Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Volume 1

Capítulo 5: Chamas da Essência

De volta ao casebre caindo aos pedaços, Xiao Ning estava parado, sentado no que supostamente deveria ser seu colchão. Com uma expressão pensativa, refletia, murmurando de modo inconsciente, como se estivesse conversando com alguém:

― O que eu faço? Sair para procurar ingredientes, ou treinar a Técnica das Chamas da Essência? ― perguntou. E ele mesmo respondeu. ― Talvez seja melhor ir procurar ingredientes. Encontrar algumas Ervas... mas as Ervas ficam nas partes mais elevadas da Montanha Ancestral de Jade e mesmo não tendo muitos, ainda há monstros por lá e eu duvido que consigo usar uma Técnica de Combate forte agora. Nem mesmo possuo uma arma. Então... é... isso mesmo. É melhor eu praticar algumas Técnicas de Combate e a Técnica das Chamas da Essência.

Chegado a uma decisão, Xiao Ning se pôs de pé e deixou o casebre. Ele decidiu que começaria por uma Técnica de Combate e depois, à noite, passaria para as Chamas da Essência.

Mesmo Xiao Ning, em sua vida passada, nunca se dedicando a cultivação da Energia Espiritual ou as Técnicas de Combates, em batalha era muito poderoso. Derrotar pessoas com um Reino acima do seu, ou destruir um exército de um Reino mais baixo, não era algo impossível para ele.

Também, não era para menos, afinal, passou mais de cinco mil anos lutando uma guerra interminável contra o exército do Deus da Desolação. Milhares de inimigos já haviam perecido por suas mãos. Vivenciou inúmeras batalhas hediondas, cujo cheiro indescritível do sangue, era um perfume doce se comparado ao odor pútrido e fétido dos cadáveres amontoado em pilhas de carne. Seu poder, não era algo que podia ser relacionado à uma coisa tão simples, como o nível em que estava. E a experiência que adquirira ao longo dos anos, sem sombras de dúvidas, se provava inestimável.

Por isso, não demorou muito e logo escolheu qual técnica começaria treinando.

Devido ao fato de estar apenas na 3º Camada do Reino Mundano, ele não poderia começar usando algo muito poderoso. Infelizmente, não possuía outras técnicas tão convenientes quanto a Dorminhoco Eterno. Dessa forma, teria que começar por algo básico, que não exigisse muito esforço e nem uma grande quantidade de Energia Espiritual.

E esta técnica seria a Palma Elétrica. Algo tão básica quanto a Palma Flamejante.

Parado no meio de seu quintal, que mais parecia um pedaço da selva, devido ao capim alto, crescendo livre, Xiao Ning concentrou sua Energia Espiritual nas palmas das mãos, que, de repente, começaram a soltar faíscas azuladas. Por um tempo, as faíscas piscaram e desapareceram. Mas então, após algumas tentativas, um brilho azul dançou entre os dedos de Ning, carregado de energia.

Palma Elétrica era uma técnica básica, na qual se baseava em condensar a Energia Espiritual na palma da mão e transformá-la em eletricidade. Não havia nada de surpreendente ou poderoso nela. Sequer poderia ser lançada para atingir um inimigo a distância. Mas se usada da maneira correta, a falta de poder não faria assim tanta diferença e ele sabia disso.

Ning olhou para ambas as mãos e murmurou:

― Com meu nível atual, este é o máximo de energia que eu consigo gerar. Mas é o suficiente para praticar.

Terminando de dizer isso, Xiao Ning deu alguns pulinhos, enquanto balançava as mãos. Em seguida, lançou uma sequência de socos no ar. Respirou profundamente e, com o calcanhar direito, chutou o mais alto que pôde.

Mas...

“Bang!”

Caiu de bunda no chão.

― AI! AI! ― gemeu de dor, conforme acariciava as nádegas.

Apesar de toda sua experiência de cinco mil anos, acabou se esquecendo de uma coisa muito importante: Ele é e sempre foi, um preguiçoso! Assim sendo, porque um preguiçoso como ele deveria exercitar o corpo?

Quando tentou dar um chute no ar, devido à falta de flexibilidade e de um corpo que não era alongado desde o nascimento, Xiao Ning sem querer acabou levantando os dois pés, o que resultou em um tombo espetacular. Se estivesse próximo das Arenas de Combate e Treinamento, agora haveria uma onda interminável de gargalhadas, bem justificadas.

― Droga, eu preciso exercitar o meu corpo! ― praguejou a si mesmo. ― Ah, droga! Eu odeio exercícios! ― Logo após, uivou em lamentação. Em sua vida passada, seu exercício veio de forma natural, esgueirando-se em buracos pequenos para se esconder dos demônios, ou correndo maratonas, percorrendo vales, desertos e oceanos, temendo ser capturado. Mas agora, teria que praticar de boa vontade e não por ter um monstro horrendo em seu encalço e isso parecia mais terrível do que a morte.

