Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 19

 

Floresta da Morte.

Base principal da Lótus Negra.

Caminhando devagar pelo longo corredor se encontrava Kana, o conselheiro de Hakuro, que se dirigia até os aposentos de seu lorde. No meio do caminho ele encontrou com Gazel que parecia aflito, os dois se cumprimentaram de forma rápida.

Kana estava preocupado com os rumos que a Lótus estava tomando. Todos os integrantes sabiam da fixação de Hakuro pelos tais Noredan, alguns acreditavam que Hakuro estava apenas buscando conseguir poder dessas criaturas misteriosas já outros, acreditavam que era uma mera brincadeira, uma metáfora para exemplificar os tempos difíceis que estavam passando.

No passado as pessoas enfrentaram esses demônios sem forma, e mesmo com a baixa chance os humanos saíram vitoriosos. Não é muito diferente do que a Lótus Negra vêm enfrentando: as Dez Grandes Famílias e a Família Real, além é claro das outras duas Lótus. Aqueles que não se conformaram com a desigualdade apostaram suas vidas e sonhos na probabilidade mais baixa: a Lótus Negra.

Infelizmente Hakuro parece estar com dificuldade em priorizar os problemas que ele e a Lótus vem enfrentando. O número de soldados qualificados reduziu drasticamente por conta dos embates contra as famílias. E eles ainda sofreram com a morte de Cicuta, um homem repugnante, mas eficaz.

Eles deveriam focar em reunir forças, adquirir informações e planejar uma rota de ataque contra o rei, e não brincar de caçar monstros. 

Kana parou quando chegou na frente da porta que levava até os aposentos de seu lorde.

"Vamos lá" — Pensou.

Bateu à porta.

— Entre.

Empurrando a porta o conselheiro entrou nos aposentos de seu Lorde. Hakuro estava sentado em uma cadeira com um livro em mãos, Kana logo reconheceu o livro: Fonte Inesgotável um livro de fantasia que seu antigo lorde Kiri sempre vivia lendo. 

— É você Kana — disse, lhe dando um olhar ríspido e voltando a ler o livro. — Alguma notícia boa?

— Não meu lorde. Nenhuma grande mudança ocorreu. — Ele deu um olhar para o livro. — Ainda tentando decifrar esse livro meu lorde?

— Esse livro sempre estava junto de Kiri. Muitas das mensagens escondidas ainda não foram decifradas por mim, mas não parece ter nada a haver com as técnicas secretas de Ryoto.

— Então não faria mais sentido voltar sua atenção aos outros livros da biblioteca?

— Quando confrontei Kiri, antes de morrer ele me disse uma palavra estranha que não consigo achar o significado: Xamã. — Kana levantou uma sobrancelha. — Parecer ser uma forma de denominar algum tipo de grupo ou posição social, provavelmente do local onde Kiri nasceu.

— Acredito que sua linha de raciocínio esteja correta meu lorde, não me lembro de nenhum livro ou arquivo citar essa palavra. — Kana colocou ambas as mãos para trás do corpo. — Deveríamos mandar um grupo de busca e investigação para a região oeste para coletar mais informações?

— Não há necessidade. Devemos focar nossas forças em acabar com o Noredan.

— O senhor não acha melhor…

— O Noredan é uma ameaça que já nos causou muito dano — interrompeu. — Boa parte dos nossos soldados são pessoas comuns que quiseram se juntar à resistência contra a opressão do rei, a maioria fraca e sem talento para usar o Ry. Quanto mais tempo passar, mais o Noredan conseguiria aumentar suas forças.

— Não discordo do senhor meu lorde, entretanto, o Noredan já se provou forte o suficiente para lidar até mesmo com Sinsha. Deveríamos aumentar nosso poder informativo e militar para contra-atacar as famílias.

— Contra atacar? Atualmente temos menos de mil soldados concentrados aqui na região Sul. Destes, apenas 500 conseguem usar o Ry de maneira eficiente. Temos alguns grupos deslocados que estão reunindo informações nas outras regiões.

