Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 122: Visitas indesejadas

Passar pela multidão que se aglomerava no centro da cidade foi uma tarefa lenta e complicada. Enquanto a grande maioria parecia alheia às últimas descobertas, muitas pessoas pararam o que estavam fazendo apenas para encarar Ning de uma maneira endeusada. E conforme o grupo ia abrindo caminho, cochichos se espalharam feito um incêndio, aumentando em grandes proporções o boato que já corria na boca de muitos.

Por sorte, as pessoas temiam e respeitavam as três grandes figuras que lideravam o grupo e portanto ninguém ousou interromper a andança para fazer perguntas inconvenientes.

Embora o Patriarca Enlai e o 9º Ancião estivessem tentando não chamar muita atenção ― o que se provou impossível a essa altura ―, andando como se estivesse tudo normal e não existisse nenhum perigo, os dois avançaram em uma formação constante e sempre atenta aos arredores, com o primeiro na frente e o outro atrás. Ah-kum era a única que seguia junto dos jovens de uma maneira bastante natural.

Demorou algum tempo para o bando conseguir passar pelas multidões que cercavam o centro de toda a cidade, mas depois de contornar diversos festeiros comemorando sem reservas, eles enfim chegaram nas periferias.

A mudança do ambiente foi sentida instantaneamente. Ainda era possível escutar as vozes alegres das pessoas, porém quanto mais avançavam, mais a sensação de serem gritos soprados à distância se firmava. As barracas com jogos, lembrancinhas e comida desapareceram, e junto a isso o cheiro agradável que perfumava o ar também sumiu.

As ruas da periferia estavam desertas, com exceção de alguns bêbados tropeçando em degraus inexistentes, tentando voltar para casa mais cedo, e amantes procurando um lugar privado para gozar de prazeres carnais. Mesmo assim, a despeito dos bebuns e dos românticos, o Patriarca e o 9º Ancião mantiveram a formação por todo o caminho, até chegar na divisa do território dos Xiaos.

Quando alcançaram o imenso portão que separava a zona pertencente a uma Família mediana do resto da cidade, os guardas de prontidão foram logo deixando suas saudações às importantes figuras que os lideravam. E nesse ponto, Enlai parou para perguntar:

― Aconteceu algo de anormal enquanto estive fora?

― Não, Patriarca! Nenhum evento que necessite de sua atenção aconteceu ― garantiu um dos vigias.

Satisfeito com a resposta, Enlai cruzou a divisa acompanhado pelo restante.

O grupo estava bastante quieto, como se estivesse em uma procissão, exceto por Ning e Chan. Os dois planejavam o que fariam quando chegasse em casa, pois nenhum deles tinha sono e achavam um desperdício deixar toda a animação despertada pelo festival morrer.

Em contrapartida, Shui havia se fechado ao lado de seu pai, que ainda carregava a espada da filha. Sua expressão estava tão abalada quanto antes e por mais que o irmão e o amigo tentassem convidá-la para se divertirem juntos, ela não esboçava nenhuma reação.

Por outro lado, quando recebeu o mesmo convite dos dois, Xiao Jiao recusou a princípio, alegando que precisava voltar para casa junto de sua mestra, muito embora a voz fraca e falta de coragem em encarar os garotos indicasse outro motivo. Mas antes que sua discípula dispensasse de uma vez por todas o convite, Ah-kum se pronunciou:

― Eu sei muito bem o caminho de casa! Ou está dizendo que sou uma perdida que precisa de babá?! Vá com eles e se divirta um pouco. ― A Anciã parecia determinada em fazer sua protegida seguir os rapazes. ― Além do mais, você não queria pedir algo à Xiao Ning?

― Me pedir algo? ― repetiu o jovem, mas de alma velha e imutáveis olhos castanhos, franzindo a testa enquanto espiava sobre o ombro.

