Volume 1
Capítulo 23: Espectador Sombrio
Pelo salão de festas da mansão, passos ressoaram e aos poucos os empregados ainda acordados viraram seus olhares para o som.
— S-Senhorita Hordrik?
— O que faz aqui?
Alguns dos mordomos e faxineiras, criados de mais baixo Ranking na mansão, lançaram perguntas com rostos impressionados à mulher trajando um vestido negro e uma gravata bem apertada.
— Eu vim tratar de algumas coisas importantes. — respondeu ela em um tom frívolo e então, levantou sua mão na direção deles.
Ventania!
Uma aura negra começou a emanar ao redor do corpo dela, sua mão apontada sobre eles como se estivesse comandando uma multidão.
— S-Senhorita... — Um guarda que estava próximo dali se alarmou por um instante, mesmo vendo que se tratava da mulher mais competente da mansão Blazeworth ele sentiu hostilidade.
Os cabelos negros de Misa Hordrik balançando levemente, em ritmo com as suas vestes ondulando entre a energia negra.
[Perigo! Um inimigo de Ranking desconhecido está próximo!]
Um painel vermelho subiu sob os olhos de todos dali.
Os empregados, o guarda, passos para trás e faces incrédulas foram as reações que eles tiveram.
— Senhorita H-Hordrik... voc–
Corta!
Antes mesmo do guarda trajando seu uniforme preto terminar suas palavras, seu pescoço foi decepado e sua cabeça... bom, caiu no chão, esguichando o líquido carmesim pelo piso de cerâmicas enquanto o resto do corpo também despencou. O cadáver a tremia levemente.
— Huh?!
— Mas o que...
Olhares aterrorizados surgiram nas faces dos que viam a cena.
No meio do grande salão, cheio de mesas, cadeiras e um lustre gigante no teto, uma garota loira com roupas de empregada segurava uma adaga suja de sangue, seus olhos eram vazios, negros como o abismo. Não era mais como seus companheiros de trabalho.
— Muito bem, — Misa Hordrik girou sua mão na direção das duas faxineiras e o mordomo atrás de uma mesa, — extermine o resto.
Vuuush!
Não houveram nem mesmo gritos de desespero ou últimas palavras das vítimas, todas foram exterminadas.
Um rastro metálico cortou os ares de maneira agressiva, atravessando os móveis de madeira como um raio.
Cabeças caindo contra o chão esbranquiçado e a chuva de sangue tingindo os panos que cobriam as sofisticadas mesas.
Corpos sem cabeças davam leves espasmos enquanto poças carmesins escorriam entre as frestas das cerâmicas. A empregada empunhando sua adaga molhada com a fluído carmesim relaxou seus ombros, assim saindo da postura de ataque responsável pelo massacre.
— Ótimo, agora, Skill On... Sosa. — os lábios corados de Misa Hordrik entoaram a ativação de uma misteriosa e mórbida habilidade.
A energia preta subiu dos cadáveres recém decapitados, cobrindo o salão de festas com uma nuvem negra.
[Jack Hartseer]
— Incis, me deixe entrar pra guilda.
Incis apenas abaixou sua cabeça em silêncio.
Sua franja a esconder seus lindos olhos dourados me deu um leve desconforto.
Um silêncio inexplicável, apenas o som dos gélidos ventos da noite foi o suficiente pra me fazer saber que eu não deveria tomar tal escolha.
— Por que? — Incis apertou os punhos sem olhar para mim. — sabe muito bem que estou fazendo isso p-pelo seu bem, não é? — indagou ela.
“Eu sei disso. Sei muito bem, mas eu sou um idiota, não entendeu ainda?”, minha mente sufocava qualquer resposta que eu poderia dar.
O farfalhar das folhas, a grama esverdeada ondulando sem parar e a imensidão negra no céu com pontinhos reluzentes, não era só Incis que estava exigindo uma resposta de mim, era como se o mundo todo estivesse também.
— É que...
Tentei responder, mas minha garganta doeu, um nó se fez nela.
— Não tem uma resposta né? Então qual o sentido disso tudo?
— Não é isso. É que desde que cheguei aqui... eu me sinto desconfortável, não só por causa das coisas ruins que vem acontecendo, mas porque sou sempre inútil. Eu quero... respostas e também quero retribuir sua ajuda, quero servir pra alguma coisa, Incis.
A minha habilidade comunicativa com mulheres ainda estava bem rústica, por isso parecia uma desculpa esfarrapada, porém era verdade.
Eu queria descobrir como voltar pra casa, como tinha parado nesse mundo e também se o senhor Kaylleon estava bem, queria saber de tudo, queria continuar, mas o medo e a insegurança me acorrentavam.
