Volume 1

CAPÍTULO: FINAL

TUDO O QUE EU CONSEGUIA OUVIR era o som da respiração tranquila da Akari. Enquanto isso, eu não conseguia dormir nem um minuto, por vários motivos. Primeiro, eu estava em uma cama desconhecida. Segundo, Akari estava dormindo sobre o meu peito. Mas o que mais me impedia de dormir era a morte de Akito. Era como se a imagem do seu corpo estivesse gravada nas pálpebras dos meus olhos. Toda vez que eu tentava fechar os olhos, via seu corpo ali, deitado no terreno baldio, sua pele tão pálida quanto um lençol, sem nenhum vestígio do garoto que um dia esteve no montinho em Koshien dentro daqueles olhos vidrados. Aquilo era o ponto final de um homem que me dera coragem para enfrentar os valentões, o cara que havia liderado a nossa fraca equipe de beisebol da escola até os nacionais, depois se machucou e perdeu tudo. O mesmo homem que, nos últimos anos de sua vida curta, havia chegado tão baixo a ponto de bater e roubar dinheiro da própria irmã.  

Eu já não sabia mais se tínhamos feito a coisa certa. Me perguntava se Akari já tinha repensado sua decisão ou se ela se arrependeria no futuro próximo. Graças ao fenômeno de Rollback, eu já tinha memórias de tudo o que aconteceria nos próximos cinco dias, até às 18h do dia 6 de abril. Como se estivesse seguindo uma trilha de migalhas, eu refazia minhas memórias em busca de qualquer indício de que Akari se arrependeria dessa decisão nos próximos dias.  

Na terça-feira, tivemos nosso piquenique perfeito no parque abandonado.  

Na quarta-feira, invadimos a escola à noite e compartilhamos um momento terno.  

Na quinta-feira, achei que estava enlouquecendo até falar com ela no velório de Akito.  

E na sexta-feira, ela me explicou sobre o Rollback debaixo da árvore de cerejeira.  

Então eu me lembrei de algo mais. Algo que o futuro dela me disse naquele dia, antes de o primeiro Rollback ocorrer:  

— Kanae, eu... eu quero que você salve meu irmão.

Será que ela realmente quis dizer isso, ou estava apenas dizendo para acompanhar a farsa? Não podia afirmar com certeza, mas me lembrei de ela ter dito algo logo depois: "Eu confio no seu julgamento. Então, por favor... cuide de mim do passado, tá?" Isso me fez pensar que Akari poderia estar repensando a decisão naquele momento, como se sentisse que havíamos feito a escolha errada. Isso explicaria por que ela disse que o resto estava em minhas mãos e que me confiava a decisão.  

Eu tinha que honrar essa confiança fazendo o que eu achava certo.  

Eu me sentei lentamente na cama e olhei para o lado, onde Akari ainda dormia tranquilamente, como uma criança. Me perdoe, Akari, sussurrei enquanto saia silenciosamente debaixo do cobertor. Quando me levantei, vi que o relógio de cabeceira ao lado dela marcava 1h da manhã. Virei-me, andei na ponta dos pés até a porta, girei a maçaneta e dei uma última olhada para Akari antes de sair do quarto. Colocando meus sapatos na entrada, deixei o apartamento, desci as escadas e corri em direção ao terreno baldio, a toda velocidade. As chances eram altas de que Akito já estivesse lá, deitado de bruços no chão.  

— Me perdoe, Akari... Isso é para o seu próprio bem... Me desculpe!

Pedia desculpas a ela repetidamente enquanto corria pelas ruas. Eu sabia que estava gritando sem sentido no vazio, mas me sentia tão mal por traí-la que não conseguia controlar. Me perdoe, Akari. Eu simplesmente não posso fazer isso. Não consigo ficar parado e deixar um homem morrer. Akito era uma pessoa ruim, com certeza, e eu nunca conseguiria perdoá-lo por tudo o que fez à irmã. Eu o achava totalmente detestável no estado em que estava. Mesmo assim, isso não significava que ele merecia morrer. Eu não podia ficar parado e ver um homem com toda uma vida pela frente morrer e justificar isso com grandes erros que ele cometeu.  

Eu nunca deveria ter deixado minha determinação de salvá-lo vacilar. Então, eu não teria quebrado nenhuma promessa. Eu fui um completo idiota. Um covarde sem coragem, que sempre optava pela saída mais fácil. As coisas nunca teriam chegado a esse ponto se não fosse por mim e pelas minhas escolhas estúpidas.  

Me sinto péssimo por ter que fazer isso com ela, mas eu precisava salvar Akito. Eu precisava acreditar que ainda havia uma forma de encontrarmos um final feliz para tudo isso, um final onde ninguém precisasse morrer.  

Cheguei ao terreno baldio e atravessei a grama alta em tempo recorde. Não demorou muito para eu avistar a silhueta dele deitado de bruços no chão.

— Akito!

Seu rosto já estava pálido como a morte, e eu percebi que sua chama estava se apagando rapidamente. Me ajoelhei ao lado dele e observei seu peito. Os movimentos eram extremamente fracos, mas ele ainda estava respirando. Liguei para o 119 e expliquei a situação de forma desesperada para o operador. Os paramédicos do corpo de bombeiros da ilha chegariam a qualquer momento, então agora só precisava esperar.

Com o peso da responsabilidade aliviado, a exaustão finalmente me alcançou, e eu caí de joelhos no chão. Tentei me concentrar na respiração, inspirando e expirando o ar gelado da noite que queimava minha garganta. Quando finalmente consegui controlar minha respiração, olhei novamente para Akito — somente para perceber que seu peito não se movia mais. Desesperado, coloquei a mão na sua boca. Ele havia parado de respirar completamente.

— Você está brincando comigo! — gritei enquanto sacudia o corpo de Akito. — Ei, acorda! Não morre agora, caramba!

Nenhuma resposta. Virei-o de costas para fazer a ressuscitação, ou pelo menos o que lembrava de como nos ensinaram a fazer isso nas aulas de educação física. Não tinha certeza se estava fazendo todos os passos corretamente. Comecei a comprimir seu peito de forma constante e rezei para que desse certo.

— Vamos! Vive, caramba! Acorda e responde pelo que fez! Você ainda pode mudar a sua vida, eu sei que pode! Eu juro, se você morrer agora, vou te espancar!

Xinguei-o enquanto continuava a apertar seu peito até que a ambulância pequena chegou e dois paramédicos saíram. Um assumiu o meu lugar enquanto o outro me fazia várias perguntas.

— Alguma relação com a vítima? — perguntou.

— Sim, somos amigos — menti, pensando que seria mais simples assim. — Akito… Desculpa, meu amigo aqui estava bebendo até umas duas horas atrás. Ele parou de respirar uns minutos antes de vocês chegarem.

O paramédico me olhou e levou um momento para considerar a resposta.

— Ok, entendi — ele assentiu. — Gostaríamos de fazer mais algumas perguntas sobre o que aconteceu. Você se importaria de ir conosco?

— Claro, sem problema.

Entrei na ambulância depois que eles colocaram Akito nela e partimos em direção ao porto. A clínica médica da ilha não poderia tratá-lo naquele horário, então tivemos que levar a ambulância para uma embarcação de transporte de emergência e cruzar até o continente, o que levou cerca de vinte minutos. De lá, ainda foram mais vinte minutos de carro até o hospital mais próximo. Felizmente, conseguiram fazer Akito voltar a respirar durante o trajeto, usando procedimentos básicos de primeiros socorros. Ele ainda não havia recobrado a consciência, mas parecia que ele iria sobreviver.

Quando chegamos ao hospital, Akito foi rapidamente levado para a sala de emergência. Tive que contar para a equipe médica tudo o que já tinha dito para os paramédicos, mas aí minhas obrigações como amigo da vítima estavam cumpridas. Me sentei em um dos sofás na recepção e olhei para o teto. Consegui evitar a morte de Akito, o que significava que eu tinha mudado tanto o passado quanto o futuro para melhor.

— Cara, estou exausto…

Senti uma dor nas costas dos meus olhos quando fechei os olhos; provavelmente o resultado de toda a fadiga acumulada. Pena que não podia descansar ainda. Havia coisas que eu precisava fazer. Primeiramente, eu precisava entrar em contato com Akari. Ela provavelmente ainda estava dormindo, então decidi que mandar uma mensagem seria o melhor. Abri o aplicativo de mensagens no celular, desci até o nome dela, então congelei. Não conseguia me convencer a escrever nada. Não fazia ideia de como contar para ela que eu tinha mudado de ideia e ido salvar a vida de Akito, então meus dedos ficaram flutuando inutilmente sobre o teclado por um tempo. Quando finalmente consegui escrever algo, apaguei, recomecei e repeti o processo várias vezes. Passei cerca de duas horas sentado na recepção, tentando achar a melhor forma de dizer a mesma coisa, até que, no fim, mandei uma simples mensagem: "Ei, precisamos conversar. Me avisa quando estiver acordada." E mandei antes que eu pudesse pensar duas vezes. Algo me dizia que essa era uma conversa que não deveríamos ter por mensagem.

Acabei tirando um cochilo na sala de espera do hospital até umas 6 da manhã. A equipe não iria me deixar voltar para a ilha na ambulância ou no barco de emergência, então eu tive que caminhar até um caixa eletrônico de uma loja de conveniência próxima e usar meu celular para sacar algum dinheiro, depois peguei um táxi até o porto. Foi uma corrida um pouco cara para um estudante desempregado como eu, mas teria levado mais de uma hora para chegar lá a pé. Isso não seria possível, considerando a pouca energia que ainda tinha. Quando chegamos ao porto, paguei a corrida e saí do carro.