A revelação repentina por parte de sua mestra na frente daquelas pessoas deixou Xiao Jiao tão constrangida que de alguma forma ela conseguiu esconder o rosto ruborizado atrás do cabelo curto. E não foi preciso muito esforço dos outros para perceber que a tímida garota não responderia à pergunta. Por isso, Ah-kum tomou a frente e falou:

― Ela quer saber se você consegue fazer uma Pílula de Aprimoramento Corporal. E, se conseguir, poderia fazer uma para ela?

A pergunta levantou o interesse de todos. Mesmo Xiao Shui ergueu a cabeça para encarar a colega se escondendo atrás de seus cachos dourados. Já o tio Chang e o filho se mostraram um tanto surpresos, com seus olhos arregalados e a boca entreaberta.

― É um pedido ambicioso! ― comentou o Patriarca, aprovando as reações exageradas dos outros.

No entanto, enquanto os demais se espantavam, Ning decidiu apresentar uma ação diferente.

― Então era só isso que queria pedir? ― Seu tom soou casual como de costume e sua postura aberta indicava que estava bastante disposto a abrir mãos de um ou dois presentes. ― É claro, não me importo em fazer. Se eu conseguir encontrar os ingredientes, farei uma para você.

Nesse momento, mesmo Jiao não foi capaz de se conter. Com olhos brilhantes, ela encarou o Alquimista de um modo que parecia estar hipnotizada. Existia esperança em seu rosto, acompanhada de um deslumbre marcante, mas também notava-se uma discreta sombra de cautela.

― V-você tem certeza? É uma pílula muito rara!

― Sim! ― disse Xiao Ning, exibindo um sorriso confiante. ― A composição dela é bem fácil e se você tiver muita, muita sorte, quem sabe eu até consiga compor um Aperfeiçoamento Estrutural completo! ― E conforme falava, um sorriso ardiloso brilhou em seu rosto, carregando leves traços de divertimento. ― O problema mesmo vai ser encontrar os ingredientes. Isso vai ser um grande problema!

― Que estranho! ― De repente a voz do tio Chang se ergueu, chamando a atenção de todos. ― Eu sinto que deveria estar surpreso, mas... Hunf! ―soltou um suspiro conformado.

Ah! Ah! Ah! Acho que já estamos nos acostumando ― O Patriarca riu alto com o comentário do companheiro de cabelo azul e barba bem feita e alguns dos presentes o seguiu, gargalhando e brincando.

Com o humor renovado e Xiao Jiao mais do que disposta a participar da comemoração dos rapazes, o grupo seguiu junto por um dos diversos caminhos que cortavam o território até que chegaram a uma bifurcação não muito distante das Arenas de Combate e Treinamento. Nesse ponto, Xiao Ah-kum se despediu de todos, em especial da discípula ― falando que ela estava livre para voltar a qualquer hora ―, e continuou o resto do percurso sozinha.

O restante seguiu até passar do Pavilhão dos Aprendizes. E depois de avançar por mais alguns metros, o Patriarca se separou e foi em direção às partes mais altas da região, pois sua residência era uma das mais distantes da cidade e próximas da Montanha Ancestral de Jade.

Graças aos dois amigos que não paravam de planejar o que fazer pelo resto da noite, a volta para a casa do tio Chan foi bastante animada. Xiao Shui não dispunha do melhor humor para se juntar à conversa, mas Jiao acabou sendo arrastada pelos dois, mesmo não falando muito.

Conforme progrediam na andança, aos poucos, no alto de uma subida, a imensa casa do 9º Ancião começou a se fazer visível. Primeiro os telhados pontudos nas quinas que seguiam muito bem os padrões da arquitetura local apareceu, depois foi a vez da entrada sinistra do sótão surgir e por fim as janelas do segundo andar passaram a ganhar forma.

