Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 114: Torcidas rivais

A grande final tinha chegado e a agitação tomava conta da cidade. Especulações a respeito do possível vencedor eram citadas em todos os cantos, cada um tinha o seu candidato favorito, mas após o último embate o Jovem Nobre Bai havia perdido grande parte de seus apoiadores. Ainda assim, diversos membros da Família Xiao comemoravam o fato de um dos classificados carregar o mesmo sobrenome.

É desnecessário dizer, porém aqueles que faziam mais barulho eram pessoas que vinham das organizações dos garotos finalistas. Os integrantes dos Xus de alguma forma haviam conseguido se reunir e o que se seguiu foi uma torcida organizada, formada por adolescentes e poucos adultos de idade tenra que gritavam em uníssono o nome de seu representante junto de alguns versos entoados em forma de canção:

“Jong é o mais forte, ele é imbatível!

Jong é imparável, é indestrutível!”

Já os Xiaos se mostraram mais desorganizados, espalhados por toda a cidade, mas nem por isso deixaram de torcer. No caso, a principal torcida era liderada pelos seguidores e admiradores mais fiéis de Bai, como Xiao Tai e Xin, que em resposta às provocações adversárias gritavam:

“Ele é uma besta, é selvagem!

É o tigre que devora sem piedade!

Aos covardes, fujam! Fujam! Fujam!

Pois suas garras não conhecem a bondade!”

Por outro lado, os integrantes das demais Famílias se mostraram mais reservados, apenas soltando aplausos ocasionais, parabenizando os dois grupos pelo incentivo que direcionavam aos seus companheiros.

Diferente das rodadas anteriores em que não existia um tempo programado para os participantes descansarem, desta vez foi concedido quinze minutos para que pudessem recuperar parte da Energia Espiritual gasta e da estâmina baixa. Embora não fosse um período expressivo, seria o bastante para oferecer algum conforto antes da árdua disputa.

E Xiao Bai decidiu aproveitar cada minuto que pudesse para se recuperar, mesmo que pouco. Sem dar importância para vergonha ou coisas do tipo, ele se sentou em um canto do palanque, isolado do resto, de pernas cruzadas e com os olhos fechados e logo começou a cultivar. Seus machucados não se curariam a tempo, seriam necessários dias e até semanas para diminuir o inchaço do rosto e sair o roxo do olho, mas a Energia era algo que conseguiria recuperar, ao menos parte dela.

Xu Jong, no entanto, mostrava-se bastante descontraído. Ele estava acompanhado de seus colegas, conversando com toda a naturalidade, como se a expectativa colocada sobre seus ombros não existisse. Para muitos, sua calma era considerada admirável, livre de nervosismo e pensamentos sabotadores.

Em outro canto do palanque, enquanto esperava pela chegada da grande final, Ning e seu grupo conversavam descontraidamente sob a proteção da 7ª Huo que não se afastava dois passos sequer.

― Quem você acha que irá vencer? ― questionou Xiao Li, que depois de descobrir a verdadeira identidade do Alquimista e receber um presente do mesmo não se afastou mais do bando. ― Eu acho que Xu Jong vai ganhar outra vez.

Hm... Eu não gosto muito do Xiao Bai ― admitiu Chan sem se importar em ser ouvido ―, mas eu gostaria de ver nossa Família sendo campeã. Já faz muito tempo desde a última vez que ganhamos o Festival da Geração do Caos.

― Eu só sei que estou faminto ― disse Ning, que estava escorado sobre o parapeito de uma maneira preguiçosa, olhando para as diversas barracas preparando comida.

― Sério mesmo? ― indagou Xiao Chan, encarando o colega com uma expressão de espanto. ― Depois de comer tudo aquilo ainda está com fome?

― Comida nunca é demais ― retrucou Ning, expressando uma nota de sabedoria.

― Isso é gulodice, sabia!? ― argumentou Xiao Li.

― A minha barriga ainda está doendo ― informou Chan, colocando a mão sobre o abdômen, na altura do umbigo, e fazendo uma careta. ― Posso sentir todos aqueles pratos se revirando aqui dentro.

Ahaha! ― Xiao Ning exprimiu uma risada divertida. ― Acho que ainda tenho um pedaço de Cogumelo Ladrão da última vez que a Pequena Shui e eu fomos na montanha. Quando a gente voltar, eu preparo algo para te ajudar.

