Volume 1
Capítulo 81: Teatro das Sombras
A Cidade da Fronteira do Caos se transformou em um espetáculo cintilante quando a noite caiu e as lanternas ganharam força. Um dossel laranja, ligeiramente avermelhado, cobriu todas as ruas, mergulhando o ambiente em um novo mundo, salpicando os espectadores com tonalidades vivas e marcantes.
Presas por cabos finos, as lanternas pareciam flutuar no céu, como se estivessem sendo mantidas por uma força mística. Sempre que eram tocadas por uma brisa suave, o arranjo ornamental tremulava, parecendo ganhar vida e ficando a um passo de subir aos mais altos ápices, feito uma entidade cósmica, buscando a ascensão.
As casas e estabelecimentos ao redor eram engolfados pelo brilho distinto, que refletia em suas paredes, levando-as a ascender para um mundo de mistério e fascínio. Naquele lugar em cujas noites se faziam profundas, encurraladas pelo terror e horror que espreitavam da escuridão, sob a luz das lanternas, banhado pelo esplendor cintilante, o sítio ganhava um novo significado, onde todo o medo era esquecido e a serenidade repousava.
As vozes alegres espantavam os rugidos retumbantes que roubavam o sono dos desafortunados. A festividade estava alcançando seu auge e as pessoas não podiam conter o grito de alegria que nascia do fundo de suas almas e aflorava na mais genuína empolgação.
Dentro de alguns momentos, o mais aguardado evento da noite começaria. Uma demonstração do porquê os moradores daquela região conturbada não precisavam se preocupar com o futuro, pois a cidade continuaria sendo protegida pelos bravos descendentes da nova era.
Entretanto, antes das disputas começarem, uma abertura se fazia necessária, algo digno de anteceder o grande espetáculo.
No palco montado para as batalhas, uma movimentação teve início. Em um dos cantos, num pedaço em que tanto as pessoas no tablado quanto parte do público geral pudesse ver, uma cortina branca foi erguida e o fundo e as laterais foram bloqueadas por um manto preto, como se quisessem esconder o que havia entre as partições.
A estrutura improvisada era rústica e se encontrava sustentada por varas de bambu. Olhando de frente, possuía um formato retangular, com a altura de um pouco mais de um metro e meio. Entre as paredes feitas usando cortinas, parecia ter espaço para abrigar até quatro pessoas.
Quando terminaram de montar, dois homens e duas mulheres entraram na tenda por uma abertura lateral carregando objetos embrulhados em tecidos e uma lâmpada a óleo, cuja luz se fazia mais forte do que as lanternas. O grupo permaneceu do lado de dentro, com a luz apagada, e por alguns instantes foi possível notar certa movimentação, como se estivessem preparando algo.
E então, a lâmpada foi acesa, transformando a cortina em uma tela de puro branco. Sombras foram projetadas e uma voz anunciou: ― O Teatro das Sombras irá começar!
O Teatro das Sombras é uma arte expressada por meio de bonecos de vara, que consiste em projetar a silhueta do objeto na tela branca através de uma fonte de luz. O boneco, que é trabalhado por meio de penas e outros artifícios, ganha vida por entre as mãos habilidosas de marionetistas, que manipulam as marionetes dos bastidores, fazendo-as dançar, sorrir e pular.
As pessoas que ficavam diante da tela se deslumbrarão ao assistir uma história ser contada por meio das sombras dançantes. Sendo uma das formas de arte mais conhecida e apreciada em todo o Império Dourado, o Teatro das Sombras era frequentemente usado para abrir o principal evento do Festival da Geração do Caos.
Ao todo, cinco histórias seriam contadas, das quais, quatro, buscavam representar acontecimentos importantes envolvendo a Cidade da Fronteira do Caos. E neste momento, Xiao Ning estava se preparando para vê-las pela primeira vez.
Quando notou uma súbita mudança na atmosfera festiva fora do palanque, ele se escorou no parapeito para ver o que estava acontecendo. A algazarra incessante das pessoas conversando, de repente, diminuiu o tom e isso chamou sua atenção. Acontece que todos estavam se dispondo a testemunhar a demonstração.
Nas ruas, a movimentação cessou conforme algumas pessoas se apertavam próximas do palco para poder ver mais de perto o teatro. Embora já tivessem assistido muitas peças daquele tipo, sempre que o espetáculo executava o papel de abertura, um conto diferente era contado e isso fazia com que todos desejassem acompanhar a narrativa.
