Volume 1
Capítulo 84: Xiao Jiao
Embora os Xiaos fossem liderados por dez Anciões, além do Patriarca, na plataforma reservada para os membros privilegiados de cada Família, só se viam quatro daqueles grandes nomes conhecidos por toda a Cidade da Fronteira do Caos e até em algumas províncias ao longo do Império Dourado.
Entre eles estavam o 9º Ancião Chang, pai de Xiao Shui e Chan; o 8º Ancião, membro mais velho dos Xiaos; a 7ª Anciã, responsável por orquestrar a maioria das reuniões da Família e mãe de Xiao Li; e, por fim, a 2ª Anciã Ah-kum, alvo de grandes teorias e confabulações, apontada como a possível pessoa mais forte entre os Xiaos. É claro, o Patriarca Enlai também se fazia presente sobre o palanque, aguardando o começo das disputas.
A despeito de seu neto ser um dos destaques do festival que estava acontecendo, a ausência do 1º Ancião Dong não era tão estranha, pois ao longo de seus muitos anos de vida existiram diversas vezes que ele não compareceu nas festividades da virada do ano. Sem falar que, todos sabiam de seu pouco afeto por Xiao Bai.
Entretanto, a falta do 3º e 4º Ancião, dois de seus aliados mais fiéis, era encarado com desconfiança; em especial, a carência do 4º Ancião Kun, um diplomata nato que está sempre à frente na maioria das negociações envolvendo a Família. E para alguém igual a ele, esse tipo de evento era perfeito para estabelecer relações.
E embora o 3º Ancião Zi tenha comparecido, ficou por pouco tempo, partindo alguns minutos após a chegada do tio Chang e seu grupo.
Ainda assim, o sumiço desses três não era visto como motivo para levantar suspeitas, apenas uma cautela prudente. Desde o pronunciamento do Patriarca, eles vinham tendo divergências e essa poderia ser apenas mais uma delas.
Quanto ao 10º Ancião, depois de romper os laços com Xiao Dong, ele deixou a Família sob o pretexto de se retirar em um lugar isolado para cultivar, mas todos sabiam que, na verdade, sua partida foi motivada pelo medo de sofrer retaliação pela decisão tomada.
Por sua vez, o 5º Ancião Qiao, pai de Xiao Yu, uma das amigas de Xiao Shui, e um dos aliados mais antigos do Patriarca Enlai, partira em uma viagem fazia alguns dias e no atual momento se encontrava longe da Cidade da Fronteira do Caos. E, por fim, o 6º Ancião Shaoqing, seguidor de Xiao Dong, estava ausente fazia alguns meses e não se tinha notícias de seu paradeiro desde sua saída.
Mesmo faltando muitos de seus membros, os Xiaos se mantinham animados da melhor maneira possível, conversando entre si. O tio Chang e o Patriarca Enlai falavam de assuntos aleatórios, tentando manter as aparências após o ocorrido de mais cedo. Enquanto a Anciã Huo e o marido se mantinham próximos da filha, que olhava para a multidão na parte de baixo.
Ao lado deles, o 8º Ancião, com sua cara enrugada, demonstrava certa sonolência, sem fazer movimentos energéticos. Muito embora, isso não passasse de uma ilusão criada por sua idade avançada e seus olhos escondidos por trás das rugas. Na verdade, ele se mostra mais animado do que o normal, dispensando ofertas para se sentar ou encontrar um lugar mais calmo para relaxar. Era um grande admirador dos Festivais da Geração do Caos e em toda sua vida nunca perdeu nenhum. Mesmo quando criança, seus pais o levavam para torcer pela Família e isso se tornou uma espécie de tradição.
Agora, velho, adorava ver a empolgação dos jovens, o clima festivo, e assistir às batalhas. Especulava bastante a respeito das lutas, apontando possíveis vencedores e justificando o motivo da derrota de outros. Ao lado da Anciã Ah-kum, ele aplaudiu quando os participantes do festival subiram no palco e logo começou a comentar sobre a Energia Espiritual de cada um.
― Aquele Xu Jong continua com o cultivo afiado. ― avaliou o Ancião Wing, impressionado. ― Como se já não fosse surpreendente ter alcançado o Reino do Despertar aos quatorze anos, em tão pouco tempo ele conseguiu avançar para a 2ª Camada. Depois de tantos anos em decaimento, a Família Xu teve a bênção de dar origem a um prodígio inigualável.
― Sim, ele parece ser muito bom em cultivar. ― concordou a Anciã Ah-kum, que mantinha a coluna ereta e os braços cruzados em frente ao peito, numa postura pouco graciosa. ― Apesar de ser mais velho e ter avançado primeiro para o Reino do Despertar, aquele garoto presunçoso não teve a menor chance no ano passado e parece que este ano não será diferente.
― De fato, Xiao Bai pode ser um pouco mais forte e controlado quando se trata de batalhas que exigem tenacidade, mas existe uma grande distância entre a Energia Espiritual dos dois. ― avaliou Wing, que manteve sua análise a mais crítica possível, afastada de sentimentos pessoais. ― Infelizmente eu não pude assistir o Evento de Seleção, então não posso dar um parecer preciso da força de Xiao Bai. Porém, acho improvável que ele consiga sua revanche.