O grupo seguiu conversando pelos minutos seguintes, apenas aguardando a chegada do confronto final. Porém, neste momento, outro acontecimento ganhou destaque, chamando a atenção de todos no palanque.

Depois de sua desistência súbita, Xiao Shui enfim retornou acompanhada pelo pai, que carregava a espada abandonada da filha. Ela possuía uma expressão amargurada, evidenciada pelo tom melancólico estampado em seu rosto. Seus olhos estavam vermelhos e a região ao redor um tanto inchada, indicando que durante seu sumiço às lágrimas foram sua única companhia.

Quando notaram sua chegada, muitos pensaram em ir parabenizá-lo pelo sucesso em avançar para o Reino do Despertar e a façanha de se tornar uma Cultivadora Elemental, mas ao ver seu rosto, desistiram da ideia.

De cabeça baixa, Xiao Shui se aproximou de Ning e os outros, apoiou-se no parapeito e por lá ficou, sem dizer uma única palavra apesar dos olhares estranhos que eram lançados em sua direção.

Chan não sabia o que tinha acontecido com sua irmã e nem se deu ao trabalho de perguntar. Quando ela parou ao seu lado, ele passou um braço por cima de seu ombro e assim permaneceu.

― Aconteceu alguma coisa? ― perguntou a 7ª Anciã Huo quando viu o tio Chang voltar para seu posto de vigiar o Alquimista.

― Eu não sei. Ela não falou nada ― respondeu ele balançando a cabeça.

À medida que o tempo passava, a gritaria aumentava. Antes mesmo do grande confronto, as torcidas de ambos participantes já iniciavam sua disputa para ver quem cantava mais alto.

Aos poucos os juízes que também se retiraram para descansar começaram a voltar e foram logo se posicionando. Zhan Ju, escolhida para arbitrar a última partida, subiu no palco e em meio aos berros e cantorias anunciou:

― A final do Festival da Geração do Caos terá início em breve. Os competidores, Xiao Bai e Xu Jong, apresentem-se na arena.

O clima era de festa e as expectativas se encontravam nas mais elevadas alturas. No palanque, mesmo as Famílias que tiveram seus representantes eliminados anteriormente se adiantaram para assistir o que aconteceria. Qualquer assunto envolvendo Alquimistas ou Cultivadores Elementais foi deixado de lado. Este era um momento importante e todos pararam para prestar a devida atenção.

O primeiro a chegar no palco e se posicionar foi Xu Jong, que uma vez no alto da estrutura, livre do conforto de seus companheiros e das madeiras que formavam o parapeito do palanque, passou a olhar com certa inquietação para as milhares de cabeças apontadas em sua direção. A expressão em seu rosto era tranquila, confiante, mas o desconforto ficava explícito pela maneira que olhava de um lado para o outro.

Embora fosse inegável que estava um pouco nervoso por se encontrar em uma posição que recebia tanto destaque, ele ainda impressionava com o autocontrole e confiança que demonstrava, pois não tentava se esconder de alguma forma ou diminuir a própria presença. Sua postura era firme, sempre de cabeça erguida e peito aberto, exalando convicção.

Xiao Bai gastou todo tempo que tinha cultivando. Permaneceu até o último segundo sentado, de pernas cruzadas e olhos fechados, concentrado em restabelecer parte da força perdida nos confrontos anteriores. Ele estava ansioso para esse momento, mas sabia que de nada adiantaria se render aos nervos.

Quando seu nome foi chamado, foi difícil se controlar, porém ele resistiu à tentação de descer correndo até a arena e permaneceu sentado, cultivando. Esperou mais um pouco, até ser chamado pela segunda vez e só então se levantou.

Toda a sua jornada até o palco de batalha, desde a descida do palanque à subida do breve lance de degraus, foi marcada por uma convicção excessiva. Os gritos e cantoria inflaram seu ego, deixando-o mais destemido a cada passo e a cada verso. Quando alcançou o topo da arena e se posicionou, encarou o oponente com grande ferocidade, mirando-o de tal maneira que lembrava um animal avaliando o melhor modo de rasgar a jugular de sua presa.

