Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 154: Tecnologia

Seguindo a liderança do mestre da Casa das Relíquias Perdidas, o grupo se deslocou pelo saguão até a outra extremidade. Embora os jovens e o homem de cabelo grisalho fossem desconhecidos, as duas figuras extraordinárias pertencentes à Seita Ebúrnea chamaram bastante atenção das pessoas que transitavam pelo local.

Desde o momento em que a Santa Mística e o filho mais novo do Patriarca Frederico entraram no prédio, todos os presentes interromperam seus afazeres apenas para parar e admirar a inesperada, porém magnífica, aparição. Aquela não era uma visão muito comum, mesmo para os funcionários ordinários, os quais pausaram o trabalho por um instante.

Com exceção de Ning, os outros convidados se sentiram bastante pressionados quando notaram os olhares alheios. Sabiam que não eram os alvos principais da curiosidade das pessoas, mas por estarem acompanhando as duas proeminentes figuras, acabaram recebendo atenção.

Shui e os outros fizeram o melhor para ignorar tudo aquilo, mas era uma tarefa difícil. Entre todos, o mais nervoso era o 5º Ancião, que olhava de um lado para o outro à medida que suor escorria de sua testa e seu rosto ficava ainda mais ruborizado. E por isso, ficou feliz quando terminaram de atravessar o saguão.

― É por aqui. ― A voz poderosa de Noah soou, avisando que estavam no caminho certo. Ele apontou para uma grande caixa iluminada que se encontrava, acredite ou não, dentro da parede. E então, arredou para o lado, abrindo passagem para os demais irem na frente.

Quando perceberam que deveriam entrar ali, Xiao Shui e Xu Xia ficaram bastante confusas. As garotas olharam para o resto do grupo, como se estivessem esperando por alguma explicação. O recipiente parecia não levar para lugar algum. Existia uma porta levadiça na frente, que era por onde entrariam, mas não tinha uma saída ― nem nos fundos e nem nas laterais.

A caixa em formato de cubo era feita de madeira lixada e envernizada. O chão era composto por uma prancha maciça que não apresentava falhas ou fragilidades na estrutura. Já as paredes possuíam certo charme, graças às tábuas de duas tonalidades diferentes coladas uma ao lado da outra, alternando entre as cores e compondo um estilo peculiar e agradável.

No interior, parado em um canto logo na entrada, um homem de uniforme cor de marfim podia ser visto ao lado de uma manivela e uma alavanca. Quando viu o grupo se aproximar, ele curvou a cabeça e fez um gesto para que entrassem. Xiao Chan e Qiao foram os primeiros a avançarem, mas as garotas continuavam hesitantes.

Oh, um elevador! ― comentou Ning, que dedicou um segundo para estudar o meio de transporte. ― Até que vocês têm algumas tecnologias interessantes por aqui.

― Podemos não ser o único prédio com elevadores, mas com certeza somos o que sobe mais alto ― disse Heloísa, que sorriu para o garoto antes de também entrar no objeto.

As garotas se sentiram encorajadas, quando viram que todos estavam entrando. Mas no instante em que cruzaram o portal, não conseguiram resistir a vontade de, ingenuamente, levantar a cabeça e se encantar com cada detalhe, que apesar de tão simples, representava um luxo nunca visto antes. Como a lâmpada à óleo no teto, disfarçado de um elegante lustre de cristal.

Assim que todos se acomodaram, o ascensorista puxou a porta para baixo, fechando o elevador, e, antes de continuar, perguntou:

― Para qual andar?

― Quinquagésimo sétimo ― informou Noah.

E assim que recebeu a instrução, o sujeito empurrou a alavanca contra a parede, provocando um solavanco repentino que arrancou um grunhido de espanto de Shui. Em seguida, ele agarrou a manivela e começou a rodar.

O elevador se deslocou e aos poucos começou a subir. Era possível ver a movimentação através das frestas na porta de grade.

Logo ficou claro que levaria algum tempo para chegarem no destino, pois a velocidade com que subiam era questionável. Entretanto, para alguém como Ning, apenas o fato de não precisarem escalar todos aqueles andares já representava um grande alívio. A exceção ficava toda para o ascensorista. O sujeito precisaria se esforçar para subir por tantos metros carregando sete pessoas. Se ele não fosse um Virtuoso, Shui até consideraria ajudar.