― Sim, você perdeu. Foi um espetáculo e tanto. ― disse Xiao Ah-kum, com sua voz rudimentar, que vez ou outra mostrava sinais fracos de formalidade.
― Ouvi dizer que as lutas foram imprevisíveis. ― comentou o 8º Ancião, em seu costumeiro tom suave, deixando as palavras deslizarem para fora dos lábios. ― Mas isso fica óbvio ao olharmos para os representantes desse ano. No último festival, quando Xiao Ji conseguiu se classificar mesmo estando apenas na 6ª Camada do Reino Mundano, já foi uma grande surpresa para toda Família. E esse ano nós temos dois inferiores aos Mundanos da 7ª Camada. Por sorte, o discípulo Guo se tornou um Despertado, do contrário, nossa Família enfrentaria tempos difíceis nas disputas.
― O Ancião está subestimando aqueles dois. ― replicou Ah-kum, dando um sorriso selvagem. ― Xiao Ning pode ser um pirralho abusado, mas é um lutador poderoso. Sem falar que, há alguns dias, ele alcançou a proeza de avançar para a 7ª Camada. Além do mais, minha discípula é feroz em batalha.
― Mesmo que ele tenha evoluído para a 7ª Camada, ainda é um avanço recente, não se compara aos outros do mesmo nível. ― argumentou Xiao Wing, prudente em sua análise. ― E, eu não desacredito das palavras da 2ª Anciã, mas sua discípula parece estar um pouco nervosa.
Embora seus olhos já não fossem os mesmos, do lugar em que estava, o 8º Ancião possuía uma boa visão do palco e uma coisa que reparou foi em Xiao Jiao tentando se esconder atrás dos colegas, sempre com a cabeça baixa e os ombros caídos. Aparentava estar tentando passar despercebida, temendo os olhares alheios, o que era uma atitude pouco confiável para alguém que seria uma dos destaques da noite. Logo, quando sua vez chegasse, não haveria mais lugares para se esconder. E nesse momento, de qual maneira ela poderia se sobressair em uma luta?
― É compreensível ficar nervoso nesse tipo de evento, com tantas pessoas assistindo. ― continuou ele. ― Porém, se a jovem Jiao não consegue nem ao menos olhar para o seu oponente, não há como travar uma batalha.
― Eu concordo que aquela garota é muito tímida. ― disse a Anciã Ah-kum, não negando as palavras do companheiro. ― Ela sequer consegue conversar com as pessoas e sempre se assusta fácil. ― Falando até aqui, a 2ª Anciã parecia não ter argumentos para defender sua única aprendiz. Contudo, um sorriso confiante brotou em seu rosto, antes de dar seguimento. ― Mas quando está numa luta, não há ninguém mais feroz.
Sentindo uma confiança excessiva nas palavras de Ah-kum, o 8º Ancião não falou mais nada. Seus olhos, ocultos pelas rugas, voltaram-se para encarar a garota assustada no palco, imaginando se existia algo que não tinha percebido. A parte que mais adorava nos festivais eram as surpresas.
Foi nesse momento que a voz do Patriarca Tengfei se ergueu entre a multidão.
― ...Xiao Jiao e Zhan Xin Qian travarão a primeira batalha. ― proclamou ele, em alto e bom tom.
Seguindo a fala de Zhan Tengfei, os jovens que ocupavam a arena improvisada, reforçada por Runas Mágicas, começaram a sair e voltar para o tablado. Antes de retornar para o lado do tio Chang, Ning e Shui desejaram boa sorte à Xiao Jiao, dizendo que torceriam por ela.
Conforme o palco era esvaziado, uma movimentação de repente começou na parte de baixo da elevação. As pessoas que cercavam a construção, tumultuando a área, começaram a se espremer e se afastar, abrindo uma distância de alguns metros entre a arena e eles. Na ponta da multidão, forçando a audiência a recuar, notava-se a presença de alguns homens e mulheres trajando vestimentas de branco puro, que se destacavam dos demais.
Os indivíduos vestidos de branco eram aqueles que desempenhariam o papel de juízes e protetores, formando uma barreira entre a população e os competidores. A função deles, além de arbitrar durantes as batalhas, é agir de acordo com a situação, podendo intervir sempre que achar necessário. O motivo para tais precauções se deve ao fato de que a maioria das pessoas ali presentes eram Mortais e durante os embates poderia acontecer de alguma Técnica de Combate cruzar os limites da arena, atingindo, assim, os espectadores. Portanto, os árbitros também agiriam como uma espécie de linha de defesa, bloqueando possíveis ataques desordenados.
Ao todo, a equipe era composta por oito juízes e juízas, dois de cada Família e todos possuíam o cultivo no Reino Virtuoso, pois só assim poderiam parar os participantes com segurança e bloquear ataques esparsos. Para evitar o favoritismo, a arbitragem de cada partida seria revezada entre eles, sempre tendo como supervisor alguém que não pertencia à mesma organização dos competidores. Por exemplo, se houvesse um Xu e um Qin lutando, o juiz da vez seria um Xiao ou Zhan.
Tratava-se de homens e mulheres no mais pleno vigor, com exceção dos Xus, cujas faces enrugadas indicavam a idade avançada.
Enquanto a multidão era afastada para a própria segurança e a autorização para começar a luta não era dada, as duas pessoas que abririam o espetáculo da noite estavam paradas no meio do palco.