Como todos tinham saído para irem ao festival, incluindo as empregadas, o casarão se encontrava mergulhado em uma escuridão melancólica, sem um único tremeluzir da chama fraca de uma vela para espantar os fantasmas que rondavam o local. Por consequência, mesmo os arredores se achavam tomados pela solidão da noite, ofuscando as cores vibrantes que cobriam as paredes da luxuosa moradia.

Nada disso chamou a atenção do grupo que espantou os pensamentos ruins com uma conversa envolvente. Eles estavam tão empolgados, os garotos, planejando como poderiam se divertir pelo resto da noite que sem perceber tomaram a liderança, deixando o tio Chang e Shui para trás.

― Eu posso cozinhar algo ― dizia Ning à medida que adentrava no quintal da propriedade. ― Irei fazer alguma coisa com Cogumelo Ladrão e já ajuda de uma vez na dor em seu estômago.

― Na adega tem alguns vinhos muito bons guardados. Você gosta, não é? ― comentou Chan, lembrando-se que o amigo estava procurando por isso durante o festival. ― Tudo bem por você, papai?

― Eu não me importo ― respondeu o tio Chang. ― Mas Ning ainda não tem idade para beber. Apenas um ou dois copos já é o suficiente. Da última vez que decidi fazer esse agrado, ele acabou com a garrafa. Então fique de olho.

― O tio é muito rigoroso ― resmungou o Alquimista, que preferiu não se alongar muito no assunto. ― A Jiao pode me ajudar a preparar as coisas. O que você ach...

Xiao Ning de repente parou de falar e sacou a lança de dentro de sua Bolsa de Armazenamento. Naquele instante, sua postura ficou alerta em todos os sentidos; os olhos afiados, faíscas crepitando em suas mãos, os músculos rígidos e a respiração alterada. E com a mesma emergência expressada ao revelar sua arma, seus braços e pernas foram envolvidos por fios de eletricidade.

Embora sua atitude tenha sido a mais inquietante de todas, ele não foi o único que se alvoroçou. Com a guarda alta, Chan se posicionou ao lado do amigo, enquanto Jiao ergueu os punhos, pronta para lutar.

O tio Chang também se surpreendeu a princípio e por pouco não seguiu o exemplo dos outros, mas ainda assim manteve a calma. Buscando tomar a ação mais prudente, ele se separou da filha, que parecia um pouco confusa, e ficou na frente do grupo, encarando as figuras que se encontravam posicionadas mais adiante, cobertas pelas sombras.

― Que visita inesperada, irmão Kun! ― falou em um tom seco, mas que ainda trazia certa cordialidade.

A alguns metros de distância, próximo da entrada da casa, podia ser notada a presença de três homens. Um deles, o 4º Ancião e que parecia responsável pelo bando, era um sujeito de corpo robusto e rosto roliço, dotado de grandes bochechas arredondadas e pele oleosa. No entanto, os outros dois passavam uma sensação mais severa, imponente.

O primeiro, apesar da estatura baixa ― próximo dos um metro e setenta ―, possuía um rosto endurecido, do tipo que expressa uma rigidez intrincada na alma. Ele vestia roupas cinzas, bastante discretas, e estava escorado sobre uma perna, como se o peso do próprio corpo fosse um fardo pesado demais para a outra. Já o segundo era um sujeito alto, quase dois metros, de nariz comprido e empinado, o que lhe dava uma aparência marcante. As maçãs de seu rosto eram achatadas e o queixo alongado para baixo, deixando sua cabeça maior do que o normal.

― Imagino que seus amigos sejam os mesmos que estavam na residência do Ancião Dong há algum tempo atrás. ― O tio Chang fitou as duas figuras com certa precaução. ― Se não for um problema, eu gostaria de saber seus nomes e o motivo da visita.

― Esqueça os nomes! ― grunhiu Ning, usando uma voz áspera. Ele era o mais alarmado de todos. ― Por que eu não consigo sentir a Energia Espiritual desses caras?

Essa era uma situação bem incomum, que deixou o Alquimista incômodo. Mesmo a força de Xiao Kun, conhecido por ser um Espirituoso da 1ª Camada, encontrava-se oculta, como se não existisse.

