Volume 2
Capítulo 146: Termos inegociáveis
O Patriarca Enlai e os outros foram até um quarto desocupado localizado do outro lado do casarão. O cômodo em questão fora usado para abrigar parte de pessoas feridas durante o confronto contra o 1º Ancião Dong, tanto que ainda era possível encontrar algumas bandagens e colchonetes nos cantos. E agora serviria de local de discussão, pois era afastado do salão de reuniões.
Xiao Ning não parecia muito motivado em estar ali. Mas apesar disso, foi educado o bastante para parar e escutar as queixas do outro lado.
E assim, os dois adultos começaram a falar. O primeiro a abrir a boca foi o tio Chang.
― Você não pode ir à capital. ― Suas palavras soaram severas e decisivas. ― Aquele lugar é perigoso demais. Especialmente... ― Mas nessa parte, ele se interrompeu.
― Quanta preocupação. ― Xiao Ning deu de ombros, dando pouco mérito ao alerta do tio. ― Olha só onde a gente vive. Se balançar uma árvore cai um bicho que quer me devorar.
― Os perigos são diferentes ― insistiu o 9º Ancião. ― E para ser sincero, também são incomparáveis.
― Xiao Ning ― a voz do Patriarca soou severa. ― Desde que você se tornou um Alquimista, temos permitido que continue sendo negligente, apesar de isso colocar sua segurança em risco, como já aconteceu. Porém, nós não fizemos nada, pois respeitamos a liberdade individual. Mas agora as coisas são diferentes.
― Isso de vocês ficarem fazendo segredo por causa de assuntos triviais é um saco! ― resmungou o Alquimista.
― Ei, veja a boca! ― Shui deu um tapa discreto no abusado.
― Às vezes, segredos são necessários para manter a ordem ― disse o tio Chang. ― Mas isso também não nos importa.
― Você prestou atenção no que a grã-chanceler falou? ― continuou Enlai. ― “O nome da Família Xiao continuará a se espalhar” ― citou. ― A partir de agora, mesmo que não seja sua intenção, suas ações irão refletir diretamente na imagem da Família. Você é: “O Alquimista dos Xiaos”.
― Política. Argh! Odeio essas coisas ― resmungou. ― Contudo, nada disso é algo necessariamente ruim. Afinal a Família poderá se beneficiar muito dessa “fama”.
― Você não precisa gostar, mas é isso que irá acontecer ― enfatizou o tio Chang. ― E não estamos falando que é algo ruim. Apenas que precisamos ser cuidadosos.
― Apesar de estarmos convivendo há pouco tempo, já conheço sua personalidade o bastante para saber que uma hora ou outra você irá arranjar problema. ― Enlai tinha certeza quanto a essa parte. ― E quando isso acontecer, as consequências cairão sobre a Família. Além do mais, ir para a capital só irá antecipar esses problemas.
― Se eu arrumar confusão, eu resolvo! ― garantiu Ning, cheio de confiança.
― Mesmo se isso for verdade, o que acha que acontecerá depois? ― indagou o Patriarca. ― Somos uma organização pequena, comparada a tantas outras que existem por aí. Se por um acaso houvesse um desentendimento com o grupo errado, poderia acontecer um conflito e muitas pessoas morreriam. Acha que seria justo pedir aos combatentes de nossa Família para lutar por um membro que arrumou confusão “desnecessária”?
― Agora que você se tornou uma pessoa de destaque, muitas pessoas, boas e más, estão de olho em seus movimentos ― acrescentou o tio Chang.
― E é por isso que eu não posso permitir que você continue saindo para onde bem entender. ― O Patriarca estava sério. Ele havia tomado uma decisão. ― Haverá algumas regras de agora em diante.
― Verdade... não seria justo envolver os membros em minhas ações. ― Embora agisse de uma maneira infantil, ele reconhecia e sabia muito bem das tragédias que a influência negativa de uma figura pública poderia causar na vida das pessoas. Apenas por causa disso estava disposto a ser mais prudente. Contudo, o modo de falar do líder o incomodou. ― Você fala como se pudesse decidir por mim. ― De repente, o ar ao redor de Ning mudou para algo desafiador. Seu tom se tornou áspero e sua atitude ousada.
― De fato, eu não posso ― concordou o cabeça dos Xiaos. ― Mas eu posso impor algumas consequências. Além de perder todos os seus privilégios, é melhor estar preparado para ser punido severamente por seus atos.
As pesadas imposições estavam inflando o desejo do Alquimista de se impor. Xiao Ning parecia pronto para protestar e, também, para “brigar”, caso fosse necessário.
Entretanto, quando ele encheu o pulmão de ar, preparando-se para falar alguma coisa, sentiu a manga de sua camisa sendo puxada e olhou para o lado. Xiao Shui o encarava com olhos clementes, implorando em silêncio, mas com tanta ênfase, para que não fizesse nada.