Infelizmente, devido ao número excessivo de espectadores, muitos não conseguiam um lugar claro para ver as apresentações, mas nem por isso atrapalhavam aquelas que haviam sido afortunadas. A vontade de contemplar era tanta que era possível encontrar até mesmo alguns bem-aventurados sobre os telhados das casas e estabelecimento.
Xiao Chan e Xiao Shui se juntaram a Ning, estavam ansiosos para ver quais histórias seriam contadas. Muito embora, no primeiro momento, não conseguiram se concentrar no que estava acontecendo, pois desde a abordagem direta do Supremo-Ancião da Família Zhan o clima sobre o tablado havia mudado.
Num passado distante, quando a população era menor, o palanque montado para abrigar os governantes das quatro Famílias era amplo e sofisticado, tendo uma área reservada para cada grupo. Entretanto, devido às evidentes limitações de espaço, desta vez foi necessário construir algo mais reservado. Por causa disso, cada organização precisou se reunir e debater aos cochichos um assunto que não poderia ser deixado para depois.
Em cantos diferentes, os Anciões de cada Família se reuniram e entraram num debate cuja importância era expressada através de seus semblantes rígidos e olhares sorrateiros.
No local em que os Zhans se juntaram para conversar, o Supremo-Ancião havia sido deixado de lado, impedido pelo seu Patriarca de participar da reunião. Apesar de ele ser o responsável por trazer uma luz a toda questão, não queriam correr o risco de falar algo importante e acontecer uma eventualidade semelhante ao ocorrido anterior.
Porém, mesmo sendo excluído, ele não pareceu ter ficado chateado. Se tivesse, teria falado sem fazer qualquer tipo de cerimônia.
Enquanto todos cochichavam, o Patriarca Enlai tentou fingir que não era sobre ele e prestou atenção na apresentação que já estava para começar. Contudo, o sorriso discreto, ainda assim, forçado, em seu rosto, denunciava sua tensão. A coisa toda poderia acabar se complicando, caso não tomassem cuidado.
Por mais que fossem aliados há séculos, diante da influência de proporções incalculáveis presente na existência de um Alquimista, não havia como prever o que as outras Famílias fariam. Confrontadas pela possibilidade real de serem sobrepujadas e o medo de perderem tudo, suas ações se tornavam tão imprevisíveis quanto as de um animal encurralado.
Enquanto os jovens da Família Xiao demonstravam não tomar conhecimento da importância do que estava acontecendo naquele exato segundo, os mais velhos não conseguiam relaxar. Embora seus olhares estivessem virados para o palco abaixo, seus ouvidos permaneciam atentos, tentando capturar com o maior grau de exatidão possível as frases sugeridas e especulações sopradas pelas bocas ao redor.
O tio Chang ficou ao lado de sua filha e de Xiao Ning, tentando agir de maneira normal, dando sorrisos calorosos e afagos carinhosos na cabeça de Shui. Mas cada sentido de seu corpo estava atento, pronto para atuar, dependendo do que acontecesse.
Em determinado momento, sua mente delirou, pensando que talvez fosse melhor não sujeitar Xiao Ning às disputas. Porém, esse raciocínio logo passou. Nesse ponto, qualquer ação tomada poderia ser encarada como suspeita. Na verdade, a desistência de um dos participantes, independente de quem fosse, deixou de ser uma possibilidade no segundo em que ficou decidido revelar a existência de um Alquimista os apoiando.
Quando foi cogitado a hipótese de expor que o Patriarca tinha conseguido se associar a um Alquimista a toda Família, neste instante já havia se tornado um risco aceitar a desistência de qualquer um dos membros que participarão do Festival, pois a partir daquele dia, eles estariam sendo vigiados e ações suspeitas poderiam acabar chamando a atenção.
Mesmo se tratando de jovens, que não provocaria muita desconfiança por motivos óbvios, ter um de seus membros vigiados poderia acabar revelando coisas indesejáveis, ainda mais a pessoa em questão sendo o próprio Alquimista que estavam tentando esconder.
Mas, no fim, ficaria tudo bem se Xiao Ning fosse discreto. E esse era outro motivo da preocupação do 9º Ancião. Seu afilhado não era o tipo de pessoa discreta e nem favorável a manter segredos.
