Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 40: Empatia Inútil

 

[Nidrik Blazeworth]

 

No mesmo instante em que os pensamentos de desesperança tomaram conta da minha mente algo irrompeu pelos ares, uma força avassaladora, uma velocidade absurda.

Um projétil envolto em chamas azuis rasgou os ares e colidiu contra o centro do corpo da aranha.

Booom!

Fumaça e brasas se misturaram no que meu corpo foi jogado para trás com o impacto que emergiu uma explosão estremecendo toda a caverna.

Por um segundo eu pensei estar diante da morte, mas a figura que extinguiu essa certeza nesse momento corria perfurando a nuvem de fumaça e poeira, com uma pistola carmesim em sua mão direita e na esquerda pequeninos cristais de Aether, Incis.

— Por que não tenta me matar, seu bicho nojento! — Ela gritou arrancando em alta velocidade, seus cabelos negros esvoaçaram.

A Aranha bateu contra a parede de rochas repleta de cristais pontudos e grunhiu em agonia, o sangue de cor meio esverdeada escorreu pelas frestas da sua casca que foi levemente danificada.

Incis lançou um dos cristais de Aether na direção do aracnídeo e mal hesitou em puxar o gatilho duas vezes.

Bang! Bang!

As pedras brilhantes giraram no ar antes de serem atingidas pelos disparos que rapidamente foram envolvidos pela energia Aether criando balas de fogo azul.

“Ela está imbuindo os ataques com Aether! Como esperado da senhorita Katulis.”, fiz um rosto meio abismado.

Ela fez uma fusão entre energia Vitalis e Aether em seu ataque, técnica que costumávamos chamar de ebulição Aether, fundir energia e elementos de Skills para dobrar o dano.

Nesse impasse a Aers Arac enterrou suas grandes patas na parede.

Outro rastro tingiu os ares, uma energia púrpura.

A espada de Akira cortou a distancia pelo ar junto de um pulo que irradiou pela caverna. A lâmina rachou a parede deixando um rastro até cair sob a aranha colossal como um raio.

Uma explosão de ataques mútuos que eu duvido muito que essa carapaça poderia resistir.

Quebra! Quebra! Quebra!

Uma das pernas pontiagudas da aranha voou em direção a Akira como uma lança no que Incis apenas pulou por cima de uma região mais rochosa, pegando uma boa distancia para mais disparos.

O corpo gigante da Aers Arac balançou tremelicando, sua armadura natural agora estava mais quebradiça com os ataques.

“É agora, eu tenho que usar essa chance.”, juntei uma estratégia rápida em minha mente, meu corpo a se erguer de forma dolorida do chão.

Meu coração palpitando, o suor escorrendo e uma dor latejante percorrendo pela minha pele... espera, isso poderia ser por causa do...

 

 

Akira conseguiu lançar o fio de sua Katana contra a ponta de uma das patas que foi jogada em sua direção. No ar as faíscas piscaram com um tintalho ensurdecedor.

Entre rochas pontudas como milhares de espinhos Incis se ergueu, seus olhos âmbar queimando em pura confiança.

“Agora é a hora. Eles precisam de mim, eu não sou inútil, não quero ser inútil... nunca mais.”, ela repetiu isso pra si mesma por mais que parecesse bobo.

Foi então que a aranha começou a se mover mais rápido escalando as paredes e destruindo tudo pela frente.

O chão vibrou quando pedras e estilhaços de metal começaram a desabar aos poucos.

O brilho safira dos cristais que tingiam toda a coloração cinzenta e suja da caverna em formato de cúpula, dessa vez era consumido por uma atmosfera agitada e feroz, bem diferente da calmaria que passava antes e o coração acelerado de Incis sabia bem disso.

— Esquerda, direita, cima. — A atiradora puxou a mira para cima de onde o inimigo se movia.

A fera peçonhenta rasgando as pedras com suas patas afiadas enquanto seus vários olhos brilhavam em um carmesim assassino.

Akira perdeu se alcance quando aterrissou no solo novamente, ela apenas tentou se reposicionar.

Lá em baixo a espadachim tentou se locomover para uma área de mais vantagem escalando alguns escombros de metal e rochas com pulos ágeis.

A lâmina envolta do brilho purpuro sempre a irradiar como um ímpeto sem fim, os cabelos prateados e os tribais brilhando sob seu corpo e tecido do terno.

Akira era de fato a guerreira que iria proteger Incis, a jovem a admirava acima de qualquer coisa, mas será que essa vontade realmente ainda queimava dentro de seu coração quando estava sob controle da Magatama?

— Não fuja. — Foi a única e fria palavra que saiu de Akira que se lançou contra a parede chutando-a para um impulso.

