Volume 3
Capítulo 90: Tupã.
“O que é isso?” Tyler perguntou para o cacique.
Os dois estavam na frente de uma oca, essa era diferente das demais. Ela era menor e, fora sua pequena entrada, não havia mais nenhuma outra abertura.
“Escute bem, esse é um dos nossos maiores segredos.” Ubatã falou em tom sério. “Quando um filhote nasce ele tem uma forte ligação com a primeira pessoa que vê, ele será obediente e fiel até o fim de sua vida.”
“Ele não é fiel a mãe?” Tyler ficou um pouco confuso.
“Claro, mas ele só abre os olhos depois de 7 dias de nascido, nós fazemos o possível para que o cão já esteja com seu dono, as cabanas são escuras assim para que mesmo se passasse mais de 7 dias desde o seu nascimento o filhote não verá ninguém.”
“Muito esperto.” Tyler elogiou. “O que eu faço agora?”
“Entre na cabana, existem duas portas, uma de frente para outra. Quando entrar você vai perceber que a cadela estará com seus filhotes dentro de um cesto de palha, pegue um filhote e traga para fora, aquele que vier será seu.” O cacique explicou.
“A mãe não vai ficar com raiva? digo, eu vou pegar um filhote seu.” Tyler não queria estar em um quarto escuro com uma cadela agressiva do tamanho de um bezerro.
“Ela é mansa e está acostumada, primeiro faça carinho nela, ela vai lhe lamber e mostrar qual filhote será bom para você. Mas se ela latir, saia de lá, isso quer dizer que nenhum de seus filhotes serão bons para você.” Ubatã disse.
“Certo...” Tyler respondeu indeciso, mas não podia fazer mais nada.
Tyler se abaixou e entrou, quando entrou na primeira porta ele se encontrou em um corredor estreito que dava duas leves curvas em zigue-zague, e depois outra porta que era separada apenas por uma cortina. Tyler supôs que o motivo seria para evitar qualquer tipo de luz.
Depois de entrar na sala, ele estava completamente cego. Tyler só podia sentir um forte cheiro de cachorro molhado e ouvir pequenos gemidos dos filhotes.
Não querendo pisar sem querer em nenhum, Tyler ficou de quatro e engatinhou até onde os sons vinham.
Depois de uns dois metros engatinhando ele bateu na cesta de palha que Ubatã havia lhe dito.
Tyler relutante estendeu a mão, logo ele tocou em um amontoado quente de pêlos.
‘É a mãe?’
Com cuidado ele começou a alisar a cadela, em parte ele queria ganhar a confiança dela e o outro motivo era para saber a posição dela, no escuro ele não tinha noção de nada.
“Ei garota, pode me ajudar?” Tyler começou a falar baixinho.
“Pode me dar um de seus bebês? Ele vai fazer companhia para uma garotinha muito especial.”
Depois de passar a mão nela, ele finalmente achou a cabeça.
“Então, qual de seus filhos será um bom guardião para uma pequena garotinha?” Tyler tinha certeza de que ela não o entendia, mas isso o estava acalmando.
Depois de terminar essa frase a cadela mordeu o braço de Tyler. Seu coração deu um pulo, ele já ia puxá-lo quando percebeu que não doía, a cadela mordeu sem força, apenas o suficiente para prender e guiar o braço de Tyler.
“Já vai me dar um?” Ele perguntou.
A cadela apertou os dentes levemente em resposta.
“Pode me entender?” Tyler estava surpreso.
Ela mordeu mais uma vez.
“Por favor, me guie então.”
Tyler foi abaixando seu braço pouco a pouco. Ele tocou em uma pequena bolinha de pêlos.
Tyler podia sentir claramente que haviam 4 filhotes ali, todos estavam alinhados e mamando, ele passou a mão por cima deles sem ter certeza de qual pegar.
“Vou pegar esse daqui.” Tyler escolheu o segundo, mas para sua surpresa o que estava ao lado começou a latir e quis morder Tyler.
Os latidos eram agudos e transpareciam a fragilidade do pequeno, mas eram cheios de coragem.
“Não gostou que eu peguei seu irmão, posso pegar o outro?”
Tyler abaixou o que estava segurando e foi para o que estava no extremo oposto. Novamente o pequeno lutou bravamente contra a mão invasora de Tyler.
