Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 105: O orgulho ou a vergonha da Família?

Qin Yanyu entrou nesse festival esperando por uma batalha emocionante contra alguém valoroso e honrado. No entanto, durante sua primeira disputa acabou enfrentando uma pessoa bastante “peculiar” e de pensamentos aéreos que aparentava não prestar muita atenção no que acontecia ao seu redor.

E apesar de seu jeito distraído e muito descuidado, ela acabou encontrando em Xu Guiren uma companhia agradável e por isso permaneceu ao lado dele após o fim da disputa. Mesmo assim, até o momento ainda não havia tido o embate que tanto esperava.

Quando ouviu o anúncio confirmando a chegada de sua próxima batalha, ela sentiu o coração palpitar. Desta vez, seu oponente não era apenas um Mundano, mas sim um Mundano que derrotou um Despertado durante uma luta de frente, sobressaindo-se em estratégia e domínio de Técnicas de Combate. Porém, acima disso tudo, ele era um notório Alquimista Sênior, uma existência tão rara no Império Dourado quanto a ascensão de Santos Místicos.

Qin Yanyu estava animada, pois tinha o pressentimento de que enfim gozaria da empolgação e excitação que apenas um duelo entre duas forças iguais poderia oferecer. Ao ser convocada, ela assumiu um semblante resoluto, mas antes de descer para o palco, bateu no ombro de Xu Guiren, chamando sua atenção, e falou:

― Eu vou lá e quando voltar estarei mais próxima de ser a grande campeã deste festival. ― Suas palavras poderiam parecer arrogantes, mas era isso que aumentava sua determinação.

Xu Guiren, por sua vez, apenas lançou um olhar perdido em direção a amiga e esboçou um meio sorriso, antes de se virar e voltar a encarar o céu.

Ela não se importou com a falta de interesse apresentada pelo desatento membro da Família Xu e, de cabeça erguida, olhar afiado e exalando confiança, desceu rumo ao palco.

Quando alcançou a arena, posicionou-se bem no centro da construção, permitindo que todos a encarassem e gritassem seu nome, impressionados pela sua determinação e ansiosos para assistir a magnífica batalha, pois Qin Yanyu não era a única esperando grandes coisas de seu rival.

Notando a maneira com que gritos eram levantados e comemorações antecipadas, ficava evidente que o público no geral detinha uma significativa expectativa referente às ações de Xiao Ning, mas eles não eram os únicos aguardando pelo retorno desse que causou comoções e arrancou exclamações de surpresa durante a primeira rodada.

Voando sobre o céu da cidade, aquelas figuras que vinham de longe para representar suas organizações se agitaram quando o anúncio da batalha foi feito. Embora tratasse de pessoas que sabiam se conter e ser discretas, naquele momento a ambição se manifestou e por um segundo deixaram as emoções transparecerem através de uma descuidada elevação nos níveis de Energia Espiritual.

A reação das pessoas no palanque não foi muito diferente. Tanto os líderes e Anciões das demais Famílias, quanto seus membros e os integrantes da Fundação, pararam o que estavam fazendo apenas para encontrar um lugar adequado no parapeito no qual poderiam desfrutar de uma vista melhor dos futuros acontecimentos.

Sendo eles conhecedores da verdade, as emoções de cada um se encontravam focadas na expectativa de poder voltarem a ver as chamas vermelhas em ação.

No palco, Qin Yanyu mantinha sua posição, com as mãos apoiadas na cintura e a cabeça erguida, preparada e animada para receber o oponente. Ali perto, o juiz oriundo da Família Zhan se mantinha na beira da arena, apenas aguardando a chegada do outro competidor para iniciar a disputa.

O tempo avançou e aos poucos os gritos entusiasmados vindos dos espectadores se transformaram em resmungos e reclamações. Qin Yanyu começou a ficar impaciente e passou a bater a ponta do pé no piso de madeira. O motivo para a mudança de comportamento das pessoas, antes tão animadas, encontrava-se no palanque, inerte, ignorando os protestos acompanhados por pedidos de pressa.

Xiao Ning estava escorado no parapeito, sem o menor sinal de emergência no rosto, meio distraído, mas não desinformado sobre o que acontecia ao seu redor. Percebia-se pela maneira com que desviava o olhar, ignorando os chamados e resmungos dando foco ao seu nome, que ele tinha plena noção da convocação para ir até a arena, apenas escolheu ignorar tudo isso.

As pessoas próximas não entendiam o motivo que o levou a agir daquela maneira, feito uma criança fingindo ter um lapso de surdez ― só faltava começar a assobiar.