Depois de perceber que não poderia se mover como bem entendesse, Xiao Ning se sentou em um canto, onde o capim era mais baixo e começou a se alongar com muita relutância, enquanto soltava alguns grunhidos preguiçosos. Depois, se levantava e desferia uns poucos socos no ar, conforme resmungava feito um velho rabugento, implicando com aqueles malditos pirralhos barulhentos, que insistiam em fazer suas brincadeiras na porta de casa. De tempos em tempos, parava e deitava, ali mesmo, no chão sujo, e suspirava, depressivo.

Era algo que não tinha pensado até então, mas agora que parou para refletir, para ser capaz de ajudar a Família Xiao a escapar do desastre que ocorreria dentro de quatro anos e meio, seria necessário um grande esforço, já que o tempo era curto e as coisas a serem melhoradas eram muitas. É claro, ele poderia tentar dizer para todos fugirem o mais rápido possível, pois um desastre estava vindo. Mas quem acreditaria nele? De acordo com o conhecimento comum, o Deus da Desolação, assim como os demônios, era só um mito, e ele, por sua vez, um vagabundo.

Vislumbrando o trabalho futuro, árduo e cansativo, Xiao Ning soltou um suspiro pesaroso:

― Eu deveria era deixar todo mundo morrer. ― resmungou, fazendo birra.

Graças a esse treino totalmente desmotivado, a tarde se arrastou para passar. Quando a noite chegou, ele deslizou o corpo moribundo para dentro da cabana e desabou sobre os panos velhos que compunham seu canto da soneca, de roupa suja e tudo. Permaneceu lá por um longo tempo, quase dormindo. Mas ainda havia uma coisa que precisava fazer...

E isto era praticar as Chamas da Essência.

As Chamas Essência não era uma Técnica de Cultivação Espiritual e nem uma Técnica de Combate, apesar de poder usá-la para a última parte. Na verdade, poderia ser dito que, a Técnica das Chamas da Essência é a base para toda a Alquimia, pois sem ela não seria possível praticar essa arte.

Para poder praticar a Alquimia é necessário quatro coisas:

Um cultivador: Para fornecer a Energia Espiritual.

Um Caldeirão Encantado com runas mágicas: Lugar em que ocorrerá a transformação da Energia e dos insumos, em algo novo, como uma pílula, entre outras coisas.

Ingredientes: Que será a base do que se deseja criar.

E por último, as Chamas da Essência: Que será usada para aquecer o caldeirão e assim cozinhar os ingredientes e fundir a Energia Espiritual.

As Chamas da Essência são diferentes de outros tipos de chamas, pois ela é composta por uma energia que existe apenas dentro dos seres vivos em geral e que difere da Energia Espiritual. Para alguns, essa energia é conhecida como alma, por outros, essência, âmago.

Por causa disso, para alguém que nunca a praticou ou não possui os conhecimentos básicos, ela pode ser difícil de aprender e usar. Xiao Ning mesmo, que foi capaz de subir ao mais alto nível da Alquimia em sua vida passada, levou mais de cinquenta anos para produzir as primeiras fagulhas dessa técnica.

E sem as Chamas da Essência é impossível aquecer o Caldeirão Encantado da forma correta, assim como misturar a Energia Espiritual com os ingredientes. E é por isso que essa habilidade é tão especial e necessária para a Alquimia.

Por causa da grande dificuldade de praticá-la, existe o conceito errôneo de que se é necessário possuir um alto nível de Energia Espiritual para produzir as primeiras chamas, mas a verdade é que, só é preciso um cultivo elevado para refinar e aprimorar certos estágios, pois sim, existem dezessete tipos de Chamas da Essência. Um número muito maior do que os reinos no cultivo. E mesmo nesse caso, não é essencial se fortalecer a ponto de alcançar os mais altos níveis do cultivo.

 Mas, para começar a praticá-la, até mesmo alguém na primeira camada do Reino Mundano consegue. Afinal, toda a energia necessária está dentro de si. Só precisa conhecer os segredos que a cercam e desvendar seus mistérios. E isso, Xiao Ning já havia feito há muito tempo.

Ele se sentou de pernas cruzadas, com as costas apoiada na parede fria e se concentrou. Por um longo tempo, permaneceu com os olhos fechados, parado na mesma posição. Parecia até que havia caído no sono, um sono profundo e inalcançável pelo mero capricho de repousar as pálpebras e por mais minutos que se passasse, não havia sinais de que abriria os olhos tão cedo.

De repente, fez um movimento. Estendeu às mãos próximas umas das outras, com as palmas na vervical, uma de frente para a outra, mas os olhos continuavam fechados. E nessa posição permaneceu por mais algum tempo.

Após o que pareceram horas, do nada, entre as duas mãos, uma faísca, que brilhava menos do que um vaga-lume durante o dia, surgiu. Porém, da mesma forma que apareceu, desapareceu.