Sem ter as costas de ninguém para lhe dar cobertura, Xiao Jiao parecia ainda mais apagada do que de costume, com os ombros encolhidos e os braços juntos, esfregando uma mão na outra, os olhos apontados para baixo e o cabelo curto, que mal cobria o rosto, caído em frente a face. Imóvel em seu lugar, a impressão que passava era a de estar tentando virar uma estátua, comum a vista de todos, do tipo que fica no centro de uma cidade e ninguém presta atenção.
Por outro lado, sua adversária, uma garota que aparentava ter a sua idade, com um longo cabelo vaidoso e sem nenhuma arma à vista, não demonstrava qualquer problema por ser vítima de milhares de olhares atentos. Marcada pelo sorriso de alguém que estava se divertindo, ela estudava o mar de cabeças coladas umas nas outras, jubilosa e animada por ser o centro das atenções.
Zhan Xin Qian dava voltas e mais voltas, girando nos calcanhares, admirando a vista, que em sua opinião era deslumbrante. Passava uma sensação única ver tantas pessoas apinhadas em um só lugar, cobertas pela luz alaranjada das lanternas que formavam o teto da cidade. Mesmo os seus sonhos fantásticos não podiam se comparar ao sentimento onírico que aquela visão do mundo real transmitia.
Com um largo sorriso espontâneo no rosto, ela rodopiou mais uma vez sobre os calcanhares, dando um giro alegre, igual a uma dançarina sendo conduzida pelo piso nivelado e lustroso de um salão de festas. Em seguida, deixando transparecer toda sua euforia, virou-se para encarar a adversária, paralisada em seu canto.
― Você está bem? ― perguntou ela, reparando na postura acanhada da oponente. ― Está se sentindo mal ou algo do tipo? ― Ao que Xiao Jiao balançou a cabeça, dizendo que não. ― Então você só está um pouco envergonhada, não é? ― E mais uma vez, a discípula da 2ª Anciã da Família Xiao se limitou a balançar a cabeça, em afirmação. ― Entendo. Sabe, eu também estou um pouco envergonhada. Têm tantas pessoas.
Ainda tentando passar despercebida, Xiao Jiao discretamente ergueu a cabeça, apenas para notar que a outra parte não parecia nem um pouco constrangida. Na verdade, era o oposto, ela aparentava estar bastante à vontade com tudo aquilo, mantendo um sorriso aberto enquanto admirava a cena opressora.
― Meu nome é Zhan Xin Qian. ― apresentou-se, batendo no peito, cantando o próprio nome em alto e bom tom. ― Ah! Mas você já sabia disso, certo? O Patriarca Tengfei acabou de falar. Hehehe! ― Deu um sorriso que estava longe de parecer constrangimento. ― Você se chama Xiao Jiao, não é? Ah! É mesmo! Está escrito na tabela. Hehehe!
Era difícil não se impressionar com a tamanha facilidade que sua oponente tinha para se comunicar. Mesmo depois de perceber o próprio erro, ela seguia conversando na mais sincera naturalidade, não se deixando abalar. Se estivesse em seu lugar teria se atrapalhado toda e acabaria embolando a língua, envergonhando-se ainda mais.
― Eu ouvi dizer que você está na 6ª Camada do Reino Mundano, é verdade? ― A extrovertida Zhan Xin Qian continuou fazendo perguntas e recebendo um simples balançar de cabeça como resposta. Mas isso não a afetava em nada, pois seguia falando. ― Na Família Xiao os representantes são decididos por meio de batalhas, certo? Então você deve ser muito forte, já que conseguiu vencer todo mundo. ― comentou, impressionada.
― Eu só... me... esforcei. ― Desejando acrescentar algo na conversa, Xiao Jiao tentou argumentar. Porém, sua voz saiu tão fraca que a adversária não escutou.
― Na Família Zhan é decidido entre aqueles que mais se esforçaram ao longo do ano, sabe ― prosseguiu, sempre bastante alegre e entusiasmada. ― Para ser sincera, fiquei surpresa quando me escolheram. Eu não sou muito boa em fazer os deveres da Família, me distraio facilmente. Mas talvez seja porque daqui a uns dois ou três anos eu consiga evoluir para o Reino do Despertar. E você, quando acha que conseguirá se tornar uma Despertada?
Xiao Jiao abriu a boca para dar uma resposta ― queria ser participativa ―, porém, antes que conseguisse falar qualquer coisa, Zhan Xin Qian se lembrou de algo e abriu a boca, interrompendo-a.
― Ah! É verdade! ― exclamou, elevando a voz. ― Todos estão dizendo que a Família Xiao agora tem um Alquimista, até o Supremo-Ancião Yanlin acredita nisso. Então você deve evoluir em breve, antes de mim. Você é tão sortuda! ― elogiou com toda a sinceridade. ― Ouvi dizer que o Xiao Guo também conseguiu avançar para o Reino do Despertar. Foi por causa do Alquimista? Eu me pergunto se um dia a Família Zhan também terá um...
Xiao Jiao tentou falar algo, pois qualquer coisa relacionada a Ning ou a Alquimia deveria ser um segredo, apesar de a história já ter se espalhado. Mesmo assim, ela deveria ao menos tentar mudar o rumo da conversa ou fingir não saber de nada. Contudo, não conseguia se impor e sua voz era tão fraca que mal alcançava os próprios ouvidos. Por sorte, Zhan Xin Qian demonstrava ser uma garota bastante espontânea e vibrante, de modo que sozinha mudou de assunto.
