Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 34: Khan

GRIS

 

No instante em que a porta do grande salão se abre, vejo no fundo uma tribuna de madeira com três lances de escada de altura, e acima dela se há um homem alto. Ou melhor, apenas mais alto do que os lumens que já vi até agora.

O salão é muito grande e em formato de meia lua. Não há muitos móveis, mas em uma das extremidades vejo uma mesa circular com aproximadamente dez cadeiras. O local é iluminado por alguns cristais brancos na parede de madeira.

Mesmo de longe, é evidente que os olhos de Khan são verdes e reluzentes. Já seus cabelos são brancos e longos. Mas, diferente do que imaginei, ele parece alguém jovem, com vinte e cinco anos no máximo.

Suas vestes são verdes, com adornos dourados. Já em sua cabeça há uma coroa dourada com desenhos de ramos de árvores entrelaçados.

A sensação que emana dele é a mesma que sinto ao adentrar à Floresta de Prata, a qual se intensificou na orla interior, mas agora inunda todo este local.

Ao lado do rei lumen está uma besta gigante. Um tigre branco, com listras azuis e olhos prateados. O animal está sentado ao lado de Khan, com suas patas cruzadas e calmo, apenas a observar a todos os visitantes.

Mesmo sentado, o animal é mais alto que o homem de cabelos brancos. Não vi muitas bestas, porém ela é a mais bonita até agora. Eu nunca teria coragem de admitir isso perto de Alienor, mas essa besta é mais bela que sua forma de raposa de fogo.

Uau! Que maneiro. Escutem só a acústica deste local! — diz a raposa. Já o professor lhe devolve um olhar de frustração.

— Nada de explosões, Alienor — cochicho para ela.

— Agradeço a gentileza, princesa das terras vermelhas — responde Khan. — Espero que Ticandar seja do seu agrado.

Sua voz é imponente e, diferente dos demais, ele fala sem qualquer sotaque a nossa língua, como um nativo do império faria.

Ah! Sim, eu adorei a cidade. Inclusive aquele elevador é incrível. Foi muito divertido. Uhum! Uhum! — Alienor responde e balança sua cabeça em afirmação, enquanto nos observa na esperança que concordemos com o que diz.

— Uma pena que não anunciou com antecedência a sua visita, pois teríamos preparado uma melhor recepção. Em todo caso, seja bem-vinda à terra dos lumens.

Chamo a atenção de Alienor com um gesto. Coloco meu dedo indicador na frente da boca e profiro em baixo som: — Xiii... — O professor ficará irritado se ela não parar.

— E esse é o garoto de cabelos acinzentados dos rumores: O imune. Faz algum tempo que não vejo alguém assim. Onde você o encontrou, Valefar?

— Não vim aqui para falar dele — contesta o professor.

— Valefar, o homem que não se curva a rei algum. — Ele volta sua atenção a nós, mas todos permanecem calados. — Não temem por suas vidas por andarem na companhia de um assassino de magos?

— Quer mesmo conversar sobre histórias antigas, Khan?

O líder lumen devolve um sorriso presunçoso ao professor e continua sua fala: — Então me digam, para que devo a honra de virem a Ticandar? — Ele desce da tribuna em que está. Já a besta não se levanta, mas abaixa suas orelhas e fica em alerta.

Khan nada fez de hostil, contudo sua presença é intimidante. Eu me aproximo de Alienor, pois a conheço, e ela provavelmente fará algo inapropriado.

— Noto que o Gris também tem a postura de um caçador. Valefar deve se orgulhar muito. Ele te ensinou bem? — Khan espera uma resposta minha, mas não sei se devo responder.

— E-Eu... — Antes que eu possa falar, o professor se coloca entre mim e Khan, então responde:

— Estamos em Ticandar, pois Alienor e Gris estão feridos e necessitam de tratamento de um mago de vida poderoso. Desejo me encontrar com Átrios para isso e, depois, partiremos.

— E como Calíope se encaixa em sua história?

— Ela é nossa guia. A contratei para nos guiar até aqui e nos orientar dentro da cidade durante nossa rápida estadia.

Ora... Calíope, se sua intenção era trabalhar e ganhar dinheiro, poderia me avisar em vez de fugir de Ticandar. Aliás, receio que todas suas necessidades são saciadas aqui e não vejo motivos para conseguir nada mais.

