Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 2: O Rio Reluzente

GRIS

 

— Conseguimos! Ahm... sinto muito por ter matado aquela pantera. Ela vinha em nossa direção e creio que, se tentássemos desviar, ela nos perceberia.

— Não se preocupe, porque você fez bem. Talvez fosse possível desviar dela, mas seu julgamento foi bom, e o mais importante não era a escolha que você tomaria, mas sim que você executaria o seu próprio plano sem hesitar, por isso você foi bem.

— Isso quer dizer que...

— Ainda não acabamos nossa pequena viagem. Guie o caminho com maestria até o final que eu lhe comprarei a espada.

Oba! Vamos chegar lá sem problemas.

Olho para o céu para me localizar, assim como para a bússola e observo as montanhas ao leste, são as montanhas vermelhas. Eu já as conheço, por isto sei da nossa posição e para que direção temos que ir, razão pela qual eu aponto entre o norte e o nordeste.

— Nor-nordeste, professor, é para lá.

— Então vamos, garoto.

Há uma clareira às margens do Rio Reluzente e ela se estende daqui até o vilarejo de Lumínia. É assim por conta da plantação de trigo, a principal fonte de renda de Lumínia. Mas não existe qualquer coisa plantada agora, pois parece que a colheita aconteceu há pouco tempo. Não é coincidência que o Vilarejo esteja próximo ao delta do rio, porque nesta área a água é abundante e, o solo; muito fértil.

— Creio que seria bom encher os cantis aqui, professor.

— Encha o meu também, por favor.

Ao passo que os encho, o professor olha atentamente os arredores. Sim, é verdade, ainda que este seja um local sem muitas ameaças, nunca é bom baixar a guarda, pois não há vergonha maior para um caçador do que morrer como uma presa.

Pronto, ambos os cantis estão cheios.

Entretanto, quando olho para o professor, vejo algo estranho em sua expressão, pois ele está desconfiado e observa o horizonte. Ao voltar minha atenção para o mesmo local, vejo um animal pequeno e peludo, de cor avermelhada. Ele nos espreita com curiosidade, mas, quando percebe que nós dois olhamos, o animal corre e se esconde.

— O que era aquilo, professor? Será que era uma besta?

— Não tenho certeza, pois nunca vi um animal com aquele tom de vermelho por aqui. Ele não se camufla bem nesta região. É como se não fosse deste habitat e poderia ser uma besta sim.

— Verdade, é estranho mesmo, mas será que é hostil?

— Creio que não, porém é melhor ficarmos atentos.

— Certo, professor.

O Professor já as caçou, ele me disse. Ser um caçador de bestas também é uma profissão bem rentável.

As bestas surgem dos animais que são expostos ao fluxo por várias de suas gerações, isso as deixam maiores, mais fortes, inteligentes, algumas delas podem até mesmo manipular o fluxo e criar gelo ou fogo, por exemplo. Outras conseguem inclusive falar a língua comum, a língua dos homens.

— O Sr. já viu uma besta que falava, professor?

— Bom, eu já encontrei com uma dríade uma vez, as sereias da floresta.

— E como elas se parecem?

— Bom, elas são extremamente bonitas, suas peles são marrons ou negras e seus cabelos são esverdeados.

— Que legal, eu queria ver uma delas. Na Floresta de Prata há alguma?

O Professor toma um pouco de ar e depois continua. Ele não parece gostar do assunto.

— Devem existir, afinal há muito fluxo positivo. Entretanto elas não costumam aparecer para pessoas, isso é muito difícil, e a verdade é que elas principalmente não aparecem para pessoas malvadas como seu professor.

Estranho, o professor diz isso agora, porém também disse que conversou com uma no passado.

— Mas hoje o professor é bom, e eu sei. Tenho certeza que elas aparecerão novamente para o Sr.

— Talvez, Gris. Talvez algum dia elas apareçam.

— E onde foi que o professor falou com esta dríade?

Ah! Acabei de lembrar. Eu falei com uma outra besta, apesar que não era exatamente uma besta... É, definitivamente não era.

— Como assim?

— Era um dragão, porém, apesar de muitos não saberem, dragões não são bestas. Na verdade, eles se ofenderiam se você os comparasse com simples bestas.

— O quê!? O Sr. está brincando comigo, professor? Já tinha falado sobre os dragões, mas não disse que conversou com um deles.

— De fato, você faz bem em duvidar do seu professor, pois não é bom acreditar em coisas tão extraordinárias facilmente. Quanto mais extraordinário o fato narrado, mais extraordinária deve ser a comprovação. Mas não diga a ninguém o que lhe contei, pois as pessoas não acreditam que dragões existam e ao mesmo tempo elas temem estas histórias.

Droga, creio que o professor apenas zomba de mim ou me testa para ver se eu acreditaria facilmente nele.

— Se dragões não são bestas, o que são?

— Dragões são dragões, e não há nada parecido com eles para que possamos colocar no mesmo grupo. Eles possuem todas as características das bestas mais fortes, são grandes, manipulam o fluxo e podem falar várias línguas. Todavia há algo que os torna diferentes das bestas: As bestas surgem do contato com o fluxo, já os dragões são mais antigos do que o próprio fluxo.

