Volume 1
Prólogo: O Fim Antes do Começo
“O que me trouxe até aqui? Até esse ponto sem volta?”
“Quando foi que eu perdi o controle da minha vida”
Glenn ergueu os olhos, firmes. Disse:
— Vocês vão morrer juntos. Você, seu nome, seu legado. Todos vão afundar no mesmo lugar.
A espada pendia na mão dele como se fizesse parte do braço — não uma arma, mas uma sentença.
Ethelion rugiu. O rugido de um pai... ou de um monstro.
Um dos golens conjurados avançou. A criatura berrou com sua voz de pedra e ergueu o punho como uma guilhotina viva.
Glenn deu um passo.
Tocou o peito do monstro.
CLAC!
Como se cada pedra tivesse se arrependido de existir, o golen se desmontou - parte por parte - em uma queda lenta, quase respeitosa. Pedras gigantescas colidiram no chão, espalhando poeira pelo salão.
O silêncio explodiu em murmúrios de horror.
Os nobres começaram a recuar.
Alguns tropeçaram nas cadeiras viradas. Outros simplesmente congelaram.
Glenn olhou para Ethelion com um sorriso calmo.
— A mana também tem medo.
Cinco nobres se entreolharam.
Medo. Raiva. Desespero.
Todos empunaram espadas — algumas arrancadas dos corpos dos guardas, outras das próprias cinturas, armas decorativas que jamais sentiram sangue.
O primeiro correu.
Era alto, braços fortes, mas sem técnica. Só impulso.
Glenn nem se moveu de imediato. Esperou.
E então…
SHHLK.
Um giro seco. A lâmina cortou a perna do homem antes da investida completar.
Ele caiu de joelhos com um berro — e a cabeça rolou antes que pudesse levantar o rosto de novo.
O segundo gritou e veio por trás. Glenn virou no eixo, o pé deslizando no chão manchado. O golpe veio de cima, bruto, mas lento.
Glenn ergueu a lâmina, desviou com o dorso, e enfiou no meio da clavícula dele — tão fundo que a ponta saiu pelas costas.
Um sopro. O sangue respingou na lateral da mesa, e o corpo caiu como uma marionete sem dono.
O terceiro hesitou. Mas gritou pra si mesmo que não podia parar. Ergueu a espada e correu… Só pra Glenn passar por ele num rastro — a lâmina subiu da virilha até o esterno. O corpo se dividiu em dois gritos que morreram juntos no chão.
O quarto tentou se defender. Girou a espada como um amador treinado por livros. Glenn bloqueou com um braço — mesmo sem proteção — e cravou a lâmina no pescoço do homem, enterrando até o punho.
O sangue jorrou.
Uma mulher gritou.
Crianças choravam.
O quinto… parou. Deu um passo atrás. As mãos tremiam. A espada caiu no chão.
— P-por favor… — disse, entre lágrimas. — N-não… por favor… por favor, eu..... eu tenho filhos… eu!
Glenn caminhou. Sem pressa.
O homem caiu de joelhos, engasgado entre soluços.
Tentou rastejar pra trás.
— Eu… eu só segui ordens… eu nunca..... eu juro por todos os deuses, eu....
SHHKT.
Silêncio.
A cabeça dele tombou para o lado, sem corpo. O sangue se espalhou como tinta num papel branco.
Todos os outros nobres — mulheres, crianças, adolescentes — ficaram imóveis, trêmulos.
Ethelion. Paralisado. A boca entreaberta. Os olhos fixos naquele monstro coberto de sangue — o mesmo garoto bastardo que conheceu meses atrás.
“Acho que eu entendi”
“O que me trouxe até aqui não foi coragem.”
“Foi a falta de opção.”
O peso nos ombros não era novo. Já o conhecia. Desde o primeiro dia em que segurou uma espada...
...
O som metálico cortava o ar — seco, ritmado — como se o próprio amanhecer fosse moldado pelo choque das lâminas.
O sol ainda se erguia sobre Eloria, tingindo o campo de treino com tons de âmbar e poeira dourada.
Dois corpos se moviam no centro do pátio. O mais velho, de ombros largos e cabelos grisalhos, brandia a espada com uma precisão que beirava a elegância. O outro, mais jovem, errava o tempo, tropeçava no próprio passo — e ria. Ria com aquela despreocupação que só quem ainda acredita que tem todo o tempo do mundo é capaz de ter.
Glenn observava tudo da janela do quarto, apoiado no batente, o queixo no punho. O ar frio da manhã entrava devagar, levantava as cortinas enquanto a pele se arrepiava. Lá embaixo, o primo Louis girava a lâmina num arco desajeitado; o tio Reynolds, paciente, bloqueava o golpe e o corrigia com uma palavra curta, quase um grunhido.
— “Duelos”, eles chamam isso… — murmurou Glenn, um sorriso cansado nos lábios.
Bocejou e se espreguiçava com a preguiça de um rei entediado.
— Espero que, quando o festival passar, esses treinamentos acabem. Não aguento mais acordar cedo pra ouvir isso.
Deixou o corpo cair de costas sobre o colchão. O teto branco o encarava, mudo.
Por um instante, o pensamento fugiu para outro lugar — um nome que ele não quis pronunciar, um rosto que preferiu não lembrar.
Mesmo assim, o coração bateu forte, como se traísse o silêncio.
— Será que ela… vai estar lá? — murmurou, baixo, quase sem voz.
Glenn soltou um suspiro, sentou-se à beira da cama e vestiu a camisa jogada na cadeira. Calçou as botas e ficou um instante parado, ouvindo o som distante das lâminas lá fora.
A casa estava silenciosa. Nenhum sinal da tia Vivian — o que, por si só, já dizia muito. Se ela estivesse ali, Reynolds não teria arrastado Louis pro treino antes do café.