Como era de se esperar de um sistema manual, a subida foi vagarosa. Depois de dois minutos, eles ainda estavam passando pelo oitavo andar. O número de cada sessão aparecia pregada em placas contendo símbolos na parte interna da parede, de frente para a porta de grade, orientando o operador do veículo.

No começo, as garotas, que nunca haviam utilizado tal meio para se locomover, ficaram encantadas. Quando o elevador começou a subir, a sensação peculiar fez Shui encarar os próprios pés por alguns segundos. Mesmo Xu Xia, que tentou disfarçar, não resistiu e parou ao lado da saída apenas para ver os tijolos sendo deixados para trás.

Mas depois de algum tempo, o fascínio e a curiosidade provocada pela novidade passou, elas se acostumaram e decidiram fazer outra coisa.

― Esse prédio é todo para as “coisas” do leilão? ― Em uma abordagem nada discreta, Xiao Shui parou ao lado de Heloísa e resolveu fazer uma pergunta aleatória na esperança de que isso pudesse se estender para assuntos diferentes. Desejava se aproximar da Santa, mas era difícil dialogar com uma pessoa tão estimável.

― Somente do quinquagésimo ao sexagésimo andar, que são reservados para estocagem, preparação, reparação e administração. Além do leilão, é claro. ― Heloísa Valentina se mostrou bastante simpática ao responder. ― Nós temos algumas lojas populares nos outros, mas também alugamos uma parte.

― A Seita Ebúrnea é bem rica, não é? ― A filha do 9º Ancião não sabia o que dizer.

― Nós estamos bem ― falou a segunda no comando enquanto sorria.

Ao mesmo tempo, ali perto.

Embora também desejasse conversar com aquela mulher que simbolizava tanto para esse império, Xu Xia decidiu se aproximar de outra pessoa.

― Eu soube que você está tentando “Despertar”. ― Ela falou com a voz baixa, quase um sussurro, pois apesar de estarem em um lugar fechado, cercada de ouvidos atentos, esperava que o ato diminuísse seu constrangimento. ― Se quiser, eu posso dar algumas dicas. Só consegui deixar o Reino Mundano por causa de alguns “truques” que aprendi.

― Que gentileza da sua parte. ― Ning exibiu um sorriso caloroso. ― Mas não precisa.

― Eu sei... sei que você desconfia de mim ― a recusa deixou Xia desconcertada ― e está certo. Só que... eu só quero ajudar. ― Sabia que não podia mudar suas palavras ou atitudes, porém desejava fazer algo para compensar.

― Não é por isso que recusei. ― O preguiçoso de olhos castanhos entendeu o nervosismo da garota. ― Eu só não estou tão preocupado com essa parte quanto... ― inclinou a cabeça para o lado e sussurrou ― a pequena Shui pensa.

― Como assim? ― Ela franziu a testa, estranhando a alegação.

― Com o tempo que já cultivei e as pílulas que consumi, eu poderia estar no Reino do Despertar e ter avançado pelo menos duas camadas. Mas por enquanto estou mais preocupado com minha saúde. Está vendo? ― Ele levantou a camisa e mostrou o torso. ― Todos os meus hematomas se foram e meus ossos quebrados se curaram. Além do mais, da próxima vez que me ferir, irei me recuperar mais rápido.

― Você pode fazer isso? Incrível! ― disso Xu Xia, impressionada. ― Então você não quer aumentar de Reino?

― Eu não falei isso ― retrucou Ning. ― Afinal eu preciso aumentar minha Energia Espiritual para produzir algumas pílulas mais poderosas. Você consegue usar o Sentido Espiritual, não consegue?

― Bem... ― Ela se concentrou por um segundo. ― Sua Energia... parece ser a de um Despertado ― espantou-se. Seus olhos claros se abriram de maneira significativa conforme o rosto era tomado por surpresa e confusão.

― Isso é porque estou perto de evoluir. He! He! He! ― Ning sorriu.