Aquilo também levantou suspeitas no tio Chang, mas diferente do afilhado, preferiu manter a cordialidade.

― Para ser sincero... ― depois de um tempo recebendo olhares hostis, o 4º Ancião enfim resolveu abrir a boca. ― Eu preferia que não tivesse chegado a isso. Sou do tipo que acredita que homens devem ser capazes de resolver seus problemas com palavras. Mas dada as atuais circunstâncias, não me resta outra escolha.

Xiao Kun se adiantou, ficando dois passos à frente dos indivíduos que lhe faziam companhia. Seu semblante foi tomado por uma expressão solene e numa tentativa de passar toda sua autoridade, aprumou a coluna, fazendo a barriga parecer ainda mais redonda do que de costume e inflou as bochechas rosadas.

― Xiao Chang, pela autoridade conferida a mim por Xiao Dong, o novo Patriarca, eu o exonero de seu cargo de Ancião! ― Sua voz soou pesada e inflexível. ― Você deverá entregar o Alquimista e se render sem criar resistência. Do contrário, suas atitudes serão encaradas como traição.

― Tá querendo me pegar, ô da calça apertada? ― Xiao Ning esboçou um sorriso travesso. ― Vai ter que aprender a correr primeiro.

― Quem você pensa que é para vir na minha casa fazer exigências?! ― ralhou Chan, começando a ficar mais agressivo. Ele ameaçou dar um passo em frente, mas foi barrado pelo pai que esticou o braço, obrigando-o a se conter.

Sentindo que a situação poderia escalar a qualquer instante, Jiao, ao lado dos garotos, reforçou sua postura de combate, preparando-se para agir. Mesmo Shui, que tinha se mostrado um tanto dispersa, ficou atenta e mudou o semblante, trazendo de volta parte de sua expressão determinada.

O único que se manteve calmo foi o tio Chang.

― Se eu não estou enganado, dos dez homens que apareceram na casa de Xiao Dong, sete eram do Reino Espirituoso, um (o líder) do Reino Soberano do Despertar e os outros dois, que atacaram Ning, era um Despertado e o outro Virtuoso. ― Enquanto falava, o 9º Ancião recuou alguns passos e entregou a espada de volta para a filha.

Xiao Shui hesitou no começo, mas entendia que se alguma coisa acontecesse, precisaria ter uma arma para se defender.

― Parece que está bem informado ― disso Kun, estreitando os olhos.

― Você deveria saber que temos ótimos rastreadores ― replicou o tio Chang, exprimindo um breve sorriso. ― Além do mais, segundo nossas informações, tirando o líder que possui um rabo de cavalo, os dois mais problemáticos são um homem da 7ª Camada, cego de um olho, e outro da 6ª, que possui uma cicatriz de queimadura no pescoço.

Mantendo uma serenidade admirável, ele se afastou dos mais jovens e avançou alguns passos em direção aos três que tinham aparecido sem serem convidados.

― Chega de falar asneiras! ― exigiu Xiao Kun.

― Mas eu não vejo nenhum desses dois aqui ― continuou, sem dar importância para a ordem que recebeu. ― Na verdade, se minha memória não me engana, o sujeito manco atrás de você e o outro estão na 2ª Camada.

― E que diferença isso faz? ― indagou o opositor de Enlai, começando a perder a paciência.

Foi nesse ponto que uma mudança perceptível ocorreu no rosto do homem de cabelo azul e corpo robusto, que portava o título de 9º Ancião dos Xiaos. O brilho em seus olhos se tornou severo, os lábios franziram, provocando uma peculiar expressão imponente acentuada pela barba curta e rugas autoritárias surgiram em sua testa.

