Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 120: Conclusão

O Jovem Nobre Bai permaneceu caído na mesma posição por um longo tempo. Seu corpo não apresentava nenhum sinal expressivo de atividade. Os braços estavam largados, a cabeça pendendo solta e a respiração fraca.

Vendo aquilo, o grupo que torcia por ele, fazendo baderna, cantando canções e batendo palma, calou-se. Apreensão sombreava os rostos de seus admiradores, que prenderam a respiração enquanto se espichavam na ponta dos pés para ter uma visão melhor da arena.

Ao mesmo tempo, percebendo a falta de movimento de um dos competidores, Zhan Ju subiu no palco e logo tratou de verificar os sinais vitais do garoto de cara inchada. Ela o virou, deixando-o com o peito para cima e a cabeça reta, numa posição que fazia parecer estar dormindo. E foi nesse ponto que todos perceberam ― Xiao Bai se achava inconsciente.

A juíza checou o pulso do jovem ― uma, duas vezes ―, depois aproximou o rosto para sentir o ar sendo expelido de suas narinas e por fim estudou seu corpo com bastante cuidado, procurando por algum ferimento aparente ou mancha de sangue preocupante. Quando terminou, levantou-se, chamou o médico de prontidão para dar os primeiros socorros e falou, quebrando a tensão que se espalhou por toda a cidade:

― O vencedor dessa partida e campeão do Festival da Geração do Caos é Xu Jong! ― declarou em alto e bom tom para que todos pudessem escutar.

No mesmo instante, uma grande comoção tomou conta da cidade. Os torcedores mais fiéis do garoto de cabelo lustroso fizeram tanto barulho que acabaram atraindo outras pessoas para festa e a confusão só aumentou, assim como a cantoria que ganhou trechos novos.

 

“Jong é o mais forte, ele é imbatível!

Jong é imparável, é indestrutível!

Aos gatinhos covardes, fujam! Fujam! Fujam!

Pois ele é uma besta que janta felinos!”

 

Eles cantaram e repetiram os trechos diversas vezes, até suas gargantas não aguentarem mais.

Por outro lado, os torcedores do Jovem Nobre não tiveram coragem de retrucar a provocação. Estavam muito abatidos, como se aquela derrota fosse a deles.

No palanque, o clima era de festa para alguns, enquanto os demais apenas se limitavam a parabenizar a Família vencedora pela conquista, de novo.

― Xiao Bai pode ter uma personalidade questionável, mas é perceptível que ele se esforçou ― comentou o Patriarca Enlai, que observa o aclamado prodígio sendo levado até a tenda médica em uma maca carregada por dois enfermeiros. ― É uma pena ter sido derrotado.

― Personalidade questionável? ― grunhiu a Anciã Ah-kum, fazendo cara feia. ― Aquele moleque é um miserável traiçoeiro, igual o avô!

Ver sua mestra falar com tamanho descontentamento, fazia Xiao Jiao ― a qual já havia retornado para o palanque depois de receber os devidos tratamentos ― se perguntar se o motivo da raiva ainda era a luta que teve mais cedo contra o Jovem Nobre Bai.

― Não fale assim de um garoto! ― repreendeu o Patriarca, achando injusto tratar um menino de maneira tão hostil. ― De qualquer forma ― continuou ―, eu ainda estou impressionado com a força que demonstrou ― falou olhando para Xiao Jiao.

Ela, por sua vez ― bastante tímida ―, abaixou a cabeça e agradeceu pelo elogio de um jeito modesto e recatado, balbuciando poucas palavras que julgava prudentes, apesar de ninguém ter entendido nada.

― Foi mesmo impressionante ― concordou a 7ª Anciã Huo. ― Mas aquela aceleração na batalha contra Bai e a maneira agressiva de subjugá-lo... Você aprendeu isso com sua mestra, não foi? ― perguntou, usando um tom suspeito. ― Não é normal uma Mundana da 6ª Camada fazer aquilo a um Despertado.

E confrontada pelo questionamento, Xiao Jiao se acuou ainda mais, segurando-se para não esconder o rosto em algum lugar. Não era apenas a vergonha que a obrigava a agir daquela maneira, mas também o sigilo que precisava manter.

― E se tiver sido? ― ralhou a 2ª Anciã através de uma voz desafiadora. ― Qual o problema?

― Eu pensei que “aquilo” era uma herança de família ― argumentou Xiao Huo.

― E é. ― A resposta de Ah-kum não poderia ter sido mais simples.

Enquanto isso, ali perto...

Hunf! ― bufou a Matriarca Annchi, que apesar de parecer ranzinza por algum motivo, exibia uma expressão satisfeita. ― Aquele garoto está ainda mais forte  esse ano. É difícil até mesmo comparar. Porque você não é assim também? ― Olhou para o lado, mirando o neto que estava jogado de qualquer jeito sobre o parapeito.

― Porque eu sou bonito. Quando os monstros me veem se apaixonam e vão embora ― respondeu Qin Ping, debochado em cada palavra.