“Você é bem valente quando se trata de defender seus parentes, quer ir comigo?” Tyler perguntou.
Nenhum outro filhote resistiu quando Tyler tentou pegá-lo, contudo esse sim.
“Posso pegar esse?” Tyler perguntou para a mãe enquanto alisava sua cabeça.
Em resposta ela lambeu Tyler e o pequeno filhote.
“Isso deve ser um sim, não se preocupe eu vou cuidar bem dele!” Tyler falou.
Mesmo depois de ser lambido pela mãe, o pequeno ainda “lutava” ferozmente. Tyler só podia rir das mordidas desdentadas que recebia.
Com o filhote aninhado em seus braços, Tyler saiu da oca.
“Você foi rápido.” O cacique elogiou.
“A cadela me ajudou.” Tyler falou enquanto dava a primeira olhada no pequeno filhote que segurava entre os braços.
Ele era muito pequeno pesava cerca de meio quilo e ostentava uma grande e redonda barriga de leite.
“É um macho.” Tyler verificou, o pequenino tinha uma pelagem branca com manchas caramelo, seus olhos ainda estavam fechados.
“Que nome vai dar a ele?” Ubatã perguntou.
“Eu acabei de pensar em Tupã.” Tyler disse.
O cacique ficou surpreso com a escolha do nome, esse era um nome muito antigo, era o nome do mais poderoso deus das matas. “Um nome forte e antigo, eu aprovo.”
“Obrigado, quantos dias faltam para ele abrir os olhos?” Tyler quis saber, afinal ele tinha que fazer suas contas de quando deveria voltar para casa.
“Faltam 4 dias, depois que ele abrir os olhos será fiel a você até morrer.”
“O que ele come?” Tyler ficou indeciso, se fosse um filhote comum ele saberia sem problemas, mas esse camarada era quase uma fera, talvez pudesse ter algo diferente nele.
“Ele vai beber leite por um tempo, depois vai comer carne ou qualquer comida que você dê a ele, mas eles amam caçar seu próprio alimento.” O cacique esclareceu.
“Muito bem, eu tenho que voltar para minha cidade o quanto antes, contudo eu gostaria de me encontrar novamente, no futuro, quando eu for rei, acho que podemos nos beneficiar muito juntos.” Tyler falou.
“Já consideramos você como um de nossos guerreiros, e temos total confiança. Certamente iremos vê-lo.”
Ouvindo essas palavras sinceras, Tyler partiu direto para a cidade de Mil.
***
“Bem-vindo de volta mestre.” Thoran recebeu Tyler na entrada da cidade.
“É bom estar de volta, eu preciso descansar um pouco, vamos até a mansão e você me põe a par das notícias.
“Com prazer, mestre.” Thoran concordou.
Depois que os dois passaram um bom tempo discutindo sobre os impostos, comércio e a expansão da cidade, Noeru bateu à porta.
“Com licença mestre, eu gostaria de saber se o senhor teria espaço em seus afazeres para ter uma audiência com um dos guardas da cidade?”
“Uma audiência? Espere, existe esse tipo de coisa?” Tyler ficou confuso, não era que ele se recusasse a falar com alguém, ele só estava surpreso que esse tipo de procedimento existisse aqui.
“Sim, normalmente só nobres, comerciantes ou pessoas com poder podem pedir uma audiência com um nobre senhor de cidade, o mestre é o príncipe herdeiro e se quiser, nem os nobres, precisa ouvir.” Thoran explicou.
“Eu não me nego. Só estava surpreso, mande-o entrar.” Tyler pediu.
Depois da ordem de Tyler ser dada, um rapaz entrou na sala. Ele era jovem e vestia um uniforme camuflado.
Tyler percebeu que ele era um dos 200 homens que Tyler havia treinado para serem guardas da cidade. Normalmente eles eram orgulhosos e andavam com a cabeça erguida por onde quer que iam, sempre mostravam muita gratidão por serem escolhidos guardas dessa cidade, contudo esse jovem tinha uma aparência terrivelmente abalada.
Parecia que não tinha dormido a dias, e uma grande tristeza tinha tomado conta dele.
“O que se passa meu jovem?” Tyler perguntou já com pena do rapaz.
“Mestre, perdão! Eu não sei mais o que fazer...” O jovem desabou em lágrimas.