Por fim, ele soltou um suspiro e coçou a cabeça. Não sabia mais o que deveria fazer.
Foi quando o próprio Patriarca surgiu com uma sugestão:
― Mas existe uma maneira de contornar tudo isso e é lhe dando mais poder. Podemos lhe dar um cargo oficial que virá junto de responsabilidades.
― Como assim? ― O Alquimista ficou curioso.
― Nossos praticantes se sentiriam injustiçados se tivessem que colocar a vida em risco contra um oponente mais forte por causa de um membro comum. Contudo, isso seria diferente se fosse alguém de destaque, tipo um Ancião. Se forasteiros atacassem e insultassem nossos Anciões, os outros membros ficariam revoltados. Sem falar que, Famílias ou Seitas, enquanto organizações, pensariam duas vezes antes de tentar algo contra alguém de relevância, pois isso poderia implicar em guerra. Ser um Alquimista o torna importante, te faz ser um trunfo, porém não lhe garante nenhum desses privilégios ― reforçou.
― Então, o quê? Você quer me tornar um Ancião? ― A voz de desdém de Ning era clara.
― Não! ― Enlai respondeu sem nenhuma hesitação. ― Nós temos regras rígidas para isso e exigência mínima de cultivo. Mas existe outro cargo de destaque em nossa Família que não vem sendo ocupado há anos. Trata-se de uma função que está vaga desde muito antes de eu me tornar um Patriarca. As exigências para ele também são altas, porém você atende os requisitos.
― Ah! Agora eu entendo. ― O tio Chang, que havia permanecido em silêncio nos últimos instantes, de repente teve um esclarecimento. ― Isso faz sentido.
Por outro lado, a filha e o afilhado continuavam confusos. Mas isso não durou muito, já que o Patriarca logo tratou de esclarecer.
― Estou falando do cargo de Conselheiro.
― Um Conselheiro! ― Xiao Shui levou um susto tremendo com a revelação. Seus olhos ficaram arregalados e uma expressão de choque tomou conta de seu rosto.
― Isso é tão importante assim? ― Curioso, Ning olhou para ela enquanto aguardava pela resposta.
― É mui...
― Nada demais! ― Porém, antes que ela terminasse, o Patriarca a cortou sem qualquer sutileza. ― É uma função como qualquer outra. O que me diz? Aceita?
Nesse momento, tanto o pai quanto a filha olharam com grande expectativa para o preguiçoso.
Xiao Ning pensou um pouco. Não desejava ficar preso em obrigações familiares. Mas até para ele a resposta parecia óbvia.
― Se eu disser sim, vou poder ir para a capital sem nenhum problema?
― Não apenas a capital. Se você aceitar, poderá organizar grupos com os Guardiões e ir para onde quiser e quando quiser. Terá tanta liberdade quanto um Ancião.
― E vou ter tanto trabalho quanto eles também? ― O preguiçoso ficou preocupado.
― Não se preocupe com esses detalhes, a gente pode discutir esse tipo de coisa depois. ― Fugindo da pergunta, o Patriarca abriu um sorriso e deu alguns tapas amigáveis no ombro de Ning. ― Além do mais, sua candidatura ainda precisa ser aprovada. Então, não se preocupe. O que me diz?
― Candidatura? Bem... Se não tiver que trabalhar muito, eu aceito! Além do mais, eu sempre posso desistir depois, não é?
― Claro que pode ― afirmou o homem com mais de dois metros de altura.
A resposta positiva abriu um sorriso enorme no rosto de Enlai, o qual foi compartilhado pelo tio Chang. Apenas Xiao Shui continuava em choque.
― Ótimo, ótimo! Essa é uma ótima notícia ― comemorou o líder dos Xiaos. ― Já que chegamos a uma decisão, vamos voltar para o salão e iniciar as negociações.
Animados com o desfecho da conversa, Enlai e Xiao Chang saíram do quarto e voltaram para o salão, deixando os dois jovens para trás.
Xiao Ning esticou a perna, pronto para segui-los, mas quando avançou em direção a porta, notou que Shui estava sorrindo.
― O Patriarca te enganou direitinho ― disse ela em um tom divertido.
― Então aquela proposta é mesmo boa demais ― comentou o Alquimista, estreitando os olhos de uma maneira desconfiada. ― Tem aparecido muitas dessas ultimamente.
― Há alguns dias, eu ouvi ele, meu pai e outros Anciões conversando ― Shui começou a relatar. ― Eles estavam preocupados que você deixasse a Família para entrar em alguma Seita importante. Mas agora que aceitou ser o novo conselheiro, nenhuma organização vai tentar recrutá-lo.