As conversas aleatórias continuaram por alguns minutos, até que o grupo enfim avistou a placa indicando o quinquagésimo sétimo andar e todos se aproximaram da porta, antecipando a saída.

O elevador parou e o ascensorista puxou a alavanca, estacionando o meio de transporte no local desejado. Em seguida, ele ergueu a porta e desejou um ótimo leilão a todos.

Noah foi o primeiro a sair, seguido pelos demais que, antes de se afastarem, agradeceram pelo serviço do homem vestindo marfim. Até porque, apesar de ser um Virtuoso de 4ª Camada, não deve ser uma tarefa fácil arrastar um objeto pesado e lotado, para cima e para baixo, em um edifício tão alto.

Quando saíram no corredor do quinquagésimo sétimo, todos ali, que jamais estiveram no local, ficaram petrificados pela beleza imediata do recinto. Shui e Xia ficaram tão encantadas que arregalaram os olhos e prenderam a respiração por um momento. O mesmo aconteceu com Ning e Chan, que giraram sobre os próprios tornozelos conforme olhavam para o alto, admirando o teto que chegava a sete metros de altura.

O chão do corredor, que se estendia em duas direções, era forrado por pisos de porcelanato belos e requintados, que traziam uma cor de marfim vibrante e majestosa. O polimento dedicado e preservado reluzia o brilho vindo dos magníficos candelabros de ouro pendurados em lugares estratégicos.

As paredes laterais estavam revestidas por folhas de madeira marrom-avermelhado, deixando o ambiente com um clima agradável, alegre e receptivo. E, no teto, existiam dois “varais” formados por pequenos cristais reluzentes que se interligavam, compondo diversos arcos de uma ponta a outra.

O corredor era extenso e largo, permitindo a passagem de diversas pessoas de uma só vez. E de fato era possível ver alguns homens e mulheres, trajando roupas elegantes, aglomerando uma passagem que ficava à direita.

Xiao Qiao, que também estava impressionado com a elegância sufocante do local, quando viu o bando desconhecido, parado de frente a um portal em forma de arco que parecia dar acesso a uma sala, logo tratou de seguir naquela direção. E ele foi acompanhado por Chan e Ning.

Contudo, antes que se afastasse muito, Heloísa Valentina avisou:

 ― É por aqui. ― Ela se virou para a esquerda e seguiu pelo caminho vazio.

O grupo avançou até alcançarem uma passagem escura e abafada na lateral direita, que dava acesso a uma escadaria coberta por um carpete púrpura. Corrimãos de ambos os lados ajudavam os visitantes a se apoiarem à medida que candelabros modestos traziam uma iluminação fraca.

Com Noah na liderança, o bando formou uma fila e subiu um após o outro, já que a passagem era um tanto estreita e fechada, comparada ao corredor de antes. Para a sorte do preguiçoso, não existiam muitos degraus e logo eles chegaram ao fim.

O que se revelou no piso superior foi uma sala extensa e luxuosa que, apesar de ter espaço o suficiente para abrigar dezenas de pessoas, encontrava-se quase vazia. Para quem entrava, do lado direito, existia uma abertura protegida por um parapeito cor de marfim que dava visão ao piso inferior.

O chão do recinto estava coberto por um tapete aveludado da mesma cor do carpete. Em um canto à esquerda, notava-se uma grande mesa repleta de comidas e bebidas de diversos tipos ― um verdadeiro banquete. A iluminação era moderada, de forma que o ambiente preservava certo mistério criado pelas sombras.

E para completar, apesar do espaço amplo, que possuía cerca de vinte metros de uma ponta a outra, existiam apenas dezesseis assentos voltados para o piso inferior.

Quando todos entraram no local, a primeira impressão que tiveram foi a de estar vazio. Mas a presença de uma Energia Espiritual poderosa os fez reconsiderar esse pensamento. Na verdade, era até um pouco difícil se concentrar para usar o Sentido Espiritual nesse lugar, pois havia muitas entidades poderosas ao redor. Porém, essa chamou a atenção do grupo, já que se tratava de um Espirituoso no auge de seu Reino.