Felizmente, cheguei bem na hora em que a balsa de Sodeshima estava chegando aos cais. Fiquei na ponta do cais, esperando pacientemente enquanto todos os passageiros da ilha desembarcavam, quando percebi que a mãe da Akari estava entre eles. Ela provavelmente tinha recebido uma ligação do hospital e estava a caminho. Ela não parecia me notar, pois passou apressada até o primeiro táxi que estava parado na estrada e entrou. Eu só a vi de longe, mas ela parecia aflita. Não sabia como ela se sentiria sobre as recentes mudanças na personalidade de Akito, mas, no final das contas, ele era seu filho. Que mãe conseguiria manter a compostura ao ouvir que seu filho estava no hospital? O táxi dela virou a esquina e eu me virei em direção à bilheteira.

Logo depois de embarcar na balsa, ele partiu de volta para Sodeshima. Me sentei na área principal de passageiros e verifiquei meu celular. Era meia hora para às 6 e ainda nada de resposta da Akari. Ela provavelmente ainda estava dormindo ou estava deliberadamente não respondendo… De qualquer forma, provavelmente seria mais rápido ir direto para a casa dela assim que chegasse em Sodeshima. Eu não sabia como dar a notícia, mas tinha que admitir que quebrei minha promessa com ela, de uma forma ou de outra. Me preparei mentalmente para isso enquanto a balsa atracava no porto.

Desembarquei e segui rapidamente em direção ao prédio onde Akari morava, sentindo o ar frio da manhã. Cerca de dez minutos depois, eu estava em frente à porta do apartamento dela, olhando para a placa com o nome HOSHINA, tentando reunir coragem para apertar a campainha. Quando finalmente fiz isso, houve pelo menos um minuto de silêncio, até que finalmente ouvi passos de dentro. Lentamente, a porta se abriu e Akari apareceu pela fresta. Seu cabelo estava bagunçado, com as franjas todas agrupadas. Não havia brilho em seus olhos. Era como olhar para alguém que viveu anos como uma reclusa, apesar de tê-la visto na noite anterior. Isso só aumentou a culpa que já me corroía. Eu pude perceber que provavelmente eu era o culpado pela forma como ela estava.

— Akari, escuta... Eu...  

— Você foi lá e o resgatou, né? — ela disse, casualmente, como se fosse apenas um comentário qualquer. — Minha mãe me contou que recebeu uma ligação do hospital. Achei que tinha sido você.

— Sim, foi. Me desculpe muito.

— Tá tranquilo. Não precisa pedir desculpas. Quer dizer, não foi como se você tivesse feito algo de errado, né?

— Não, mas eu ainda quebrei minha promessa com você.

— Ah, é isso que tá te preocupando? Não precisa. Eu que não estava pensando direito — ela disse, rindo de si mesma de forma irônica. — Querer que você fosse cúmplice da morte do meu próprio irmão? O que eu sou, uma psicopata? Não consigo acreditar que falei isso. Eu devo ser mais fria do que eu pensava...

O sorriso divertido não sumiu do rosto dela, mas, do nada, lágrimas gordas começaram a escorrer pelos cantos dos seus olhos.  

—Akari...! — eu gritei, estendendo a mão em sua direção desesperadamente — mas ela bateu a porta na minha cara. Um momento depois, ouvi o som da chave girando no trinco.  

— Desculpa, eu só... preciso ficar sozinha agora — eu ouvi ela sussurrar de dentro do apartamento. Eu encostei a orelha na porta e tentei falar com ela.  

— Não, escuta, Akari! Eu sei que talvez você não acredite agora, mas no futuro, foi você quem me disse para— 

Eu parei. E se ela acreditasse em mim? Saber que ela se arrependeria de suas ações na linha do tempo onde Akito tivesse morrido não era um consolo. Além disso, aquele arrependimento era uma suposição minha. Fiquei ali, incapaz de formar sequer uma frase de consolo, enquanto Akari chorava suavemente do outro lado da porta.  

— Por favor... Só vai embora, Kanae-kun — ela implorou.  

Eu mordi com força o lábio inferior. Uma única porta nos separava, e parecia que podia ser tão impenetrável quanto um muro de concreto.  

— Tá bom, eu vou. Mas pode ter certeza que vou voltar. Vou fazer isso por você de qualquer jeito, eu juro. Nunca mais vou quebrar uma promessa com você.

Esperei. Nenhuma resposta.  

— Ok então. Falo com você depois — eu disse.  

Por enquanto, não tinha escolha a não ser ir para casa.

Tomei um banho quente assim que cheguei na casa da minha avó. O calor abrasante permeou todo o meu corpo, até os dedos congelados. Lavei o cabelo e o resto do corpo, depois fiquei embaixo da água quente por um tempo, até me sentir aquecido por dentro. Só então saí do banheiro, vesti uma roupa nova e desci para a sala. Encontrei a Eri lá, de pijama, assistindo a TV em uma almofada no chão enquanto comia uma fatia de torrada. Imagino que ela tenha acordado enquanto eu tomava banho.  

— Bom dia, Eri — eu disse enquanto entrava na sala.  

— Mm — ela resmungou desanimada, sem sequer olhar na minha direção.  

Pensando um pouco sobre onde estava cronologicamente, seria justo que a Eri ainda estivesse incomodada pela nossa briga do dia anterior. Parecia ser isso quando voltei para o dia 2 de abril na última vez. Mas agora que mudei o futuro, ela provavelmente teria uma visão diferente. Na última vez, foi ela quem se aproximou primeiro, mas agora eu decidi quebrar o gelo.  

— Ei, desculpa pelo que aconteceu ontem — eu pedi desculpas. — Eu cometi alguns erros e disse coisas que não devia. Foi bem imaturo da minha parte.

Eri deu uma grande mordida na torrada, mastigou bem e engoliu antes de me responder. Seus olhos não saíram da TV, claro.  

— Não, tudo bem — ela disse. — Eu também exagerei um pouco. 

— Ok. Então estamos bem, né?

— Eu acho.

Não foi o momento mais emocional de todos, mas pelo menos enterramos o machado de guerra. Eu me sentei em outra almofada no chão, apoiei o cotovelo na mesa de jantar baixinha e, casualmente, mudei de assunto.  

— Então, o que você diria se eu te contasse que vou sair da escola e voltar para cá, para Sodeshima? — eu perguntei.  

Eri largou a torrada no prato — com a manteiga virada para cima, felizmente — e então se virou para me encarar. Seus olhos estavam arregalados de surpresa.  

— Espera, você vai largar a escola?  

— Eu diria que estou uns oitenta por cento decidido, sim.

— Não é por causa daquelas coisas horríveis que eu disse ontem, né? — A expressão dela ficou tão séria que quase dei uma risada.  

— Não, tem nada a ver com você. Fica tranquila.

Meus motivos eram bem mais egoístas do que isso; essa era a única maneira que eu encontrava de compensar a Akari. Se o Akito voltasse a ser como antes depois de sair do hospital, o que era bem possível, eu não poderia arriscar deixá-la sozinha com ele de novo. Eu fui quem quebrou a promessa e salvou a vida dele, e embora eu não me arrependesse da escolha, ainda precisava assumir a responsabilidade por isso. Então, eu largaria a escola de Tóquio e ficaria aqui com ela, em Sodeshima. Sacrificar uma parte da minha carreira escolar era um pequeno preço a pagar para ver ela sorrir de novo.  

— Se você diz — Eri disse, obviamente ainda um pouco preocupada. — Bem, para responder sua pergunta, acho que o nosso pai vagabundo vai ficar furioso... mas aposto que a vovó vai adorar ter você de volta aqui com a gente. 

— E você?

— Eu... não sei. Mas... ter alguém por aqui para limpar a banheira, para não ser sempre eu, pode ser meio legal, acho.

— É só isso que sou para você, né? Um faxineiro glorificado? — eu zoei.  

— Ei, era seu trabalho até dois anos atrás.  

É, eu acho que era. Ela sempre reclamava se sobrava até um cabelo solto na hora de tomar banho.

— Bem, se limpar a banheira é tudo o que eu preciso fazer para ganhar o meu sustento, acho que não é um trabalho tão ruim assim.

— Você está realmente sério com isso, né?

— Estou sim.

— Aconteceu alguma coisa, ou…?

— Ah, é meio longo de explicar.

Eu não poderia contar para a Eri sobre tudo o que passei essa última semana. Em vez disso, me levantei para deixar claro que a conversa havia terminado. Me virei para subir de volta para o meu quarto, foi quando a Eri me chamou.  

— E-Espere, oni-chan!  

Me virei rápido, surpreso. Ela sempre me chamava assim quando eu morava aqui, mas não usava esse termo nem uma vez essa semana. Claro, agora que ela estava no ensino fundamental, soava meio infantil, mas era bom ouvir. Como se ela finalmente estivesse começando a se abrir comigo novamente.  

— Hum — ela gaguejou — se você precisar de alguém para conversar ou algo assim, eu tô sempre aqui. Não quero ser curiosa, mas... não é saudável ficar engolindo tudo, e..  

O rosto dela estava o mais sério possível enquanto ela me olhava do chão. Que garota doce, pensei. A oferta gentil dela me deu um pequeno alívio.  

— Obrigado pela oferta, mas acho que isso é algo que eu tenho que resolver sozinho. Desculpa — me desculpei, antes de virar e sair da sala.

Caí na cama, exausto. Quase não dormi na noite passada, mas não me sentia particularmente cansado. Talvez o banho quente tenha me despertado um pouco, ou talvez eu estivesse só preocupado demais com a Akari. Sim, provavelmente a segunda opção. Toda vez que lembrava da expressão arrasada dela pela fresta da porta do apartamento, era como se alguém estivesse cravando uma estaca no meu peito. Comecei a me questionar se tinha feito a escolha certa depois de tudo.