— Eu sei disso...

— Então também sabe que a pesquisa de Cicuta falhou. Em quatro anos não conseguimos nem ferir direito as famílias. Derrotar o Noredan e estudar sua composição pode nos ajudar nas pesquisas envolvendo energia mágica, esse é o melhor cenário.

— E caso fomos derrotados? Ou pior, mesmo derrotando o Noredan não conseguimos nenhuma informação de onde ele tira seus poderes?  O senhor está deixando seu rancor o dominar, fazendo com que tome decisões idiotas.

— Chega Kana! — exclamou com raiva. — O Noredan é uma ameaça que deve ser eliminada, e então seguiremos com o combate contra as famílias. Se está insatisfeito renuncie seu posto agora, mas não pense que sairá dessa floresta vivo.

Kana abaixou a cabeça. A pressão do olhar dele deixava todos sem reação, enfrentá-lo não era uma opção. Kana sabia bem que seu lorde não mudaria de ideia, ele precisa matar o Noredan para finalmente se sentir satisfeito. 

Com seu lorde irritado e sabendo que não poderia dialogar, Kana se sentiu preso a um beco sem escapatória. A alternativa mais eficaz foi olhar para seu lorde e pedir perdão. Como conselheiro ele deve o ajudar neste combate sem sentido contra o Noredan e torcer para que o mesmo saia vivo no final.

— Perdão meu lorde. Eu fui um tolo em contrariá-lo. — Ele se curvou em sinal de respeito. — Com sua licença.

Kana se retirou dos aposentos de seu lorde. Com um gosto amargo da vitória, Hakuro suspirou irritado. Talvez as instruções finais de Kiri realmente fossem verdades: "Se entregue e você terá um pouco de paz. Enfrentar as Dez Grandes Famílias é suicídio."

Hakuro voltou para sua cadeira, ele fechou os olhos para poder pensar melhor. Novamente sua dor de cabeça o atacou. A fim de organizar seus pensamentos, Hakuro começou a conversar consigo mesmo, para tentar chegar em alguma nova conclusão.

"As técnicas Secretas de Ryoto são habilidades naturais que servem para que humanos comuns, aqueles que não tem muita afinidade mágica, possam lutar de forma igual aos que possuem. — Hakuro pensava. — "Mesmo assim, o esforço e tempo gasto para dominar essas técnicas é enorme, e a maioria dos soldados atuais nem consegue utilizar o ry, a base de tudo.

A solução então seria tentar aprender a controlar a energia mágica, também chamada de mana em vez da magia propriamente dita, já que essa possui uma série de etapas aleatórias para cada indivíduo para que possa despertar”

Hakuro Bocejou.

“Ao passar sua mana para um objeto você melhora toda a sua estrutura. E o que tudo indica, você pode até mesmo doar sua magia, mesmo que não desperta, para tal objeto, mudando toda a sua composição; é o que chamamos de Runa.

O custo, no entanto, é retirar para sempre uma certa quantidade de mana do seu corpo…”

Hakuro mais uma vez suspirou e abriu os olhos.

— É impressionante como a Lótus Branca descobriu tudo isso após milhares de anos de pesquisa. — Ele coçou a cabeça. — Mas todo esse conhecimento está trancado atrás de dezenas de livros codificados. Runas não podem ser aplicadas em nenhum ser vivo. Então não posso dar aos soldados menos capacitados habilidades mágicas. E a produção de runas exige um mestre qualificado, então também não posso produzir armas.

Ele bocejou.

— Nada. Apenas um amontoado de informações desconexas… Talvez, algum livro tenha a solução? Eu deveria continuar pesquisando mais sobre as técnicas secretas de Ryoto?... Eu não sei...

Hakuro cochilou.

 

 

Dezesseis anos atrás.

Região Norte. Aldeia Rhuo Dawn.