A 7ª Anciã Huo era outra que parecia atenta. No passado já houveram muitos conflitos envolvendo as Famílias, mas não achava que isso poderia voltar a acontecer. A aliança entre elas era sólida e duradoura; seria mais vantajoso para todos obter algum tipo de benefício do que iniciar um conflito. Tanto que, as palavras do Supremo-Ancião Yanlin, pedindo para não esquecerem deles durante a ascensão dos Xiaos, implicava justamente isso; uma vontade de cooperar.
Mesmo assim, no remoto caso de um conflito estourar, ela, antes de mais nada, garantiria para que seu marido e filha se afastassem em segurança. Por mais que fosse um bom homem, seu marido não era um grande cultivador, preso até os dias de hoje ao Reino do Despertar.
Entretanto, em contrapartida a todos os outros, a 2ª Anciã Ah-kum permanecia despreocupada quanto ao assunto referente ao Alquimista, mas, ainda assim, um tanto desconfortável, com sua postura selvagem, que pouco mostrava naturalidade quando combinada às suas belas vestimentas elegantes.
Ao lado de sua discípula, Xiao Jiao, ela lançava ocasionais olhares desafiadores em direção aos líderes de cada Família, em um gesto de afronta. Estava sempre preparada para começar uma briga.
Os únicos que pareciam não terem sido muito abalados pela revelação foram os membros da Fundação Quatro Pilares, que depois de um lampejo de surpresa, voltaram suas atenções para as apresentações no palco. Embora estivessem empolgados com a novidade, essa ainda era uma realidade muito distante para qualquer um deles.
Enquanto isso, no palco, o Teatro das Sombras começou.
A primeira peça encenada foi de uma batalha avassaladora envolvendo a Família Zhan. Na representação, uma Besta Demoníaca de seis pernas e chifres longos atacou a Cidade da Fronteira do Caos.
Seus chifres romperam a linha de defesa montada por diversos cultivadores, que foram incapazes de conter seu ímpeto. A besta, furiosa, chocou-se contra a Muralha Protetora do Caos e toda a cidade tremeu. O alto muro de pedra, reforçado por Runas Mágicas, quase não conseguiu conter o primeiro ataque e quando o segundo foi desferido, parte da barreira desmoronou.
A fera louca, em seu acesso de raiva, que surgiu da Floresta das Mil Perdições, possuía um cultivo acima da 5ª Camada do Reino Espirituoso e demonstrava ser imparável. Cada balançar de sua cauda criava rajadas de vento que sopravam os cultivadores para longe, incapazes de ao menos tocar sua pele.
Foi então que três mestres apareceram, três Anciões Zhan. O embate entre as forças foi colossal e um cenário de destruição se espalhou pelas áreas ao redor. Poderes tirânicos foram lançados, raios de luzes atingiram a criatura. Sobrevoando os céus, os Anciões sobrepujaram o monstro, que mesmo assim não mostrou sinais de rendição. Sua pele era resistente e suportava os impactos recebidos.
Conforme a batalha prosseguiu, um dos Anciões caiu e o Patriarca da Família Zhan ― na época um diferente de Zhan Tengfei ― juntou-se ao embate. Percebendo que não poderia vencer, a Besta Demoníaca se refugiou na floresta, mas foi perseguida e caçada, até ser, por fim, morta.
Segundo o conto narrado por meio das marionetes, naquele dia houve uma grande comemoração, seguida por uma profunda lamentação pelas perdas sofridas.
Xiao Ning ficou admirado com a apresentação. Era tudo tão vivo e cheio de movimentos que conseguiu sentir como se tivesse presenciado a batalha em pessoa. Embora a exibição tenha sido feita através de um boneco inanimado, as marionetes pareciam tão cheias de vida quanto qualquer criatura.
Cada movimento era retratado com maestria, dando cambalhotas e giros no ar. O trabalho usando a sombra e a luz permitia aos marionetistas fazerem transformações e transições fantásticas, que nada interferia no desdobrar da peça.
Ao fim da primeira exibição, Xiao Ning aplaudiu alto, junto ao restante das pessoas, que não se reprimiram ao soltar calorosas ovações. Mesmo a tensão na plataforma sendo grande, ele não se deixou abalar e continuou assistindo o espetáculo.
Após o fim da primeira parte, que não durou tanto tempo assim, uma breve pausa foi feita para que os marionetistas se preparassem para a próxima apresentação.