“Calma, comece do começo eu quero saber o que está acontecendo.” Tyler falou.
“Eu… eu… mestre eu tenho uma noiva e ela sumiu! Ela não voltou para casa faz uma semana, já procurei em todos os lugares, mas ninguém a viu. Simplesmente ela desapareceu!” O guarda voltou a chorar, era nítido o quanto ele gostava dessa jovem.
“Certo, quer dizer que ela sumiu sem deixar vestígios?” Tyler quis saber, essa história estava muito estranha.
“Sim, sei que ela não me abandonou por outro homem, nós íamos nos casar em breve e estávamos apaixonados, nem as roupas na sua casa ela levou.”
“Hum...” Tyler ficou pensativo. “Você brigou com ela no dia ou em algum dia perto da data em que ela desapareceu?”
“Não mestre, não!” O jovem respondeu.
“Sabe quem teria algo contra ela?”
“Ninguém, todos lhe queriam bem.”
“Noeru, você endossa essas palavras?” Tyler perguntou.
“Sim, eu já tinha visto os dois juntos e posso dizer que ambos se davam muito bem, a moça era uma nova moradora da cidade, ela era uma jovem bela e trabalhadora.”
Parece que a moça não fugiu, e considerando que esse rapaz tinha uma profissão de status bastante alto dentro da cidade, pode-se excluir que ela o tenha trocado por outro.
“Desde o dia em que aquele guarda abusou da jovem, tivemos mais algum caso parecido?” Tyler perguntou.
“Não mestre, o máximo que houve foi um ou outro bêbado que quis passar a mão em algumas garçonetes, mas rapidamente cuidamos do assunto. Todos viram o que o mestre fez com aquele miserável, ninguém seria louco de tentar a sorte.” Noeru explicou.
“Ou não teme ser punido por quebrar a lei...” Tyler suspirou, na sua mente ele começou a ligar os pontos. “Thoran, que dia os homens do reino central partiram da cidade?”
“Eles se foram faz uma semana...” Ele respondeu.
Tyler afundou-se na cadeira, ele lembrou-se dos olhares luxuriosos daqueles jovens para a empregada que veio servir o chá naquela noite, Tyler sabia reconhecer um maníaco quando via um.
“Como é seu nome, jovem?” Tyler quis saber.
“Jaques, meu mestre.” Ele falou.
“E o da jovem?”
“É Helena.”
“Vocês todos me escutem, eu não posso provar nada, mas posso apostar que foram aqueles jovens do reino central que levaram a jovem Helena.”
“Tem certeza?” Thoran perguntou desconfiado.
Noeru cuspiu no chão e disse. “O reino central é desprezível como sempre!”
“Não tenho certeza, mas vou ter, Quanto tempo leva para eles irem e voltarem para comprar novamente?” Tyler perguntou.
“Mais ou menos um mês.” Thoran respondeu.
“O que eu vou falar aqui será segredo absoluto, ninguém de fora deverá saber. Fui claro?”
“Sim.” Os três assentiram.
“Primeiro, eu quero que você, meu jovem, leve essa carta para o rei.” Tyler falava enquanto escrevia. “O rei vai enviar um reforço de 200 cavaleiros da sua guarda pessoal, e também eu quero que ele mande 20 dos seus melhores homens, mas é importante que eles não sejam pessoas conhecidas.” Ele enfatizou.
“Como isso vai ajudar?” Noeru perguntou.
“Eu quero que desses 20 homens vocês dividam eles em 4 ou 5 grupos e os disfarcem de comerciantes comuns, façam com que eles pareçam o mais normal possível, quando eles fizerem suas compras e irem embora, simulem um assalto e roubem todos os pertences deles.” Tyler explicou.
“Isso não vai causar nenhum comentário ruim?” Thoran estava preocupado.
“Sim, e é isso que eu quero, mas quando acontecer, eu quero que vocês ajam naturalmente e tentem resolver o caso e acrescente mais guardas, é importante que poucos saibam, e de preferência apenas os guardas reais.”
“Vamos fazer como o mestre manda, mas para que é isso tudo?” Noeru perguntou.
“Para fazer uma armadilha é preciso preparar o terreno. Tenha paciência.” Tyler sorriu, ele iria descobrir bem direitinho não só o caso dessa jovem, mas dos planos do reino central.