Música alta podia ser ouvida de todos os cantos. As pessoas com suas roupas exóticas e atraentes dançavam alegremente fazendo diversos olhares de reféns. O cheiro de comida também era forte, você poderia achar de tudo por ali.

Obviamente o lugar estava lotado. O motivo de tanta festança era a virada de ano que ocorria naquele dia, no meio da multidão de adultos que bebiam sem parar, duas crianças corriam com pressa para algum lugar.

— Vamos, vamos logo! — dizia um dos pequeninos, o irmão mais novo. — Papai vai ficar bravo se nós demorarmos.

— Eu sei, eu sei! — O irmão mais velho tentava acompanhar o pequeno ligeiro. — Ei! Hakuro! — gritou fazendo o pequeno Hakuro parar de correr. — Olha aquilo!

O irmão de Hakuro apontou para algum lugar, o garotinho então correu de volta para onde tinha vindo a fim de olhar o que tinha chamado a atenção de seu irmão mais velho. Quando olhou para aquela direção, assim como outras pessoas que estavam ao seu redor, seus olhos esbugalharam e se encheram de alegria e admiração.

Três dançarinos faziam uma apresentação espetacular. O homem do meio estendia seu rosto para os céus e abrindo a boca soltava uma rajada de fogo que pegou todos de surpresa. As dançarinas então tiravam de sua cintura uma fita de pano, faziam a ponta tocar na chama escaldante e então dançavam.

O fogo parecia um delicado bebe nas mãos daquelas dançarinas, que rodavam sem parar. Houve um momento em que as chamas que tinham uma cor vermelha e vibrante colocaram uma máscara e mudaram suas feições, se tornando então uma chama azul e roxa. Para os dois garotos ali, aquilo era fantástico.

— Naory, como eles fazem isso? — perguntou. — Eu quero aprender também, me ensina?

— Eu não faço ideia de como elas conseguem fazer isso... — respondeu Naory, hipnotizado enquanto olhava para as dançarinas. 

— Ei! Me escuta! — O garotinho olhou para as moças e depois para seu irmão. — Você ta admirando pelo fogo? — Uma luz forte veio, fazendo Hakuro mais uma vez olhar naquela direção. — Olha agora está amarelo e azul!

— Sim... Com o fogo... 

— Vamos vai, papai está nos esperando! — O pequeno Hakuro largou seu irmão ali e voltou a correr.

A noite nunca foi tão clara como hoje. Nem mesmo as estrelas conseguem ofuscar as lamparinas acesas naquela festa. Hakuro se perguntou por que as estrelas existem, elas só ficam lá, paradas sem se moverem. Ele também queria saber como se faz para o fogo mudar de cor daquela maneira, e como se faz para dançar, e como...

Sua mente ficou cheia de perguntas e nenhuma resposta. A curiosidade da criança era gigantesca, se pudesse ele iria ler todos os livros do mundo para descobrir todas as coisas.

Após mais um tempo de corrida, Hakuro finalmente avistou seu objetivo. Ele entrou naquela loja humilde e assim que entrou viu um homem alto e de cabelos negros, a coloração de seus fios eram como o próprio céu sem Lua, e Hakuro sabia bem quem era o detentor daqueles cabelos.

— Papai! — gritou bem alto, dando um susto no homem.

O homem não se virou.

— Pai...?

— Filhão! — exclamou se virando depressa e dando um enorme susto em Hakuro. Os dois começaram a gargalhar.

— Papai, papai estou com fome, sobrou algum rolinho de primavera?

— Claro que sim, aqui está! — Ele colocou por cima do balcão um prato que cheirava deliciosamente bem. Todo o lugar tinha um cheiro bom, um cheiro de comida que era reconhecível por qualquer um que chegasse ali. Não à toa, o nome daquele humilde estabelecimento era Aroma-Doce.

Seu irmão Naory logo chegou. Acompanhando-o, também estava sua mãe. Agora toda a família estava reunida.