Vendo-a falar, sorrir e perguntar sem ter medo de ser repreendida, sendo ela mesma, apesar de estar na frente de milhares de pessoas, Xiao Jiao sentiu inveja. Sempre foi uma garota tímida, desde criança. Tinha dificuldades em conversar com estranhos e quando era confrontada por algo de caráter sociável, sentia-se intimidada à medida que seus pensamentos ficavam nublados; era como esquecer todas as palavras que aprendeu em vida; incapaz de dialogar. Foram poucas as vezes que se sentiu à vontade.
Mesmo na infância, fora uma pessoa fechada, cativa de seus próprios pensamentos. Em seus dezesseis anos de idade, nunca conseguiu ser a pessoa enclausurada em sua mente, presa pelo medo e a insegurança. Suas piadas morriam no mundo de fantasias que criava ao se imaginar interagindo e brincando. Incapaz de ser quem desejava ser, a cada dia se amargurava mais e se isolava mais. Não sabia fazer amigos. Não sabia pedir ajuda. Não sabia brincar. E tudo piorou há dez anos atrás.
Quando tinha por volta dos seis anos de idade, Xiao Jiao, na época, uma pessoa diferente, com um nome diferente, morava num pequeno vilarejo afastado, à noroeste da Cidade da Fronteira do Caos, localizado próximo da Província dos Muros Altos, uma das cidades mais distantes, às margens da fronteira do império.
Apesar de não ser um lugar que ostentava riquezas, era uma região calma, afastada de ninhos de monstros, que pouco sofria com as ameaças das Bestas Demoníacas, as quais raramente se aproximavam. E isso tudo era graças ao fato de estar localizada entre outras vilas e cidades próximas, além da incrível quantidade de Pelo de Gato que podia ser encontrada por toda região; uma Erva Espiritual famosa por afastar as temíveis criaturas devido ao seu cheiro desagradável.
Xiao Jiao, que naquela época se chamava Hsieh Niu, não mudou muita coisa desde então; não melhorou em nada seu modo de agir perto de outras pessoas.
Dez anos atrás, vilarejo Pelo de Gato.
Quando criança, todos os dias, depois do horário do almoço, Hsieh Niu deixava sua casa e partia rumo ao centro da vila, onde assistia às outras crianças brincarem. Ela se sentava em um canto, sozinha, de cabeça baixa, ombros caídos e pernas coladas umas nas outras e passava algum tempo olhando os garotos e garotas da mesma idade se divertindo, rolando no chão e gritando. Porém, nunca ficava por muito tempo.
A despeito de ter nascido naquele lugar, não tinha amigos, apenas os adultos sabiam o seu nome e para as outras crianças, era uma completa estranha. Já existiram vezes em que algumas garotas tentaram convidá-la para participar da brincadeira, entretanto, Hsieh Niu, sempre dava a mesma resposta, transmitida por meio de um sussurro, de uma pessoa que mal conseguia levantar a cabeça.
― Desculpa, eu preciso ir para casa.
Não é que ela não desejasse aproveitar de seu tempo junto das outras crianças, mas o medo de fazer alguma coisa errada e acabar passando vergonha ou que as meninas notassem suas roupas sujas e remendadas, era grande. Temia se esquecer das regras da brincadeira e acabar sendo criticada por isso ou falar algo de errado e virar motivo de piada. Além do mais, caso demorasse para voltar, sua mãe ficaria irritada.
A casa de Hsieh Niu, que mal podia ser chamada de casa pois não passava de uma choupana caindo aos pedaços, ficava na periferia da vila, apesar de essa não ser tão grande assim. As paredes haviam sido construídas por meio de bambus, que depois de tanto serem expostos a temporais e ao castigo do sol, já tinha começado a apresentar sinais de deterioração, ficando tortos em algumas partes e apodrecendo em outras. Em tempos de chuva, o teto, composto por folhas de palmeira, não conseguia barrar a água e alagava todo o interior, formando um verdadeiro lamaçal no chão de terra. E a porta não passava de um pano velho rasgado, que pouco escondia as atividades dos residentes ou acobertava a privacidade da família.
O lado de dentro era ainda pior. Roupas se encontravam espalhadas aos montes pelo chão ― mesmo sendo organizadas todos os dias, tudo sempre acabava bagunçado na manhã seguinte ―, ao lado de vasilhas e panelas sujas, e restos de comida que caíam dos pratos e eram varridos para os cantos, sem qualquer cuidado em evitar o atraimento de insetos. Pilhas e mais pilhas de coisas que deveriam terem sido jogadas fora podiam ser vistas espalhadas por todo o recinto, empesteando o lugar.
― Eu voltei! ― anunciou, ao entrar na casa.
Ao ressoar de sua voz, uma mulher magra, marcada por olhos fundos e de bochechas ressecadas, cujo aspecto geral passava a impressão de uma pessoa definhada, acometida por algum distúrbio, surgiu. Talvez no passado, seu cabelo tenha sido tão vivo e dourado quanto o de Hsieh Niu, mas agora ele estava desbotado e quebradiço, desgrenhado e ralo em algumas partes.