Sentindo-se um tanto envergonhada pelo comportamento infantil do amigo, afinal todas as importantes figuras estavam olhando para o grupo, Xiao Shui resolveu chamar a atenção do desavergonhado cutucando-o com a ponta do cotovelo.

― Anda logo. ― disse ela, mantendo a voz baixa. ― É a sua vez.

― Você falou alguma coisa? ― indagou Ning, franzindo a sobrancelha e esboçando um sorriso nada inocente e bastante dissimulado.

Xiao Shui não precisava se esforçar para notar a mentira em seu rosto. Aquele fingido tinha escutado muito bem e entendido cada palavra.

― Para de se fazer de bobo e vá até lá! ― ralhou, aumentando o tom. ― Agora não tem mais por que manter segredo.

Entreouvindo o que a filha tinha dito, o tio Chang se adiantou e questionou:

― O que foi, pequeno Ning? Está preocupado com alguma coisa? Se o problema for as pessoas descobrirem mais detalhes a respeito de você ser um Alquimista, saiba que agora já é tarde demais. Você não precisa continuar se preocupando.

Hunf! Eu já não ligava antes, agora então... ― balbuciou Xiao Ning, dando de ombros. Em sua voz existia um claro timbre debochado, que ignorava em grande parte as palavras do tio.

E por mais que ele tenha tentado falar baixo, Xiao Shui o ouviu com clareza, o que a levou a esboçar uma expressiva reação de desaprovação, franzindo o cenho e bufando pelo nariz.

Na arena, ficando impaciente pela demora, o árbitro responsável ergueu a voz, anunciando que em breve colocaria um fim à espera:

― Se o representante da Família Xiao não comparecer nos próximos minutos, a vitória será concedida a Qin Yanyu por desistência.

O aviso fez os resmungos aumentarem ainda mais, revelando a insatisfação de muitos com o atraso de um dos participantes e a frustração diante da possível conclusão antes mesmo de acontecer uma luta.

E, diferente da reação que todos esperavam após a advertência, Xiao Ning não saiu correndo para chegar até o palco a tempo. Ao invés disso, ergueu o braço, acenou para o juiz e declarou:

― Sim, pode encerrar a luta. ― disse ele usando um sorriso agradável e um tanto brincalhão. ― Aquele cagão comeu demais e precisou correr atrás de um banheiro.

A alegação pegou todos no palanque e muitos outros de surpresa, levando diversas pessoas a ficarem com uma legítima expressão de confusão. Depois do último embate, seu rosto havia se tornado conhecido e uma resposta tão banal não bastava para enganar ninguém.

Ei, seu moleque! Não vá me dizer que está pensando em fugir? ― A primeira a abrir a boca para condenar a postura assumida por Ning foi a experiente Matriarca Annchi. Em circunstâncias diferentes, não iria se intrometer, mas sua curiosidade em saber um pouco mais a respeito do Alquimista, algo compartilhado por todos os presentes, a forçava a ser direta.

― Se você estiver se culpando por causa do que aconteceu... ― O Patriarca Enlai, que estava perto do Alquimista para o caso de alguma eventualidade, abriu a boca, exprimindo um tom solidário e compreensível, mas foi interrompido antes de ter a chance de completar.

― Eu não vou... ― murmurou Xiao Ning, mantendo a voz baixa e desviando o olhar, como se estivesse tentando evitar ser entendido.

― O que você falou? ― questionou Enlai, franzindo as sobrancelhas.

― Qual o problema? Está com dor de barriga? ― perguntou Xiao Chan, que falando por si mesmo, já estava começando a sentir o estômago revirar. Experimentar todas aquelas comidas se mostrava cada vez mais uma péssima decisão.

― Pequeno Ning... ― começou o tio Chang usando uma voz que parecia indicar o início de um sermão. ― Eu entendo que esteja se sentindo culpado ― disse ele, julgando compreender a razão da hesitação do afilhado. ― Mas essa pode ser sua chance de se redimir. Mesmo tendo se exposto, ainda existe a possibilidade de conseguir uma boa...

― Eu não vou descer até lá para lutar contra aquela sociopata! ― De repente Xiao Ning soltou um grito, protestando contra qualquer tentativa de persuadi-lo. Ele tentou disfarçar, fingir até que o juiz concedesse, por fim, a vitória para a outra pessoa, mas acabou perdendo a compostura e elevando a voz, deixando as pessoas ao seu redor surpresas e ao mesmo tempo confusas.