— Parece que chegamos na hora certa — disse a mãe de forma sorridente, seus cabelos longos que se estendiam até metade das costas eram fantásticos, deixando todos impressionados com sua beleza quase angelical.

— Ei pai, eu quero comer também — disse Naory que caminhou e se sentou em uma das cadeiras altas, Hakuro foi ajudado por sua mãe para que pudesse se sentar. — Quero um...

— Peixe assado. 

— Sim! Como você sabia?

— Um vendedor nunca revela seus segredos. 

— Papai, você pode ler mentes? — perguntou Hakuro.

— Shiu! — Seu pai chegou perto do garoto. — Não fale tão alto, ninguém pode descobrir. 

— Tá bom, é nosso segredo. — Seu pai abriu um largo sorriso quando ouviu aquilo, aquele sorriso contagiante fez com que Hakuro se sentisse muito feliz. Sua mãe e Naory por algum motivo soltaram uma risadinha também.

— Ei, Hakuro. — Naory aproximou a cabeça. — Que segredo é esse? Me conta vai, te dou um pedaço do meu peixe.

— Não — bufou.

— Isso mesmo, Hakuro. — Sua mãe falou enquanto fazia um leve carinho em sua cabeça. — Segredos são segredos, não devem ser contados a ninguém.

Sua mãe após isso se aproximou do seu pai e ambos tocaram suavemente seus lábios. Hakuro não entendia o porquê daquilo, parecia algo meio nojento.

Sem muita demora, Naory e Hakuro terminaram de comer e agradeceram seu pai pela ótima refeição. Já estava quase na hora, então assim que fechou sua loja todos eles caminharam pela rua esperando o momento chegar.

Hakuro estava sentado nos ombros de seu pai, ele conseguia ver tudo ali de cima, ele tinha certeza que mesmo se ele subisse uma montanha não seria tão divertido quanto ser levantado por seu pai.

Boom.

Uma pequena faísca voou até os céus e explodiu em uma chuva azul brilhante.

Logo em seguida mais faíscas voaram e explodiram, os fogos de artifício estavam incrivelmente belos. Os olhos do pequeno Hakuro se enchiam de emoção com a beleza que aqueles fogos de artifícios proporcionaram. 

 

 

Quatro meses depois.

Na floresta, ao redor da aldeia Rhuo Dawn.

Após a festa de fogos de artifício, a aldeia Rhuo Dawn novamente voltou a ser um lugar calmo, tranquilo e com poucas pessoas. A cidade era conhecida como "a aldeia brilhante" por conta de seus fogos de artifícios belíssimos que só podiam ser encontrados ali.

Hakuro nesse momento estava na floresta, caçando pequenas blueberries. Ele e seu irmão Naory tinham o costume de competir para ver quem conseguia achar mais dessas frutinhas. Hakuro sempre perdia.

— Como o céu está escuro, acho que vai chover. — O pequeno garoto disse para si mesmo enquanto pegava mais uma das frutinhas na moita. — Com essa são 26, espero que dessa vez eu consiga vencer o Naory.

Segurando com cuidado as frutinhas, Hakuro correu o mais rápido que pôde até sua casa. Caso pegasse uma chuva ficaria doente e acabaria dando trabalho para sua mãe que está sempre ocupada.

Ele não queria isso de jeito nenhum.

Hakuro e Naory são muitos jovens para trabalharem junto com os adultos. Naory às vezes sai junto de seu pai e o ajuda com tarefas mais simples, seu corpo magro não o proporciona muita força, mesmo assim seu pai dizia que qualquer ajuda era bem vinda.

— Eu também quero ajudar, mas ainda sou tão pequeno... Será que quando eu crescer vou ser grande e forte igual o papai? Espero que sim. — Ele soltou uma risadinha enquanto se imaginava provocando o seu irmão, contando vantagem de seu corpo forte e saudável.

O garoto acelerou o passo conforme via que o tempo estava se fechando, as nuvens escuras e densas estavam em cima de uma parte da aldeia, mas ainda não começou a chover, apenas alguns raios caiam ao longe. Ele não irá pegar chuva.