― Onde você estava? ― rugiu a mulher num tom severo, que nem nada fazia lembrar a voz de uma pessoa preocupada. ― Não me diga que foi brincar na rua de novo? Eu já falei que aquelas meninas não são suas amigas. Elas só querem rir da sua cara.
― Desculpa, mamãe. ― murmurou Hsieh Niu, de cabeça baixa. ― Eu não estava brincando.
― Ah! Isso não importa. ― grunhiu Hsieh Huifang, ignorando o que a filha tinha a dizer. Ela se abaixou em frente a uma das pilhas de roupas sujas e começou a revirar e procurar, até que encontrou uma blusa de mangas longas que, comparada ao resto, estava limpa e cheirosa. ― Eu vou sair agora. Então, limpe essa bagunça e depois prepare o jantar. Se seu pai voltar e ver esse lugar assim, vai ficar bravo. Arrume tudo. ― reforçou, enquanto vestia a blusa por cima da camisa que usava.
― A senhora vai ir para onde? ― questionou Hsieh Niu, assistindo sua mãe correr de um lado para o outro da casa, procurando vestimentas melhores, sem remendos visíveis ou cheiro de chulé. ― O papai vai voltar hoje?
― Eu não sei, eu não sei! ― resmungou Hsieh Huifang, impaciente. E então, não querendo mais desperdiçar tempo, saiu da casa, deixando a filha sozinha para cuidar dos afazeres.
Depois que sua mãe saiu, Hsieh Niu não perdeu tempo e logo começou a dobrar as roupas e organizar as panelas e vasilhas em um canto para serem lavadas mais tarde, como sempre fazia todos os dias. A despeito de sua pouca versatilidade em se comunicar, ela sempre foi uma garota independente. Fazia a própria comida, costurava as roupas rasgadas com retalhos, pegava água no poço, arrumava a casa e tudo mais que precisava ser feito.
Não reclamava de nada disso ― aprendeu a não reclamar ―, pois o pai, Dang Liwei, que quase nunca estava em casa, era um sujeito de paciência curta e adorava culpar a esposa por todos os problemas.
O pai de Hsieh Niu não era um homem ocupado, sequer possuía um trabalho, mas era rara as vezes em que aparecia na casa. Vivia perambulando pelas vilas e cidades vizinhas, embebedando-se e apostando e só voltava quando o dinheiro acabava ou arrumava alguma confusão. Mesmo não sendo um cultivador, ele conseguia evitar as Bestas Demoníacas, percorrendo caminhos seguros, cercados por Pelos de Gato e monitorados pelos praticantes das Seitas e Famílias que residiam nos arredores.
Apesar de todos os problemas, ela não desgostava nem um pouco da família e tinha um apreço significativo pela mãe. Na verdade, era em casa o único lugar no qual se sentia mais “à vontade”. Os dias podiam ser difíceis e muitas vezes complicados, mas, no fim, a vida não era tão ruim assim e existiam sim, momentos de alegria.
No entanto, tudo mudou quando, depois de duas semanas longe, seu pai voltou. Ele apareceu certa noite cheirando a álcool, com um olho roxo e vários hematomas pelo corpo. Sua aparência, de um homem desnutrido, braços magros, pernas esqueléticas, mas rosto inchado e olhos vacilantes e vermelhos, causado pelo vício da bebida, era degradante, miserável.
Quando ele chegou, pegando a esposa e a filha de surpresa, agiu na maior das naturalidades, como se não tivesse se ausentado por duas semanas. Foi logo abrindo espaço no meio das roupas organizadas, escoradas em um canto da casa, e se servindo do resto de comida no fundo da panela que sobrou do jantar, a qual, fez questão de resmungar e reclamar muito enquanto comia; não gostava do sabor, estava gelada e empelotada.
Naquela noite, seguindo um ritual já estabelecido e repetido por muito tempo, Hsieh Huifang e o marido discutiram por horas, gritando um com o outro e trocando ofensas. A mulher não podia suportar o sumiço e aparição repentina do pai de sua filha sem dizer nada, ao passo em que o homem não aguentava mais ouvir as queixas irritantes da esposa.
Como de costume, sempre que isso acontecia ― e acontecia com bastante frequência ―, apesar de ser noite, quase o horário de dormir, e o cheiro das Ervas Pelo de Gato estar empesteando o ar noturno, Hsieh Niu saiu de casa e ficou esperando do lado de fora. Toda vez que os dois brigavam a coisa acabava ficando calorosa e ela não gostava de ficar por perto, ouvindo as ofensas e vendo a mãe chorar. Já houveram vezes que a discussão ganhou tais proporções que os vizinhos foram obrigados a intervir antes de algo grave acontecer.
Hsieh Niu odiava quando o pai saia, sem ao menos avisar para onde iria, e retornava dias depois, bêbado, fedorento e, na maioria dos casos, cheio de machucados; pois era assim que a maior parte das brigas entre aqueles dois começavam. Entretanto, a despeito de todos os problemas, existia algo de reconfortante em ter o pai de volta. Quando estavam somente ela e a mãe, era como se a família estivesse incompleta; faltava um pedaço, uma parte que deixava as coisas certas, no seu devido lugar.