— Eles devem ser incríveis! Eu quero ver um algum dia.

Hahaha! Talvez algum dia você veja, mas espero que não. Apesar de normalmente não serem maus, os valores deles podem ser diferentes dos seus, e qualquer ato que pareça corriqueiro para você, pode ser interpretado como uma ofensa por eles. A verdade é que sua vida estará nas mãos daquele ser, pois existem poucos que podem confrontar um dragão e sobreviver.

— Então eu só terei que ser mais forte que um dragão e depois vou procurar por um.

Pff! Hahahaha! — Valefar tenta se conter, mas a vontade de dar uma gargalhada vence. — Você me diverte, garoto. Tenho sorte de ter te achado. Talvez algum dia eu vasculhe a floresta para ver se encontro mais um assim. Hahahaha!

O professor diz ter me encontrado no meio da floresta há três anos, desacordado, e não consigo lembrar de nada antes disso. Creio que a única pista que possuo do meu passado seja um bracelete que tenho preso ao meu braço direito, o qual Valefar me orientou a não mostrar a ninguém.

— Mas eu já sou bem forte, porque o Sr. me ensinou a sobreviver na floresta mais perigosa do mundo!

— De fato, você já é mais forte que a maioria dos garotos da sua idade, mas o garoto mais forte não seria diferente do inseto mais forte, quando falamos de um dragão.

Rum!  Entendi... — Acho que não consegui esconder meu descontentamento por ser comparado a um inseto.

Valefar pensa por um tempo e aparenta ter uma ideia, ele parece gostar do que planeja. Vivo há bastante tempo com o professor e como, nas caçadas, não podemos conversar, nos entendemos bem, mesmo sem precisarmos falar.

— Vamos fazer assim, eu vou lhe ensinar tudo o que eu sei, e o conhecimento que eu te passar vai te dar uma pequena chance de falar com um dragão e sobreviver para contar, mas eu quero algo em troca.

Oba! Mas... o que o Sr. vai querer?

— Que retorne para mim e me conte com detalhes o que vocês conversaram.

— Eu aceito, professor.

— Feito, que assim seja. — Valefar dá um raro sorriso.

Apesar do estranho encontro, não avistamos mais aquele animal e, algumas horas mais tarde, chegamos ao vilarejo sem mais nenhum imprevisto. 

O Vilarejo de Lumínia é grande para um vilarejo, mas é pequeno para ser chamado de cidade. Ele possui uns quinhentos habitantes e muitos viajantes passam por aqui, pois é um local que fica na rota de alguns locais importantes, como Thar, a capital imperial.

Também há um acesso por água desde Lumínia até Ticandar, mas somente os lumens conseguem atravessar estas águas em segurança. Entretanto ainda é uma rota comercial muito importante para eles, os quais interagem o mínimo possível com humanos e não demonstram qualquer interesse, salvo o comercial.

Além disso, o Rio Reluzente liga Lumínia ao Porto de Lumínia, que fica na costa sul, razão pela qual há docas instaladas na cidade que comportam pequenas e médias embarcações.

Por isso, existem vários mercadores que precisam passar neste vilarejo, alguns se hospedam na estalagem para seguirem viagem no outro dia, e outros se aposentam e resolvem investir aqui, de modo que possuem algumas poucas lojas que vendem coisas diversas para quem vive no vilarejo, mas também para aqueles que estão de passagem.

Razão pela qual, é um local bom tanto para comprar, quanto para vender, se alguém não está disposto a ir a uma cidade maior. Entretanto, o comércio não é a principal fonte de renda, mas sim o trigo que é produzido nestas planícies.

Quanto a presença criminosa, o Barão de Lumínia é um ex-cavaleiro que, pelo seu bom desempenho em combate, lhe foram dadas estas terras para exercer autoridade. Com ele diversos dos soldados de confiança, que eram antes seus subordinados, receberam casas e trabalho aqui.

O trabalho deles é, logicamente, guardar o local e afastar os bandidos e fazem isto muito bem. Não há reclamações dos moradores.

São cobrados impostos para a manutenção dos serviços governamentais locais, somados com o necessário para repassar ao império, mas ainda assim os moradores não se queixam, pois o lugar prospera muito bem.

Existem poucos conflitos entre os moradores, os quais são dirimidos pelo próprio Barão, este que concentra os poderes magistrado, por ser um local relativamente pequeno.

Todavia, ao contrário do que intuitivamente isto deveria acarretar, os cidadãos dizem que suas decisões são justas e imparciais, e não há qualquer reclamação em relação a ele.

Por estes e outros motivos, Lumínia é um dos locais mais seguros para se viver em todo império e, em que pese ser um lugar humilde, é um daqueles com melhor qualidade de vida.

Por fim, declaro e certifico que não há qualquer sinal de revolta, tampouco outra ameaça à soberania ou aos interesses do governo imperial.

Nada mais a reportar. Aguardo novas ordens.

(Carta de Diógenes, o Censor. Relatório dirigido ao Conselho Imperial.)

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