Conforme corria, Hakuro notou que não havia ninguém nas ruas. A aldeia nunca teve muitos habitantes — com exceção dos dias perto do ano novo — e também não era tão tarde para que todas as pessoas estivessem em suas casas.

Um raio caiu dos céus.

Aquele raio deu um grande susto em Hakuro que quase caiu no chão, ele estava com medo. Um medo que não possuía qualquer sentido racional.

Suas pernas tremiam sem parar, dar sequer um passo para frente era quase impossível. Sua respiração estava pesada, seu corpo produzia grandes cargas de adrenalina, o mandando fugir dali.

Outro raio caiu.

O garoto ficou paralisado quando um gigantesco olho maior que todo o seu corpo apareceu sem nenhuma explicação na sua frente. Totalmente branco, era possível ver seu próprio reflexo ali. Ele não gritou e nem se mexeu, seu corpo ficou simplesmente paralisado enquanto sentia aquela criatura respirar lentamente.

O olhar de um caçador perante a uma presa machucada. Foi assim que Hakuro estava se sentido naquele momento. Ele nem mesmo conseguia respirar, processar a informação do que estava acontecendo era impossível e-

Outro raio caiu.

A criatura desapareceu. Hakuro caiu de joelhos no chão espalhando todas as blueberries que havia coletado, o pequeno garoto virou a cabeça para o lado e viu a criatura em cima de uma das casas, de costas para ele.

Sua aparência era similar a um gigantesco tigre dentes de sabre feito completamente de energia elétrica. Alguns daqueles raios se moviam de maneiras diferentes, quase como se tivessem vida própria. 

A criatura não estava se importando com ele, parecia estar procurando alguma coisa. Dois dos inúmeros raios que saíam do corpo da criatura formaram a imagem de duas pessoas.

— Hakuro... — A imagem de uma mulher e de um garoto um pouco mais velho o chamava.

Os olhos de Hakuro se esbugalharam, ele reconheceu bem aquelas duas figuras: sua mãe e seu irmão Naory.

— Ma... — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Na..ory--

Outro raio caiu e a criatura apareceu na frente de Hakuro, o olhando com aqueles olhos branquientos, esperando o mínimo movimento da criança para atacar. O menino caiu em lágrimas e quando abriu sua enorme boca para mordê-lo, alguém a chamou.

— Seu monstro!! — gritou, o garoto reconheceu pela voz, era seu pai. — Liberte as almas da minha mulher e do meu filho!

A criatura sumiu e apareceu na frente do pai de Hakuro, o mesmo segurava uma enxada e tentava enfrentar aquele monstro.

Uma tentativa fútil.

Em questão de segundos o homem foi jogado para cima em pleno ar pela criatura que o eletrocutou, fazendo-o ficar totalmente tostado, irreconhecível. Hakuro queria chorar, correr ou até mesmo gritar, mas seu corpo não o obedecia.

A criatura começou a mastigar o defunto, a alma de seu pai foi ingerida e ficou presa no turbilhão de almas daquela criatura, gritando enquanto era eletrocutado por toda a eternidade. Aquela foi a sobremesa final que saciou sua fome.

Outro trovão foi ouvido e mais uma vez a criatura sumiu.

Uma mudança no vento, de uma aldeia simples e comum para um lugar totalmente vazio e deserto. Acontecimentos sem explicações, que chegaram e mudaram Hakuro sem ao menos dar um minuto para pensar.

Não houve lágrimas, não houve antecipação.

As pessoas morreram, ele foi o único sobrevivente, um destino que ele nem sequer pôde escolher.

Apenas tinha que aceitar e engolir aqueles fatos. Uma tragédia, uma mudança de vida tão rápida...

Quanto um raio.

 


Floresta da Morte.

Aposentos do lorde Hakuro.

A batida acelerada do seu coração o fez despertar daquele terrível pesadelo.

