Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 24: A Rosa dos Ventos

VINICIUS

 

— Você entende, garoto?

— O quê? — eu respondo.

Não pode ser verdade. Isto deve ser um pesadelo, e eu vou acordar em algum momento. Exato, vou acordar, tomar café, pois logo farei minha avaliação e descobrirei que posso usar magia.

— Eu perguntei se você entendeu o que isto significa, pequeno?

Estou com a mão em cima de uma grande pedra mágica, em formato de rosa dos ventos. Ela deveria brilhar e indicar qual o meu alinhamento mágico, mas não vejo luz alguma.

Ao norte dela, há uma estrela de seis pontas, indica vida; já ao sul, há um caveira que, por seu turno, indica morte.

— O filho de vocês tem algum problema? — pergunta o ancião a minha frente: é um Sacerdote de Dara.

Ao leste há uma chama, a qual simboliza a destruição. Por fim, ao oeste há um pássaro, que faz referência à criação.

— Perdão Ancião, creio que o sonho do meu filho é usar magia, por isso ele demorará um tempo para se acostumar com a situação. Venha, Vinicius, vamos para casa, pois mais tarde conversaremos sobre isso — diz minha mãe, desolada.

Olho para meu pai, na esperança de que ele diga que há algo de errado com o teste, mas ele nem me olha nos olhos, pelo contrário, vira as costas e vai embora, sem proferir qualquer palavra.

Coloco minha mão novamente na pedra, pois eu tenho certeza que ela brilhará.

— Não adianta, garoto. Ela nunca erra — diz o sacerdote.

— Vamos para casa, meu filho.

Percebo tristeza em minha mãe, e muito mais que o normal, mas ela não diz mais nada, e não há o que ser dito.

Sim, eu sei o que isto significa. Eu não posso usar magia e não há nada a se fazer a respeito disto. Não posso... magia...

— Podem sair, vamos, pois eu não tenho o dia todo e preciso avaliar os demais.

Meu corpo está tão pesado. Quase sem forças, eu viro as costas e me dirijo à saída do templo, porém um garoto da minha idade passa correndo por mim para fazer o teste. Eu apresso meus passos para não escutar o resultado, mas eu falho:

Rá! Eu sabia, morte como principal e criação como secundário!

É um ótimo alinhamento, provavelmente será um mago de linha de frente, ou um assassino, talvez um espião, caso seja competente.

— Parabéns, mas fique quieto, filho, e respeite a cerimônia — diz o pai do garoto. 

 — Mãe, é mentira, não é? eles mentiram para mim e vamos fazer um novo teste, verdade?

Estamos em casa agora, minha mãe chora e soluça, ao passo que organiza nossos pertences e os acomoda em duas malas.

— Não aguento mais isso, filho, sempre dá tudo errado.

Ela sempre chora, quase todos os dias, mas hoje ela parece ainda pior.

— Sinto muito, Vinicius, mas você não pode usar magia e precisará aceitar isso. Eu te levarei até seu tio, Roan, é o meu irmão, ele também não pode manipular o fluxo, mas aprendeu um ofício e pedirei para que ele seja o seu mentor.

— O que ele faz, mãe?

— Ele é caçador.

Caçador?

— Mãe, eu não quero ser um caçador...

— Cale a boca! Tsk. Você não tem opção. Terá que aprender para sobreviver, assim como eu tive que tolerar me casar com seu pai, para sobreviver.

— Sra. Vitória, eu sinto muito, mas Vosso Senhor quer que você deixe a casa imediatamente — diz um dos servos da mansão.

— Tudo bem, já estamos prontos para partir.

No Reino de Lumínia, os homens mais poderosos possuem várias esposas, pois quanto mais filhos e mais poderosos eles são na manipulação do fluxo, mais a casa ganha poder.

Minha mãe é a quarta esposa, não é muito diferente de uma concubina. Agora que descobriram que ela gera descendentes inábeis, não tem mais qualquer valor.

— Pegue sua mala, filho.

Nós recolhemos nossas coisas e partimos, já meu pai não está aqui, nem ao menos para me expulsar ou insultar. Creio que nem este tempo valeria a pena para ele.

É o que uma pessoa sem magia simboliza, uma perda de tempo. É o que sou agora.

— Você precisará ser obediente e aprender tudo que puder de seu tio, pois tudo o que eu sei é sobre magia e nem sou boa o bastante com isso.

— Tudo bem, mãe, eu obedecerei.

Já estamos fora dos limites da mansão agora.

Vejo crianças da minha idade brincarem pela rua, e todos conseguem usar magia. Eles conjuram água, com magia de vida, já outros fazem fogo, gelo e eletricidade, com magia de destruição.