Enquanto Xiao Ning e os outros que lhe faziam companhia aguardavam pela encenação seguinte, algumas pessoas chegaram ao tablado. Eram jovens que em sua maioria possuíam expressões determinadas e traziam símbolos estampados em suas roupas, representando sua origem.
Não demandava muito esforço para perceber que eles também participariam do Festival da Geração do Caos. Quando notou a chegada deles, Xiao Shui exprimiu um semblante resoluto, como se os estivesse desafiando, demonstrando que não recuaria para ninguém.
Ela estava muito nervosa com as batalhas e por algum motivo, a presença de seu pai e irmão, que a princípio pensou ser uma coisa boa, apenas serviu para deixá-la mais nervosa.
Entre aqueles que apareceram, Xiao Ning reconheceu apenas uma, Xu Xia. Apesar de estar tentando disfarçar, ela ainda se apresentava bastante abalada. Seu rosto tinha uma expressão desnorteada, contemplativa. Quando subiu no palanque, lançou um olhar de lado para Ning, que a cumprimentou com um aceno de cabeça como se nada tivesse acontecido. Em sua visão, ele era muito melhor em fingir. Mal sabia que o preguiçoso já havia se esquecido do ocorrido.
Xu Xia estava acompanhada por um garoto bem apessoado em cujo semblante arrogante denunciava o sentimento de superioridade. Suas roupas refinadas e extravagantes denotavam sua boa origem. Andava carregado de um ar presunçoso, com a cabeça erguida e os lábios curvados em um gesto esnobe. Deslizando pelo chão do tablado, era como se esperasse receber aplausos e suspiros por sua magnífica entrada.
Enquanto desfilava, ele tentava de todas as maneiras chamar a atenção de Xu Xia, contando e rindo das próprias piadas, gesticulando os braços de um modo teatral. No entanto, era ignorado magistralmente, não recebia nem mesmo um olhar de descaso. A única reação de fato expressada por ela, desde o momento em que se encontraram, foi ao encarar um garoto de expressão preguiçosa, que estava parado ao lado dos membros da Família Xiao.
Não precisou de muito esforço para reconhecer aquela pessoa, cujas vestes lembravam um amontoado de trapos tirados do lixo ― nem era do tamanho dele. Eles haviam se encontrado pela primeira vez na Rua da Ordem, durante um encontro que estava tendo com a Srta. Xia.
Lembra muito bem de na ocasião tê-lo humilhado e o colocado em seu devido lugar. Era um sujeitinho atrevido, bastante abusado e que desconhecia a própria posição. Pensou que depois do ocorrido ele não voltaria a se atrever a provocar a Srta. Xia, mas ao que tudo indica, tinha se enganado.
― Algumas pessoas são realmente ingratas. Mesmo quando somos benevolentes, eles pisam por cima de nossas boas intenções. ― ralhou Zhan Hao, em um tom de desprezo, deixando sua voz ecoar por todo o palanque. Em um movimento ousado, ele largou Xu Xia de lado e caminhou com o peito estufado, exalando confiança, em direção ao lugar no qual os Xiaos se reuniam.
Sua ação extravagante chamou a atenção de todos, recebendo inúmeros olhares perdidos, sem entender o que estava acontecendo. E isso só ajudou a inflar o seu ego.
― Depois de nosso último encontro pensei que entenderia seu lugar, mas vejo que seu atrevimento não tem limites. ― Emanando uma soberba marcante, parou de frente para Xiao Ning, conforme elevava a voz, deixando os demais a par da situação. ― Não basta ter sido dispensado pela Srta. Xia, mas ainda ousa atormentá-la. Alguém assim precisa ser lembrado da própria insignificância e colocado no devido lugar.
A atitude repentina de Zhan Hao, seguida pelas palavras duras, pegou os presentes de surpresa, incluindo Ning, que por um momento ficou sem reação. Xiao Shui assumiu uma expressão severa. Não conseguia acreditar que aquele preguiçoso tinha arranjado confusão com outro praticante no Reino do Despertar. Realmente, não podia virar as costas que ele se metia numa encrenca.
Outra pessoa que pareceu surpresa foi Xu Xia. Depois de se separar de sua tia, aquele garoto tinha seguido-a até aqui, após se encontrarem por coincidência no caminho até a plataforma. Se alguém estava incomodando-a, seria ele, pois não fazia a menor questão de sua presença.