Lá estava eu, lutando com o mesmo dilema novamente. Teria sido melhor se eu não tivesse salvo o Akito? Soltei um suspiro profundo e pesado de arrependimento.  

— Cara, preciso colocar a minha cabeça no lugar — falei para mim mesmo, batendo as mãos nas bochechas para tentar tirar aquele pessimismo da minha cabeça. Já era tarde demais para ter dúvidas agora; o estrago já estava feito, e agora era minha responsabilidade consertar as coisas para que a Akari fosse feliz de novo. Simples assim, não precisava complicar. Daqui em diante, eu iria priorizar o que fosse melhor para ela.  

A calma manhã de primavera passou rápido, como uma chuva leve que some antes de você perceber que chegou. No instante seguinte, já era meio da tarde. Eu já tinha tentado procurar a Akari, mas ela ainda se recusava a me ver. Ouvi as palavras "vai embora" vindo do outro lado da porta, e depois disso, só silêncio. Liguei e mandei mensagens também, mas sem sucesso. Comecei a me perguntar se eu teria que tomar medidas mais drásticas, tipo acampar na frente do apartamento dela ou tentar invadir… mas nenhuma das duas parecia uma boa ideia. Era mais provável que isso só a magoasse ainda mais e prolongasse a recuperação dela desnecessariamente. Mesmo assim, me sentia desconfortável deixando ela sozinha com os próprios pensamentos agora…

— Bem, o que eu deveria fazer...? — gemi.  

Olhei para o relógio da parede. Eram 3 da tarde. O ideal seria tentar melhorar a minha relação com a Akari um pouco antes do próximo Rollback, que aconteceria em três horas. Eu achava que aquele seria o último, já que daí eu teria preenchido todo o espaço de noventa e seis horas que havia ficado em branco na minha memória. Perguntei-me então se eu voltaria para às 18h do dia 6 de abril, quando a Akari me explicou sobre o Rollback, já que aquele era o ponto mais distante da linha do tempo que eu já tinha vivenciado. Mas, pensando bem, essa linha do tempo também estava quebrada agora que eu salvei a vida do Akito… então talvez todas as apostas estivessem perdidas. Talvez não houvesse outro Rollback. Ou talvez minha consciência ficasse repetindo esses quatro dias para sempre, meu corpo nunca envelhecendo mais que dezessete anos enquanto eu enlouquecia aos poucos. Isso sim era uma ideia aterrorizante.  

Depois de dar calafrios a mim mesmo, achei que era melhor não ficar me aprofundando em questões para as quais não tinha respostas. Daqui a pouco seriam 6 horas, e então eu descobriria por mim mesmo… gostando ou não. Mesmo assim, como eu não fazia ideia do que poderia acontecer, estava ainda mais claro que eu deveria conversar com a Akari enquanto tivesse a chance. Decidi ir tentar falar com ela mais uma vez — mas teria que ser rápido.  

Assim que me levantei da cama para me apressar, senti meu celular vibrar perto do travesseiro. Alguém tinha me mandado uma mensagem. Peguei o celular e olhei para a tela. Era da Akari. As palavras que ela escreveu, no entanto, fizeram meu coração afundar até o estômago. Um momento depois, minha boca ficou seca como um deserto e comecei a suar frio. Tentei ligar para ela, as mãos tremendo, mas não consegui. A voz robótica da caixa postal dizia que ela estava fora de área ou com o telefone desligado. Me levantei e desci as escadas tão rápido que foi um milagre eu não ter tropeçado e caído, então saí pela porta da frente como uma bala disparada. Não havia tempo para explicar a situação, então peguei a bicicleta da Eri sem permissão e pedalei na direção do prédio da Akari, indo o mais rápido que minhas pernas conseguiam. Eu tinha um pressentimento muito ruim sobre isso; se eu tivesse interpretado corretamente a mensagem dela, então era vital que eu chegasse até ela o mais rápido possível.

"Adeus, Kanae-kun. Eu te amo."

Como pude ser tão estúpido e inútil? Passei várias horas jogado na cama, falando um monte de bobagens sobre como eu ia consertar tudo com ela, enquanto ela já estava afundando na pior depressão de toda a sua vida. Sozinha, e eu nem sequer estava por perto. Quem diabos eu pensei que era?

— Meu Deus, sou um idiota...

Pedalei com tanta força que os pedais quase saíram voando, e a corrente fazia um barulho metálico, como se fosse se romper a qualquer momento. Continuei, mesmo assim, girando os raios da bicicleta o mais rápido que pude até o complexo de apartamentos da Akari, onde freiei bruscamente e larguei a bicicleta no estacionamento. Corri escada acima e toquei a campainha dela. Nada. Tentei girar a maçaneta e percebi que a porta estava destrancada.

— Akari, está aí?! Eu vou entrar!

Entrei no corredor e abri a primeira porta à esquerda. Akari não estava lá. O quarto dela parecia muito mais arrumado do que me lembrava da noite anterior. Todos os livros que estavam espalhados sobre sua mesa agora estavam organizados na estante.

— Espera, o que é isso...?

Uma única folha dobrada de papel de caderno estava em cima da mesa. Peguei e a abri. Era uma carta manuscrita na qual Akari agradecia à mãe por tudo o que ela tinha feito por ela. Não havia assinatura no final, apenas as palavras "Espero que um dia você possa me perdoar". Meu pressentimento estava quase confirmado neste momento.

— Merda, não...!

Deixei a carta de volta no lugar e gritei o nome de Akari enquanto procurava pelo restante do apartamento. Verifiquei a sala, a cozinha, o banheiro e até a varanda dos fundos, mas ela não estava em nenhum lugar. Claramente, ela havia saído de casa, mas para onde teria ido? Engoli em seco, finalmente não tendo outra escolha senão enfrentar a palavra que vinha tentando evitar o tempo todo: suicídio. Se Akari fosse tentar suicídio de verdade, onde ela faria isso? Acho que dependeria do método escolhido. Afogamento seria provavelmente a opção mais fácil, já que o mar estava bem ali perto, mas ela também poderia planejar pular de um prédio alto, se jogar na frente de um trem ou se enforcar... embora nenhuma dessas opções ajudasse muito a diminuir suas possíveis localizações. Merda, eu não tenho nada. Ela pode nem estar mais na ilha, por que eu não sei.

Pensei se deveria chamar as autoridades. O que eu diria? Que eu suspeitava que uma amiga estava prestes a cometer suicídio, mas não sabia onde ou como? Eles poderiam fazer algo com essa informação? Eu não sabia, mas valia a pena tentar. Tirei o celular do bolso e comecei a pressionar os botões, enquanto tentava lembrar de algum indício dos últimos dias que passei com Akari. Tentei desfazer cada nó que restava na minha mente.

De repente, vi algo brilhando no fundo do meu abismo mental, como uma pepita de ouro enterrada na lama. Meu instinto me dizia que essa pista não podia ser ignorada, então coloquei o celular de lado e tentei me concentrar nela. Fechei os olhos e concentrei minha energia mental em trazer à tona o que quer que estivesse nas profundezas do meu cérebro. O tempo parecia se arrastar... e então ouvi um eco da voz da Akari.

"Você sabe, esse é o meu lugar favorito em toda Sodeshima."

Meus olhos se abriram de repente. Pode ser lá que ela esteja? Atendia aos critérios; teoricamente, ela poderia tentar se matar lá. Não tinha tempo para pensar duas vezes. Sai correndo do apartamento, peguei a bicicleta da Eri do chão e pedalei em direção ao colégio Sodeshima. Pedalei o mais rápido que pude, ofegante e subindo as ruas íngremes. Senti o suor escorrendo do meu queixo nas manoplas da bicicleta. Quando cheguei na última subida até o campus, troquei para a marcha mais baixa e tentei subir, mas então ouvi um estalo alto, e os pedais começaram a girar sem resistência enquanto a bicicleta perdia toda a tração. Sem conseguir manter o equilíbrio, caí com tudo no asfalto.

— Ahhh...

Fiz uma careta de dor ao olhar para a bicicleta caída. A corrente tinha se rompido.

— Dane-se. Eu vou correr o resto do caminho.

Comecei a subir a colina a pé, deixando a bicicleta onde ela havia caído. Minha garganta estava tão dolorida que eu temia que fosse se abrir, e meu coração batia tão forte que eu podia ouvir o som dele nos meus ouvidos. Mas eu não tinha tempo nem direito de desacelerar. Eu suportaria qualquer dano físico, permanente ou não, se isso significasse a diferença entre Akari cometer suicídio ou não.

Finalmente, cheguei à colégio Sodeshima. Os portões estavam abertos, mas não vi ninguém no campo de esportes. Quanto a saber se havia alguém no telhado... era impossível dizer de onde eu estava. Corri até a pista de atletismo e entrei pela entrada principal. Eu sabia que, se algum membro do colégio me visse, seria expulso, mas não havia tempo para tentar me misturar e passar despercebido.

Corri pelas escadas, rezando internamente para que meu pressentimento estivesse certo. E, de fato, quando cheguei ao último andar, encontrei o cadeado da porta jogado no chão, junto com dois grampos de cabelo achatados. Meu pressentimento agora era certeza. Ela estava ali.

Eu abri a porta com força e saí para o terraço. Um vento forte tentou me derrubar, e eu precisei apertar os olhos por causa do brilho do sol poente. Então eu vi. Uma figura estava além da cerca protetora que percorria o perímetro do telhado, inclinando-se para fora da borda. A pessoa usava o uniforme da escola Sodeshima, com a saia balançando ao vento.  