― Não faça graça com sua avó! ― A Matriarca deu um cascudo no atrevido que ficou vesgo por um segundo. ― Desde quando você é bonito? Parece um macaco depois de enfiar a cara numa colmeia. ― Foi a vez dela de fazer graça.

― Se você focasse mais no seu treino, não teria perdido para mim ― disse Qin Delun, mantendo sua postura firme, ainda mais sério agora que estava na presença da líder de sua Família.

― Se quiser, pode treinar comigo ― propôs Qin Jun, balançando sua Maça de Bronze para demonstrar que disposição era o que não faltava.

Ping olhou para a arma imponente, depois para o amigo cheio de boas intenções e por fim soltou um suspiro desanimado antes de falar:

― Pode deixar. Você treina e eu assisto.

― Acha que vai ter uma vida fácil depois de voltarmos? ― questionou a Matriarca, franzindo a testa. ― Eu falei sério quando disse que iria jogá-lo no meio da floresta.

E nesse momento, Ping sentiu um calafrio percorrer sua espinha e se estremeceu da cabeça aos pés. O olhar no rosto de sua avó não era nem um pouco parecido com o de alguém fazendo uma piada.

― Eu deveria fugir de casa... ― resmungou.

Em outro ponto do palanque, os integrantes mais jovens da Família Zhan se mostravam bastante agitados com a conclusão do festival. Todos, exceto por Huo que continuava recebendo tratamento, estavam pendurados no parapeito, olhando para o palco mesmo depois da disputa ter acabado.

Uau! ― grunhiu Zhan Xin Qian, admirada. ― O Xu Jong é muito forte. Xiao Bai não teve chance de fazer nada.

― Acho que eu não duraria nem mesmo um segundo contra ele ― admitiu Cheng Gong, o mais jovem a participar da competição. Na sua testa ainda era possível ver uma marca vermelha pertencente ao golpe de espada que recebeu de Wu Lin na primeira rodada. ― Ele realmente é o mais forte entre nós.

― Eu teria ganhado ― resmungou Zhan Hao de nariz empinado. Seu corpo estava repleto de ataduras e bolhas de queimadura, que segundo os médicos não deixaria cicatrizes, mas levaria algum tempo para curar. Além do mais, depois de ter sua roupa destruída, ele agora se encontrava coberto por um conjunto de vestimentas nada chamativas, cinzas e sem brilho.

― Você foi derrotado no início da competição ― objetou Zhan Rong, colocando fim a tentativa do exibido de parecer forte. Em sua garganta, o contorno dos dedos de Xiao Bai continuava visível, evidenciado pelo tom roxo que havia adquirido. E sua voz se mostrava um tanto rouca, fraca. ― Até foi levado para a enfermaria! ― ela brincou.

E a piada surtiu efeito nos colegas que olharam de lado para o vaidoso sobrinho do Lorde da Cidade, segurando-se para não rir.

As bochechas de Zhan Hao coraram e numa tentativa de se defender, falou:

― Trapaça! Aquilo foi trapaça! ― Ele bufou algumas vezes, demonstrando seu aborrecimento, e depois de alguns instantes grunhindo e resmungando para si mesmo, acrescentou, usando um tom relutante e sem convicção. ― Ainda não acredito que aquele maldito é o Alquimista. ― Olhou para o lado enquanto falava.

― Veja pelo lado bom ― Xin Qian se aproximou do derrotado e deu alguns tapas de consolo em seu ombro. ― Pelo menos você levou uma surra de uma pessoa importante.

― Sua...

― Enfim ― continuou ela. ― Eu vou ir ali conversar com a Xiao Jiao. Até mais! ― despediu-se com um aceno singelo que veio acompanhado de um sorriso divertido enquanto se afastava do grupo para ir em direção à antiga rival.

A poucos passos de distância dali, Qin Yanyu e Xu Guiren, que tinham preferido permanecer sozinhos, dispunham de um diálogo bastante interessante, apesar de um dos lados sempre perder a concentração em momentos inoportunos.

― Você está bem mesmo? ― perguntava Guiren com sua típica voz arrastada. ― Não era melhor ter ficado recebendo tratamento um pouco mais?

― Eu estou bem. ― Yanyu voltou a afirmar. Seu rosto estava um tanto pálido e a postura não passava a mesma confiança de antes, mas ainda assim ela se mantinha firme. ― Seu irmão pegou leve.

― Você viu meu irmão? ― perguntou ele, arregalando os olhos e abrindo a boca. Estava muito surpreso com a notícia.

― A gente lutou ― grunhiu Qin Yanyu, incrédula com o quão desatento ele podia ser. ― Já se esqueceu?

O olhar que Xu Guiren esboçou em seguida foi o mais confuso possível e veio acompanhado de uma boca aberta, perfeita para abrigar alguns mosquitos. A dúvida era tanta que parecia estar tentando desvendar um mistério profundo e indecifrável. E depois de um tempo a encarando, ele falou:

― Bem, fico feliz por não ter se machucado. ― Esboçou um sorriso abobado, repleto de sinceridade. ― Mas é uma pena que tenha perdido. Eu queria que você fosse a campeã.

― Mesmo? Por que? ― indagou ela, bastante interessada em descobrir a resposta.

