Volume 3
Capítulo 59: Menina indefesa.
Naquela noite enquanto ensinava todas aquelas pessoas Tyler se sentiu muito grato, afinal repassar o conhecimento é uma coisa extremamente nobre. Ele não tinha medo de transferir nenhuma dessas técnicas, afinal só existiam duas alternativas, uma era ele se tornar governante desse reino e levar a humanidade para uma era de ouro e a segunda era algo dar errado enquanto ele estava na terra e não poder voltar a tempo e perder o fechamento do portal.
A primeira opção é claro era a preferida dele, contudo, Tyler é um cientista de verdade, e o prazer desse tipo de pessoa é propagar a ciência, se essas pessoas vivessem melhor com as poucas coisas que ele trouxe pra cá já era motivo de grande satisfação.
Apesar de ser médico e poder se chamar de doutor, ele quase nunca apresentou-se como tal, apenas em raras exceções quando estava em um ambiente com outros médicos. Já um título que ele amava, mas quase nunca tinha a oportunidade de usar era a de cientista.
Ao contrário do que se acredita, um cientista não é só para aqueles pesquisadores que usam jalecos e passam dias e dias formulando cálculos complicadíssimos. Um cientista na sua definição mais simples é alguém que ama a sabedoria, um amante da ciência.
E era nisso que Tyler verdadeiramente se orgulhava, por toda sua vida ele perseguiu todas as formas de sabedoria, não importava se algo fosse banal ou importante, ele queria aprender pelo simples prazer de saber aquele assunto, uma das coisas mais legais desse adjetivo é que ninguém precisa ser formado em nada pra poder se chamar assim, se você ama o conhecimento e o buscar é seu objetivo de vida, então você é um cientista.
Os ferreiros ficaram maravilhados com tudo, desde as forjas até as técnicas que Tyler tinha lhes passado, é bem verdade que foram poucas horas explicando, porém todos os presentes eram homens experientes, eles já sabiam como fazer seu trabalho, eram apenas pequenas dicas que ele lhes deu, eram como pequenas correções na trajetória de seus ofícios.
“O mestre é realmente um homem de muitos talentos.” Thoran elogiou enquanto ambos tomavam o café da manhã.
“Nem tanto, a única coisa na vida que eu sei de verdade é que nada sei.” Tyler sorriu.
Nada sabe? O jovem ficou confuso, esse velho na sua frente era a própria encarnação da sabedoria, ele mesmo já havia testado esse velho lhe perguntado muitas coisas sobre tantos assuntos diferentes dos quais nem podia contar, e agora dizia algo tão sem sentido. “Não entendi.”
Tyler vendo a expressão do homem respondeu. “Quanto mais se aprende, mais você entende que o homem não é nada, eu passei minha vida inteira me dedicando a aprender, mas sabe o quanto eu aprendi?” Ele perguntou.
“Não faço ideia.”
“Tudo o que eu sei é comparar um grão de areia em um deserto, a sabedoria é infinita. Por mais que eu a persiga, ela sempre aumenta e se renova. Em resumo não se pode ter o infinito.”
“Muito obrigado por suas palavras sábias, é realmente uma iluminação para mim.” Thoran foi muito sincero em suas palavras.
“Onde está a jovem que começou a trabalhar aqui?” Tyler quis saber, embora ele tenha se esquecido do nome dela, ele ainda se lembrava dela.
“Deve estar fazendo os deveres junto com os outros servos, quer que eu a chame?” O jovem se prontificou.
“Não, mas a criança que estava com ela parecia um pouco magra, pode trazê-la para mim?”
“Vou ver isso agora mesmo.” Thoran se levantou e foi ver com algum criado para trazer a menina.
Não muito tempo depois uma mocinha chegou até Tyler.
“Bom dia mestre.” A pequena o cumprimentou com uma reverência.
“Bom dia.” Tyler falou enquanto olhava para a menina, ela ainda estava com o rosto todo amassado, pelo visto tiraram-na da cama. “Já tomou café?”
“...” ela apenas balançou a cabeça envergonhada.
“Sabe, dá última vez eu queria lhe ver, mas fiquei sem tempo, podemos conversar um pouco, se não se importar, é claro.”
“Não me importo.” Ela falou timidamente, evitando olhar nos olhos.
“Eu vou ficar fazendo algumas perguntas, e você tem que me responder o mais sincera possível, está bem?”
“Sim...” A menina desviou o olhar com vergonha.
“Não se preocupe, são só coisas simples, tipo qual é o seu nome?” Tyler tentou quebrar o gelo.
“Narja.” Ela respondeu.
“E Narja, quantos anos você tem?”
A menina esperou um pouco como se estivesse fazendo algumas contas, então respondeu. “Tenho 13.”
Nossa, pela aparência dela Tyler daria uns 11… péssimo sinal. “Sei, pode vir mais perto?”
Seguindo as ordens de Tyler ela se aproximou.
Tyler observou os claros sinais que o corpo da menina mostrava, seu cabelo preto estava seco e quebradiço, segurando as mãos dela ele inspecionou suas unhas, estavam finas e quebradiças, sem falar da pele dela que era de uma palidez assombrosa, na verdade só o que se salvava dela em termos de aparência eram os olhos.