Era ela.  

Cheguei no último minuto, mas ainda estava muito cedo para respirar aliviado. As mãos dela ainda estavam agarradas no corrimão de metal atrás dela, mas parecia que ela poderia soltá-las e pular a qualquer momento. Eu não queria assustá-la ou provocá-la de forma alguma, então chamei seu nome com uma voz calma e controlada.

— Akari.

Ela se virou rapidamente. Parecia genuinamente surpresa ao me ver.  

— K-Kanae-kun? Mas... como você sabia que eu estaria aqui...? — Eu respirei fundo antes de responder.  

— Vamos dizer que seu eu do futuro me deu uma dica.  

— Você está brincando...

— Nada disso. É o seu lugar favorito na ilha, não é? Você até fez questão de me trazer aqui uma noite para me mostrar.

— Quando foi isso?

— Deixa eu ver... Foi na noite do dia 4, então... dois dias a partir de agora, eu acho?

Akari franziu a testa e lançou um olhar triste para o lado.  

— Gostaria de ter vivido esse futuro —ela disse.  

Eu senti um arrepio. A dor na voz dela me atingiu como uma faca no peito. Engoli em seco e então fiz a pergunta para a qual eu tinha vindo até aqui.  

— Akari. Você não está planejando se matar, está?  

— Estou.

— A culpa é minha?

Ela deu um leve sorriso. Não confirmou nem negou minha suposição.  

— Estou... cansada, Kanae-kun. Cansada de tudo — ela disse, sua voz calma e lenta. — Quero dizer, eu trabalhei tanto para tentar entrar na mesma faculdade que você. Cada dia, eu me esforço mais do que no anterior. Fico acordada até tarde todas as noites, estudando até literalmente não conseguir mais manter os olhos abertos. Nado tantas voltas até ficar tão exausta que vomito. Continuo trabalhando no mesmo emprego, mesmo que meus supervisores me façam chorar praticamente todos os dias... É como se eu estivesse vivendo no inferno, Kanae-kun. E, além de tudo, meu irmão tem me assediado e me tratado como uma escrava. A única vez que tentei me defender, ele me empurrou e quebrou um osso da minha lombar, para que eu não pudesse nadar. E quando ele roubou todo o dinheiro que eu estava economizando há tanto tempo, eu pensei que minha vida tinha acabado para sempre. Não havia como eu me recuperar disso. Mas mesmo assim, eu não queria morrer, porque você voltou para mim. Porque, quando eu te chamei no meu momento de necessidade, você correu para me salvar. E... porque, mesmo quando fiz o pedido mais egoísta possível, você ainda me ouviu. Mas, no final, você quebrou essa promessa e escolheu meu irmão ao invés de mim.

A dor na voz da Akari era palpável, mas eu não tinha uma resposta para ela. Tudo o que eu podia fazer era ficar ali, cerrando os punhos, até que ela terminasse de falar. Então, finalmente, ofereci algumas palavras em resposta.  

— Você não está errada — eu disse, escolhendo as palavras com muito cuidado. — Eu quebrei minha promessa com você, e eu salvei o Akito contra a sua vontade. Mas... isso não significa que eu escolhi ele em vez de você, ou que fiz isso especificamente para te magoar ou algo assim. Eu não te odeio, Akari. Na verdade, se tem algo... eu—

— Sabe o que mais me machucou, porém? — ela me interrompeu — embora com certeza não tenha parecido uma interrupção do ponto de vista dela. Eu estava certo de que ela nem sequer estava me ouvindo mais. — Não foi ter o meu dinheiro roubado, ou você ter quebrado a sua promessa, ou algo assim. 

— Então, o que foi...? — eu perguntei.  

Akari baixou a cabeça, como se estivesse tentando segurar algo.  

— Foi a realização... de quão horrível eu realmente sou, lá no fundo. Quero dizer, eu escolhi deliberadamente ficar parada e não fazer nada enquanto meu irmão estava morrendo, para depois virar de volta, ir para casa e me enroscar na cama com o garoto de quem eu gosto. Se isso não me faz uma psicopata, eu não sei o que faz.

— Akari, você não é uma psicopata…!

— Sou sim — ela respondeu, sua voz trêmula. — Você fez a escolha certa, Kanae-kun. Não posso te culpar por isso. Sou eu quem está louca. Por isso... eu deveria simplesmente me matar e poupar todo mundo da miséria de ter que viver comigo.

Ela olhou para mim novamente. Seus olhos agora refletiam um brilho inconfundível de desespero.  

— Akari…! — eu gritei, dando um passo à frente para correr até ela.  

— Não chegue mais perto! — ela gritou, e eu congelei no lugar. — Me diga uma última coisa, Kanae-kun: Por que você fez isso? Por que mudou de ideia e me traiu?

Eu parei. Minha boca secou, e o suor frio escorreu pela minha testa. Eu sabia que, se errasse uma única palavra, Akari correria o risco real de tirar sua própria vida. Umedeceu minha língua seca com um pouco de saliva fresca e então falei.  

— Porque o seu eu do futuro me pediu. Ela me disse explicitamente para salvar o Akito. Ela até me contou onde e quando ele morreria. Eu não consigo te imaginar fazendo isso, a menos que você tenha se arrependido de sua decisão de verdade… E, acredite, você não é a única, Akari. Eu também fiquei decidido a deixá-lo morrer por um tempo, até me lembrar do que você me disse no futuro. Eu pensei mais profundamente sobre as consequências de longo prazo disso tudo. Só depois disso eu repensei e decidi que precisava salvar a vida do Akito, afinal.

Akari não disse uma palavra. Ela ficou em silêncio, me ouvindo enquanto eu continuava.  

— Um minuto atrás, você se chamou de pessoa horrível… uma psicopata. Eu discordo. Você tem um bom coração, Akari, um coração melhor do que qualquer pessoa que eu conheça. Por isso, eu sabia que você acabaria se arrependendo disso mais cedo ou mais tarde. O fato de você deixar seu irmão morrer consumiria você pelo resto da sua vida… Mesmo depois que você se casasse, tivesse filhos e vivesse feliz para sempre com qualquer cara sortudo que tivesse o prazer de estar com você, isso sempre estaria lá — assombrando um canto escuro da sua mente. Eu não queria isso para você. Você pode recuperar o dinheiro perdido e a confiança das pessoas, mas nunca poderá devolver uma vida. Eu não queria que isso fosse uma sombra no seu futuro.

— Que futuro? — Akari zombou, seu rosto se contorcendo de angústia. — Para de tentar me convencer como se fosse meu pai... Tudo o que você está fazendo é juntar um monte de palavras vazias e suposições para tentar me convencer a não pular. Você só está tentando me impedir de morrer para não se sentir culpado.

— Não é suposição — retruquei. — Akari, eu estive lá. Você literalmente se arrependeu disso em menos de uma semana. 

— Ah é? Cadê a sua prova? Me mostre uma evidência para apoiar essa sua teoria de que eu não sou podre até o fundo.

Minhas palavras ficaram presas na garganta. Obviamente, eu não tinha como provar algo que aconteceu em uma linha do tempo agora rompida. Percebendo isso, a expressão da Akari se fechou, como se ela tivesse perdido a última esperança de que eu pudesse provar que ela estava errada.  

— Viu? Nada além de palavras vazias. Aposto que você nem acredita totalmente no que está saindo da sua boca. Tipo, você pode honestamente dizer com cem por cento de certeza que fez a coisa certa?  

Ela me conhecia completamente. Eu não sabia mais no que acreditar; fiquei indeciso desde a noite passada. Será que foi realmente certo salvar o Akito? Eu estava mesmo agindo no melhor interesse da Akari, ou só estava jogando sal nas feridas dela sem motivo? Será que o eu do futuro dela realmente se arrependeu do que aconteceu, ou eu só salvei a vida do Akito porque isso faria eu me sentir melhor? Quanto mais eu refletia, mais eu me consumia com minhas próprias dúvidas e arrependimentos. Eu não conseguia mais ver nada claramente. Eu sabia, porém, bem lá no fundo, o que eu precisava fazer. Eu precisava acreditar no caminho que escolhi, sem deixar que minhas dúvidas me fizessem desistir. Não havia mais volta.  

— Você está certa — admiti. — Tem muitas coisas das quais não tenho certeza... mas uma coisa eu posso afirmar com certeza: você não deveria morrer aqui. Akari, se você der um passo para trás dessa borda agora, eu farei qualquer coisa que você pedir. Eu vou sair do ensino médio e voltar para Sodeshima. Vou encontrar uma forma de recuperar o dinheiro que o Akito roubou de você. Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que você nunca precise passar por algo assim de novo. Por favor, não acabe com tudo aqui. Eu preciso de você, Akari.

— Ah, já chega. Você só está tentando me dissuadir, e sabe disso.

As palavras dela foram duras e frias, e eu não sabia como contestá-las. O desespero da Akari estava tão profundo que ela já havia praticamente tomado sua decisão, e nada que eu dissesse iria convencê-la a mudar de ideia. Ela estava determinada a pular. O impacto de uma queda dessa altura a mataria. Eu só podia ficar ali, olhando, impotente, enquanto minha melhor amiga tirava a própria vida. Essa era minha punição por quebrar minha promessa a ela.  

...Não, que se dane isso. Eu não ia desistir ainda. Eu vim até aqui preparado para arriscar tudo para salvar a Akari. Agora eu precisava provar que não estava falando besteira. Lentamente, com calma, me aproximei da Akari. Era hora de fazer minha última tentativa.  