— Eu não quero mais viver em Ticandar — responde Kali.

— Isso dissona com o que o caçador acabou de argumentar. Achei que você tentava trabalhar como guia. Diga, você foi contratada para guiá-los durante o festival?

A garota lumen hesita. Ela olha para mim e, com uma voz embargada, responde: — Sim, eu sou a guia deles.

— Um contrato feito. Um contrato deve ser respeitado. Entretanto, um pacto em Ticandar se limita às leis desta terra. Você pode trabalhar como guia, porém dentro da cidade. Seu acordo só tem validade nestes limites.

— Se estamos resolvidos, seguiremos o nosso caminho. Muito obrigado, Excelência — diz o professor, o qual ameaça sair, mas é interrompido pelo líder dos lumens.

— Não tão rápido, Sr. Valefar. — Khan cruza os braços, levanta seu queixo e continua sua fala: — Logo você a se referir a mim por honoríficos. Que estranho, você nunca demonstrou qualquer formalidade ou respeito. Pergunto-me o que teria mudado. — Ele observa a todos nós, um por um, até que fixa seu olhar em mim e complementa: — Ah! Você quer dar um bom exemplo ao seu aprendiz, correto?

— Gris não tem relação com qualquer de nossas desavenças. Deixe-o em paz.

Após as palavras proferidas por meu mentor, Khan e ele se encaram. Quando me dou conta, o nixus já está em pé com sua cabeça e orelhas abaixadas, pronto para qualquer comando de Khan.

— Professor? — Coloco a mão em seu braço.

Não é necessário que eu diga qualquer palavra, tampouco qualquer um dos sinais. Ao olhar para mim, o professor se acalma.

— Não se preocupem, pois não tenho interesses em imunes. A verdade é que vocês existem para eu me lembrar dos meus erros — afirma Khan, ao me observar. — Por outro lado, você não parece dividir estes princípios, Valefar. Você insiste em interferir nos assuntos de Ticandar. — Ele olha para Kali.

— A diferença entre os dois é que Gris está aqui por vontade própria — contesta o professor.

— E este colar de promítia? — Khan coloca seu indicador em meu peito. Então eu olho para baixo e vejo que ele aponta para o bracelete amaçado, escondido atrás de minhas vestes. — Pessoas com vontade própria não usam isso.

— Eu escolhi usá-lo — respondo a ele.

O líder lumen dá um passo para trás, raciocina por um instante e diz: — Ele precisa ser treinado e você sabe disso, Caçador. Você não é apto para ensinar o que ele precisa saber.

— Sim, eu sei. No momento certo, ele aprenderá.

— Em algum momento — responde Khan — nem mesmo a promítia o impedirá de usar magia, e você sabe disso, Caçador. Portanto, tenho uma proposta a vocês dois: Deixe o Gris comigo, e eu o ensinarei a manipular o fluxo apropriadamente. Em contrapartida, ele jurará lealdade à Ticandar. Viverá como lumen. Um lumen será.

— Não é uma proposta ruim — diz Valefar. — Porém ele ainda não entende as implicações dela.

— De fato, por isso manterei esta proposta até o fim do festival, e você terá este prazo para aceitar. Você entende, Gris?

— Eu entendo.

— Pois bem, vocês trouxeram Calíope em segurança a Ticandar. Um trabalho feito. Um trabalho merece ser pago. Conforme estas leis. — Khan se abaixa e faz um sinal para Alienor se aproximar. — Vinde a mim, princesa das montanhas vermelhas.

Percebo que o gigantesco tigre fica mais calmo. Ele se ajoelha e descansa sua cabeça sobre o piso de madeira.

Sem qualquer cerimônia ou medo, Alienor corre em direção a Khan. Este se abaixa e coloca sua mão sobre a cabeça da Srta. Raposa. Vejo uma intensa luz branca, além de um som que se assemelha a sinos ecoarem pelo ambiente.

A luz inunda o corpo da raposa, depois fogo surge e a consome. Das chamas, eu vejo uma garota de pele rosada e cabelos vermelhos, com um vestido azul e branco, surgir. Seus cabelos ainda balançam como se por magia e refletem a luz igual ao fogo.

 Ela está ajoelhada e de olhos fechados. Diferente da última vez, seu abdome não tem qualquer ferimento, mas há um buraco em seu vestido, causado por fogo provavelmente.

