Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 23: A Competição

VALEFAR

 

Sempre que eu lido com aquele demônio, eu me perco um pouco mais. Ou melhor, perco um pouco mais de mim mesmo.

Ele me deu três opções, e eu escolhi esta. Não deveria ter dado ouvidos àquele garoto, pois agora estou preso neste inferno, a não ser que ele desista.

— Vamos, Garoto, hoje você vai desistir!

— Sim, professor!

Sempre obediente, igual eu era, igual eu sou. Ele manda, eu faço, me manda e eu executo. Simples e sem pensar muito sobre o que faço.

Hoje você vai aprender a sofrer. Hoje você vai desistir, e eu poderei parar de brincar de ser seu pai.

Parece que aquele velho sabe exatamente o que fazer para eu sofrer, mas eu mereço não é, este é o fim que eu mereço, não é mesmo? Quem dera.

Para ser sincero, eu tenho inveja desse Garoto. Eu queria ser ele, já que ele ainda tem a opção de desistir. Entretanto, o que ele me responde?

— Sim, professor!

Slap! Bato com um pedaço de vara nele, e ele nem grita. Acho que ele finge não doer para me provocar. Parece que você acertou novamente, velhote, seu demônio maldito. Achou a pessoa certa para me irritar.

— Professor, eu acabei!

Já estamos há um mês nesta brincadeira, pois o velho quer que eu treine o menino por três anos para ser como eu, um faz tudo.

Eu tinha a opção de matá-lo, seria a segunda opção. Pelo visto, tanto faz para o velhote ter o menino morto ou vivo, desde que, se estiver vivo, ele seja treinado para ser um procurador.

Aí, em um momento de delírio, eu vou lá e escolho treinar a porra desse Garoto. Eu deveria ter matado ele logo. Sim, a segunda opção era a melhor de todas.

Puta merda, que arrependimento. Chuto a pilha de troncos que ele acabou de empilhar.

Vamos lá Garoto, é só desistir, pois se você falar que desiste, eu posso dizer ao velhote que você não serve para o trabalho e te mato depois.

— Empilhe de novo!

— Sim, professor!

Ai, cara, aquele arrombado escolheu um menino quebrado, não tem como. Ele só pode ser biruta mesmo. Será que antes de usar esse bracelete, ele usava muito fluxo negativo e ficou assim? É uma opção, eu diria. Não, pensando bem, ele é imune e não ficaria doido por conta disso.

Slap! Cara, é muito bizarro, pois ele não grita nem reclama de jeito nenhum.

Eu já tentei de tudo, bati de surpresa, avisando antes, com força, fraco, mas não faz diferença, pois ele nunca reclama de nada. Talvez por isso o velhote queira que ele se torne igual a mim, tendo em vista que este garoto será mais obediente.

Olho para o lado e vejo um urso se aproximando de nós, o qual foi atraído pelo barulho.

Tenho uma ideia. Às vezes, eu tenho umas ideias boas. Por isso, pego minha adaga e digo: — Hey, Garoto, quer ver uma coisa legal? Pare de carregar os troncos e fique de olho.

Groar! Corro para cima do urso, ele deve pesar uns setecentos quilos, é enorme, gigantesco. Quando ele me vê, fica de pé, pois quer mostrar que é maior e me afugentar, mas eu não estou aqui para mostrar quem é mais forte.

Bam! Groar! Dou um soco na barriga do urso. Ele se desequilibra e cai para trás. Se eu pular nele, já dá para matar com a adaga, só com um golpe no pescoço.

Quem eu estou enganando? Eu poderia ter matado no primeiro soco, afinal é só a porra de um urso. Jogo minha adaga para o lado, e ela finca no chão. Agora, eu pulo em cima do animal.

Hoje vai ser só na trocação. Já trocou socos com alguém, Sr. Urso?

Bam! Bam! Groar!

Bam! Opa! Ele me acertou, e suas unhas são afiadas. Agora minha barriga sangra, mas não tem problema algum, nunca tem.

Bam! O urso cai novamente, e ele já não tem mais forças. Eu pego a adaga do chão e digo para o Garoto: — Está aprendendo?

— Sim, professor!

É um idiota.

Cravo a adaga no pescoço do urso, depois tiro e dou outro golpe no coração.

— Você é abençoado, Sr. Urso, pois agora pode descansar. Venha cá, Garoto!

O Garoto vem correndo, e ele parece estranhamente animado.

— Aprendeu como que se mata um urso? — pergunto a ele. Quer ver? Lá vem ele...

Viu, professor, esse machucado vai te matar? Acho que a gente deveria arrumar isso.

— Como que é?

— É que o professor está machucado, tem sangue, e acho que o professor vai morrer. — Ele aponta para minha barriga, pois a camisa foi rasgada e há muito sangue.

Penso um pouco no que ele acaba de dizer, lembro também dos dias que passei nesta floresta com este menino.

Esse garoto é anormal. Ele é realmente muito bizarro.

Eu levanto a camisa, e mostro minha barriga para ele, no local do suposto ferimento.

Uow! Que legal! Quando eu terminar o treinamento, vou conseguir fazer isso também?

Cara... será que seria possível? Não, só pode ser fingimento, ou ele deve ser louco mesmo. Depois de tudo, ele ainda assim estava preocupado comigo?