Cercando a mesa com comida, achava-se um homem alto, pelo menos dois metros de altura, de ombros largos e que segurava em um braço uma porção de diferentes fatias de pão enquanto usava a outra para pegar pedaços de bolo e comer em seguida.

O sujeito, que tinha por volta dos trinta anos, não possuía um único fio de cabelo na cabeça e seu rosto era tão liso quanto o de um adolescente. Os olhos, nem tão estreitos ou arredondados assim, além da tonalidade escura que marcava a íris, tinha um branco puro que trazia grande destaque para o órgão. E ao redor dele, mesmo se tratando de um rapaz “jovem”, notava-se a presença de rugas de alegria.

Quando o grupo chegou, o estranho levou um grande susto, principalmente por causa de Noah e Heloísa. Com a boca cheia, ele jogou tudo que carregava no braço de volta para a mesa e, sem perder tempo, ajeitou o uniforme preto.

― Sen... senhorita Valentina ― engoliu de uma só vez o que estava mastigando. ― Representante Dromunda. Não sabia que teríamos convidados especiais hoje ― falou enquanto exibia um sorriso constrangido, mas nem tanto a ponto de se desculpar por ter sido flagrado.

― Carlos ― disse Noah usando um leve tom de censura ―, vá lá para baixo e garanta que ninguém não autorizado suba as escadas.

E sem questionar, Carlos exibiu outro sorriso constrangido e deixou o recinto a passos largos.

Enquanto isso, Xiao Ning, que não ficou tão curioso com a presença do desconhecido, resolveu se aproximar do parapeito junto do amigo, Chan. Desde que subiu as escadas, ele passou a escutar um grande número de vozes vindo da parte de baixo e quis checar do que se tratava.

Foi nesse momento que ele se viu confrontado por outra visão espetacular que roubou sua atenção.

No piso inferior existia um salão grandioso cujas paredes de cores típicas se viam decoradas por arabescos florais folheados a ouro e prata. Na parte dos fundos ficava um palco, semelhante ao de um teatro, porém sem fundos falsos ― apenas entradas discretas para as laterais. E de frente para ele, fileiras de assentos acolchoados podiam ser notados. O lugar dispunha de mais de cem cadeiras e quase todas já estavam ocupadas.

Contudo, não foi nada disso que despertou a atenção dos companheiros. O que de fato fez os olhos dos dois brilharem foi a enorme diversidade que se encontrava no piso inferior.

Bastava olhar para os rostos, roupas e aparência para notar que as pessoas ali presentes vinham de cantos distintos do Império Dourado. Algumas mulheres de pele morena possuíam “tatuagens” florais nas mãos, outro grupo usava roupas vibrantes com destaque para o azul e o vermelho.

Embora Ning e Chan estivessem encantados com a visão, eles não foram os únicos que tiveram seus interesses despertados. No instante em que notaram a presença de indivíduos no piso superior, todos olharam para cima à medida que seus rostos eram tomados por surpresa. E logo um burburinho começou.

― O que a Santa do Vale Sem Lei está fazendo aqui? ― disse uma mulher que não escondia suas notas de admiração.

― Ela veio assistir o leilão? ― sugeriu um colega ao lado.

― Será que terá algo especial hoje ou ela só está entediada?

― Ei! Aquele lá não é o mestre da Casa das Relíquias Perdidas? Pensei que ele não participasse mais das licitações.

As teorias e especulações logo tomaram conta do lugar, fazendo o barulho vindo do salão inferior aumentar. Todos desejavam saber o que aquelas duas proeminentes figuras estavam fazendo ali... juntas. Por outro lado, os participantes do leilão tinham uma coisa em comum: ninguém dava a mínima para os rostos jovens e desconhecidos que faziam companhia à Santa e ao filho mais novo de Frederico Fausto de Dromunda.

Enquanto isso, de volta ao piso superior. Após se certificar que os estimados convidados estavam confortáveis, Heloísa Valentina anunciou:

― Nós ― indicou o colega de Seita ―, iremos nos retirar agora. Esse é um momento importante e seria apropriado ser anunciado por nós. ― E assim os dois saíram, deixando o resto do grupo para trás.

 


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