Bum! Uma explosão. Esta é bem rara, destruição e vida, que sortudo.

Ouvi boatos que dentre os servos do dragão, há muitos que sabem usar explosões, eles são tão especiais. Diferentes de mim.

Existem outros que são mais sortudos ainda, pois eventualmente nascem santos, que podem usar com maestria a magia de vida e criação, ao mesmo tempo, os dois alinhamentos positivos, sem que afete seu comportamento. Ouvi dizer que magia de luz é muito poderosa e rara também.

Os santos são sempre excepcionais, com habilidades únicas, por isso a igreja sempre os acolhe, e eles passam a viver dentro dos templos.

Ali eles têm acesso a todos os ensinamentos, um bom trabalho, além de um lugar luxuoso e farto em comida pelo resto de suas vidas.

Eu queria tanto ser um santo, mas hoje creio que se eu somente pudesse usar ao menos um pouco de magia, isso já seria o suficiente para mim.

Lumínia é tão grande e é considerada a capital da magia, por isso todos os filhos de ricos vêm para cá estudar como manipular o fluxo. É também a maior cidade humana do mundo e a mamãe me contou que possui quase novecentos mil habitantes.

Aqui, na capital da magia, todo o status e poder é definido com base nas suas habilidades mágicas e é por isso que deixamos agora a área nobre e nos dirigimos aos subúrbios. Pois, naquele local estão os ineptos, aqueles como eu, que não conseguem usar magia ou o fazem, mas sem muita perícia.

Ao passar a muralha interna, atravessamos o setor intermediário, o setor de comércio. Depois passamos pela segunda muralha e, gradualmente, noto a mudança na arquitetura das casas, as quais deixam de ser totalmente alinhadas e grandes, para outras pequenas, rústicas, desformes e improvisadas.

Pelas ruas, crianças correm para lá e para cá, mas não brincam e se divertem. Em verdade, trabalham como mensageiras ou traficantes para os criminosos, salvo aquelas que se arriscam para furtar algo de valor dos transeuntes.

Minha mãe me segura e me traz para perto de si, porque ela sabe o quanto é perigoso andar por aqui.

Creio que o motivo de levar uma túnica sobre si é para não revelar o quanto é bela. Mas creio que qualquer beleza tenha sido apagada por seu semblante de desolação.

— Chegamos, é aqui a casa de seu tio. Comporte-se, pois ele e eu não nos damos tão bem e nós precisaremos convencê-lo a te ajudar.

— Sim, mãe.

A casa que presenciamos é extremamente simples e pequena, feita de uma madeira escura e está na fronteira entre Lumínia e a Floresta de Prata, é um lugar muito perigoso e somente alguém pobre moraria aqui.

Toc! Toc! Minha mãe bate à porta.

Ninguém abre, mas percebo a cortina da humilde casa se mover.

Agora, sim, a porta se abre e vejo um homem de cabelos pretos, parecido com minha mãe, com uns quarenta anos de idade, com barba preta e longa, todo descuidado. Ele tem várias feridas sobre seu corpo e sinto um cheiro parecido com o de ferrugem.

— Não sabia que estava doente, meu irmão.

— Como se você se importasse — responde Roan.

Agora noto que o cheiro de ferrugem que senti sai das feridas do corpo do meu tio.

— Podemos entrar?

Roan olha para nós dois, depois para nossas malas e diz: — Aqui não há espaço para mais ninguém.

— Por favor, meu irmão, eu sei que eu não mereço, mas peço pelo meu filho também, nos deixe entrar e vamos conversar — diz Vitória, na medida em que se prepara para ajoelhar perante o irmão e suplicar.

Entretanto, subitamente Roan segura a mão de minha mãe, a impede de se curvar, e diz:

— Ninguém merece cair tão fundo, ao ponto de se ajoelhar perante um lixo como eu. Entrem, os ouvirei, mas só prometo escutar o que têm a dizer.

Dessa forma, Roan nos guia para dentro de sua casa até uma mesa com quatro cadeiras, nas quais nos sentamos.

Há um silêncio constrangedor, que é quebrado por minha mãe: — Vinicius fez o teste da rosa dos ventos hoje.

— Isso não te traz recordações, minha irmã?

— Por favor, eu sei que fui cruel com você, mas eu era uma criança e não entendia nada.

— É mesmo? mas termine sua história. Estou curioso para saber o motivo de você perceber isto somente agora.

Minha mãe me olha, ela está perdida sobre como continuar a conversa.

— Eu sou inepto. Não posso usar magia — digo isso e sinto um aperto no peito.

— Que interessante, você também chamou ele de inútil e deu risada na cerimônia, Vitória?