Como uma flecha perfurando os ares a espadachim de cabelos prateados girou pelo ar com sua Katana criando um arco purpuro de chamas, seu terno negro a ondular levemente com o movimento.

A distância foi encurtada em questão de segundos, foi bizarramente rápido e ágil.

— Heh?! — Incis piscou seus olhos em espanto.

A silhueta borrada de Akira se distorceu como um meteoro e caiu sobre a aranha que estava prestes a pular de volta ao solo, suas pernas finas e esguias se esticaram.

Corta! Shwaaaaaaaahr!

Tudo foi por um breve segundo iluminado por um clarão roxo para no fim apenas sobrar um estouro avassalador que engoliu os arredores em vibrações.

O impacto da lâmina que partiu no meio a carapaça rígida da Aers Arac a qualquer momento poderia também rachar as paredes fazendo tudo desabar por completo.

[O Inimigo está mais vulnerável!]

[Penalidade aplicada com sucesso!]

A atiradora de olhos dourados não podia deixar de se sentir surpresa com os painéis reluzentes surgindo diante dos seus olhos, mas não havia tempo!

“Agora!”, um grito de sincronia e pura precisão ressoou pela mente de Incis.

[A Skill passiva (Percepção focada) foi ativada com êxito!]

O estouro de chamas foi lançado do cano da pistola carmesim.

Nesse mesmo instante Incis apenas tacou seu último cristal de Aether da outra mão fazendo a sua bala de fogo perfurar a superfície frágil que se rachou estilhaçando-se como vidro no ar.

[A Fusão de energias “Ebulição Aether” foi feita em seu ataque!]

[+30 De Dano extra.] [+20 De penetração extra]

[O Inimigo receberá dano Vitalis + Dano Aether juntos.]

Esse era o disparo definitivo.

O fogo azul-marinho cortou os ventos parecendo até mesmo um míssil.

“Acabou.”, Incis respirou pesadamente e relaxou os ombros durante os poucos segundos em que o projétil destruiu os ares.

“Assim como foi dito na descrição da Aers Arac, quando exposta a uma grande quantidade de energia Aether ela pode sofrer danos, isso é perfeito. Fundir a energia Vitalis e Aether usando os cristais para imbuir as balas, ufa, eu realmente pensei como a filha do líder da guilda agora.”

Com um ataque desses certeiro em um dos olhos da Aers Arac, seria fatal ou pelo menos deveria ser assim.

— Espera, NÃO!

O alivio que durou poucos segundos, Akira estava prestes a aterrissar após quebrar as defesas do inimigo, porém a mesma passou na frente da bala.

Booom!

Em um piscar de olhos desespero assolou o coração inseguro da jovem de olhos dourados, sua face se moldou em terror no que seus lábios começaram a tremer sem acreditar.

— A-Akira! — O grito veio logo após suas pernas se movendo de forma involuntária, Incis correu entre o terreno baldio.

— Senhorita Akira! Espera, Yon!

— Yon, afaste-se daí!

As vozes da pesquisadora e de Nidrik também ecoaram. Incis pulou em uma ladeira e escorregando de modo desajeitado ela quase torceu seu tornozelo.

“Não, não, não, não!”, ela rangia os dentes e suor descia da sua testa, sua mente agora só tinha capacidade de acompanhar o momento.

Os passos pesados e apressados das botas negras de couro que Incis trajava ecoavam consolando um silencio desesperador.

A jovem sempre presou por proteger a todos que ama e trazer força aos que não tem, entretanto nesse momento ela havia ferido um aliado, não passava de uma hipócrita então!

Tum! Tum! Tum!

O coração apertado, porém, ao mesmo tempo batendo firmemente.

Quando Incis finalmente chegou, pulou por cima de uma grande placa de metal e lá estava Akira caída sob o chão sujo, suas vestes amarrotadas e meio rasgadas.

— Akira, me perdoe eu não–

A voz de Incis congelou, um nó se fez em sua garganta.

Seus passos cessaram em conjunto. O que ela via agora era... assustador.

— S-Senhorita Katulis... — A pesquisadora de jaleco branco, Layaka, estava segurando um braço pálido e lágrimas escorriam pelas suas bochechas.

“Como isso... chegou nesse estado?”, as pupilas douradas de Incis se dilataram perdendo o brilho.

No canto direito escorado numa parede de pedras Nidrik Blazeworth estava com metade de seu corpo literalmente derretendo.

O ácido gástrico e transparente da aranha cobria o tecido suave de seu terno, que se dissolvia em conjunto a sua pele. O ombro e peitoral esquerdo eram corroídos como se vermes estivessem lá.

As gotas escorrendo pareciam criar queimaduras, sua pele era torrada fazendo rapidamente a carne vermelha ficar exposta, a correnteza de dor ardente que isso poderia causar é indescritível.