— Pare! — ela gritou. — Se você chegar mais perto, eu… 

— Vai em frente. Estarei logo atrás de você.

— Hã?!

Eu pulei sobre a grade para ficar ao lado da Akari na beirada, me posicionando imediatamente à sua direita. Akari me olhou com um olhar desconfiado, que deixava claro que ela estava pronta para pular assim que eu fizesse qualquer movimento suspeito. Eu tomei o cuidado de não fazer movimentos bruscos que pudessem alarmá-la, deixando claro que não tinha intenção de recuar. Meus pés já estavam praticamente sobre a borda. Um passo à frente me faria despencar até a morte. Olhar para baixo foi o suficiente para me dar vertigem; uma onda de adrenalina e medo percorreu todo o meu corpo. Minhas mãos já estavam suadas contra a fria grade de metal.  

— Você sabe, quando chega no fim das contas — comecei, olhando para o céu profundo e magenta — isso tudo é realmente minha culpa. Quer dizer, tudo isso poderia ter sido evitado se eu não tivesse te contado sobre a morte do Akito ou sobre o Rollback. Aí você não teria ficado cúmplice, não importando a escolha que eu fizesse. Você poderia ter permanecido ignorante e feliz.

— O que você está tentando dizer?

— Nada. Só que eu preciso ser responsabilizado por toda a dor e sofrimento que você está passando agora, e que só posso me redimir tentando fazer as coisas darem certo de novo. Se você morrer agora, eu vou ter que viver com essa culpa para sempre.

— Então você prefere se matar também?

— Isso mesmo.

Uma rajada de vento passou, fazendo meus cabelos voarem. O cheiro de sal marinho invadiu minhas narinas. Meu equilíbrio vacilou um pouco; eu segurei a grade ainda mais forte.  

— Você é um verdadeiro idiota, sabia? — ela zombou. Talvez fosse a primeira vez que ela me insultava e realmente queria dizer isso.  

— Pode acreditar, eu sei. Essa última semana deixou bem claro o quão inútil eu realmente sou.

— Tá tentando me assustar ou algo assim? Só para saber, eu realmente vou pular. Agora. Se você também for, isso não vai mudar nada.

— Beleza. O que eu estou dizendo é que, se eu não conseguir te convencer de outra forma, eu prefiro ir junto e acabar com tudo também.

— Só para checar, Kanae-kun: Você realmente acha que ameaçar se matar vai convencer alguém a desistir de fazer o mesmo?

— Provavelmente não. Como você disse, sou um idiota. Acho que foi o melhor que consegui pensar.

Akari estava me encarando com um olhar fulminante agora.  

— Você acha que eu vou acreditar que você vai pular de verdade?

— Ah, eu vou sim. Não tenha dúvida.

— Para de blefar. Eu vejo suas pernas tremendo.

Ela me pegou. Eu estava literalmente tremendo de medo. Eu esperava que ela não notasse.  

— N-Não, é... É porque minhas pernas estão cansadas de andar de bicicleta até aqui, subindo aquela ladeira.

— Ah, é por isso? Então por que sua voz está tremendo também?

— Quer dizer, está frio aqui fora. Você sentiu aquela brisa que passou?

— Então explica a transpiração.

— As pessoas suam quando estão com calor, Akari. Isso se chama homeostase.

— Você disse que estava com frio?

— Tá bom, tá bom! — eu gritei, já sem fôlego. — Você me pegou! Eu estou morrendo de medo! Feliz agora?!

Não dava para negar. O pensamento de realmente dar aquele passo e cair até a morte me aterrorizava. Claro, pode ser uma morte instantânea e sem dor, mas o pensamento de ver meu sangue e tripas espalhados pelo asfalto me dava náuseas, e imaginar como o mundo seguiria sem mim me fazia querer chorar. O medo da minha própria morte me consumia. Não era isso o mais natural?  

— Acontece que tem algo que eu tenho ainda mais medo — continuei, ajustando minha pegada na grade. — E isso é o pensamento de perder você, Akari. Isso sim me assusta, muito mais do que minha própria morte poderia. Eu sei muito bem que não conseguiria continuar vivendo num mundo sem você. Eu não sou forte o suficiente para isso.

Fiz uma pausa breve após essa leve reprimenda a mim mesmo.

— Você sabe, eu nunca te contei isso, Akari, mas o verdadeiro motivo de eu estar de volta aqui em Sodeshima agora é porque eu fugi de casa. Meu pai me pegou faltando às aulas de reforço das férias de primavera e me deu a maior bronca da minha vida. Disse que desejava nunca ter me trazido de volta para Tóquio. Então eu fui embora. E sim, eu sei que isso provavelmente parece uma bobagem perto de toda a dor e sofrimento que você está passando, mas acho que só mostra o quão fraco e covarde eu sou. Quero dizer, se eu fui capaz de fugir de casa por algo tão trivial assim, o que te faz pensar que eu não iria querer fugir da vida depois de te perder? Mesmo que você tirasse a minha culpa da equação, eu não acho que conseguiria lidar com isso.

— Qual é o seu ponto?

— Sem ponto. Só estou explicando o quão sério eu sou sobre isso. Se você morrer aqui, então eu morro também. Simples assim.

Eu não estava blefando. Era exatamente assim que eu estava pensando naquele momento. Se eu pudesse ter total confiança em alguma coisa, seria na minha habilidade de fugir quando a situação apertasse. Eu precisava ser honesto com Akari, independentemente de como ela estava se afundando em sua própria dor e sofrimento. Era a única maneira de mostrar a ela que isso não era um ato.

— Se você quer tanto que eu viva, por que não me arrasta à força?

— Bem, você acha que isso ia mudar alguma coisa na sua cabeça?

— Não. Eu iria pular assim que você tirasse os olhos de mim.

— Foi o que eu pensei.

Ela realmente já havia tomado sua decisão. Quais opções eu tinha agora? Como poderia fazer Akari querer continuar vivendo? Eu tentei com todas as forças fazer a minha mente funcionar, mas nada veio. Estávamos em um beco sem saída. Pior ainda, quanto mais eu pensava nisso, morrer começou a parecer a resposta certa para o nosso dilema. Convencer ela a viver não resolveria magicamente todas as suas dificuldades. Muitos obstáculos ainda estariam à sua frente. De fato, de uma perspectiva geral, havia muito mais para se lamentar no mundo do que para se alegrar, e nossa sociedade distorcida costumava recompensar o mal mais facilmente do que o bem. Como aprendemos no ensino médio, tentar lutar por seus princípios só colocava um alvo nas suas costas. A vida... não era justa. Akari sabia disso muito melhor do que eu. A vontade de viver desapareceu de mim de uma só vez. Eu me virei para encará-la.

— Então, é isso mesmo, né?

— Sim. Pelo menos eu estou — ela respondeu rapidamente, com os olhos firmes e confiantes.

— Certo então.

Eu peguei a mão direita de Akari.

— Ei, o que...?

— Eu não vou te impedir. Se a gente vai, eu quero que a gente vá junto.

Sua palma estava fria e suada.

— Eu estou falando sério sobre isso, viu? — ela reiterou.

— Sim, eu sei.

— Você... realmente não tem arrependimentos?

— Quer saber, seria mentira se eu dissesse que não tenho — Eu admiti depois de pensar um pouco. — Mas tudo o que eu sempre quis foi envelhecer e morrer com você, então uma de duas já está boa o suficiente pra mim.

— Entendi — ela disse, então entrelaçou seus dedos frios e delicados com os meus. — Acho que estamos na mesma página então... Porque eu também não tenho medo de morrer, desde que seja com você.

Eu não disse uma palavra. Assenti para Akari, e ela assentiu de volta para mim, como se ambos já tivéssemos feito as pazes e estávamos prontos para dizer adeus ao mundo.

— Certo — ela disse. — Aqui vamos nós.

— Pronto quando você estiver.

Eu exalei todo o ar dos meus pulmões lentamente. O vento forte que passava sentia-se agradavelmente revigorante, como se estivesse limpando todo o meu corpo. Respirei profundamente pelo nariz, e pude sentir o cheiro do mar, junto com o leve aroma de flores de ameixa. No fundo, eu estava tão assustado de morrer quanto sempre estive. Em algum lugar lá no fundo, senti uma calma contrastante; eu atribuí isso ao fato de estar segurando a mão da Akari. Com ela ao meu lado, eu poderia encarar meus medos sem medo. Eu queria ter a chance de usar essa coragem recém-descoberta para algo que não fosse terminar com tudo... mas tudo bem. Logo tudo acabaria. Saber que eu não teria mais que me preocupar com o futuro era, de certa forma, reconfortante. Sentindo-me tão perto de encontrar a paz quanto podia, fechei os olhos e esperei.

Eu esperei por um bom tempo. Nada aconteceu. A mãozinha da Akari ainda estava firmemente entrelaçada com a minha. Eu abri os olhos e virei para o lado, só para encontrar ela com a cabeça baixa, seus ombros tremendo.

— Akari...?

Um som finalmente ficou claro. Chorando. Akari estava chorando e eu nem percebi.

— Não é justo — ela soluçou através das lágrimas. — Por que você teve que fazer isso comigo, Kanae-kun...? Como é que eu vou morrer quando você fala essas coisas...? Eu não consigo... eu não consigo...

Eu quase caí de joelhos naquele momento. As palavras eu não consigo me atingiram como uma onda de alívio. Toda a tensão que estava acumulada dentro de mim começou a desaparecer, e minhas pernas ficaram bambas. Graças a Deus. Akari escolheu viver. Eu fiquei tão feliz que quase comecei a chorar também.

— Vamos voltar para dentro da grade — eu sugeri.

