo.

— Vejo que ele também te enganou. Eu também pensava assim. Uhum. Uhum. Mas vocês não viram o que eu vi. Aquele mini demônio foi até o Vilarejo de Lumínia e arquitetou um plano macabro para matar o filho do barão da cidade!

— O quê? Não pode ser verdade — diz a Albina ao passo que coloca a mão na frente da boca e abaixa a cabeça para pensar.

— Pode ser verdade. Eu soube de boatos a respeito de uma confusão em Lumínia há alguns meses — complementa o Sr. Coiote.

Isso! Eles estão entrando na minha conversa fiada.

— Exato, ele pegou o filho do barão desprevenido, na pura covardia, e o derrubou com uma pancada na cabeça. Depois chutou as bolas dele várias vezes enquanto o garoto agonizava pelo chão.

Percebo, neste ponto, que o Sr. Coiotes está visivelmente abalado com esta parte do relato deveras verídico. Mesmo por trás da máscara, eu consigo sentir sua aflição.

— Sério, nas bolas? Ai! Nem continue — diz o mascarado, enquanto se contorce.

Qual será que é lógica desses garotos com as bolas deles? É só falar que já ficam todos destruídos. Até parece alguma magia. Bem que poderia existir uma magia de esmagar ou torcer bolas. Acho que tentarei desenvolver uma técnica assim no futuro.

— E não para por aí! — Prossigo com minha história para boi dormir. — Pois, quando o garoto já estava no chão desacordado, o Gris colocou um gigantesco anel no dedo e começou a socar o rosto do pobre menino, várias e várias vezes. Só foi parado, porque os guardas o seguraram. Mas eles o libertaram, pois o Gris ameaçou dizer que o Valefar acabaria com a raça deles!

— Perdão, Srta. Alienor, mas algo não se encaixa nessa história. Se você sabe de tantos detalhes, deve ser porque viu acontecer. Então por que não impediu a agressão? — questiona sabiamente o Sr. Coiote. Não esperaria menos de um Karakhan.

Ah! Sim... É porque eu vi tudo do segundo andar dos estábulos. Eu estava lá escondida, pois era fugitiva dos soldados de Galantur, eles queriam me matar! Por isso, não pude fazer nada pelo pobre garoto, salvo servir de testemunha e fazer com que mais ninguém cometa o mesmo erro.

— Isso é aterrorizante, Srta. Alienor. Eu nunca diria que aquele garoto poderia ser tão cruel — afirma a Albina, ao passo que o Coiotes balança a cabeça em afirmação e complementa:

— De fato. O garoto parece ser realmente impiedoso, mas ainda que ele seja treinado pelo Sr. Valefar, não deve ser tão forte ao ponto de ser um perigo real.

— O Gris é jovem, entretanto eu vi o treinamento dele, e o garoto conseguiu explodir uma rocha gigantesca, com uns vinte metros de altura, com um único soco. Foi com o braço esquerdo, e ele nem é canhoto! Eu estava bem perto e vi tudo, foi assustador! Eles me obrigaram a assistir. Uhum, Uhum...

— Então ele é um usuário de impetus? ou será um especialista em criação? — questiona o Sr. Coiótas.

Agora eu me recordo que o Demônio da Lua Nova me ameaçou de morte caso eu revelasse os detalhes do treinamento do Gris. Droga, preciso desviar o foco da conversa novamente.

— Olha, eu acredito que não seja impetus, pois eu também vi o garoto manipular o fluxo. Ele usou drenar fluxo instantaneamente e sem um ritual! Depois usou uma magia estranha que me causou alucinação, ele nem me tocou para usá-la. Então matou vários soldados! Na verdade, ele quase me matou também, escapei por muito pouco.

— Drenar fluxo, mas isso é uma magia de fluxos de vida e morte. — contesta a branquela. — Impossível.

— Magia de alucinação sem precisar tocar no alvo? Mas isso me parece uma magia de morte — diz o coiote.

— Sim, para todas as perguntas, e eu testemunhei tudo com estes meus olhos aqui. Portanto, tome cuidado, Srta. Kali, pois eu creio que você pode ser a próxima vítima dele, e pode ser a qualquer momento. Receio que o real motivo da saída daqueles dois seja exatamente tramar contra sua vida.

Percebo preocupação na face da branquelinha. Ela olha para os lados, pois creio que está a procura do aspirante a demônio. Já o Sr. Coiotes parece bem empolgado com o relato. Acho que funcionou!