Seu pai podia não ser o melhor do mundo e não existia nada pior do que ficar ao seu lado quando estava bêbado, mas naqueles raros momentos de sobriedade, ainda era possível encontrar um resquício de alegria, uma pequena fração de ternura.
Seus pais brigaram até tarde naquela noite e foi apenas quando enfim pararam de trocar ofensas e acusações que ela voltou para dentro.
Na manhã seguinte, ao acordar, encontrou a casa vazia, silenciosa, e as roupas jogadas para todos os lados, como se um animal muito bagunceiro tivesse passado pelo lugar. Era sempre assim durante as brigas dos dois. Sua mãe saia arremessando tudo o que encontrava pela frente e o pai chutava e socava indiscriminadamente.
Ao se levantar, Hsieh Niu foi logo preparando o café da manhã, que se resumia a uma tigela de arroz cozido; a única coisa na casa para comer. Pouco depois, sua mãe chegou, vinda da rua, e começou a revirar as pilhas de roupas espalhadas, procurando por algo limpo para vestir.
― Onde está o papai? ― perguntou, sentada sobre um pano cobrindo o chão, enquanto terminava o desjejum.
― Não sei onde aquele imprestável foi! ― ralhou Hsieh Huifang, em um tom ríspido. ― Eu vou sair agora. ― avisou, enquanto trocava a camisa que estava vestindo. ― Depois que você acabar de comer, lave as roupas. Eu não consigo encontrar nada limpo nesse lixo! ― E assim, reclamando e resmungando, ela saiu sem se despedir ou dizer quando voltaria.
Não muito longe da choupana, existia um riacho que era bastante usado pelas pessoas da vila para lavar roupas. Tratava-se de um lugar ideal para esse tipo de atividade, pois na beira da água havia uma grande pedra poroso que ajuda muito a esfregar tecidos pesados.
Depois que terminou de comer, Hsieh Niu começou a separar as peças mais sujas, tipo cobertores e casacos, preparando-se para levá-las até a famosa pedra e lavar tudo de uma única vez. Seria uma atividade longa e cansativa, mas já estava acostumada.
Foi nesse ponto que seu pai chegou. O cheiro inebriante de álcool exalando de seu corpo era ainda mais forte do que na noite passada. Ele havia bebido tudo a que tinha direito e o quanto conseguia pagar, não fazia muito tempo. Estava embriagado. Seu rosto inchado lembrava um animal morto, nos primeiros estágios de decomposição, e o olho direito roxo, escuro feito uma fruta podre, deixava seu aspecto geral num estado deplorável.
Embora ele estivesse bêbado, talvez por já ter se acostumado a ser intoxicado pelo maldito veneno, conseguia manter uma razoável funcionalidade corporal, sem tropeçar nos próprios pés ou ser enganado pelos olhos tontos, incapazes de preservar a imagem estática à frente.
Hsieh Niu estranhou ver o pai entrar na casa marchando feito um cavalo assustado. Ele parecia alerta, como se estivesse procurando por alguma coisa. Rondou toda a choupana, olhando em cada canto ao menos duas vezes, até ficar satisfeito. E quanto não encontrou o que procurava, perguntou, através de uma voz arrastada, embolando algumas palavras.
― Cadê sua mãe?
Não foram essas exatas palavras que ele usou, mas depois de tanto conviver e se acostumar com o linguajar ébrio, foi isso que Hsieh Niu entendeu.
― Ela saiu. ― respondeu, permanecendo de cabeça baixa enquanto terminava de arrumar as roupas sujas.
Seu pai a olhou de cima por um instante, em silêncio, passando a vaga impressão de estar refletindo sobre um assunto de extrema importância, muito embora, a mente envenenada não fosse capaz de formular pensamentos complexos.
― Entendo... ― resmungou, baforando um odor inebriante e enjoativo. ― É melhor assim. Venha comigo. ― Ele se curvou e agarrou o braço da filha, fazendo-a se levantar à força.
― O que foi? ― questionou Hsieh Niu, que num primeiro momento, surpresa pela ação, tentou se desvencilhar das mãos do pai. Mas ele segurou seu pulso firme, tendo a certeza de não deixá-la escapar. ― O que o senhor quer? ― voltou a perguntar, sentindo o braço doer devido ao aperto forte.
Ignorando as perguntas da filha, o beberrão a arrastou para fora da casa e avançou na direção contrária do centro da vila. Enquanto deixava a civilização para trás e seguia rumo a um matagal fechado que se encontrava a uns cem metros de distância, ele olhou para trás, dando a entender que estava cauteloso, mas essa cautela foi logo esquecida devido ao seu estado e marchou em frente sem se importar em prestar a merecida atenção aos arredores.
Hsieh Niu estava assustada com o rosto do pai, que estava fechado em uma carranca sombria, e tentou de todas as formas se libertar do aperto, mas ele continuou segurando-a firme e quando perdeu a paciência, esbravejou:
― Fica quieta! ― gritou, sacudindo o braço da criaturinha que arrastava para dentro do matagal.
Aquilo apavorou Hsieh Niu de uma maneira que ela não teve mais coragem de lutar contra o impulso do pai e ficou paralisada. Talvez devesse ter gritado e chorado, igual a uma criança normal, mas o medo das consequências de fazer isso a impediram de tomar qualquer atitude.