― “Novo Patriarca”? Hunf! ― bufou pelo nariz. ― O que você está fazendo agora é um ato de rebelião contra o Patriarca Enlai. E sendo um dos pilares desta Família, serei obrigado a aconselhar que abdique de sua posição e apresente suas ações perante o conselho da Família! Caso se recuse a seguir minhas ordens, usarei da força para capturá-lo. E quanto aos seus “amigos”, por serem invasores, não terão a mesma cortesia.

Enquanto isso, em um canto diferente do território...

Xiao Ah-kum estava parada no meio de uma estradinha que dava acesso a sua casa, a qual ainda se encontrava a alguns bons metros de distância. Parado na sua frente, bloqueando seu caminho, achava-se o 3º Ancião Zi e mais dois homens, um deles tinha uma cicatriz de queimadura horrível no pescoço e o outro parecia ser cedo de um olho, julgando pela estranha coloração acinzentada que havia se apoderado do órgão. Além deles, atrás, fechando a rota de fuga, também era possível ver dois outros sujeitos mal-encarados.

A Anciã olhou de esguelha para os estranhos fechando sua retaguarda e depois voltou a fitar Xiao Zi. Um sorriso destemido se formou em seu rosto à medida que sua postura se tornava mais hostil e desafiadora. E então, após alguns instantes de troca de olhares ameaçadores, ela resolveu falar:

― Até que enfim você e seu “mestre” decidiram agir. ― Ela deu um passo à frente e os inimigos retrocederam outro. ― Eu já estava cansada de esperar.

― Sim ― concordou Xiao Zi. Sua voz era rouca, grave e de alguma forma complementava a expressão severa que marcava seu rosto. ― Nós também estávamos cansados de aguentar as loucuras daquele “estrangeiro”. Chegou a hora de nossa Família voltar ao que era, ao que nunca deveria ter deixado de ser.

Ha! ― Ah-kum deixou escapar um meio sorriso desdenhoso que ganhou um tom de brutalidade devido ao semblante selvagem que exibia. ― E desde quando um rato como você decide quem é “estrangeiro”? ― retrucou, curvando os lábios de uma maneira provocadora. ― Mas... ― olhou em volta ― são esses os aliados misteriosos daquele velho?

― Acabou! ― declarou o 3º Ancião. ― Todos aqui tem o nível de Energia Espiritual igual ou semelhante ao seu. ― A confiança em sua voz carregava um significado explícito. ― Renda-se! Mesmo não sendo mais a 2ª Anciã, você pode ser útil ao Patriarca Dong.

Ah! Ah! Ah! ― Xiao Ah-kum levantou a cabeça para o alto e soltou uma gargalhada bárbara que reverberou entre as árvores e arbustos que compunham a flora ao redor. ― Ei! Deixa eu te perguntar uma coisa... Cadê o resto de seus amiguinhos? ― Nesse momento, a expressão em seu rosto mudou, assumindo uma hostilidade assombrosa. ― Porque só vocês não servem nem pra me divertir!

A 2ª Anciã fechou os punhos e inclinou o corpo para frente. E, a despeito dos sapatos delicados que envolviam seus pés, ela chutou o chão de uma forma grosseira e disparou, selvagem, imparável e imbatível.

Porém, quando deu o terceiro passo, do nada um símbolo misterioso se formou na estrada, logo abaixo da implacável mulher.

― Deveria ter mais cuidado onde pisa! ― avisou Xiao Zi, triunfante e desdenhoso.

E então...

“Boom!”

Uma explosão sem precedentes irrompeu logo abaixo dos pés de Ah-kum, envolvendo todo seu corpo em uma fúria abrasadora. Um pilar de chamas incontroláveis se ergueu no céu, alcançando dezenas de metros de altura. Tamanho era seu poder que por um instante a noite fugiu e o dia voltou a ganhar forma, lançando clarões capazes de iluminar até mesmo as mais profundas cavernas. O barulho ensurdecedor se alastrou, alcançando distâncias assombrosas. E a onda de choque gerada foi tão poderosa que as árvores e arbustos ao redor foram arrancados pela raiz e lançados como se fossem gravetos em uma tempestade.