Khan coloca sua mão no chão, o qual é feito da madeira desta gigantesca árvore que estamos. Ele levanta sua palma lentamente, e junto dela a madeira se contorce e se transforma em um manto verde, o qual ele joga sobre os ombros de Alienor.

O buraco que se formou no chão se regenera e se fecha, como se nunca estivesse ali.

— Isso servirá para se cobrir até que você providencie roupas novas.

— Obrigada. Estava com frio sem a pelagem de raposa. Haha — diz Alienor, enquanto se levanta e se cobre com o manto.

Percebo agora que ela é um pouco mais alta que eu. Já sua voz é a mesma, contudo não parece se encaixar com usa aparência. Talvez pelo fato de estar acostumado com a raposa falante.

— Que é? — retruca Alienor para mim.

Khan também se levanta, olha para nós e diz: — Este é o pagamento pelo serviço já prestado. Devo alertá-los que Átrios Clépio, o médico das chagas, não se encontra em Ticandar. Portanto, proponho algo entre todos os presentes. Deixem a santa aqui comigo e desistam de levá-la como guia. Em contrapartida, eu mesmo curarei o imune.

Ele disse santa?

— Não — respondo a ele. Kali arregala os olhos, depois vira seu rosto a Khan para ver sua reação.

— Responda-me, Gris: Não era isso que vocês buscavam aqui?

— E-eu... Gostei da cidade. Quero conhecê-la melhor e preciso da Srta. Kali para nos guiar. — É uma mentira. Mas algumas mentiras são necessárias para ajudarmos aos demais, às vezes. Só espero que ele não se ofenda e me mate.

— É isso mesmo, Sr. Valefar? Está de acordo com seu pupilo?

— Sim, encontraremos Átrios, veremos o festival e partiremos em seguida. Desejo que Kali esteja conosco durante este tempo.

Khan esboça um sorriso e responde a Valefar: — Respeitarei sua decisão. Sempre atraído pelos santos, não é mesmo, Caçador? Sei que almeja ajudá-la, mas ambos temos ciência que ela só estará segura em Ticandar. Não façam nada imprudente, pois meus olhos estão em todos os lugares. — O lumen olha de lado e complementa sua fala: — Karakhan.

Do piso, eleva-se uma protuberância em forma de uma espécie de ovo de madeira com um metro de altura. O objeto se rompe e dele surge um lumen com o joelho direito e o punho esquerdo tocando o chão. Ele está de cabeça baixa, curvado. Sua armadura leve é verde e branca, parecida com as dos soldados que nos escoltaram pela floresta. Ele usa uma máscara de coiote e um capuz.

— Sou seus olhos, Grande Khan — diz o soldado mascarado.

— Temos convidados muito importantes aqui. Leve-os a um dos aposentos diplomáticos e fique de prontidão às suas necessidades — diz o líder ao seu soldado, então ele olha para Kali e completa: — Calíope matou um irmão lumen na tentativa de fugir, portanto ela será julgada no futuro pelos seus atos. Sendo assim, este Karakhan estará sempre a te vigiar durante seu trabalho como guia. Podem ir.

— Sim, Grande Khan. — O lumen enfim se levanta, dá três passos em nossa direção, sem virar suas costas ao líder. Então ele nos percebe e diz: — Acompanhem-me por gentileza.

Dou uma última olhada ao líder dos lumens. Ele deve ser a pessoa mais imponente que eu já vi. Quero dizer, o professor também é, mas no caso de Valefar o que eu sinto é mais próximo ao temor. Então me viro e sigo aos demais até sair da câmara.

Já mais perto da gaiola, vejo Kali se aproximar de mim. Olho para seu rosto e suas feições, vejo seus movimentos. Sei o que ela fará, porém decido não reagir.

Plaft! Sinto seu tapa, e meu rosto arde. O Karakhan reage e segura as mãos da lumen.

— Recolha suas garras, gatinha — diz o mascarado.

— Quer se matar, seu louco?! — exclama Kali para mim. — Por que você o desrespeitou?

— Porque você é uma santa — respondo.

Ahm?!

lascada, Albina. O delinquente juvenil nunca se esquece e vai te malhar na porrada qualquer hora — diz Alienor. — Hey! Ô da máscara, tem algum lugar para comer por aqui?

 

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