Por outro lado, ao vê-lo chegar e se posicionar, Xu Jong exibiu um sorriso discreto, receptivo em cada traço, e falou:

― A quanto tempo, Xiao Bai? ― Sua voz era carismática, calorosa, como se estivesse falando com um bom colega. ― Eu pensei em te chamar para conversar antes, mas você estava tão concentrado que não quis interromper. E então, está preparado?

Sua pergunta veio seguida de uma breve pausa, indicando que aguardava pela resposta. Porém o outro lado permaneceu calado, fitando-o com olhos perfurantes.

― Olhando daqui, você não parece muito bem. ― Ele continuou. ― Aposto que seu rosto está doendo muito. Aquela Jiao da sua Família é perigosa! ― brincou, exprimindo um sorriso divertido. ― Mas preciso admitir, você está mais forte do que no ano passado, posso sentir daqui. Deve ter treinado muito, não é mesmo? ― O tom usado era amigável e convidativo, do tipo que se recorre a quando deseja iniciar uma conversa amistosa.

No entanto...

― Chega de falar! ― ordenou Xiao Bai, ríspido e direto. ― Nós não estamos aqui para ficarmos amigos.

Xu Jong forçou um sorriso sem graça e estava para responder, mas Zhan Ju se adiantou e assumiu a liderança, roubando toda a atenção para si.

― Todos os anos os cidadãos dessa cidade se reúnem aqui, neste mesmo lugar, para assistir os garotos e garotas que irão, num futuro não tão distante assim, carregar a responsabilidade de nos proteger dos perigos que moram além da muralha, sejam eles Bestas Demoníacas ou pessoas, como eu e vocês. Esses jovens lutam dando tudo de si para provar que são capazes, que podemos confiar neles mesmo não vindo de uma das Famílias. No entanto, esta é uma competição e independentemente do quão determinados estejam, apenas os mais fortes, os mais aptos, chegam até aqui. E para os derrotados, a única coisa que resta é treinar para o próximo ano.

Ela fez uma pausa, deixou seus olhos percorrerem a multidão, e por fim voltou a falar:

― Estas crianças que estão na frente de vocês agora deram tudo de si para chegar onde estão. E esse não é um esforço exclusivo de hoje, pois nos dias em que não estamos assistindo, eles estão treinando, aprendendo novas técnicas, estudando, cultivando. Essas crianças empenharam cada gota de suor para que pudessem estar neste lugar, neste exato momento, diante de todos vocês, mostrando o que aprenderam. E é nosso dever assisti-las em seu auge.

A voz de Zhan Ju reverberou por toda a cidade como se estivesse sendo ampliada por poderosas cornetas. A expressão em seu rosto enquanto falava era solene, sua postura respeitosa e suas palavras pesadas, tanto que a cantoria e a baderna parou, ao passo que a cidade por inteira se aquietou para ouvi-la discursar. Mais uma vez ela fez uma pausa, deixando o silêncio se prolongar. Por fim, voltou sua atenção para o palco.

― A final do tricentésimo quinquagésimo sétimo Festival da Geração do Caos começa... ― olhou de um competidor a outro, checando se estavam prontos ― agora!

― Domínio do Faisão-dourado! ― O Jovem Nobre Bai emitiu um rugido feroz enquanto balançava o braço de uma maneira violenta, rasgando o ar com os dedos da mão direita que se encontravam curvados numa postura peculiar.

Um conjunto composto por quatro impressões em forma de garras douradas banhadas em tons de vermelho foi disparada, visando atingir o peito desprotegido do inimigo.

Xu Jong girou o corpo num movimento astuto e balançou o braço, varrendo na horizontal. O conjunto quebrou de repente e se desfez em pequenos feixes dourados e vermelhos, antes que pudesse oferecer qualquer tipo de perigo.

Ei, ei! isso foi injusto ― resmungou ele. ― Eu estava olhando para a juíza. E ela nem saiu do palco ainda.

De fato, após determinar o início da disputa, Zhan Ju sequer teve tempo de se afastar e abrir espaço para os competidores. Mas após o primeiro ataque, ela logo tratou de saltar para fora da arena.

― É melhor prestar atenção― retrucou o Jovem Nobre Bai. ― Pois eu estarei indo com tudo que tenho.

Terminando de dizer isso, ele voltou a balançar o braço, lançando outro Domínio do Faisão-dourado. Contudo, desta vez não parou depois de uma simples tentativa e atirou diversos conjuntos de garras em sequência.