Eram duas esmeraldas! Tyler nunca tinha visto um verde tão intenso em um par de olhos como os daquela menina.
“Narja, você se sente cansada o dia todo e sempre está com sono?” Ele perguntou.
“S… sim.”
“Suas articulações doem e você tem sede o tempo todo, porém não importa o tanto de água que tome você quer mais e se puder o quanto mais gelada melhor?” Tyler quis saber.
A menina arregalou os olhos assustada, como aquele velho sabia tanto sobre ela?
“De dia você enxerga bem, mas logo quando escurece você enxerga mal?”
“Não.” Ela negou. “Eu enxergo muito bem a noite.”
“Isso é bom, sente tonturas de vez em quando?”
“Sinto.”
“Posso ouvir o seu coração?” Tyler perguntou mostrando o estetoscópio, ela estava com uma leve taquicardia.
A taquicardia é perigosa, pois é quando o coração bate em um ritmo acelerado mesmo quando a pessoa está em repouso, ela fica muito mais sujeita a ataques cardíacos e doenças relacionadas a pressão sanguínea.
Tyler suspirou aliviado e secretamente se agradeceu pela escolha em sua especialização, pois por formação ele era clínico geral e também serviu como médico combatente, além de trabalhar um tempo como médico humanitário em países da África.
Em suma ele sem saber tinha se preparado para esse tipo de situação. Imagina se ele fosse um neurocirurgião ou um cirurgião cardíaco.
Longe de ser um inútil, mas, com certeza, ele ficaria muito mais restrito em suas atuações como médico.
Pela sua própria experiência só de olhar ele já sabia qual eram os problemas da menina, desnutrição e anemia.
Tyler só não sabia se ela tinha alguma coisa mais grave porque não podia fazer nenhum exame de sangue.
Felizmente a solução era simples, no primeiro momento ele daria um bom remédio de verme e mais tarde enxeria ela de comida, principalmente carne.
“Alguém pode chamar a tia dela?” Tyler pediu a um dos servos.
Pouco tempo depois Milla chegou.
“Mestre.”
“Sente-se aqui, eu quero falar sobre Narja.” Ele apontou para o assento ao lado da menina.
“Ela não fez nada, fez?” A mulher perguntou preocupada.
“Não, de modo algum, eu quero apenas falar sobre a saúde dela.” Tyler riu.
“Ela está bem?” Milla ficou ainda mais nervosa.
“Sim, embora o seu estado pode ser grave se não tratado, eu ainda estou aqui, não estou?”
“Sim, está.” A mulher sorriu aliviada.
“Olhe aqui, ela tem que tomar esse comprimido hoje e outro igual daqui a uma semana, esses aqui ela vai tomar um todo dia, e esse outro é um sempre que for almoçar e jantar” Tyler falou passando alguns frascos.
Os remédios que ele havia prescrito eram os seguintes; O de verme era aquele que ela tomaria um hoje e outro com uma semana e os de uso diário eram um composto vitamínico e o para tomar antes das refeições era um suplemento de ferro e cálcio.
Querendo fortalecer o corpo da jovem Tyler tinha que seguir um protocolo, em primeiro lugar ele tinha que eliminar todos os “concorrentes” do corpo dela, e um bom remédio de verme era o ideal para preparar o corpo dela, as vitaminas, o ferro e o cálcio eram para nutri estimular seu desenvolvimento.
“Ela pode ter um pouco de dor de barriga nos próximos dias, mas será normal. Depois ela vai ficar com muita fome, mas será fome mesmo, ela vai querer comer até as panelas, faça comer muitos vegetais e carne, principalmente carne vermelha! Não se preocupe eu falarei com Thoran e tanto ela como você podem comer tudo o que desejarem.”
Os olhos dela começaram a lacrimejar. “O mestre é tão bom, eu não sei o que seria de nós sem o senhor!”
“Que nada, você daria um jeito.” Ele ficou sem jeito. “Isso aqui é um presente para você!” Tyler deu um chocolate.
A menina ficou emocionada ao receber aquilo, Tyler lhe deu um snickers. Depois de uma luta para conseguir abrir ele pode ver a decepção nos olhos dela.
“O que é isso?” Ela perguntou completamente confusa.
Só depois de um tempo é que Tyler entendeu o motivo dela ficar tão decepcionada, quem nunca viu um chocolate com amendoim imaginaria o que quando visse um pela primeira vez?
“Eu sei que parece feio, mas é muito gostoso.”
Mesmo relutante ela ainda sim provou.
“Hummmm!!!” Ela suspirou enquanto comia.
“Que bom que tenha gostado, e esse é para você.” Tyler deu outro para Milla.
***
“O mestre tem que ir mesmo?” Noeru perguntou.
“Eu vou, mas volto em no máximo duas semanas, continuem o bom trabalho com a expansão da cidade, e tome conta da segurança das pessoas.” Tyler instruiu.
“Sim, eu vou fazer exatamente como o mestre ordena.” Noeru respondeu.
“E Thoran fique atento aos novos comerciantes, você tem feito um bom trabalho até agora, continue assim.”
“Obrigado, vou cuidar o melhor possível!”
Se despedindo de seus dois ajudantes Tyler partiu de volta ao Texas.