Akari obedeceu, jogando a perna sobre a grade enquanto chorava. Quando ambos os pés dela estavam de volta no chão firme, eu virei e também subi na grade. Justo nesse momento, uma rajada de vento forte me derrubou. Merda. Eu tentei desesperadamente me agarrar a tudo o que estava ao meu alcance, mas minhas mãos estavam escorregadias de tanto suor. Meu corpo balançou para trás, e meu estômago afundou.

Eu vou cair.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta. O corrimão se afastava diante de mim, enquanto os céus acima se expandiam diante dos meus olhos com um tremendo sopro. Meu corpo se curvava ainda mais para trás, selando a realização de que eu estava prestes a morrer, enquanto isso acontecia. Estranhamente, não senti nem um pingo de medo. Talvez fosse porque eu já tinha me preparado mentalmente para morrer há pouco, ou talvez porque me sentisse satisfeito por ter alcançado meu objetivo de salvar a vida da Akari. De qualquer forma, tudo o que senti naquele momento foi que, se o universo decidisse me matar ali, que assim fosse. Eu fiz o que vim fazer, então o destino poderia levar minha vida estúpida.

No entanto, enquanto eu aceitava meu destino…

— Kanae-kun!

Akari estendeu a mão e me agarrou. A sensação de leveza desapareceu completamente quando ela segurou meu braço direito com ambas as mãos. Ela me segurava com muito mais firmeza, muito mais de forma imperativa, do que quando me impediu de seguir para o bar ontem à noite. Ela me puxou de volta para a segurança do outro lado da cerca, e, quando isso aconteceu, caímos no chão — eu em cima dela, numa posição acidentalmente agressiva. Seu rosto estava a poucos centímetros do meu, e vi meu reflexo nos seus olhos arregalados.

Agora, ali, o medo tardio da morte me atingiu como um caminhão. Se Akari não tivesse segurado minha mão quando o fez, eu teria partido para sempre. Estremeço só de pensar nisso, e minhas pernas ficaram tão fracas que não consegui me levantar do chão.

— P-Porra, Akari. Você acabou de salvar minha—

Antes que eu tivesse qualquer chance de agradecê-la, ela me envolveu com os braços por baixo e me puxou para perto. Eu estava agora, literalmente, em cima dela. Sentia o batimento do coração dela pulsando contra o meu peito.

— Oh, graças a Deus... Eu estava com tanto medo de você cair… — ela soluçou entre lágrimas, com a respiração quente contra minha orelha.

Graças a Deus estava certo. Ambos ainda estávamos ali, respirando, depois de um quase-suicídio e um quase-acidente fatal. Para mim, isso era nada menos que um milagre. Como eu não poderia ficar radiante com isso?

— Ei, Kanae-kun...? — ela sussurrou em meu ouvido. — Lembra o que você me disse mais cedo? Sobre como você nunca mais vai quebrar uma promessa para mim... Você realmente quis dizer isso?

— Cem por cento. Nunca mais vou trair sua confiança. Eu juro.

— Então... Veja, tem uma coisinha que eu quero que você me prometa.

Akari se afastou de mim. Ambos nos sentamos, olhando diretamente um para o outro. Eu desci o olhar dos seus olhos ensopados de lágrimas para seus lábios trêmulos.

Ela formou palavras com os lábios, criando seis pequenas palavras.

— Faça de mim uma mulher feliz, tá?

— Oh, pode deixar — eu disse, e a envolvi apertado em meus braços. Akari me abraçou de volta, e ficamos ali, nos abraçando, enquanto a melodia suave de Greensleeves ecoava pela ilha. Já eram seis horas. Me preparei para o pior — mas mesmo depois que o som se foi, o Rollback não ocorreu. O tempo voltou à sua ordem correta, e pela primeira vez em muito tempo, eu estava vivendo no presente novamente. O futuro que aguardava Akari e eu era um total enigma, mas um que enfrentaríamos juntos, de mãos dadas.

Agora era 3 de abril, o dia seguinte à tentativa de suicídio da Akari na colégio Sodeshima. Naquela tarde ensolarada, eu segui para o Porto de Sodeshima. Os raios de sol no meu rosto anunciavam o início da primavera, prometendo que o espectro do inverno logo desapareceria dos últimos cantos sombrios que ainda lhe davam abrigo.

Na verdade, este era o segundo dia 3 de abril do meu décimo sétimo ano de vida. Desta vez, eu pretendia ir mais devagar do que da última vez. Nada aconteceu às 18h ontem, o que me fez acreditar que o Rollback havia acabado. Embora eu nunca tenha entendido completamente seus mecanismos ou o que o disparava, o horário das 18h era uma regra rígida ao longo do fenômeno. Eu me sentia seguro em supor que o fenômeno realmente tinha terminado.

Isso não significava que eu estava totalmente livre de suas garras. Eu sabia disso. Mesmo assim, achei que não era saudável viver com medo constante de falhas temporais sobrenaturais; eu cruzaria a próxima ponte se e quando chegasse a ela. Não era como se eu pudesse fazer muito para impedi-la, então por que me estressar enquanto isso?

Logo cheguei ao porto e fui até a bilheteira.

Lá dentro, encontrei Akari sentada em um dos bancos, usando um suéter de tricô.

— Uau, você chegou cedo — eu disse ao me aproximar. Ela olhou para cima, me encarando.

— É, desculpa. Eu fiquei inquieta a manhã inteira — ela disse, mexendo os dedos perto do umbigo. Um fragmento de escuridão ainda persistia em sua expressão, mas não senti aquela instabilidade de quando estávamos no telhado ontem.

— Bom, não se force — eu disse. — Se ficar demais para você, podemos sempre desistir e voltar para casa.

— Eu acho que vou ficar bem. Principalmente porque você está vindo comigo... E eu vou ter que enfrentá-lo mais cedo ou mais tarde.

A voz da Akari estava tensa, misturando medo e receio, ou talvez uma combinação dos dois. Estávamos indo visitar Akito no hospital em que ele estava internado no continente. Foi ideia da Akari. Ela me ligou esta manhã e disse que não poderia evitar isso para sempre se quisesse continuar vivendo. Achei que essa fosse uma maneira madura de ver as coisas e aceitei ir como seu acompanhante. Admito que tinha minhas reservas sobre esse encontro entre uma vítima e seu abusador, mas eles eram irmãos. Não era como se realmente pudessem viver o resto de suas vidas sem se falar, pelo menos até Akari se formar no ensino médio. Suponho que algum tipo de reconciliação fosse necessária.

— Não se preocupe — eu a tranquilizei. — Se ele tentar alguma coisa, eu dou um jeito.

— É, tá bom... Obrigada — ela disse. Um pouco da tensão deixou seus ombros.  

Eu olhei para o grande relógio na sala de espera. A balsa estava prestes a chegar a qualquer minuto, então fui para a fila no guichê de passagens. Depois de pagar a tarifa, voltei até onde Akari estava sentada. Nosso barco chegou pouco tempo depois, então subimos a bordo e começamos nossa pequena viagem para o continente.

Deixamos a balsa e pegamos um ônibus que nos levou até o hospital. Depois de fazer o check-in na recepção, nos deram o número do quarto de Akito. Subimos as escadas, seguimos pelo corredor, viramos a esquina e, eventualmente, chegamos ao quarto dele. Enquanto estávamos em frente à porta, olhei de soslaio para Akari. Ela estava pálida e mordendo o lábio com uma expressão de preocupação. Suas mãos tremiam ligeiramente. Quando percebeu o meu olhar, no entanto, ela se virou para mim com um sorriso forçado.  

— Ah, ah, ah... Desculpa, acho que estou mais nervosa do que pensei.

— Você ainda quer fazer isso?

— Bem, já estamos aqui. Não posso voltar atrás. 

— Tudo bem então.

Segurei a mão dela com firmeza. Akari se assustou momentaneamente, mas logo apertou minha mão de volta. Ela respirou fundo, bateu levemente na porta e a abriu sem esperar resposta; era um quarto compartilhado, com outros pacientes, então ela não deve ter achado necessário esperar. A cama de Akito estava do lado direito, perto da janela. Continuando de mãos dadas, entramos e atravessamos o quarto até a cortina de privacidade que separava sua cama dos outros pacientes.  

— Oi, é a sua irmã — disse Akari. — Estamos entrando.

Nenhuma resposta veio, mas claramente havia alguém lá dentro. Akari puxou a cortina e entrou, e eu a segui. Com certeza, Akito estava ali na cama, bem acordado. Ele estava com uma sonda intravenosa no braço.  

— Eu não falei que podiam entrar — Akito zombou, encarando Akari. Ele percebeu que eu entrei logo após ela, e seus olhos se arregalaram um pouco, surpresos.  

— Ei, você é... Funami, né? — ele perguntou.  

— Sou eu — respondi.  

— Ouvi da minha velha que foi você quem me encontrou e chamou a ambulância. Valeu mesmo, cara. 

— Não tem problema... Não se preocupe comigo. É dela que você deveria se preocupar.

Fiz um sinal para Akari com os olhos. Ela respirou fundo.  

— Akito, precisamos conversar — ela disse.  

— É? Sobre o que? — ele respondeu. Sua voz imediatamente se tornou hostil.  

— Sobre o que você fez dois dias atrás... Não, sobre o que você tem feito nos últimos anos. Todo o assédio, as festas até tarde da noite, o trabalho braçal que me obrigou a fazer, o dinheiro que roubou... Tudo isso precisa parar. Não quero mais te ver fazendo nenhuma dessas coisas — ela declarou. Akito parecia visivelmente desconfortável, mas Akari persistiu. — Eu já contei tudo para o Kanae-kun também.