Hakuro colocou a mão no rosto e aos poucos foi acalmando sua respiração. Ele estava todo suado, seu rosto apavorado. Ele pensou em chamar algum de seus subordinados para que trouxessem um pouco de água, mas descartou a ideia. Não poderia deixar que ninguém o visse daquela maneira.

— Por que logo agora, isso já aconteceu a tanto tempo... — reclamava.

Ele se levantou da cadeira na qual havia cochilado, em uma respiração pesada, ele manteve uma postura ereta, rígida e de confiança, como sempre fizera. Foi até seu guarda roupa e vestiu trajes simples, típicos de camponeses. Depois, caminhou para fora de seus aposentos. 

Pequenos flashes vinham em sua mente o relembrando daquele dia, até mesmo hoje era difícil acreditar, uma série de eventos que aconteceu de maneira tão rápida e confusa que poderia facilmente pertencer a um daqueles livros na qual Kiri gostava tanto.

Durante seu caminhar pela base da Lótus Negra ele se encontrou com alguns subordinados que se curvaram ao vê-lo. Eles tinham medo dele, ele sabia bem disso. E por mais que quisesse ser visto de maneira diferente, aquela parecia ser a única forma de manter a ordem dentro e fora da Lótus. Hakuro, o homem que dominou uma das Lótus em uma noite.

Propositalmente ele evitou os lugares mais cheios das bases, para evitar as reclamações que Kana provavelmente faria. Após sair da base, que era um grande edifício de 8 andares tendo 3 andares subterrâneos, Hakuro acelerou o passo saltando dentre as grandes árvores daquela floresta.

Atravessando a floresta em 12 minutos, um novo recorde para o mesmo, ele então chegou na pequena vila de Omena.

Assim que começou a andar, seus olhos se dirigiam a dois pontos: A casa mais próxima da floresta, onde morava o velho senhor Lopine, um homem obeso de sessenta anos. Ele na verdade era um ex-membro da Lótus Negra e é responsável pela vigia de quem entra e sai da floresta. Hakuro fez um sinal com a cabeça para Lopine que estava sentado do lado de fora de sua casa.

O segundo ponto foi a velha igreja, esse era seu destino. Assim que foi se aproximando ele pode ouvir os gritos e risadas de muitas crianças alegres. Quando chegou perto da igreja e as crianças o viram, todas correram para o abraçar.

— Manoke! — As crianças gritaram ao mesmo tempo, todas correram e abraçaram seus pés, quase o derrubando.

— Vocês estão animadas, está acontecendo alguma festa hoje? — disse enquanto passava a mão na cabeça de algumas crianças. Para elas, Hakuro deu um nome falso: Manoke, um homem simples e humilde que vive no meio da floresta por conta de uma promessa.

— Sim! Nós estávamos brincando de Samurai —  disse um garotinho, erguendo o galho de madeira que fingia ser uma espada.

— Por que demorou tanto tempo para voltar, senhor Manoke? 

— Os adultos são ocupados, não podemos brincar o dia inteiro igual a vocês — falava com calma. — Vocês não estão dando trabalhos para a senhora Alikia não é?

— Há Manoke, você nem imagina — disse uma voz feminina enquanto saia da igreja. Era Alikia, uma senhora próxima de seus cinquenta e nove anos. — Você emagreceu, tem comido direito?

— Claro que sim senhora Alikia, não precisa se preocupar — mentiu.

— Senhor Manoke! — gritou uma das crianças. — Conta uma história para gente?

— Sim! — Outras crianças gritaram.

— Não incomodem ele crianças. — disse Alikia. — Vocês sempre pedem isso a ele.

— Ah... — As crianças disseram em um coral de desânimo.

— Não tem problema. Eu estou com algum tempo livre hoje. 

Sendo puxado por cada uma das crianças, Hakuro foi até o gramado do outro lado da igreja. Ele se sentou em cima de uma pedra e as crianças no chão, todas olhavam empolgadas para ele, as histórias que ele contava enchiam aquelas crianças de sonhos e felicidades, e seus sorrisos alegravam ele.