Nesse meio tempo, na mansão do Patriarca...

Xiao Enlai estava no quintal de sua casa, de frente para a porta de entrada, encarando os dois sujeitos que haviam surgido do nada.

― 1º Ancião Dong, 2º Supremo-Ancião Dewei! ― começou a falar usando um sutil cumprimento. ― Eu perguntaria o motivo da visita surpresa, mas acho que não há a necessidade. ― Com o canto do olho ele viu um clarão tomar conta do céu em outra região do território.

― Nós já adiamos esse momento por muito tempo ― disse Xiao Dong, cuja voz soou áspera e decisiva.

― Não existe mesmo uma forma de resolvermos isso conversando? ― indagou o Patriarca, exprimindo certo tom de apelo.

― Esse é o seu problema, Enlai! ― ralhou o 1º Ancião. ― Você fala muito, mas faz pouco. Nossa Família se tornou fraca por sua causa.

― Eu só busco a paz para aqueles que dividem o sobrenome Xiao.

― Paz!? ― grunhiu Xiao Dong, enojado, dando a impressão de que tinha acabado de escutar algo extremamente desgostoso. ― Nós vivemos rodeados por inimigos. Monstros caem das árvores, envenenam nossa água e você quer “paz”?! Isso só irá nos deixar mais fracos. Como espera que nossas crianças se protejam se elas não sabem lutar, não conhecem a dor, o sangue e nem o que é preciso para sobreviver?

― E como espera que elas sobrevivam se nem mesmo tem a chance de deixarem de serem crianças ― retrucou.

E nesse ponto, o rosto do 1º Ancião se contorceu, formando uma careta desagradável.

― Chega! ― grunhiu. ― É impossível conversar com você. Se não irá se render, só existe uma coisa a se fazer.

Seguindo as palavras de seu líder, o Supremo-Ancião se preparou, aprumando a postura e aumentando a guarda. Cada aspecto de seu corpo indicava que estava pronto para atacar.

Vendo isso, o Patriarca soltou um suspiro melancólico que foi acompanhado por um rosto abatido.

― Eu esperava que você tivesse mudado de ideia, Dewei! ― falou, encarando um daqueles que era considerado um dos mais extraordinários da Família.

― A minha decisão foi tomada há muito tempo! ― declarou o 2º Supremo-Ancião.

― Para ser sincero... eu sempre soube que acabaria assim ― confessou Enlai. ― Houve uma época em que cogitei renunciar ao cargo e acabar com os conflitos, mas os eventos recentes me fizeram mudar de ideia. Não posso deixar esses jovens nas mãos de alguém como você e muito menos permitir que a Família volte ao que era. ― A cada palavra dita sua voz se tornava mais severa e decidida.

― Aquele foi um tempo glorioso em que os fortes prevaleciam! ― afirmou Dong, emocionado.

― Eu também vivi naqueles dias e a única recordação viva em minha memória é a do sangue e da dor. ― A postura de Enlai aos poucos estava mudando de alguém pesaroso para um líder imponente. ― Porém... ― Anunciando uma alteração nos eventos, ele retirou o manto que continha o brasão dos Xiaos (um Long vermelho e um tigre azul) das costas e jogou no chão. Logo após, fez o mesmo com a camisa de mangas longas e o que se revelou foi um corpo bem cuidado e dotado de músculos definidos. Mas o que mais chamava a atenção em sua fisionomia eram algumas cicatrizes marcando sua pele, em especial um corte antigo e profundo do lado direito do abdômen. ― Se deseja tanto voltar para aqueles dias, se deseja tanto trazer de volta aquela lei desumana, nesse caso, como o atual Patriarca, uma última vez, irei conceder seu pedido. Não posso mais deixá-lo prejudicar nossa Família. Quando esta luta acabar, apenas o mais forte sairá vivo!

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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