Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 15: Fogos de Artifício

GRIS

 

— Ignis!

Creio que peguei no sono, mas um grito me acorda. Eu olho para a janela e vejo que ainda é madrugada.

Há mosquitos por todo lado, e receio que seja por conta da janela aberta. Razão pela qual, vou fechá-la.

Posso ouvir os grilos cantarem do lado de fora.

Hum... Foi por isso que os mosquitos entraram aqui. A raposa abriu a janela. Essa Srta. Raposa só faz confusão.

— Você encheu de mosquitos o quarto, Srta. Raposa.

— Srta. Raposa?

Ela não está? Olho por todo o quarto e não a encontro. Ela saiu? Sim, ela saiu, afinal é da Srta. Raposa que falamos. Droga, preciso encontrá-la.

Olho para fora e percebo que os homens que vigiavam já não estão mais lá. Se eles saíram, deve ser porque a viram e a seguiram.

Mas eu a avisei e disse que eles estavam de vigia. Ela seria tão imprudente de sair mesmo assim? Mesmo sabendo que eles a pegariam? Sim, ela provavelmente sairia.

Há uma recompensa, inclusive para o caso dela ser encontrada morta, isso quer dizer que é possível que eles não se importem muito se ela morrer. Preciso encontrá-la.

Pego a minha adaga e também a pedra mágica de resistência. Pulo pela janela e caio, sem fazer qualquer barulho, do mesmo modo que me movimento pela Floresta de Prata.

Que saco, creio que esqueci de pegar o veneno paralisante, mas não tenho tempo para voltar.

Bom, ela é uma raposa, então deve deixar rastros. Olho em volta e vejo suas pegadas, que levam até os estábulos.

Sim, a Raposa conhece o interior dos estábulos, então provavelmente pensaria em despistar os guardas por ali.

Penso se devo alertar a Srta. Cintia, mas creio que ela me impediria de procurar pela Raposa. A Srta. Cintia ser incrível, mas agora só eu consigo resolver isso.

Sigo para os estábulos e vejo que há objetos caídos. Ela esteve em luta corporal com eles.

Creio que a única saída seria por cima. Subo e vejo que há palha chamuscada, e a madeira das colunas está preta. Será fogo?

Parece ter sido um pouco de fogo, controlado. Não creio que intenção fosse incinerar algo. Talvez seja para criar luz? Ela pode ter se aproveitado e saído da visão deles.

Procuro se há algum buraco que ela possa ter entrado e percebo uma espécie de duto quadrado, de madeira, que serve para o feno deslizar e cair dos fundos até a parte interna.

Isto deve poupar tempo de descarregar as carroças de feno do lado de fora para dentro. A Raposa cabe ali: Foi por onde passou.

Sigo a tubulação até o lado de fora. Estou agora nos fundos da estalagem.

Aqui há rastros dela novamente, e eles levam até o Rio Reluzente. Percebo que há pegadas humanas também.

Vaga-lumes prateados voam por todos os lados. Devem ser o motivo de chamarem de Rio Reluzente.

Corro em direção às águas.

Droga, creio que ela passou pela margem, portanto os rastros somem. Ela pode ter atravessado o rio a nado também. Seria perigoso, mas ela é imprudente e é possível que tentaria. Se eu estivesse fugindo, iria para qual direção?

Bum! Escuto uma explosão.

Por reflexo, eu pego a pedra de resistência e a uso, depois a guardo no bolso, também saco minha adaga e corro em direção à explosão o mais rápido que posso. Veio da margem do rio, como eu primeiro cogitei.

Bum! De novo, mas estou perto.

Com a luz da explosão, consigo ver que cercaram a Raposa. Eles não me viram ainda, são muitos, uns quinze ou dezesseis, eu diria.

Há quatro que já estão caídos pelo chão. Parece que foi a Raposa quem os derrotou.

Eles possuem a vantagem numérica, mas eu consigo me aproximar deles, sem fazer barulho, e abater uns... três eu creio, antes que me notem.

Queria ter mais tempo para pensar em um plano melhor, mas não é possível. Droga, queria ter preparado veneno.

Corro em direção a eles. Mesmo correndo, piso em locais que não fazem qualquer ruído. Minhas roupas também são feitas para não fazerem som. Elas não são boas para proteger, mas na maioria das vezes não é nem necessário.

Rapidamente, eu chego perto do primeiro alvo por trás.

Um golpe e perfuro o seu pescoço. Ele demorará um pouco para morrer, mas já está fora de combate.

Sou mais leve que o soldado, eu uso o corpo dele para pegar impulso em direção ao outro, pela esquerda.

Está escuro e não faço barulho — ele não me nota.

Este eu ataco pela lateral: Acerto o coração. É sem defesa alguma, este morrerá um pouco mais rápido.

Logo atrás dele há outro que estava no ponto cego. Ele não conseguirá reagir também, pois ainda não me viu. Vou degolá...

— Ignis! — grita meu alvo.