― Então é por isso que o tio parecia tão animado ― percebeu o preguiçoso. ― Bem, não tenho a menor intenção de ir para outro lugar. E agora eu posso ficar aqui sem fazer nada.
― Eu não teria tanta certeza ― Xiao Shui tinha um sorriso cheio de significados e muito divertido no rosto.
― Como assim?
― O Patriarca não quer que eu fale. ― Tinha percebido da primeira vez que foi interrompida. ― Mas digamos que, se aceitarem sua indicação, é melhor estar preparado para ir em muitas reuniões e... deixa pra lá. ― Ela exibiu outro sorriso divertido e saiu.
De volta ao salão de reuniões, todos se encontravam sentados em seus devidos lugares. A postura defensiva dos integrantes mais velhos dos Xiaos havia mudado e os visitantes perceberam isso.
― Acho que não tem problema se prosseguirmos ― sondou Valentina de Carvalho, olhando do imponente líder de estatura elevada para o sujeito de cabelo azul e expressão cansada.
E como nenhum dos dois protestou a sua sugestão, Noah se sentiu à vontade para continuar.
― Os pequenos detalhes nós podemos continuar debatendo, mas, por enquanto, gostaríamos que soubessem que nossa proposta oficial envolve uma transação simples em que: todo produto feito através da Alquimia ou relacionada a ela (excludentes ingredientes comuns), manuseado por Xiao Ning e destinado a venda, deverá ser intermediado por nós, seja em casas de leilões, comércio especialista ou varejista. Em troca dessa exclusividade, estamos dispostos a dar 65% do lucro das vendas à Família Xiao. O repasse interno deverá ser decidido entre vocês.
A proposta final gerou grande surpresa no Patriarca e no tio Chang, que ergueram a cabeça e se entreolharam de uma maneira significativa.
― É... muito generoso ― disse Enlai, desconfiado.
― Isso é porque não estamos interessados nos produtos, mas na imagem. ― A resposta da grã-chanceler veio através de um esclarecimento expressivo. Notava-se que ela e os integrantes da própria organização, apesar do pouco tempo que tiveram, já haviam amplamente discutido o assunto. ― Se no futuro nosso interesse pelos produtos do Alquimista aumentar, ainda assim não teremos prejuízo com essa porcentagem. Contudo, o foco continua sendo nossa relação com um extraordinário garoto de dezesseis anos que se tornou um Alquimista Sênior.
― Então vocês querem passar a impressão de que tiveram relação com isso ― concluiu o tio Chang.
Estava cada vez mais claro o objetivo daquele Seita ali. Mesmo assim, a proposta era tão boa quanto se podia esperar. Sem falar que seria vantajoso estender laços com uma das sete grandes organizações do império e sem dúvida uma das redes de comércio mais influente de todo o continente. Por causa de tudo isso, os dois líderes presentes estavam dispostos a continuar ouvindo as propostas.
No entanto, antes que eles avançassem para os detalhes mais discretos dos termos, Xiao Ning os interrompeu:
― Você disse que estaria disposta a atender nossas demandas, certo? ― A resposta de Heloísa veio através de um aceno sutil de cabeça conforme sua testa franzia, demonstrando curiosidade diante da pergunta. ― Se esse é o caso, poderia criar uma casa de leilão aqui na cidade?
― Qual o motivo disso? ― indagou o Patriarca, tão intrigado quanto o resto.
― Por se tratar de uma região perigosa, não teríamos tantos clientes, mas ainda seria possível ― concluiu a grã-chanceler. ― Há algum motivo especial para isso?
― Bem, há algum tempo, o tio Chang disse que as outras Famílias poderiam desgostar de termos alguém capaz de criar pílulas, já que isso poderia criar uma desigualdade muito grande entre nossos poderes. Então pensei em vender algumas para eles para diminuir a insatisfação. Sabe? Fazer um leilão exclusivo ou algo do tipo.
― Hm... entendo o que está pensando ― disse Heloísa, encarando-o com seus grandes olhos castanhos-avermelhados. ― Poderíamos trazer uma filial da Casa dos Cultivadores para cá ― avaliou.
― Ainda seria inviável! ― Mas Noah se opôs. ― Ao invés de uma casa de leilão, podemos abrir uma loja focada em artigos de cultivo. E as Famílias locais teriam descontos nos itens feitos por você ― propôs, olhando para Ning.
― Para mim parece bom. ― O Alquimista aceitou a oferta final e a partir desse momento, os pequenos detalhes passaram a ser acertados. Mas não antes de uma última exigência ser feita. ― Eu quero uma lista com todos os ingredientes conhecidos por vocês para fazer alquimia. Também quero um bestiário completo das Bestas Demoníacas e Feras Mágicas avistadas no império, e quantos livros de botânica conseguirem. ― Esses eram termos inegociáveis.
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Marcelo Kuchar
Emily Silva
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