— Hmph. O que, vocês agora estão namorando? Isso explica por que estão de mãos dadas. O hospital não é o lugar para ficar exibindo o status de relacionamento de vocês — ele resmungou com desdém.  

Esse foi o ponto de ruptura. A imagem de Akito que eu lutei para manter na minha mente, o conceito dele como um cara decente, um jogador dedicado, desmoronou de vez. Eu sabia muito bem que não era possível ele ter esquecido todas as coisas horríveis que fez com Akari — e, ainda assim, aqui estava ele, não apenas ignorando tudo, mas fazendo piadinhas às custas dela. Meu sangue começou a ferver. Soltei a mão da Akari, caminhei até a cama de Akito e olhei para ele de cima.  

— Mano, você virou um verdadeiro idiota — eu disse. — O que aconteceu com você?  

— Como é? — Akito disse, seu rosto ficando vermelho de raiva.  

— Você ouviu o que eu disse. Você é um idiota. Toda essa merda que você fez para machucar sua irmãzinha e nem um pedido de desculpas? Você realmente se acha no direito de agir como um completo idiota porque perdeu sua chance de ser um atleta de sucesso?

— Tá tentando dizer alguma coisa, meu chapa?

— Sim, tô, na real. Presta atenção: tenta mexer com a Akari de novo e a coisa não vai acabar bem pra você, meu chapa. Vou correr até você com uma pedra gigante e atirar na sua cabeça — igualzinho como você me ensinou a lidar com os valentões.

— Não, quem tem que ouvir é você, babaca... Acho que você não faz ideia de quem está lidando.

Os olhos de Akito brilharam de raiva. Ele se levantou e tentou agarrar meu colar... mas, por conta da intoxicação alcoólica ou o fato de que ele não era mais um atleta há anos, o aperto dele estava fraco. Eu o empurrei sem problemas, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse da cama do hospital.  

— Grgh — ele grunhiu ao cair no chão.  

O tubo da sonda intravenosa caiu, e um fio de sangue começou a escorrer pelo braço dele. Eu não tinha intenção de bater em um paciente de hospital enquanto ele estava caído, então estendi a mão para ajudá-lo a se levantar. Ele a afastou.  

— Não me toca — ele rosnou, ainda de mãos e joelhos, com as unhas arranhando o chão. — Você e todo mundo estão sempre procurando uma desculpa pra me humilhar... Desde que tive que largar o beisebol, parece que sou uma grande decepção. É uma merda... Não é justo, caramba...

Ele levantou a cabeça e olhou para mim com angústia. A expressão dele estava cheia de ódio, mas eu encontrei algo estranhamente digno de pena nela.  

— Você tem ideia de como é? — Ele exigiu. — Ter a única coisa pela qual você dedicou sua vida arrancada debaixo dos seus pés? Tem ideia?!

— Não, não tenho. Mas tem mais na vida do que beisebol, cara. Nem todo mundo que você conhece vai te julgar pelo quão bom você era como arremessador.

Estendi a mão de novo, mas ele ignorou e se sentou direito sem ajuda. Não muito depois, ouvi uma voz feminina na porta anunciando sua chegada. Era uma voz que eu achava reconhecer. Minha suspeita se confirmou assim que ela abriu a cortina de privacidade.  

— Oi, desculpa ter demorado, eu tive que — Espera, hã?

Com certeza, era a Hayase, segurando duas latas de café precariamente na mão direita. Ela devia ter chegado antes de nós para visitá-lo.  

— Uau, Akito! Tá tudo bem? Você caiu da cama?

Ela colocou as latas de café na cama e se agachou para ajudar Akito a se levantar, colocando o braço dele sobre seus ombros.  

— Para com isso — ele rosnou.  

— Ah, não fique assim. Você ainda está se recuperando, tudo bem — ela disse, ajudando-o a voltar para a cama antes de se virar para olhar para nós. — Oi, Akari-chan! Que bom te ver! E quem é esse seu amigo...?

Ai, eu senti uma fisgada. Já me esqueceu? Então percebi que eu e ela ainda não tínhamos nos encontrado nessa linha do tempo revisada. Claro. Justo quando eu ia me apresentar, Hayase soltou um grito curto e agudo.  

— Akito! Você está sangrando! Caramba, precisamos chamar a enfermeira!

— Ah, larga mão. Não é nada de mais — Akito tentou minimizar.  

— Ah, não vai fazer isso não, seu idiota. Temos que dar uma olhada nisso, já — ela disse. Ela apertou o botão de chamada da enfermeira ao lado do travesseiro dele, enquanto a olhava desaprovadora. — Eu juro, você sempre foi assim. Teimoso com as coisas mais idiotas. É por isso que todo mundo acaba se afastando de você mais cedo ou mais tarde.

— E daí? Quem se importa?

— Eu me importo. Você precisa aprender a ouvir um bom conselho quando ele é dado, pelo amor de Deus. Se abre um pouco mais, por que não? Você só está tornando as coisas mais difíceis para si mesmo se afastando dos outros. O que você acha que teria acontecido se não tivesse sido sorte de alguém ter te encontrado na outra noite? Isso sequer passou pela sua cabeça?!

De repente, lágrimas começaram a aparecer nos olhos dela. Akito ficou um pouco envergonhado com isso.

— Puxa, p-pára… Não é grande coisa. Quer dizer, olha pra mim. Eu tô bem, não tô?

— Você poderia ter morrido, Akito! — gritou Hayase.

Akito se encolheu. Seus olhos vacilaram desconfortavelmente por um momento, sem saber o que fazer, mas eventualmente levantou as mãos e coçou a cabeça.

— Tá bom, desculpa. Poxa.

Foi quase imperceptível, mas ele pediu desculpas. Ficamos em silêncio, em choque, ao redor da cama dele por um tempo, até que a enfermeira que havíamos chamado apareceu para perguntar como ele estava se sentindo. Ele murmurou algumas respostas relutantes no começo, até que Hayase deu um tapinha nas costas dele e pediu para ele explicar com mais detalhes. Incrivelmente, isso foi o suficiente para ele começar a colaborar mais. Eu estava ali, observando a troca de palavras deles, quando senti Akari me cutucar suavemente na lateral com os dedos indicadores.

— Devemos ir embora — ela sugeriu.

— Boa ideia — eu concordei.

Pelo menos ele estará em boas mãos com a Hayase, pensei comigo mesmo. Akari e eu nos despedimos brevemente dos dois antes de nos retirarmos do quarto do hospital.

A viagem de volta de barco para Sodeshima estava praticamente vazia; atribuí isso ao fato de ser no meio de um dia útil. Provavelmente, dava para contar o número de passageiros com uma mão. Akari e eu sentamos lado a lado bem no meio da área de assentos.

— Obrigada de novo, Kanae-kun — ela disse em determinado momento, sem qualquer introdução.

— Hm? Por quê? — eu perguntei.

— Por ter ido comigo ao hospital, bobo. E… por ter enfrentado meu irmão.

— Ah, é… Não precisa agradecer. Pena que não consegui arrancar um pedido de desculpas dele…

O objetivo principal do dia era traçar um limite, afinal — e eu não estava tão confiante de que havíamos alcançado esse objetivo.

— Bem, isso me deixou feliz, com certeza. Eu nunca conseguiria fazer isso sozinha — ela disse. Os cantos da boca dela se mexeram ligeiramente para cima. Era apenas uma pequena pista de um sorriso, mas eu aceitava. Ver ela feliz novamente já era o suficiente de recompensa para mim.

— Fique à vontade para me avisar se ele te der mais trabalho. Felizmente para você, agora vou estar bem aqui na esquina.

— Espera, o quê? — ela disse, olhando para mim, confusa. — Você não vai voltar para Tóquio?

— Não. Eu estou desistindo para poder ficar aqui com você em Sodeshima… Eu já não tinha te contado isso no telhado, na outra noite?

Os olhos dela se arregalaram, surpresos.

— Eu realmente achei que você estava só fazendo isso para me acalmar…

— De jeito nenhum. Eu não mentiria em uma situação complicada dessas.

— Você já fez a papelada de desistência?

— Nah, ainda não. Acho que posso ligar para a escola e resolver isso por telefone.

Eu sabia que não seria tão simples na prática. Esperava uma forte resistência, não só do meu pai, mas também dos meus professores. Ainda assim, estava totalmente preparado para lutar pelo meu direito de sair da escola.

— Esquece isso então. Você não precisa desistir — Akari disse.

— Hã? — eu disse, surpreso, completamente fora de equilíbrio. De todas as pessoas de quem eu esperava resistência, Akari não era uma delas.

— Quer dizer, isso só ia dificultar as coisas para você no longo prazo, né? Tipo, o que você faria depois de voltar para cá?

— Uh… Provavelmente me matricularia no Ensino Médio de Sodeshima, eu acho?

— E depois que você se formasse de lá?

— Não pensei muito nisso, para ser honesto…

— Você já está no caminho rápido para uma boa faculdade, Kanae-kun. Não deveria desperdiçar essa oportunidade. Quer dizer, não me entenda mal, eu realmente aprecio o gesto, mas eu ficaria péssima se você abrisse mão disso por minha causa.

— Urgh…

Pensando bem, ela tinha razão. Talvez desistir do Ensino Médio fosse muito drástico. Eu tinha minhas reservas sobre a ideia, claro, mas as dúvidas da Akari me fizeram questionar se eu deveria simplesmente abandonar isso de vez. Parte de mim se sentia como um covarde, por fugir de volta para Tóquio sozinho, depois de ter falado tanto no telhado na outra noite. Como eu ia compensar isso? Enquanto eu ficava ali, me estressando com isso, Akari me deu um sorriso suave e simples.