Com isso, da direção dele, eu sinto uma luz e um calor forte, que me queima um pouco, mas não causa muito dano. O problema é que, pela falta de visão, eu não consegui acertá-lo.

Assim que minha visão retorna, eu percebo. Quem eu ataquei é:

— Vejam só, se não é o filho de Cintia, da Estalagem. Vai dizer que os meus soldados também desmaiaram e você veio aqui para ajudá-los? — diz Fineas.

Bum! Outra explosão forte, a qual lança dois soldados pelos ares. Não há como sobreviverem a isto. Será que foi a Srta. Raposa quem fez?

— Hahaha! — ela caçoa.

Faltam onze.

Eu ataco Fineas. Não há tempo para falação. A Raposa vai morrer se eu perder um segundo aqui.

Fineas leva uma armadura média, espada e um escudo com o brasão de Galantur. Diferente dos demais que usam apenas as roupas vermelhas e uma espada média.

Com uma adaga, eu preciso atingir as partes que não são cobertas pela armadura, como pescoço, axila, virilha e afins.

Miro no pescoço.

— Ignis!

Outra chama surge e me cega. Erro o golpe. Sinto um impacto e é do escudo dele. Fineas dá uma pancada forte que me machuca e quase me derruba.

Porém, a pedra de resistência me protege da maior parte do dano.

O professor me treinou a manter o equilíbrio e não cair. Nestas condições, se eu caísse no chão, ele me finalizaria na mesma hora com a espada.

Fineas se aproveita do meu desequilíbrio e tenta me atacar com a espada, em um golpe descendente.

É impossível desviar. Ainda estou desequilibrado. Coloco o braço direito no caminho para proteger o meu rosto, por reflexo, e sinto o impacto.

Katchin! Escuto um som metálico e vejo faíscas, mas não sinto dor e não vejo sangue. Ele acertou o bracelete.

Não sei se deveria ser tão resistente, mas estou com magia de resistência, então deve ser tão forte quanto uma placa grossa de aço. Serviu como um escudo pequeno.

— Eu ouvi mesmo que você era ardiloso — diz Fineas.

Ah! — grita a Raposa, que é ferida por uma espada.

Em resposta ao ataque, os olhos dela brilham em vermelho, assim como sua cauda.

Bum! Outro soldado morre. Faltam dez agora.

— Mate essa maldita, rápido! Não tem como levá-la viva! — esbraveja um soldado.

Que merda, o Fineas é pesado e ele não vai cair tão rápido, neste ritmo...

O tenente me ignora e corre em direção à Raposa. Maldito!

Eu o sigo. Quando quase o alcanço, ele se vira e crava a espada na minha barriga. Mesmo com a resistência mágica, a espada transpassa minha roupa. É um ferimento sério.

— Muito inocente — diz Fineas.

Bum! A onda de impacto e a luz de uma explosão menor, exatamente ao lado esquerdo de Fineas. É forte o suficiente para ferir seu olho e fraca o bastante para não me machucar.

Urgh! Que dor! — grita o tenente.

Aproveito e cravo a adaga na axila esquerda dele. É só aqui que meu braço alcança.

Ah! Desgraçado!

Ele remove a espada da minha barriga, e agora o sangue sai com violência do meu corpo.

Fineas joga seu escudo fora. Machucado na axila, já não vai conseguir movimentá-lo como antes. O objeto se tornou inútil.

Ele está como um animal acuado. Isto será ainda mais perigoso.

Eu me aproveito, enquanto o tenente se recupera, e parto em direção à Raposa.

Será melhor se estivermos perto. Se eu conseguir defendê-la, ela poderá usar magia e os derrotar.

Ela parece ser forte. Sim, a Srta. Raposa é muito forte.

— Seu merdinha! — grita Fineas.

Você fala demais!

— Vai, Raposa, eu ajudo na defesa e você ataca!

Humpf! — resmunga ela.

Isto não é hora para orgulho!

Um soldado se aproxima e eu defendo com o bracelete.

Katchin!

Bum! Outra explosão. Ela é uma maga realmente poderosa! Faltam nove agora!

Outro soldado investe, e novamente defendo e eu mesmo o finalizo.

Acerto seu pescoço e deslizo a lâmina. Sinto o sangue, ainda quente, do soldado verter sobre meu pulso.

Faltam oito! Vamos conseguir.

Fineas tenta atacar a Raposa. Droga, ele é rápido, mas eu consigo! Me coloco entre os dois.

Outro golpe descendente, mas agora é com ambas as mãos na empunhadura. Vou defender com o bracelete de novo!

— Ignis!

Sinto a espada de Fineas impactar contra o meu ombro direito. Ela atravessa a minha carne e para no osso da clavícula.

Fineas é mais forte do que eu. A pancada me faz cair de joelhos.

Não vejo nada ainda, mas não sinto a adaga na minha mão. Acho que eu a deixei cair.