— É aqui o local — diz o Sr. Coiotes.

Acabamos de passar pela ponte, a qual atravessa uma das árvores gigantes. Olho aos arredores e vejo diversas mesas e cadeiras bem distribuídas, além das mais diversas tendas e lojas que vendem uma infinidade de alimentos.

Neste local, não há somente lumens a venderem coisas, há pessoas de vários povos diferentes que exibem os mais diversos alimentos exóticos.

Parece que nos andares mais baixos é que se concentram a maioria dos visitantes que vieram para o festival.

A aglomeração de pessoas é grande, e estou tão distraída procurando possíveis espiões que mal vejo alguém andar na minha direção e esbarrar em mim.

— Olha por onde anda, piranha. — Um arrobado qualquer me empurra. Só não caio no chão, porque o Sr. Coiotes me segura.

Todo lugar que eu vou sempre tem um arrombado desses. Este em particular é um jovem de uns vinte anos, com um metro e oitenta centímetros de altura, cabelos pretos e uma cara nojenta.

O ambiente não é perfeito, mas a acústica parece razoável.

— Tá querendo morrer, seu bostinha! — respondo ao agressor, na medida em que me equilibro.

Olho também para o Sr. Coiotes e complemento: — Já pode tirar suas mãos bobas.

Que cor combinaria com o verde e o marrom que predomina aqui? Um laranjado talvez?

Agora que olho melhor quem me empurrou, vejo que é um almofadinhas. Além disso, ele usa umas roupas caras. Deve ser um nobre de Thar.

— Deveria tomar mais cuidado com a boca, se não quer que eu arranque sua língua fora... — diz o mauricinho. Já eu levanto minha mão direita em direção a ele.

Aposto que dará umas três cambalhotas antes de cair no chão. Espero que saia algum grunhido engraçado da boca dele.

— Crept... Hum! — Maldito Sr. Coiotes, ele tampa minha boca!

Eu deveria saber que o Lorde Demônio o deixou aqui por um motivo. Está em conluio com o capiroto.

— Alienor, você será presa se fizer isso — diz a patricinha.

Quando me dou por conta, vários guardas lumens já nos cercaram, e um deles diz: — A Srta. está detida. Não resista.

Entretanto, o Sr. Coiotes fala algo em outra língua para os soldados, um deles balança a cabeça em afirmação e indica para os demais irem embora. Eles desistem de me prender e vão.

— Eu sabia que era uma selvagem imunda mesmo — diz o engomadinho.

— Sr. Vivara, creio já é suficiente — diz o acompanhante do mauricinho. Um homem de roupas e capuz pretos. Mal consigo ver suas feições.

— Espera aí, seu sobrenome é Vivara? Pff! Hahahaha.

— Vou te matar, sua vagabunda — diz o sommelier de varas.

— No máximo, você vai manjar alguma giromba por aí. Hahahaha.

— Já chega, Hector — contesta o encapuzado, na medida em que ele coloca sua mão no pescoço do manjador.

— Você não pode me dar ordens, seu... — O valentão desmaia. Depois é segurado pelo seu companheiro encapuzado, o qual diz:

— Meu Sr. não está passando bem hoje. Foi um prazer conhecê-los — Ele se vira para partir, mas pensa melhor e complementa: — Diga ao dezesseis que ele pagará pelo que fez.

— Dezesseis, mas do que você está falando? — digo ao encapuzado, mas ele vira as costas e vai embora carregando o manjador nas costas.

— Parece que deixam qualquer um entrar hoje em dia — comento.

— O festival é aberto a qualquer um que conseguir chegar até aqui, Srta. Alienor — diz o Sr. Coiotes.

— Mas por que tanto interesse neste festival?

— É por conta das lutas da arena da batalha. Vai dizer que não sabia? — diz a branquela.

— Lutas? De que... quem vai lutar?!

— Qualquer um que se inscrever, desde que tenha entre doze a vinte e dois anos de idade — responde o Sr. Coiote.

Não pode ser. Sempre soube que ele era maligno, mas ele iria tão longe assim? Faria algo tão cruel? Claro que ele faria, é um demônio, afinal.

— Então isto significa que eles me enganaram...

— Quem te enganou, Srta. Alienor? — questiona a patricinha.

— O demônio e o do bigode...

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