— Qual história vocês querem ouvir hoje? 

— A história das Lótus! — Algumas crianças disseram.

— Não! Queremos a história das Ilhas do Oeste! — Outras crianças gritaram.

— Ele já contou essa, é chata.

— A história das Lótus também. 

— Ei! — Hakuro bateu as mãos chamando atenção de todos. — Eu posso contar as duas histórias não precisam brigar. Vamos começar pela história das Lótus, pode ser? — As crianças concordaram com a cabeça. — Está bem…

"Há muito tempo atrás, Artéria foi devastada por uma doença terrível. Essa doença enfraquece o corpo como um parasita, pouco a pouco fazendo as pessoas perderem sua sanidade. O rei já não sabia o que fazer, estava desesperado.

Foi então que um vagabundo de rua veio até o castelo. Ele era sujo e fedorento, dizia-se ser um viajante que já explorou cada canto de Artéria. O homem então tirou de um pequeno saco, um certo pó e o soprou na direção do rei.

Ele dizia que no recanto onde o mar descansava, as fadas brincavam junto às flores que estavam sempre sorrindo. Neste lugar, nascerá um Lótus Rosa, a perfeita encarnação da bondade, um Deus na mais frágil das formas. Profetizando ele disse: Uma grande coragem irá guiar o menor dos homens até esse recanto mágico, e aqueles que consumirem a Lótus terão seus corpos completamente curados.

O rei logo entendeu o que aquele vagabundo estava dizendo. O filho do rei, o príncipe, mesmo tendo dezesseis anos ele era o menor homem que já nasceu em Artéria. Alguns diziam que o príncipe nunca cresceu desde que deixou a barriga de sua mãe. O príncipe então foi chamado, o rei apressado lhe deu a ordem de procurar essa tal Lótus sagrada.

O príncipe se sentiu muito feliz ao ver que seu pai estava confiando uma missão de tamanha importância para ele. Entretanto, o príncipe não sabia onde poderia encontrar essa flor. Foi então que ele pediu a ajuda de seu velho amigo, um garoto de linhagem nobre, extremamente inteligente e que era capaz de resolver qualquer enigma.

Quando o príncipe lhe questionou sobre onde poderia encontrar esse recanto na qual o vagabundo falava, ele foi aconselhado a pegar um barco e zarpar para o mar, em direção ao norte, onde poderia encontrar vários penhascos, e em um deles, havia um jardim de lótus. O príncipe a princípio não entendeu de onde seu amigo havia tirado aquelas conclusões, mas seguiu seu conselho.

Dentro de um barco, ele partiu sozinho para o mar. Dizem que o príncipe ficou fora de casa por um mês inteiro. Muitos achavam que o príncipe havia morrido, que não havia mais salvação para Artéria. Foi então que, em meio a uma tempestade, o príncipe surgiu carregando consigo uma lótus, que brilhava intensamente na cor rosa.

Aquela flor era diferente de todas. Simplesmente ao tocar na Lótus você se sentia 30 anos mais jovem.

Mas a flor ainda precisava ser testada, o amigo do príncipe havia contraído a doença mortal, sem pensar o príncipe utilizou a Lótus para fazer um remédio e curar seu amigo. Ele não conseguiu, seu amigo estava muito fraco e acabou morrendo antes que o poder da lótus fizesse seu efeito. Ele acabou utilizando a única Lótus que restava.

Ao enterrar seu amigo, desiludido, ele chorou sobre o túmulo. Suas lágrimas encharcaram o chão, quando o príncipe abriu seus olhos o local estava todo recheado de lótus rosas. O vagabundo de rua surgiu diante do príncipe confuso, e o explicou:

Eu sou uma fada, uma criatura designada a proteger a natureza. A Lótus Rosa me contatou, ela disse que ao oferecer um homem de coragem, inúmeras Lótus surgiriam e seriam a cura para esse país.