― O que você falou de mim, seu maldito? ― rugiu Qin Yanyu, que apesar de estar distante e de toda a gritaria do público, conseguiu escutar muito bem a ofensa proferida contra sua pessoa, pois foi dita em um tom bastante revelador. ― Eu vou quebrar seu nariz. ― vociferou, fechando o punho.

― É por isso mesmo que não desço até aí, sua sociopata! ― retrucou Xiao Ning. ― Eu percebi no instante em que te vi. ― disse ele, argumentando através de berros. ― Você é uma dessas que só sabem lutar e não conhecem o significado de “pegar leve”. ― acusou. ― Eu consigo ver no seu rosto, sua pirralha! Esses seus olhos mal-intencionados!

― Pare de gritar! ― repreendeu Xiao Shui, tentando fazer o escandaloso se conter. Era difícil não se sentir constrangida quando existiam tantas pessoas olhando na direção do grupo. ― Você não reclamou assim quando enfrentou o Zhan Hao.

― Não precisa se esforçar para notar a diferença de força entre ela e aquele Pomposo. ― disse ele exprimindo uma nota de experiência. ― Acha que não sei que você está planejando me dar uma surra? ― voltou a encarar o palco com vigor. ― Eu vi a malícia em seu rosto, sua pirralha astuta!

― Do que está falando, imbecil? ― O que antes era empolgação, transformou-se em decepção para Qin Yanyu. Ela estava tão animada por poder enfrentar alguém que aparentava ser um adversário formidável, mas agora percebia que, igual ao anterior, seu oponente não passava de um maluco. ― Eu só quero ter uma luta séria! ― alegou.

― Mentirosa! ― acusou. ― Você quer é ver meu sangue!

― Porque eu só enfrento gente doida! ― protestou Qin Yanyu, batendo o pé contra o piso de madeira. Depois de ouvir rumores falando que a Família Xiao havia se aliado a um Alquimista e de ficar sabendo que os participantes deste ano seriam ainda mais poderosos do que no ano anterior, ela criou grandes expectativas para o festival e desejou de todo o coração travar uma batalha que ficaria gravada na história da competição. Mas sua primeira tentativa se provou um fracasso e ao que tudo indica, essa seguiria um caminho semelhante.

Sua frustração era perceptível pela maneira com que franzia os lábios e enrugava a testa. Julgando pela expressão descontente em seu rosto, ela ainda aparentava ter muito a dizer a respeito de Ning. Contudo, algo a interrompeu, roubando sua atenção.

― O que está fazendo aí, Yanyu? ― Quem fez a pergunta foi Xu Guiren, que tinha um semblante de puro espanto no rosto, como se algo misterioso tivesse acabado de acontecer. E então, após um momento de reflexão, as linhas de expressão em sua testa se abriam, revelando ter chegado em uma esclarecedora resposta. ― Ah! ― grunhiu alto. ― Você vai fazer truques de mágica! ― afirmou, assumindo uma postura mais concentrada, alegre e cheia de expectativas.

― Do que você está falando? ― esganiçou Qin Yanyu.

― Faz o truque da coruja dentro do chapéu? ― pediu Xu Guiren em um tom inocente, começando a bater palmas.

― Eu não sei que truque é esse e eu não tenho um chapéu. ― respondeu a promissora integrante da Família Qin, sentindo as bochechas ganharem um tom ruborizado. Mesmo ela não sendo uma pessoa tímida, o constrangimento se mostrava mais forte quando existiam milhares de pessoas assistindo um garoto pedindo coisas sem sentido enquanto chamava seu nome.

― Eu gosto do truque com cartas. ― comentou Xiao Ning.

― Se não vai lutar, fica quieto! ― repreendeu Xiao Shui, acreditando que ele já havia feito mais do que o suficiente para se constranger.

Uhuu! Vai lá, Yanyu! Tira uma coruja do chapéu! ― De repente, Xu Guiren começou a torcer e aplaudir, ganhando a atenção de muitas pessoas que precisaram se esforçar para não cair na gargalhada. ― Eu acredito em você! ― dizia ele. ― Faça uma abertura inesquecível!

Por mais que suas intenções fossem puras, a sua total falta de atenção para com o mundo real apenas servia para tornar a situação ainda mais vergonhosa.

Qin Yanyu estava se sentindo extremamente embaraçada, tanto que suas bochechas brilhavam de tão vermelhas. Se antes desejava uma grande luta, agora queria acabar logo com isso para poder voltar ao palco e fazer aquele tonto ficar quieto.

E para sua sorte, o sujeito responsável por arbitrar a partida, depois de esperar mais do que deveria, resolveu tomar uma decisão final.