Além do mais, depois da conversa que tiveram, não queria chatear Xiao Ning, dado que ele fora tão atencioso ao seu pedido egoísta, chegando, inclusive, a se dispor a assumir a culpa na hipótese de algo acontecer.
― Eu estou atormentando a pequena Xia? ― Xiao Ning coçou a cabeça, parecendo confuso. Não lembrava de ter feito nada do tipo. ― Eu fiz alguma coisa? ― Tombou o pescoço de lado, olhando direto para a ex-noiva ao perguntar.
― Não, você não fez nada. ― afirmou Xu Xia, percebendo seu olhar. Falou em alto e bom tom, para todos ouvirem. Depois de tudo que fez, não desejava causar mais nenhum mal entendido envolvendo Ning.
Para seu espanto, suas palavras foram negadas pela pessoa que estava defendendo. Zhan Hao ficou pasmo ao se virar e notar que o olhar de repreensão de Xu Xia focava nele e não o vagabundo. No primeiro momento, não entendeu o que tinha acabado de acontecer, mas não tardou a perceber.
― A Srta. Xia é muito bondosa. Tenho certeza de que não deseja causar constrangimento na frente de tantas pessoas. Mas, ainda assim, você insiste em envergonhá-la. ― Zhan Hao apontou o dedo, num tom de acusa.
― Não, é você quem está envergonhando-a. ― retrucou Xiao Ning, tão preguiçoso como sempre. Enquanto a outra parte parecia estar se exaltando, ele tinha uma expressão de pouca importância no rosto, como se não ligasse nem um pouco para aquilo tudo.
― Maldito! Abusado! Da última vez que nos encontramos, deixei você escapar por respeito às leis da cidade, mas desta vez o colocarei em seu devido lugar. Você precisa aprender uma lição, assim, nunca mais irá perturbar a Srta. Xia. ― bufou Zhan Hao, cerrando os punhos, como se estivesse se preparando para começar uma batalha.
― Eu já disse, é você... ― Xiao Ning foi interrompido no meio da frase, quando sentiu algo batendo em seu flanco.
Xiao Shui estava parada ao seu lado, com uma expressão severa. Controlando-se para não falar alto demais e chamar ainda mais a atenção, ralhou em voz baixa:
― Porque você arranjou confusão com ele? ― indagou rispidamente.
― Mas eu não fiz nada. ― defendeu-se Ning.
― Ousa se fazer de inocente? ― exasperou Zhan Hao.
― Não estou me fazendo de inocente. ― garantiu Xiao Ning, parecendo meio perdido. ― Eu nem te conheço. ― O garoto pomposo parado em sua frente, fazendo acusações injustas, era totalmente desconhecido para ele. Não lembrava de ter visto seu rosto em lugar algum.
E para Zhan Hao, isso pareceu ser mais uma ofensa contra sua pessoa. Um semblante profundo sombreou seu rosto, conforme sua boca se abria de uma maneira exagerada.
― Não me conhece? ― grunhiu, com uma voz estridente. ― Como pode proferir tais injúrias?
― Nossa, quanto drama. ― provocou Xiao Ning, lançando um sorriso brincalhão em direção a Xiao Shui. Mas ao ser recebido por uma expressão severa, logo parou de sorrir.
― Eu sou Zhan Hao, o maior gênio da Família Zhan. ― proclamou, triunfante. ― Na última vez em que nos encontramos, eu estava acompanhado pela Srta. Xia e você veio vergonhosamente implorando a ela por dinheiro emprestado.
― Ah! Você é o pomposo. ― exclamou o preguiçoso, com uma nota de reconhecimento.
― Você estava pedindo dinheiro para a garota que rompeu o acordo de casamente? ― questionou Xiao Shui, surpresa com tamanha falta de vergonha na cara.
― Eu precisava de dinheiro. ― respondeu Xiao Ning, como se o que fez tivesse sido uma coisa normal. ― Mas agora eu me lembro. Você não é um cara tão ruim, pomposo. Até me deu duas moedas de prata. Salvou meu dia. Ahaha! ― gargalhou alto.
― Eu sou Zhan Hao, não pomposo! ― arquejou, exaltando-se ainda mais. ― E eu não te dei nada, além de esmolas.