Xu Jong se esquivou dos três primeiros apenas mudando o corpo de posição. Existia sutileza em seu deslocamento e a facilidade para evitar o perigo era impressionante, mas quando seu campo de visão foi coberto por garras douradas, não lhe restou outra alternativa senão resistir.

Com uma destreza extraordinária, ele começou a destruir todos os golpes que se aproximavam oferecendo algum perigo. A técnica de seu rival foi subjugada de tal maneira que em certo ponto pareceu um uso desnecessário de Energia Espiritual da outra parte continuar tentando.

No palanque, Xiao Chan estava assistindo o embate enquanto mantinha o braço sobre os ombros da irmã. Em certo ponto, mesmo ele se viu obrigado a confessar:

― Bai é forte, mas aquele Jong é... assustador ― falou. ― Eu nunca vi aquele tipo de técnica. Nem sei se é uma técnica. ― A curiosidade estava estampada em seu rosto.

― É de fato muito interessante ― concordou Ning, tão entretido no que acontecia na arena quanto seu colega.

O Jovem Nobre Bai continuou insistindo em sua tentativa, mas depois de ver que cada um de seus golpes estavam sendo bloqueados, uma carranca desagradável se apoderou de seu rosto e por fim interrompeu sua sequência.

Do outro lado, Xu Jong se mantinha calmo como de costume, inalterado mesmo após o ataque agressivo de seu oponente. Quando as garras pararam de ser lançadas, ele balançou as mãos de um jeito bastante sugestivo e falou:

― Isso foi perigoso. Quase perdi um dedo. ― abriu um sorriso simpático. ― Você está mesmo mais forte.

Sua voz não carregava nenhum indício de desdenho ou coisa do tipo, era amigável e simpática, mas não foi dessa forma que Xiao Bai encarou.

― Desgraçado! ― vociferou, revoltado. ― Você está zombando de mim?

― Não! Não foi isso que eu quis...

― Caçada Estrondosa! ― Sem dar tempo de seu oponente se explicar, Xiao Bai soltou um rugido selvagem. Seu corpo foi envolvido por uma intensa aura laranja à medida que um grunhido surgia do fundo de sua garganta. Ele se curvou sobre as mações, feito um animal quadrúpede, deixando as costas tão curvadas que poderia se partir a qualquer instante. E então, atacou.

Seu ímpeto ao disparar contra o adversário provocou trovoadas que ribombaram por toda a região ao redor, ecoando mesmo nos lugares mais distantes. A luz laranja atravessou o palco feito um lampejo quase indistinto. Sua selvageria exalava com o urro que se projetava de sua garganta. Ele era imparável, indefensável.

Até que...

Xu Jong fechou a mão e desferiu um golpe para baixo, usando uma força impressionante. Seu punho acertou a nuca de Xiao Bai que teve a cabeça esmagada contra o chão num movimento impiedoso que forçou seu rosto a bater na madeira.

Abatido, ele permaneceu deitado com os braços e pernas estiradas. A aura que cobria seu corpo desapareceu e o que restou foi uma figura vulnerável.

Por outro lado, Jong permanecia de pé, inabalável, intocável, imóvel. Embora não fosse um garoto corpulento e possuísse um rosto um tanto infantil, sua imagem era de alguém imponente. Demonstrando certa decepção pelo ocorrido, ele olhou para baixo visando o oponente caído e falou:

― O que foi isso? ― indagou, seco e direto. ― Se continuar sendo tão imprudente assim, isso irá acabar rápido.

 


Nota do Autor

Eae, como vão? Espero que bem.

Primeiro gostaria de falar que estou pensando em lançar um combo singelo na próxima ou na outra semana. O que acham da ideia? Gostariam de um combo?

Segundo, eu vou começar uma "série" nas redes sociais ― tanto no insta, quanto no face ― em que irei estar postando artes feitas por mim de algumas Ervas Espirituais já citadas. Essa primeira é bem simples, só para começar. Este é o Capim Malaqui. Quem se lembra dele, de quando Ning explodiu o casebre?

Mas atenção, as artes seguintes eu só irei postar nas Redes Sociais, então me segue lá.

Obs: O próximo desenho é o Cogumelo Ladrão.

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