Glenn abriu a porta.
O cheiro da manhã o envolveu: terra úmida, madeira cortada, pão que assava em alguma casa vizinha. O vento frio roçou-lhe o rosto e levou o resto do sono.
O campo de treino ficava a poucos metros da varanda, banhado pela luz pálida do sol nascente. O som das lâminas cessou assim que Glenn se aproximou — ou, mais precisamente, quando bocejou alto o bastante para ser ouvido.
Louis se voltou, o rosto suado e o sorriso zombeteiro.
— Finalmente acordou, alteza. Achei que fosse precisar mandar uma patrulha te buscar. — largou a espada de madeira ao lado de uma árvore, como se prestasse reverência.
Glenn ergueu uma sobrancelha.
— Ah, me perdoe, cavaleiro exemplar. Eu estava ocupado sonhando que você sabia segurar uma espada sem tropeçar.
Louis bufou, mas o canto da boca denunciou o riso.
Reynolds, ao lado, limpava o suor da testa com o antebraço, o semblante sério — embora a voz trouxesse uma ponta de satisfação.
— Bom, já que Vivian foi à feira, resolvi aproveitar a paz para treinar tudo que falta pro Louis deixar de parecer um espantalho com espada.
Louis torceu os lábios.
— Pai…
Glenn disfarçou o riso com um pigarro.
— E tudo isso pra amanhã? — Perguntou enquanto cruzava os braços.
O tio girou o rosto devagar, com aquele olhar que sempre vinha antes de uma lição.
— A disciplina não escolhe hora. — disse, firme. — E a morte também não.
Glenn assentiu, teatral.
— Adoro palavras motivadoras logo cedo… quase melhor que o café da manhã.
Reynolds soltou uma risada curta, passando por eles.
— Bom, café eu não fiz. Mas tem maçãs na cesta. — E, sem esperar resposta, entrou na casa, o ranger do assoalho acompanhava os passos.
Com um movimento lento, Glenn se abaixou. Os dedos tocaram a maçã mais vermelha entre todas. Deu uma mordida; o suco frio estalou na boca.
— Acho que ele anda pegando pesado, não acha? — comentou, com meio sorriso.
Louis apoiou o cotovelo no joelho, ainda ofegante.
— Você conhece meu pai. E devia agradecer. Pelo menos alguém aqui ainda tenta fazer de você um espadachim decente.
Glenn suspirou.
— Eu sei. — murmurou, sem convicção.
Louis o observou por um momento, o sorriso voltou de leve.
— Sabe de quem recebemos carta hoje?
Glenn ergueu o olhar, curioso.
— De quem?
— Da Ellie. — disse, o tom casual, mas com uma fagulha de interesse escondida no meio.
Glenn parou por um instante.
A mordida na maçã ficou esquecida no ar.
— Hoje? — perguntou, a voz mais baixa do que queria.
Louis assentiu, os olhos verdes faiscando sob a luz do sol nascente.
— Ela voltou ontem do acampamento dos aprendizes. Quer nos encontrar mais tarde, na clareira perto do riacho.
Glenn mordeu a maçã, mas o olhar já vagava longe — perdido em algum ponto do horizonte, onde o vento fazia o trigo dançar. Fingiu desinteresse, mas o leve tensionar do maxilar o traía.
O nome dela sempre deixava marcas.
Baixou o olhar e girou a maçã entre os dedos, como se o gesto pudesse conter o nó que começava a se formar no peito. Louis continuava a falar, empolgado, sem perceber.
E então, sem aviso, as lembranças vieram — nítidas como o cheiro fresco da manhã.
A menina que chutava seu escudo quando se irritava. Que ria alto demais. Que dizia, com o nariz empinado, que um dia seria mais forte que os dois juntos.
— Quanto tempo ela ficou fora, mesmo? — Fez a pergunta com um tom que tentava parecer casual.
Louis levou a mão ao queixo e fingiu que estava pensando.
— Duzentos e dezenove dias. — respondeu, com a precisão de quem contava as horas.
Glenn riu de leve.
— Que específico.
— Hábito. — Louis deu de ombros, e o sorriso lhe escapou antes que pudesse disfarçar.
O olhar caiu no chão. A cabeça se moveu num gesto breve, e o meio sorriso apareceu, discreto, no canto da boca.
— Será que ela mudou muito?
— Ellie muda o tempo todo. — respondeu Louis, o olhar perdido por um instante, quase sonhador. — É o que mais gosto nela.
Glenn sorriu também. Porque era mais fácil assim.
Louis estendeu o punho fechado.
— Vamos?
Glenn bateu o próprio punho contra o dele, o estalo seco soava como um pacto silencioso.
— Vamos.
O vento soprava entre as árvores, espalhando o cheiro de terra e maçã. A estrada se estendia diante deles, ladeada por colinas e flores silvestres. Glenn caminhava em silêncio, o coração acelerado demais para alguém que fingia calma.
“Por que meu coração está acelerado?”
Pensou, e a pergunta pareceu ecoar dentro do peito.
— Eu não acho que foi uma boa ideia eu ter vindo. — disse enfim, tentava disfarçar o incômodo com um tom despretensioso. — Ela provavelmente nem quis dizer que…
— Claro que quis. — Louis o cortou, sem nem olhar. — Ellie disse que era pra nós dois irmos. Ela queria nos mostrar algo.
Glenn arqueou uma sobrancelha.
— Por quê? Eu nunca fui tão próximo dela assim.
Louis desviou o olhar, a expressão entre divertida e curiosa.
— Glenn…
Mas antes que pudesse continuar, uma voz ecoou adiante:
— Vão me fazer esperar até que horas?
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