Dang Liwei arrastou a filha pela mata fechada, abrindo caminho entre o capim alto feito um touro bêbado. Sua marcha decisiva e direta indicava que ele sabia muito bem para onde estavam indo. Os dois andaram por dezenas de metros até que enfim alcançaram um espaço aberto, de vegetação rasteira, cuja paisagem no fundo se fazia decorada por árvores e arbustos.
Se já estava apavorada antes, sendo arrastada para um lugar que não conhecia, Hsieh Niu ficou ainda mais amedrontada quando saiu naquela abominável clareira.
Do outro lado do espaço aberto, sentados sob a sombra de uma árvore, estavam dois homens hediondos, de aparência selvagem, trajando armaduras e espadas.
Quando o pai e a filha chegaram, as abomináveis criaturas se levantaram e se aproximaram da dupla. Embora fossem homens de aspectos comuns, um tanto bárbaros aos olhos da criança, tratavam-se de dois monstros que exalavam horror e hediondez a cada movimento, a cada respiração.
― Então é essa a garota? ― comentou uma das aberrações.
Agindo por puro medo, Hsieh Niu se escondeu atrás do pai, procurando um lugar seguro, em que não fosse vítima daquele olhar maldito que a mirava. Entretanto, o beberrão a puxou pelo braço, arrancando-a de seu abrigo.
Um dos estranhos se abaixou de frente para a garotinha, segurou seu queixo e começou a girar seu pescoço de um lado para o outro, como se estivesse avaliando algo. Por fim, tornou a se pôr de pé e concluiu, exprimindo uma voz satisfeita:
― Nada mal, nada mal.
― Não é? Não é? ― acrescentou Dang Liwei, aflito ao articular a fala, baforando seu hálito ébrio. ― Ela é bonita e jovem, vai ficar ainda mais bonita quando crescer. Tenho certeza que vão conseguir um bom valor por ela. Então, eu estava pensando que talvez vocês pudessem pagar um pouco a mais, sabe? Ela vale o preço, tenho certeza que vale.
Preço? Valor? Pagar?
Hsieh Niu podia ser péssima em fazer amigos e não saber como funcionava as regras das brincadeiras, mas não era uma criança tola, isso não era. Quando ouviu o pai dizer aquelas palavras, o medo deu lugar ao desespero. Sabia que não podia continuar ali, precisava fugir.
― Me larga! Me larga! ― Ela começou a gritar e se debater, chutando, socando e beliscando a mão do monstro que a prendia.
― Fica quieta, maldita! ― rugiu Dang Liwei, que a agarrou pelo cabelo e puxou sua cabeça para trás, sem conter o mínimo de força ou decência.
Enquanto chorava e soluçava, Hsieh Niu continuou se debatendo, mas seus braços eram fracos demais para se libertar das garras do monstro embriagado que a sobrepujava. E no fim, tudo o que lhe restou foram as lágrimas.
A despeito da pequena exibição, as duas aberrações se mantiveram alheias. O único protesto exprimido pelos dois foi a respeito do pedido feito um instante atrás.
― Podemos ser simples mercadores, mas a gente não veio aqui para negociar. ― disse um dos homens. ― Se o valor combinado não estiver bom para você, então terminamos por aqui.
A dupla asquerosa se virou e ameaçaram se afastar.
― Não, não! Espera! ― pediu Dang Liwei, desesperado. ― Tudo bem, tudo bem. ― disse ele, rendendo-se. ― Eu preciso do dinheiro, eu preciso! ― insistiu.
Foi ao ouvir essas palavras que as aberrações trocaram olhares e sorriram um para o outro, antes de um deles jogar quinze moedas de prata no chão.
Enquanto era levada para longe, carregada pelas mãos tiranas, Hsieh Niu gritou e implorou pela ajuda de seu pai. Pediu: ― por favor, por favor não deixe eles me levarem! ― Entretanto, tudo o que ela viu foi a imagem do monstro beberrão catando as moedas do chão com um sorriso no rosto.
Até hoje, ela não lembra de um dia que chorou tanto e que tanto suplicou. Sequer teve a chance de ver a mãe uma última vez.
Os homens disfarçados de mercadores a levaram até um acampamento que não estava localizado muito longe. Chegando lá, Hsieh Niu se deparou com outra daquelas aberrações e se espantou ao ver uma jaula num canto, que já estava sendo ocupada por garotas, algumas mais velhas, mas todas meninas jovens.
Os mercadores não tardaram em partir das proximidades do vilarejo Pelo de Gato e cruzar o Império Dourado. Ela não sabia para onde eles estavam indo, mas os ouvia dizer com bastante frequência as palavras: “oceano”, “reino ao leste”, “O Vazio” e “ganhar um bom dinheiro”.
Ao lado das outras crianças, viajou por estradas desérticas do império dentro de uma jaula de ferro minúscula por vários dias, comendo apenas migalhas de pão, restos de comida e bebendo água suja.
Depois de algum tempo, descobriu que aquelas aberrações eram na verdade cultivadores. Isso a chocou de uma maneira que não sabia explicar, pois sempre enxergou nos praticantes a figura de alguém grandioso, honrado e justo. No entanto, aqueles três eram criaturas hediondas, ainda piores do que as Bestas Demoníacas, que tanto assombravam o pesadelo de muitos.