— Garoto, venha cá! — Faço um sinal, enquanto eu falo, e ele obedece e vem. A porra do Garoto não tem medo de mim, mesmo depois de tudo.

Eu me abaixo para ficar da altura do menino. Na verdade, ainda estou um pouco mais alto, mesmo abaixado.

— Você me odeia, Garoto?

— Não, professor.

— Mas você deveria me odiar, sabe disso?

— Sei sim, professor. O professor é mau.

— Se você sabe que eu sou mau, Garoto, então por que você não desiste de ser um caçador? Pois eu já te disse que, se você desistir, paro de te bater, e você nunca mais vai me ver.

— É que... se eu desistir... o professor vai ficar sozinho na cabana e... eu também não gosto de ficar sozinho.

Puta merda... Me vem à mente algumas lembranças há muito esquecidas. O que eu ando fazendo da minha vida e também com este Garoto, professor? Você me deu pelo menos uma chance, não foi?

— Ga... Você ainda não tem um nome, não é?

— Não, professor.

— Bom, só conheço duas pessoas de cabelos cinzas. Não é a cor de cabelo mais bonita, mas é muito rara. Por isso, vou te chamar de Gris, não porque é cinza, mas porque é raro.

— Obrigado, professor.

— Você pode me chamar de Valefar, pois muita gente me chama assim.

Professor é mais legal.

Penso por um tempo. Acho que tive uma ideia e faz tempo que eu não fico empolgado com uma ideia.

— Sabe, Gris, tem um lugar com uns sacerdotes, e eles cultuam um deus chamado Dara. Esses religiosos são uns arrombados, esta que é a verdade. Mas não é sobre isso que quero falar, pois a real é que eles dizem uma coisa interessante. Dizem que, de vez em quando, nasce uma pessoa especial por aí, uma pessoa bem rara, e eles as chamam de santos. Elas são pessoas que fazem o bem, sem querer nada em troca, e elas conseguem guiar os outros para o caminho correto e fazem isso só com palavras e gestos.

— Só com palavras e gestos? Elas parecem fortes.

Ah! São, sim. Extremamente poderosas, mas elas não vivem muito tempo e, não vivem muito, justamente por serem tão bondosas, pois este mundo mau acaba matando elas cedo.

— Elas são mais fortes que o professor?

Ah! Sim, muito mais, não tem comparação.

— Eu queria ser assim também.

— É... Eu também queria, mas sabe o que nós podemos fazer para compensar?

— O quê?

— Como elas vivem pouquíssimo, nós precisamos encontrá-las e protegê-las para que vivam por muito, muito tempo. É aí que entra minha ideia brilhante, pois nós podemos encontrar pessoas santas por aí e protegê-las. Eu acho que vou começar a fazer isso, quer começar a fazer também?

— Eu quero!

— Certo, bom... nós vamos ter que passar três anos nesta floresta, pois eu meio que prometi para alguém que ficaria por estes lados, mas toda semana a gente vai passar em Lumínia, é um vilarejo perto. Então, toda vez que formos lá, nós vamos procurar por santos e protegê-los. O que você achou da minha ideia?

— Eu gostei, professor, mas eu não vou ter como proteger os santos sem uma arma igual a do professor.

— Pode ficar com a minha adaga, por enquanto, que depois eu compro outra para mim. Um dia eu te ensino a usar uma espada, vai combinar mais com você. Assim que você for um pouco maior e aprender tudo sobre ser um caçador, eu comprarei uma espada e te ensinarei a usá-la.

Tá bom! Eu vou esperar, professor.

— Tem outra questão, em Lumínia nós não poderemos chamar muita atenção, então você não poderá conversar com ninguém pela cidade, a não ser que eu diga o contrário.

— Sem problemas, professor, vai ser divertido ir lá mesmo assim.

— Então esta vai ser a nossa competição, nós vamos ver quem consegue encontrar mais santos em Lumínia e, daqui três anos, vamos procurar por toda Aelum.

— Sim, professor.

— Certo! Mais uma coisa, esquece tudo o que você aprendeu até agora, pois eu só te ensinei coisa errada. A primeira coisa que você deve aprender sobre a Floresta de Prata é que estamos falando muito alto. A realidade é que não deveríamos nem falar, pois falar alto atrai animais fortes, como aquele urso, e isso não é bom. Sendo assim, depois eu te ensinarei uns sinais para conversarmos no meio da mata.

— Legal, professor.

— É! Você também vai precisar aprender a correr, pular, subir nas árvores, tudo sem fazer barulho. Está vendo esses galhos e as folhas no chão?

— Estou, professor.

— Pois bem, você tem que andar pela mata sem pisar neles ou em qualquer outra coisa que possa fazer sons altos.

— Entendido, professor.

— Seu treinamento de verdade começa agora. Vamos para a cabana, e não faça barulho algum até lá.

— Sim, professor!

— Eu falei sem barulho! E vamos diminuir todo esse sim professor aí.

Ele faz um sinal de afirmação com a cabeça, sem falar nada.

Cara, que merda eu andei fazendo com esse garoto?

Eu devo ser a pessoa mais cruel do mundo e acabo de enganar o Gris de novo, pois eu já comecei nossa competição roubando. Isso porque, eu já achei o primeiro santo, aqui e agora.

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