Foram só alguns minutos depois que a faísca tornou a aparecer. Mas desta vez, ela não desapareceu de imediato. Continuou flutuando timidamente, crepitando, como se não tivesse nenhum lugar para ir. Até que seu brilho aumentou, transformando-se em uma centelha cheia de vida, que continuava a crescer. Então, um lume brando, de cor laranja, manifestou-se.

Neste momento, Xiao Ning abriu os olhos. Sua testa estava empapada de suor, que escorria feito uma cachoeira. Suas costas subiam e desciam em um movimento acelerado, acompanhando o curso exaurido dos pulmões, que tentavam desesperadamente recuperar o ar perdido. Entretanto, apesar da aparência exausta e insalubre, um semblante alegre e empolgado cobria seu rosto.

Ele arquejou algumas vezes e com um sorriso satisfeito, proferiu:

― E pensar que da última vez eu levei cinquenta e sete anos.

Xiao Ning olhava para o fogo de cor laranja, que não parecia diferente de qualquer outro e bruxuleava fraco, a um passo da extinção, dando a impressão de que poderia apagar a qualquer instante, com extremo orgulho e empolgação.

Quando ele pensou que teria de começar tudo de novo, com o seu cultivo quase no zero, teve vontade de chorar. Mas ao ver essa chama fraca, que parecia poder ser apagada por um simples assopro, ele se sentiu animado. Era uma sensação jovial, do tipo que só se sente quando é criança e recebe um brinquedo novo dos pais.

Poder começar do zero, sabendo tudo que sabia e tendo a oportunidade de descobrir o que desconhecia, de algo que ama de coração, é ou não é excitante?

Enquanto sentia um calor crescente queimar no peito e a excitação aumentar cada vez mais, as Chamas da Essência tremeluziram e se apagaram.

― Ah! Droga! ― praguejou.

Na manhã seguinte, Xiao Ning não teve nenhuma dificuldade para acordar. Apesar de ter ficado até tarde da noite praticando a Técnica das Chamas da Essência, ele não se sentia cansado ou fadigado e isso era graças a Dorminhoco Eterno, que permite seus praticantes permanecer acordado por vários dias.

Depois de se levantar, quis logo começar a praticar Alquimia. Mas se conteve. Afinal o Caldeirão Encantado ainda não havia chegado e ficou decidido que só treinaria as Chamas da Essência durante a noite.

Dessa forma, o que ele começou a fazer foi algo que lhe dava preguiça só de pensar. E isto era, exercícios.

Depois de ponderar muito, Xiao Ning concluiu que precisaria mais do que se alongar e praticar artes marciais. Seria necessário trabalhar os músculos, ou melhor, criá-los, bem como melhorar a resistência. E por mais que a Energia Espiritual também aumente a força corporal, há certas coisas que precisam ser feitas da maneira antiga.

Assim sendo, a primeira coisa que fez foi começar com uma corrida pelo bosque, que ficava próximo ao casebre e se estendia até à montanha. Mas não antes de um bom alongamento. No geral, alguém na 3° Camada do Reino Mundano seria capaz de correr por seis ou sete quilômetros sem nenhum problema. Contudo, para Xiao Ning era diferente...

Ele correu por algumas centenas de metros antes de se jogar de peito no chão, com as roupas encharcadas de suor e uma respiração tão pesada que mais parecia que o ar havia fugido dele, na intenção de pregar-lhe uma peça muito travessa.

E assim ele ficou por um longo tempo, antes de balbuciar com dificuldade:

― Correr... por hoje... já deu! ― Terminando de balbuciar essas palavras, ele se arrastou de volta para o casebre, feito um verme rastejando através da terra.

Na cabana, alongou-se mais uma vez e no instante em que recuperou o fôlego, começou a praticar artes marciais, que era basicamente um estilo de luta corporal. E a noite, a qual antecipava com empolgação e tinha como recompensa, praticou a Técnica das Chamas da Essência.

Xiao Ning, com muito esforço, manteve essa rotina de treinamento nos dias seguintes. Não demorou muito e logo melhorias começaram a aparecer em seu condicionamento físico. Após uma semana, ele já conseguia retornar para o casebre sem muitas dificuldades, o que dava mais de dois quilômetros correndo, seguindo a trilha pré-estabelecida. Agora, quando chutava o ar, dava cambalhotas, entre outras coisas, já não mais caia de bunda no chão... bem, nem sempre.

Essa melhora repentina poderia até parecer estranha, mas ele estava usando um método muito eficaz, que aprendeu certa vez e que era até melhor e mais prático se comparado a algumas Técnicas de Fortalecimento Corporal, do qual consistia em fazer a Energia Espiritual circular pelo corpo, para acelerar um pouco o processo de fortalecimento e a restauração dos músculos fatigados.

Graças a esse método, que era eficiente apenas nos estágios iniciais do cultivo, ele estava mostrando melhoras significativas.

E quanto as Chamas da Essência, ela agora já não se apagava com tanta facilidade e seu brilho estava mais vivido e forte do que antes.