O grupo abominável deslocou-se por regiões abandonadas nos primeiros dias, passando, em determinados momentos, por lugares que sequer possuíam um caminho ou trilha para seguir, acampando em cavernas e matas fechadas, até que chegaram na temível Floresta das Mil Perdições. Daquele ponto em diante, a jaula, com suas barras de ferro enferrujadas, foi abandonada num canto da estrada que cruzava a perigosa selva, sendo ocultada por galhos e folhas, visando ser recuperada em outra ocasião. As garotas foram realocadas para dentro de uma caixa fechada e a carruagem seguiu seu curso programado, sendo puxada por cavalos.
Após algum tempo viajando, a carruagem se aproximou de uma imponente muralha que disputava as alturas com as gigantes árvores. Hsieh Niu não conseguiu obter uma visão completa através de um único buraco na caixa, mas se lembra muito bem de ver a ponta do maciço muro de pedra à distância, sendo iluminado pelo sol forte.
As aberrações estacionaram fora da estrada e aguardaram o anoitecer. Quando a escuridão naquela noite sem lua se tornou tão densa que parecia ser palpável, o odioso grupo voltou a se mover, dando ordens explícitas para as garotas ficarem quietas, pois do contrário... Ah! Sofreriam severas punições.
Foi ao cruzar o portão que separava a selvageria da civilidade que tudo aconteceu.
Hsieh Niu não conseguiu ver o que sucedeu, mas se lembra com clareza de ouvir berros anunciando: “Emboscada!”; “Fujam para à floresta!”; “Não deixe que nenhum escape!”; seguido por estampidos fortes, metal se chocando, clarões coloridos e gritos caóticos. No instante seguinte, quando as coisas se acalmaram, a caixa foi aberta, porém, quem apareceu diante de seus olhos foram pessoas completamente distintas daqueles bárbaros abomináveis.
A pessoa que abriu a caixa e libertou as garotas tratava-se de uma mulher trajando roupas coladas no corpo ― nada sofisticada ou elegante ―, de olhar selvagem, expressão indomável e cabelo vermelho.
Por algum motivo que desconhecia até os dias de hoje, naquele dia, aquela que atualmente ocupa o cargo de 2ª Anciã, simpatizou-se por sua causa e lhe deu um novo lugar para morar.
A relação entre as duas sempre foi a de mestra e discípula, mas o carinho sentido pela pessoa que a acolheu no passado cresceu de uma maneira indescritível no decorrer dos últimos dez anos.
No entanto, apesar de todo o afeto que recebeu, Xiao Jiao, ainda agora, não conseguia se relacionar ou fazer amigos. A única pessoa de fato íntima que possuía era sua mestra.
Mas ela queria mudar, era o seu maior desejo virar alguém extrovertida e desinibida, igual a Zhan Xin Qian, parada logo na sua frente; ter ao menos um amigo ou amiga verdadeira; contar piadas, ao invés de deixá-las morrer nas profundezas de sua mente.
Foi tentando se tornar a pessoa que desejava ser que Xiao Jiao frequentava o centro da cidade de vez em quando ou visitava as Arenas de Combate e Treinamento. Foi por isto também que cortou o cabelo, antes longo e volumoso; para não ter um lugar de enfiar a cara, quando se sentia constrangida. Entretanto, nada disso surtiu grandes efeitos.
Só existia um momento em que ela se desapegava de todas as inseguranças e assumia um fragmento de seu verdadeiro eu...
Quando enfim conseguiram abrir um espaço seguro entre os espectadores e a arena, deixando um aviso implícito para as pessoas não se aproximarem, os juízes se posicionaram ao redor do palco, de modo a conseguirem observar a luta e intervir, caso necessário, e, ao mesmo tempo, manter o público afastado enquanto garantiam a segurança de todos.
Zhan Xin Qian seguia falando sem parar, abordando diversos assuntos. Mas ao reparar que os juízes estavam se posicionando, resumiu-se a dizer:
― Parece que vai começar. Eu sei que você é forte, então não irei facilitar. É melhor se preparar. ― Terminando de falar isso, ela levantou a cabeça e colocou as mãos para frente, assumindo uma postura ofensiva.
E então, um dos árbitros pertencentes a Família Xu, o responsável por julgar essa partida, transmitiu sua voz, que ecoou pelas áreas circundantes:
― A batalha entre Xiao Jiao, 6ª Camada do Reino Mundano, e Zhan Xin Qian, 7ª Camada do Reino Mundano, começará agora.
Neste instante, Xiao Jiao, que se manteve durante todo o tempo tentando passar despercebida, ergueu a cabeça, deixando o cabelo escorregar para trás das orelhas, revelando o rosto em sua plenitude. Seus olhos, antes acuados e tomados pela ansiedade, reluziram um brilho expressivo, que carregava uma força inabalável. Sua postura acanhada, assumiu a forma de um ser imponente, livre de receios e medos.
Deslizando o pé direito sobre o piso da arena, ela posicionou a perna, flexionando o joelho e apoiando o peso do corpo sobre ele. A perna esquerda ficou mais à frente e as mãos se fecharam, formando punhos e completando sua pose de batalha.
Naquele breve instante, entre as últimas palavras do juiz e o início oficial da partida, Xiao Jiao se transformou por inteira, abandonando aquela menina tímida, envergonhada, para exibir uma presença marcante, poderosa e dominadora.
Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.
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