Tento colocar a mão direita no rosto, por conta da luz, mas só sinto algo viscoso encostar: é meu sangue.

Cambaleio para trás e minha visão volta. Fineas me chuta para o lado. Eu caio a poucos metros da Raposa.

Vejo uma mão decepada, caída no chão. Também há uma adaga ali e um bracelete preto e branco, que rola para perto da Raposa, a uns dois metros de mim agora.

Olho para minha mão direita. Ela não está mais ali. Há apenas muito sangue que jorra sem parar.

— Acabou! — diz Fineas, enquanto investe contra a Raposa novamente.

Eu estou longe deles e caído. Não conseguirei fazer nada.

A Raposa está cercada pelos demais soldados e morrerá.

Cintia me vem à mente.

Nós dois vamos morrer.

Eu me sinto mais leve.

Recordo desta sensação, e é a mesma do sonho que eu tive na cabana. É um sentimento de que eu perdi algo que ainda não tenho.

Só faltavam mais três dias. Estávamos tão perto, professor.

Eu pego a adaga com a mão esquerda, levanto e me preparo para correr em direção à Raposa.

Não dará tempo, mas não importa, eu preciso tentar. Eles vão matá-la e tudo que posso fazer é gritar. É o que faço.

— Fujaaaaaa!

Eu nem sei o que acabei de dizer, já nem lembro mais.

Fineas e a Raposa param e me olham, eles arregalam os olhos, já os demais soldados ignoram e continuam a investir contra a Raposa.

— Vitale! — grita Fineas, enquanto posiciona o dedo indicador no próprio peito.

Quase que ao mesmo instante, os olhos da Raposa brilham em branco, assim como sua cauda.

Percebo uma esfera cinza e translucida se formar em volta de todos nós, a qual me lembra a magia da pedra de silêncio, mas esta é esférica.

Sinto uma brisa gelada e um zunido que recorda um assovio.

Fiiiuuuuuu.

A esfera deve ter uns trinta metros de raio a partir de mim. Ela encolhe rapidamente e some no meu peito.

A sensação, é como se eu tivesse respirado um ar muito frio.

Os vaga-lumes, que pairam pelo ar, param de brilhar e caem.

Cinco dos soldados também caem desmaiados no chão.

Só restam de pé a Raposa, Fineas, dois soldados e eu.

A grama se seca gradualmente e forma um círculo em volta de mim, do mesmo tamanho daquela esfera.

A sensação de ar frio em meus pulmões passa, na medida em que percebo um pulso no formato de anel negro ser projetado em todas as direções, o qual acerta a todos.

— É um demônio? Ele vai me devorar, corram, é um demônio! Não dá para vencer! — grita um dos soldados, enquanto corre para longe, em pânico.

— Rebeca? É você? Eu pensei que estava morta. Rebeca? Aonde você vai? Volte aqui, por favor. Não me deixe novamente! — diz o segundo soldado, ao passo que chora e entra no rio para se afogar.

— Seus idiotas, é uma alucinação. Ignorem e voltem! — grita Fineas.

Mas é inútil, os homens não dão ouvidos a ele.

Acho que perdi muito sangue. Estou com sono. Vejo Fineas jogar a espada fora e levantar ambas as mãos em minha direção, à medida que vejo muito fogo envolver a Raposa.

O fogo consome por completo a Srta. Raposa e depois desaparece.

Das chamas, vejo surgir uma garota de uns quinze anos. Seus cabelos são ruivos e, com a luz, eles brilham em alaranjado. Sua pele é um pouco rosada, ela usa um vestido azul e é muito bonita.

Está ajoelhada no chão com a palma da mão voltada ao Fineas.

Há um ferimento muito grave em sua barriga e parece ser fatal.

Será uma dríade, professor?

— Creptus Mas! — A voz que escuto é da Srta. Raposa, mas a pessoa que vejo é a dríade vermelha.

BUM! Uma gigantesca explosão se forma em Fineas. É muito mais poderosa do que as anteriores. O braço dele é dilacerado, e ele voa para longe.

Queria ver se a Srta. Raposa está bem, mas eu apenas desabo, é meu limite.

Na minha mente vem os ensinamentos do professor. Eu o escuto como se estivesse aqui: — A adrenalina diminui agora que o perigo acabou, todavia você perde muito sangue com o ferimento na barriga e braço. O pouco sangue em seu corpo dá preferência aos órgãos vitais, em razão disso, seus olhos pesam e vem a sensação de fraqueza. Logo, você desmaiará e morrerá sem ajuda.

Você é cruel, professor.

Parece que a dríade vai morrer também.

Sentado no galho de uma árvore, longe daqui, vejo a silhueta do que parece ser um garoto da minha idade. Tenho a impressão que o conheço, mas é impossível distinguir.

Escuto uma voz masculina vinda de perto:

Uau! Belos fogos de artifício. Eu adorei! Que alegria. Ah! Droga, sujei meus sapatos completamente.

É quando eu desmaio.

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