Me juntando a guilda eu poderia finalmente me libertar do receio, deixaria de ser um covarde... ou talvez nem assim eu tivesse salvação.
Bom, quem se importava? Ah, é verdade, Incis se importava.
A linda mulher de cabelos escuros diante de mim, respirou fundo como se estivesse entrando em sincronia com os ventos.
— Isso é perigoso demais Jack, viu com os próprios olhos o quão desastroso pode ser fazer parte de uma guilda, principalmente a nossa que é considerada pelo império como um grupo terrorista. — argumentou ela ao erguer um olhar destemido para mim, — Não há benefícios nisso garoto, fique aqui, eu sei que é confuso e assustador não se lembrar de nada ou não conhecer ninguém, mas de fato, é como uma benção pra você, sua personalidade ao todo já mostra isso, seus olhos... são solitários e de alguém que sofreu muito no passado. — completou com um olhar piedoso.
“Meus olhos, eles dizem isso?”, franzi as sobrancelhas um pouco abismado.
De repente rápidas visões piscaram em minha mente, a imagem daquela garota morta em meus braços e os olhos de Abyssus.
— P-pare de falar besteiras Incis, eu não lembro de nada... — minha voz falhou por completo e meu corpo tremeu no meio das palavras, — eu só quero entrar pra guilda! Por que não pode simplesmente aceitar isso de uma vez?
Foi então que, diante da minha pergunta ela hesitou um pouco e com seus lábios tremendo levemente Incis levantou sua resposta.
— Não depende de mim, você apenas não pode entrar pra guilda. O motivo disso é que você f-foi infectado pela síndrome de Tenebris Jack.
Sua voz parecia dolorida, mas ao mesmo tempo séria.
Sob a luz dourada do luar e com seus cabelos estonteantes dançando aos ventos, lá estava ela, Misa Hordrik.
Em cima do telhado no casebre Blazeworth ela observava todo o jardim que de tão exorbitante assemelhava-se mais com uma planície das distantes terras onde ela costumava viver, o continente de Seraph.
— Hmm... que interessante, eles parecem estar tendo uma boa conversa. — comentou ela ao aproximar um cigarro dos lábios, seus olhos fixos em duas figuras distantes dali, conversando embaixo da grande copa de uma arvore.
Clink!
Uma figura loira vestindo roupas de empregada se prontificou ao lado dela e ascendeu uma pequena chama com um isqueiro.
O fogo quase que se esvaindo entre a ventania e o calor perto dos dois delicados dedos de Misa Hordrik foram como um consolo para o seu coração frio.
— Skill On: Sensus Dei.
Sussurrando entre a bituca acesa os olhos da mulher foram envolvidos por uma luz esverdeada.
[Uma habilidade foi usada!]
[Sensus Dei]
[Seu campo de visão e seus sentidos foram amplificados em 25%]
Suas pupilas dilataram e o gramado cheio de arbustos e estátuas ficou concavo como um globo.
Todos os sons, cheiros, sensações se tornando mais perceptíveis sob o corpo de Misa Hordrik.
— Vamos ver mais de perto.
Ela expulsou fumaça pelas narinas ao fixar seu olhar de águia nos dois conversando em baixo colossal arvore no jardim.
— Analy. — Misa Hordrik mexeu seus lábios de uma maneira que o cigarro caiu das alturas, e assim ela bisbilhotou Jack e Incis com outra habilidade.
[Análise completa!]
[Alvo 1: Jack Hartseer]
[Raça: Lost]
[Ranking: F]
O painel esverdeado era repleto de informações que pra ela eram irrelevantes, mas seus olhos frios congelaram na informação um pouco mais abaixo.
[Maldição: Síndrome de Tenebris.]
— Que garotinho azarado. — sussurrou ela em um tom frívolo e sem expressão no rosto.
“Afetado pela doença maldita que consome sua sanidade e ainda os pontos de vida, sem contar que é um Lost de Ranking F. Que lástima, pouparei Hartseer Jack de tal sofrimento.”, foi o que Misa Hordrik pensou ao virar seu olhar morto para a empregada empunhando uma adaga ao seu lado.
— Mate aquele garoto, eu quero o cadáver dele.
Com a ordem dada a figura ao lado de Misa Hordrik apenas afundou entre as telhas transformando-se em um tipo de líquido negro e viscoso, como se estivesse afundando em um pântano.
O silêncio da noite foi o que sobrou para a solitária mulher em cima do telhado da mansão, alguém que se espreitava nas sombras e presava pelo seu objetivo.
“Quem sabe ele não possa se tornar uma marionete poderosa com esse status negativo? Eu preciso testar isso, fiquei realmente interessada.”
Ela se perdia em pensamentos enquanto a lua amarelada no céu parecia observar tudo de longe.