― Porque eu gosto de você! ― disse ele com a mesma honestidade de sempre.

― Cala a boca, bobão! ― Yanyu tentou disfarçar, virando a cabeça para o outro lado, mas suas bochechas ficaram instantaneamente ruborizadas e um sorriso desajeitado ganhou forma, mesmo se esforçando para não sorrir. ― A gente acabou de se conhecer... ― murmurou.

― O que você falou?

― Nada não! ― respondeu ela tentando encerrar o assunto. ― Olha lá! O Patriarca Tengfei vai falar.

Após conquistar a vitória e ser ovacionado por toda a cidade, Xu Jong permaneceu no palco, pois sabia como o festival funcionava e pelo que lembrava, antes de ser premiado, uma parte importante do evento precisava acontecer.

Da mesma maneira que fez ao discursar na abertura do Festival da Geração do Caos, o Patriarca Zhan Tengfei deixou o palanque e flutuou até o centro da arena. Por alguns instantes, ele permaneceu parado no ar, aguardando a gritaria cessar. A alegria que parte da população sentia e fazia questão de expressar não parou de imediato, mas quando viram a imponente figura esperando para falar, aos poucos a cantoria morreu e a agitação se dispersou. E então o silêncio se manifestou.

― Ontem andávamos sobre o sangue, a carne e os ossos! ― começou a discursar, fazendo sua voz soar alta e poderosa. ― Ontem ansiávamos pela queda do inimigo e temíamos a visita da Morte. Ontem, nossas mulheres choravam sobre os corpos de seus maridos, seus filhos e seus netos. Mas hoje, nossas crianças dormem em paz e amanhã andaremos lado a lado.

No palanque, Xiao Li acompanhou todo o discurso citando cada trecho como se fosse os versos de um hino bastante conhecido e quando terminou, aplaudiu com entusiasmo.

― O que foi isso? ― grunhiu Xiao Ning, que teve arrepios pelo corpo. ― Esse discurso foi macabro. Não combinou nada com o momento.

― Ele repete isso todo ano ― informou Xiao Li, erguendo a ponta do nariz em uma postura pretensiosa. ― Dizem que essas foram as mesmas palavras usadas no encerramento do primeiro Festival da Geração do Caos. Naquela época, nossas Famílias estavam sempre em guerra e muitas pessoas acabavam morrendo. Então, para colocar um fim nas disputas, além de criarem diversos acordos, os líderes de cada organização decidiram criar o festival.

― O engraçado ― acrescentou Xiao Chan usando um tom de voz que misturava informação e ironia ― é que dezenas de jovens e crianças morreram durante as primeiras competições e as guerras não pararam de imediato.

― E vocês me deixaram participar de algo tão perigoso?! ― Xiao Ning parecia chocado, mas sua reação foi tão exagerada que ficava difícil afirmar qualquer coisa. ― Se eu soubesse, teria fugido para casa na mesma hora. Não é, pequena Shui?

A pergunta foi feita de uma maneira bastante espalhafatosa, como se estivesse tentando provocá-la. Porém, apesar disso, Xiao Shui não teve nenhuma resposta para dar.

Embora estivesse cercada por pessoas queridas, ela permanecia distante desde seu retorno da última batalha que teve. Seu rosto estava marcado por angústia e desalento, os olhos revelavam uma tristeza melancólica e os ombros caídos apresentavam tal vulnerabilidade que antes não existia.

Percebendo que não obteria qualquer reação, Xiao Ning soltou um suspiro compassivo e voltou sua atenção para o palco, pois o Patriarca Tengfei ainda não tinha acabado de falar.

― Esse ano tivemos um grande evento. Na esperança de alcançar um futuro melhor ou apenas provar a si mesmo do que é capaz, os jovens se esforçaram ao máximo para nos apresentar batalhas que ficarão guardadas em nossa memória. Aos que foram derrotados, eu espero do fundo do coração que usem a frustração experimentada hoje para se tornarem ainda mais fortes. Perder pode ser decepcionante, ter nossas vulnerabilidades expostas pode ser humilhante, mas só assim é possível dar um passo em frente, rumo à evolução. E ao vencedor... ― olhou para baixo. ― Comemore a vitória, festeje com os amigos e não se esqueça de agradecer a todos que lhe ajudaram a chegar até aqui. No entanto, esse é só o começo de sua jornada para o ápice do mundo do cultivo e essa jornada não será fácil.

Xu Jong, que estava olhando para cima, levantou o polegar e fez um sinal de positivo. Com toda certeza se divertiria pelo resto da noite e quanto a outra parte que foi dita, não parecia muito preocupado.

― Eu entendo que todos estão ansiosos para ver os prêmios serem entregues ao vencedor e pelo evento de encerramento ― Tengfei continuou a falar ―, mas primeiro vamos nos divertir. Ainda temos uma longa noite pela frente e sei que assistir aos duelos dos jovens deixou muitos de vocês famintos. Então bebam e comam!

E assim, a multidão que se apertava para ficar mais perto do palco aos poucos começou a se dispersar e a movimentação ao redor das barracas de comida aumentou.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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