— Tá tudo bem, Kanae-kun — ela disse. — Você fica tranquilo e espera por mim em Tóquio, ok? Eu vou te encontrar assim que me formar.

— Mas e quanto a…

— Eu vou ficar bem. Se alguma coisa ruim acontecer, você será o primeiro a saber. Eu prometo — ela disse, estendendo a mão e segurando a minha, como uma mãe tentando tranquilizar uma criança ansiosa. Essa virada na conversa, para preocupação com minhas necessidades emocionais, fez eu me sentir um perdedor patético. Mas Akari estava certa. Talvez eu não tenha pensado muito bem no meu plano. Só faltava um ano para ambos nos formarmos. Se conseguíssemos passar esse próximo ano separados, poderíamos ficar juntos de novo, mesmo que depois de tanto tempo distantes. Esse pensamento sozinho me deu força para apertar a mão da Akari de volta.

— Ok — eu disse. — Ainda assim… tenta manter contato, mesmo que tudo esteja indo bem, ok? Vou te ligar de vez em quando também.

— Claro.

— Não exagera também. Não importa se a sua vida escolar não der certo. Você pode vir morar comigo mesmo assim, sabe.

— Eu sei — Akari assentiu timidamente.

Eu sabia muito bem as implicações das palavras que tinham saído da minha boca. Eu poderia muito bem ter feito uma proposta de casamento. Mas eu não me senti envergonhado, e não só porque essa era a segunda vez que eu usava exatamente a mesma frase com ela — mas porque nem era exagero. Eu realmente nos via compartilhando nossas vidas juntos no futuro.

— Bem, acho que é melhor eu começar a juntar dinheiro de novo, se um dia eu quiser me mudar para lá — ela disse desanimada.

— Ah, você não precisa se preocupar com a parte financeira disso. Eu já resolvo isso.

— O quê? Não, não, não. Eu não poderia te pedir esse tipo de dinheiro, Kanae.

— Eu não estava oferecendo para te emprestar. Você vai ganhar isso sozinha, e vai ser fácil. Eu prometo.

— O que você tá falando? — Akari perguntou, inclinando a cabeça com curiosidade.

— Bem — eu disse casualmente. — Já jogou na loteria antes?

O próximo ano passou rapidamente.

Acordei de meu sono tranquilo com o som de passos animados ecoando no piso de madeira do outro cômodo. Abri os olhos com dificuldade e olhei para o teto branco acima de mim. Não estava na casa da minha avó em Sodeshima, nem no condomínio do meu pai. Era o nosso novo apartamento, bem no centro de Tóquio.

Levantei da cama e saí para a sala de estar. Na cozinha, uma figura esbelta com cabelo castanho até os ombros corria de um lado para o outro, vestida com um cardigã confortável. Era a Akari, de dezoito anos. Foi só quando ela parou na frente do fogão para colocar óleo na frigideira que percebeu minha presença e virou-se para me encarar com um sorriso acolhedor.

— Olha só, você acordou sozinho hoje, oh? Não é sempre assim, né?

— É, acho que sim. Não posso ficar te usando como despertador para sempre.

Fui até a cozinha e ofereci minha ajuda para preparar o café da manhã. Arrumei a mesa com os hashis, chá e uma pequena tigela de arroz para cada um de nós. Um pouco depois, ela saiu para se juntar a mim no tapete com dois ovos fritos em uma bandeja pequena. Sentamos um em frente ao outro e colocamos nosso simples café da manhã sobre nossa simples mesa de jantar. Juntamos as mãos e, com os respectivos hashis, começamos a comer.

Já haviam se passado duas semanas desde que Akari e eu começamos a morar juntos. Enquanto saboreava meu café da manhã, pensei em tudo o que aconteceu no último ano, desde o fim do fenômeno Rollback. Havia muito a dizer, mas o evento mais marcante tinha que ser a Akari ganhando na loteria — embora não tenha sido por pura sorte. Eu havia memorizado aqueles números premiados que procurei durante o Rollback e contei para ela quais seriam. No início, ela foi bem contra a ideia, comparando com trapaça, mas eu me esforcei para convencê-la de que não estávamos fazendo nada ilegal, que provavelmente merecíamos alguma forma de reparação por tudo o que passamos e que, pelo menos assim, o dinheiro iria para um bom propósito e não seria desperdiçado com luxos desnecessários.

Consegui convencê-la, então, ela relutantemente foi até comprar o bilhete da loteria. Com isso, todas as nossas necessidades financeiras estavam resolvidas por um bom tempo.

Quanto aos estudos, Akari foi aceita na universidade com base apenas em seu mérito. Ela se dedicou muito e venceu as preliminares distritais no verão passado, depois fez uma apresentação admirável nas nacionais e garantiu os requisitos para uma bolsa atlética. Ela passou pelo processo de inscrição com grande facilidade e foi admitida na universidade dos seus sonhos com status de prioridade. Ainda me lembro da ligação emocional que ela me deu quando recebeu a notícia. Agora, alguns meses depois, estávamos finalmente reunidos em Tóquio e começamos a morar juntos. Até agora, estava tudo indo muito bem — éramos muito mais compatíveis do que eu jamais imaginaria. Quase assustadoramente compatíveis.

— Ufa. Isso foi bom, obrigado — disse, terminando minha refeição e levando os pratos até a pia. Quando voltei para a sala, Akari já tinha colocado os hashis de lado e estava olhando fixamente para seu celular. — O que houve? Aconteceu alguma coisa?

— Sim, minha mãe acabou de me mandar uma mensagem. Dá uma olhada nisso — Akari disse, me mostrando o celular. Na pequena tela LCD, havia uma foto de Akito e Hayase sorrindo um para o outro nos braços um do outro, com a legenda: "Adivinha quem vai se casar!"

— Bom, isso sim foi uma surpresa — eu disse, embora não estivesse tão surpreso assim. Akari me contou que Hayase havia se interessado em ajudar Akito a se reerguer depois do incidente com a intoxicação alcoólica. Pelo pouco que eu soube, não diria que ele havia mudado completamente, mas parecia que seu comportamento tinha melhorado bastante. Agora, ele tinha um trabalho em tempo integral na loja de bebidas da família da Hayase e estava trabalhando para pagar de volta os milhões de ienes que roubou de Akari.

— Eu sei, né? — Akari respondeu. — Que comecinho rápido, nossa.

— É, esses dois não perderam tempo... Eles estão juntos há o quê, um ano?

— Nem tanto. Mas, olha… tem algo que me surpreende ainda mais — ela disse, olhando nos meus olhos como se tivesse tido uma grande epifania. — Veja bem… se eu for sincera comigo mesma, ainda não perdoei completamente meu irmão por tudo o que ele fez, né? Mas quando eu li essa mensagem agora, teve um momento em que… por um segundo… eu realmente me senti feliz por ele, de coração.

Da onde eu estava, Akari parecia um pouco confusa, como se não soubesse como interpretar essas emoções desconhecidas. Como ela poderia se sentir feliz pelo mesmo homem que a abusou, por quem ela sentiu tanto ódio que quase o condenou à morte? Eu pensei que isso era uma prova emocionante de como ela havia amadurecido.

— Ei, que bom para você! Fica feliz por ele, não tem problema nisso. Acho que isso é bem maduro da sua parte, na verdade. Estou orgulhoso de você.

Sorri largamente para Akari, que me sorriu de volta — com o tipo de sorriso renovado de alguém que acabara de superar obstáculos impossíveis.

Akari e eu limpamos a bagunça do café da manhã juntos, depois nos arrumamos para a faculdade e saímos do nosso apartamento. Estava um dia bonito e quente, sem uma nuvem no céu. Caminhamos até o ponto de ônibus mais próximo e embarcamos. Cerca de vinte minutos depois, o ônibus nos deixou bem na entrada principal da Universidade de Tóquio. Quando dei um passo para fora do ônibus, uma única pétala de flor de cerejeira flutuou pastando diante de mim, passando bem na minha frente. Virei a cabeça e tentei segui-la com os olhos, mas logo a brisa a pegou e a fez subir para o céu, onde perdi a pista dela.

— Vamos, Kanae-kun! Vamos lá! — Akari me chamou, estendendo a mão para mim.

— Certo, desculpa. Já estou indo.

Com a mão de Akari na minha, demos nossos primeiros passos no campus — juntos. O caminho de tijolos que levava até lá não era particularmente largo, ladeado de ambos os lados por fileiras de magníficas árvores de cerejeira. Olhei para cima e vi um belo dossel de um rosa suave; uma chuva interminável de pétalas caía suavemente no chão, como flocos de neve. Li em um folheto que esse caminho, que ia da entrada principal até o prédio central da universidade, era carinhosamente chamado pelos alunos e professores de "Túnel das Cerejeiras". Já tinham passado do pico da florada, mas ainda era uma visão deslumbrante.

Akari parou sem avisar. Me perguntando o motivo, virei-me para ela, e nossos olhares se encontraram. Havia lágrimas em seus olhos, e um sorriso caloroso, natural, completamente desinibido se espalhou por seu rosto.

— O que aconteceu? — perguntei.

— Nada, eu... estou só muito feliz agora. Sabe? — Senti sua mão ficar mais quente na minha.

— É mesmo? Bem, espera só um pouco — declarei. — Porque o melhor ainda está por vir.

Akari assentiu entusiasticamente, e seguimos em frente, caminhando de mãos dadas em direção ao resto das nossas vidas. Com a cabeça erguida, fixamos nossos olhos firmemente no amanhã — sem nunca olhar para trás.

 

(FIM)

 


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