― Já que o competidor Xiao Ning não se apresentou, a campeã é Qin Yanyu. ― declarou.

Um final decepcionante que deixou muitos revoltados. Enquanto os membros comuns da Família Qin comemoravam, o resto da cidade reclamava da decisão e até mesmo vais foram erguidas. No palanque não foi diferente. Embora a maior parte das pessoas ali presente tenham se contido, figuras como a Matriarca Annchi, o Supremo-Ancião Yanlin e a própria 2ª Anciã Ah-kum, fizeram questão de deixar suas queixas.

Depois de ter falhado em esconder a identidade, o tio Chang achou que no mínimo o afilhado passaria a levar a sério a competição, mas estava enganado.

― Pequeno Ning ― disse o 9º Ancião dos Xiaos exprimindo uma voz pesada e marcada por insatisfação. ― Se você não pretendia lutar, podia ao menos ter ido até o palco e se rendido de uma maneira apropriada.

― E me dar ao trabalho de descer deste lugar para depois subir tudo de novo? ― grunhiu Xiao Ning, olhando para o tio como se tivesse acabado de ouvir algo absurdo. ― Eu não!

Uma resposta nada apropriada para alguém que havia acabado de se assumir como uma das figuras mais proeminentes do império. Para o tio Chang era difícil enxergar no afilhado uma pessoa responsável, algo que seria de extrema importância no futuro do próprio e da Família. E no final, tudo o que lhe restou foi um suspiro desalentado.

Embora ainda fosse possível ouvir resmungos e queixas vindos da multidão, a decisão inalterável do juiz fez com que os ânimos se acalmassem, e aos poucos, a atenção de todos começou a migrar para a próxima disputa, que seria entre Xu Xia e Wu Lin.

Porém, apesar das demais pessoas terem desistido de perguntar a razão da desistência, pois sentiam que não obteriam nenhuma resposta satisfatória, Xiao Shui se viu obrigada a questionar:

― Se você não queria lutar, por que não desistiu logo ao invés de causar todo esse alvoroço?

― Eu tentei fingir que não estavam falando comigo, mas vocês não me deixaram em paz. ― argumentou Ning, acreditando que tal resposta pífia bastaria como justificativa.

― Então você estava mesmo fingido! ― grunhiu. Ela tinha pensado nessa possibilidade antes, quando o viu olhando para os lados enquanto seu nome era chamado, mas não acreditou que ele estivesse de fato fazendo algo do tipo. ― Parece criança. ― murmurou em tom de julgamento.

― Acha mesmo que uma pirralha que briga com todo mundo por causa do irmão pode dizer alguma coisa? ― retrucou.

― A Shui briga mesmo com todo mundo por causa do sênior Chan. ― concordou Xiao Li, que havia deixado a companhia dos pais para ficar próxima da amiga e do resto do grupo.

Ahaha! Ela é mais protetora do que meu pai. ― comentou o irmão mais velho, aproveitando a oportunidade de provocar a irmã.

E a brincadeira pareceu surtir algum efeito, pois Xiao Shui mudou o tom, indicando uma leve alteração no humor, e respondeu:

― Pelo menos meu Gege não tem medo de se machucar um pouco e nem de enfrentar alguém mais forte.

― Escute aqui, pirralha ― disse Xiao Ning, erguendo a mão e balançando o dedo indicador feito um senhor rabugento. ― Eu convivi com dores nas costas, bexiga fraca e problemas nos joelhos por cinco mil anos, e agora que os Deuses me deram outra chance com esse corpo jovem e cheio de energia, não vou ficar entrando em cada briga que aparecer pela frente.

― Não fique inventando histórias para se justificar, seu mentiroso. ― ralhou Shui, fitando-o de soslaio.

― Cinco mil anos? ― repetiu Xiao Chan, parecendo um tanto impressionado. ― Se for assim, acho melhor chamá-lo de vovô Ning daqui para frente. Ahahaha! ― gargalhou alto, divertindo-se com a sugestão.

― É verdade o que minha mãe falou a respeito de gênios. ― acrescentou Xiao Li, encarando o Alquimista com certo interesse. ― Eles podem parecer inteligentes, mas no fundo são um bando de idiotas igual ao resto de nós.

O grupo seguiu conversando e se provocando por algum tempo, enquanto Qin Yanyu precisou voltar rápido para o seu lugar, pois Xu Guiren ainda não tinha parado de gritar seu nome e pedir pelo “truque da coruja no chapéu”. Nesse meio tempo, a batalha entre Xu Xia e Wu Lin ficou mais perto de começar.

 


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