Mas o príncipe inconformado perguntou: “Mas eu fui até o recanto, enfrentei a maior das tempestades e cheguei até o penhasco onde estava a Lótus, por que meu amigo teve que partir?

E a fada respondeu: “O pequeno homem nunca se referiu a você, o pequeno homem na verdade era esse garoto, tão esperto que descobriu sobre o sacrifício que era necessário. Com uma imensa coragem, ele deu sua própria vida para que a cura se espalhasse.

O príncipe entendeu, mesmo assim continuou a chorar pela perda de seu amigo. A partir daquele dia, Artéria teve uma imensa dívida com as lótus e passou a adorá-las. Tempo depois o exército defensor de Artéria recebeu o nome de Lótus Vermelha, em homenagem ao príncipe. Uma divisão de pesquisa foi criada e recebeu o nome de Lótus Branca, em homenagem ao amigo falecido do príncipe.

A Lótus Negra surgiu tempos depois, com seus ninjas habilidosos que enganavam e matavam para o bem. Desde então nenhuma outra doença surgiu em Artéria, dizem que o túmulo do amigo do príncipe está lá, até hoje, recheado de lótus rosas."

As crianças após ouvirem a história derramavam rios de lágrimas. Nenhuma delas queria que o amigo do príncipe morresse. Alguns se perguntaram se a fada precisava mesmo fazer aquilo.

"Essa história é uma mentira. Nem sequer faz sentido, não entendo como as crianças não perceberam." — Hakuro pensava enquanto via as crianças tristes pela história. Mesmo elas já tendo ouvido aquelas histórias milhares de vezes, elas sempre choravam no final. — "O homem vagabundo que dizia ser uma fada, na verdade era Ryoto, um amigo do príncipe e do garoto nobre. Ele não enganou ninguém, eu queria poder contar a verdade para eles..."

Uma menininha tocou sua perna, o chamando-o.

— Senhor Manoke, a doença mortal vai voltar? — Seus olhos redondos e entristecidos pela história o encaravam. Hakuro sorriu.

— Claro que não. Essa é apenas uma história velha e antiga, nem tudo é real. — Ele a pegou e a colocou em seu colo. — Hoje em dia temos a Lótus Branca que está sempre estudando para nos proteger. Você não precisa se preocupar, viu? — Ela sorriu, mais tranquila.

Enquanto dizia aquilo para a menina, Hakuro se perguntou porque mudaram tanto a história verdadeira. Claro, os nobres não queriam dar o braço a torcer para os plebeus, já que um deles descobriu a cura da doença mortal.

"Mesmo assim, não faz sentido incluírem o sacrifício na história. O garoto nobre não morreu por conta da doença, ele morreu por que a energia que foi transferida para seu corpo era muito forte..."

Foi como um estalo. Hakuro se lembrou dos livros na qual havia decifrado. O processo de Runificação, onde a mana de uma pessoa era transmitida para um objeto. Entretanto, não era possível transferir magia de um ser vivo para outro.

A única forma de se fazer isso…

— Desculpem — disse abruptamente tirando a garotinha de seu colo e se levantou logo em seguida.

— Eu preciso ir.

— Ah! — As crianças disseram. — Fica por favor, você ainda não contou a história das Ilhas do Oeste.

— Não pressionem ele crianças. — repreendeu Alikia.

— Me desculpem mesmo, lembrei de algo importante que preciso fazer. — Hakuro se despediu depressa e correu de volta para a floresta. 

Assim que entrou na floresta ele acelerou ainda mais a corrida. Assim que chegou na base da Lótus Negra ele se esbarrou com Kana, que estava o procurando.

— Meu lorde. — Ele se curvou. — Estava o procurando, para informar sobre o estado de Sinsha. O senhor estava na vila brincando com as crianças, não é?

— Sim. Quero que mande os generais até o salão principal, diga a eles que descobri.

— Descobriu? Descobriu o que senhor? 

— Eu descobri como matar um Noredan.



Comentários