― Ah, é mesmo. Bem, dinheiro é dinheiro. ― disse Ning, dando de ombro. Pouco se importava com esse detalhe.
― Sua criatura desavergonhada. ― ralhou Zhan Hao, que por algum motivo se sentiu sendo ridicularizado. ― Não sei como conseguiu se classificar para o Festival, mas aposto que usou de trapaças. No entanto, agora que estou aqui, irei colocá-lo em seu devido lugar. ― Parecendo pronto para iniciar uma luta, ele cerrou os punhos com mais força e deu um passo à frente, desafiando o adversário a fazer o mesmo.
Porém, Xiao Ning, acompanhado de sua expressão preguiçosa, não parecia disposto a aceitar o desafio; sequer dispunha de qualquer ressentimento para com a outra parte.
― A gente pode continuar isso depois? ― indagou ele, num tom arrastado e nada motivado. ― Eu quero assistir ao Teatro das Sombras. ― No palco, as preparações já haviam terminado e a segunda peça estava começando.
Não dando mais importância para a situação que havia começado do nada, sem qualquer explicação plausível ou boa justificativa, Xiao Ning deu as costas para Zhan Hao e se escorou no parapeito para poder assistir a nova apresentação.
No entanto, o jovem gênio da Família Zhan parecia não estar satisfeito e ameaçou avançar contra Ning, mas foi impedido por Xiao Shui, que se pôs em sua frente, bloqueando seu caminho enquanto segurava o punho da espada em sua cintura. E ao encarar Xiao Chan, parado logo atrás dela com uma expressão desafiadora, recuou um passo.
Foi quando, do canto em que os membros da Família Zhan estavam se reunindo, uma voz pesada e rigorosa ralhou:
― Hao, não incomode a Família Xiao. ― Quem chamou sua atenção foi o Patriarca Tengfei. Em seguida, olhando para o 9º Ancião Chang, falou. ― Lamento pela atitude rude de meu sobrinho.
― Crianças tendem a ser competitivas. O Patriarca Zhan não tem porque se desculpar. ― disse o tio Chang, acalmando a situação.
Frustrado, Zhan Hao se preparou para se retirar. Queria voltar para o lado de Xu Xia, mas quando se virou, ela já havia saído e se juntado aos membros da Família Xu. Dessa forma, sem muito o que fazer, ele foi de encontro àqueles que dividiam o mesmo sobrenome.
Pela segunda vez no dia, as coisas no palanque se agitaram. Embora a cena de agora a pouco não se compare ao ocorrido anterior, muitos ficaram empolgados para saber como essa disputa se encerraria. Ao que tudo indicava, este seria um Festival e tanto.
Quando as coisas voltaram a se acalmar, à medida que as pessoas retornaram a se escorar no parapeito para assistir a segunda parte das apresentações, um novo clamor atingiu o tablado. Ao surgimento de uma figura, os jovens se adiantaram e começaram a apontar o dedo e cochichar entre si.
Xiao Shui não escapou da onda de emoções, que se espalhou entre os demais, ao exprimir uma expressão de respeito e inveja. Mesmo Xiao Li, que não participaria da competição, pareceu ficar apreensiva. E o até então isolado em seu canto, sem interagir com ninguém, o Jovem Nobre Bai, esboçou alguma reação.
Ao testemunhar um garoto mais novo subir as escadas laterais do palanque e adentrar no espaço reservado para os líderes de cada Família e os competidores do Festival da Geração do Caos, os olhos de Xiao Bai esfriaram e uma carranca de desgosto formou em seu rosto.
Com uma aparência jovial, feito a de uma criança que há pouco adentrou na fase adolescente, um garoto esguio, de olhar destemido, avançou em direção ao grupo da Família Xu sem dar importância às dezenas de pares de olhos focados em sua direção.
Embora parecesse uma reação exagerada, não era sem motivos que os mais jovens ficaram agitados. A despeito de suas feições pueris, aquele ainda era Xu Jong, um prodígio que completara quinze anos nesse mesmo ano; vencedor do último Festival da Geração do Caos e um cultivador na 2ª Camada do Reino do Despertar.
No instante em que Xu Jong subiu à plataforma, aqueles que seriam seus rivais no dia de hoje não puderam evitar de ficarem apreensivos. No entanto, Xiao Ning, encontrava-se muito mais interessado no que acontecia no palco, pois a segunda apresentação estava entrando em seu clímax.
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