O sangue escorria do corpo do nobre que apenas tremia levemente sem conseguir mexer seus lábios, o choque de dor era tanto que apenas seus olhos conseguiam se mover e mesmo assim também tremiam.

Viajando seu olhar de desespero e choque para o outro lado, Incis visualizou o corpo do mordomo, Yon, empalado na pata erguida da Aers Arac.

 O sangue escorrendo pela abertura gigante que foi feita no meio do abdômen, as tripas balançando como cordas. O corpo molenga do mordomo pendia na ponta da perna ensanguentada do aracnídeo.

Como se não bastasse justamente ali na frente da Aers Arac estava Akira caída e suspirando em dor, o sangue de Yon, pingava na cabeça da garota.

— E-Ele tentou defender ela? — Incis murmurou a si mesma com um tom fraco e rouco.

Yon se sacrificou para salvar Akira que ainda assim estava bem ferida, aquela bala de Incis poderia ter feito um estrago tão grande assim? Bom, isso era óbvio a essa altura.

— Senhorita Incis, por favor...

A voz de Layaka se tornou abafada para Incis que apenas ficou com uma face estática, congelada. Sem acreditar em tudo o que estava vendo, a faceta cética de um trauma revivido, algo que ela nunca quis experimentar de novo.

“Eu sou inútil. Eu fui inútil de novo.”, aquilo que ela negava com todas as forças permeou por sua mente novamente.

Shaaaaaaaaak!

O Aracnídeo gigante fixou os milhares de olhos carmesins em Incis e grunhiu, o corpo empalado na sua pata foi jogado para longe com um simples balançar. Sangue respingou para todos os lados e parte dessa chuva carmesim caiu sob os cabelos e rosto de Incis.

— Senhorita Katulis, cuidado. — Layaka tremia chorando de terror no canto.

A aranha bateu suas pernas no chão novamente, se aproximando da atiradora de olhos dourados e de Akira.

A fera estava faminta, mas por algum motivo deu preferência para Incis como presa ou será que iria apenas devorar a espadachim debilitada no chão?

Enquanto a fera encurtou a distância, os sons de destruição percorreram pela caverna, o medo e a adrenalina da batalha foram cessados por uma atmosfera pesada e fria.

Incis abaixou sua cabeça com os olhos vazios.

— Entendo. — Ela observou Akira que caída sob as pedras estendeu a mão em sua direção.

— Mesmo que eu me esforce aqui, nada vai dar certo pois eu sou boazinha demais sempre. Não consigo proteger ninguém, agora não passo de uma traidora. — Sussurrou Incis com os olhos cor de âmbar fixados na garota no chão ansiando por sua ajuda em agonia.

Quebra! Quebra! Quebra! Quebra! Quebra!

A Arac Aers continuou a se aproximar com suas gigantes e afiadas patas perfurando a terra.

— Senhorita Katulis, o que está fazendo?! — Layaka gritou em temor, suas mãos se envolvendo no braço do Nidrik desesperadamente.

— I-Incis, Gh!  — Akira tentou dizer algo, mas sua voz se engasgou com um pouco de sangue que saiu da garganta.

“Eu não consegui proteger ela, eu não fui forte.”, Akira se culpou com lágrimas não de dor, mas de tristeza escorrendo dos seus olhos.

Layaka se encolheu contra a parede tentando segurar Nidrik contra seu peito quando a sombra da gigante aranha cobriu todos.

Incis ergueu sua face molhada de sangue para a besta poucos metros adiante dela, seu olhar frio e sem nenhum traço de sua personalidade doce era profundo e vazio.

 Mas apenas esse ato de levantar sua face e encarar o monstro foi capaz de criar uma pressão abrupta que pesou sob todos ainda vivos ali.

Nidrik à beira de sua morte foi o único a realmente entender a situação e com isso sorriu de modo meio dolorido com um pensamento solene em sua mente.

“Proteja não só os outros, mas aprenda a valorizar a si mesma... Incis Katulis.”

Os olhos de Incis agora sem emoção alguma brilharam em um tom cor de sangue e uma energia da mesma cor envolveu seus arredores percorrendo em pequenos raios.

A jovem encarou os milhares de glóbulos vermelhos da aranha e apenas mexeu seus lábios como se só ela precisasse escutar: — Não importa mais, não é? Se eu só te matar acho que tudo vai estar resolvido, não preciso me forçar a fazer algo que não consigo quando eu mesma já traí minha confiança, tentar ser empática sobre tudo é inútil.

As palavras mais frívolas que essa mulher com a face suja de sangue um dia poderia ter dito não eram pra mais ninguém além dela mesma.



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