Tsk! Eu sei, eu sei. Desculpe-me, mas vai me torturar com isso até quando?

— O que vocês querem? Pois sei que não estão aqui somente para visitar o decrépito tio.

— Quero que ensine o garoto a caçar, é um ofício bom, pois a magia não resolveu a fome ainda.

— Ainda não — diz meu tio ao olhar para seu braço cheio de feridas. — Eu durarei no máximo uns quatro anos, se eu tiver sorte. Sendo assim, não conseguirei ensinar muita coisa a ele nas minhas condições.

— Não queria ter que pedir algo assim, irmão, mas eu lhe suplico. Não quero que meu filho se torne um traficante ou algo parecido. Ele não tem culpa pelo que eu fiz.

— Vou pensar no assunto. Deixe-me preparar um café para ambos, pois eu ainda sei como demonstrar hospitalidade — diz Roan, ao passo que se levanta, mas ele pensa melhor e complementa sua fala: — Quero dizer, se aceitarem se alimentar na casa de um imundo como eu.

— Claro, nós aceitamos, aceitamos! Mas... — Minha mãe pensa um pouco e solta um sorriso, ela parece mais feliz agora, então diz: — Acabei de lembrar que alguém me deve um dinheiro, eu vou cobrá-lo no setor de comércio e não demorarei muito. Vocês podem conversar um pouco mais e se conhecer melhor. Eu volto logo.

— Certo, mas não demore muito. O café pode ficar pronto e esfriar depois.

Assim, minha mãe sai da velha casa.

— Como é caçar? — eu pergunto.

Roan para de preparar o café, leva sua mão ao queixo e, pensativo, ele diz:

— É prazeroso, muito mais do que eu imaginava quando comecei. Creio que é pelo fato de ser algo que nossos ancestrais faziam, mas não tenho certeza do motivo. Às vezes, penso que é pelo fato de matarmos criaturas maiores e mais fortes que nós, somente porque aprendemos muito e nos esforçamos para isso. É um sentimento de recompensa muito grande, um que eu não esperava sentir, não após descobrir que não posso manipular o fluxo.

— O Sr. parece gostar. Creio que talvez não seja tão ruim assim, digo, não deve ser tão ruim ser um inepto, não é?

— É possível ter uma vida assim, garoto. Dizem que antes dos dragões nos ensinarem a magia, todo mundo era inepto. Portanto, é possível para alguém ter uma vida sem magia.

— O Sr. poderia me ensinar, por favor? Quero saber como é caçar animais mais fortes do que eu, como o Sr. falou.

— Depois que terminarmos nosso café, eu te responderei, portanto não me apresse até lá.

Hum... tudo bem. Ehm... o que o Sr. caça?

— Javalis, cervos, coelhos e mais alguns roedores grandes. Mas, eventualmente preciso abater panteras, onças, gorilas, dentre outros animais. Além disso, raramente mato algumas bestas menores que surgem na Floresta de Prata, pois se não as matar, posso virar a refeição delas.

— Caramba, o Sr. mata bestas? Até mesmo magos poderosos têm problemas com elas. Parece ser divertido mesmo.

— Não é de todo ruim o que faço. Apesar da floresta ser sombria, ela também é bem bonita. Isso depois que nos acostumamos com a escuridão e com os vaga-lumes prateados. As regras lá dentro são diferentes das regras aqui fora: é um lugar mágico.

— Voltei — diz minha mãe, com os olhos inchados de alguém que chorou.

Porém, estranhamente ela parece estar muito mais feliz e aliviada agora.

— Bem na hora, pois acabei de preparar nosso café. Sentem-se, vamos tomar.

Nos sentamos novamente à mesa e começamos a beber do café.

— Está muito bom — eu digo.

— Verdade... — responde minha mãe, com uma voz serena e fraca.

— Conseguiu cobrar a dívida, Vitória?

Mamãe toma outro grande gole, vejo lágrimas saírem de seus olhos e escorregarem por seu rosto, mas ela não parece triste, sua expressão é de paz.

Ela deixa algumas joias femininas na mesa, parecem de valor, então ela olha para Roan, com a visão distante, como se não conseguisse enxergá-lo direito. Depois, de forma serena, ela responde:

— Eu sinto. Muito. Por tudo. Soum tão covar... Me...

Clink! A xícara cai da mão da minha mãe, e ela pega no sono.

— Mãe?!

— Vitória! — Roan se levanta e vai até ela para examiná-la.

Ele analisa seu pescoço, depois seu pulso, é quando ele percebe alguns ferimentos de cortes já cicatrizados ali.

— Garoto. Sua mãe está morta, ela se... Conheço o veneno: é pamplonela.

— Mãe? Mãe! Acorde mãe!

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