Ato 1
Capítulo 17: Rei Dos Domadores – Parte II
Os frequentes ataques de lobos e leões desgarrados a Erug preocupavam Ivis Paeris.
Seu contingente de soldados haviam diminuído substancialmente, e embora os relatórios enviados ao império mantivessem um tom mais comedido, a realidade escancarava a grande ferida aberta no coração de Arnghurn. E como se não bastasse as feras devorando ghurnidas à luz do dia, bandidos e rebeldes anti-sâmidas agiam deliberadamente no afã de engrossar o caldo de desgraça.
Era quase noite, e o prefeito dirigiu-se até o cárcere no porão da prefeitura.
Estava sozinho.
Os cárceres privativos eram celas especiais usados para confinar prisioneiros específicos, na maioria das vezes presos políticos.
Paeris dirigiu-se à única cela ocupada. Nela estava o homem que derrotou os três leões malditos responsáveis por aterrorizaram Erug dias atrás.
— Ei, prisioneiro! — disse Paeris.
— Ah! Olá, amigo sâmida! Em que posso servi-lo?
— Como se chama?
— Ogherus, senhor.
— É de Erug, Ogherus?
— Não, senhor. Moro mais ao norte, no reino de Kalim.
— O que fazia aqui no dia do ataque?
— Cumprindo o meu propósito de vida, senhor.
— Seu propósito...?
— O propósito ao qual o Tamher me comissionou, combater o caos dos trognosh!
— Pare com essas malditas palavras estrangeiras!
— O senhor é que é o estrangeiro, senhor.
— Me chame de Paeris!
— Perdão, senh-- Paeris!
— Recebi relatórios dizendo que há outros como você nas mediações de Tarir e Radilan. “Homens e mulheres com o poder de controlar lobos e leões”, “aparência esquisita”, “seguem um tal de Tamher”, “adeptos de uma seita da religião dos domadores”, “despertar do leão interior” etc, etc... O que essas coisas significam?
— A história é complicada...
— Tenho toda a noite se for necessário!
— No princípio, quando o trognosh possuiu o primeiro lobo e esse lobo enganou os homens, o mundo foi afundado no caos. Urn concedeu a alguns guerreiros escolhidos o poder de domar os leões sagrados e essas criaturas tinha o poder de purificar o homem do seu caos interior, o lobo que consumia a alma. Porém, essa era apenas uma medida de contenção, uma vez que o caos não poderia ser totalmente banido da humanidade já corrompida. No fim, os domadores que deveriam lutar contra os trognosh com o poder dos leões, passaram a usar o poder das feras não para o bem, mas para o seus próprios desejos corrompidos. Mas há uma profecia antiga que diz que quando os quatro leões sagrados estivessem reunidos juntos, haveria a manifestação do Tamher, o domador supremo que possui o Leão Espiritual de Urn. O verdadeiro rei!
— Quatro leões sagrados?
— Os leões mais poderosos que rodeiam o trono de Urn. Um leão de pelagem branca que detém o poder do governo; o leão negro que detém a força; o leão do olho da mente que detém o poder da onisciência; e o leão espiritual portador da transparência, da pureza e possui o poder de lavar o caos.
— Mas se ele é o verdadeiro rei, quem é o jovem de Kherug que foi aclamado rei?
— Ele é um instrumento de Urn para preparar o caminho do verdadeiro monarca. O leão branco não é o que detém a pelagem desta cor, mas aquele que é puro de coração. Como eu te disse, embora os homens tenha herdado o poder de controlar os leões, eles ainda continuam sendo homens...
— E onde está esse Tamher?
— Ahhh, em breve ele há de se manifestar a todos...
Paeris calou-se por um instante. Sua mente parecia limitada demais para processar aquele mar de informações.
— Está livre... — O prefeito abriu a cela.
— O que disse?
— Estou te libertando, saia da minha cela...
Ogherus levantou-se e saiu.
— O mundo irá mudar, prefeito. Quero que esteja vivo para ver.
— Espero não ter que contemplar um mundo governado por domadores...
— Ah, pode ficar tranquilo... Em breve não haverá mais domadores!
Paeris ficou intrigado com aquela declaração.
Observara calado o estranho homem sair do calabouço.
Assim que Ogherus saiu do cárcere, Paeris trancou a porta principal e subiu as escadas até sua sala. Haviam dois acessos à saída da prisão, uma principal, por onde Ogherus saiu, e outra passagem secreta que dava nos fundos do escritório de Paeris escondido com uma longa cortina vermelha bordada com um sol amarelo.
O prefeito espiou entre os vãos do tecido para ver se havia alguém na sala. Notara a presença de três pessoas, um homem vestido com uma túnica escura e uma capa azul, Vitri e Filimus. O prefeito saiu discretamente por entre as cortinas e andou até os indivíduos.
— Paeris, onde estava? — disse Vitri.
— Ah, eeeh... no banheiro...
— Que seja! Sente-se, precisamos conversar...
O prefeito notara o semblante preocupado da chefe da guarda e de Filimus.
— Aconteceu alguma coisa?
— Este é o senhor Agom. Ele disse que tem uma carta do Imperador Ismus Nitus para você — falou Filimus.
Agom levantou-se da cadeira que estava sentado. Era um homem alto e imponente, tinha cabelos negros lisos que batiam nos ombros e uma pele morena.
— É um prazer conhece-lo, senhor Ivis Paeris. O imperador lhe manda seus cumprimentos.
— Olá... o senhor não é de Sames, é?
— Há! Há! Há! A minha pele me denuncia, não é? De fato, não sou do ocidente. Nasci em Merghurn.
— Então decidiu retornar para a sua terra?!
— Voltei para reivindicá-la!
— O-o que disse?
— É isso mesmo que ouviu — Agom entregou a carta para Paeris.
O prefeito tomou a correspondência da mão do estranho e começou a lê-la. À medida em que corria os olhos pela folha do papiro, seu rosto alternava-se entre os sentimentos de temor e incredulidade.
— As notícias da sua má gestão neste fim de mundo tem chegado ao império. Não é bom para a moral do imperador que os seus magistrados sejam tão incompetentes — falou Agom.
— Pelo Sol! O que isto significa?
— O seu soberano quer saber o porquê de um dos seus domínios se rebelarem ao ponto de elegerem para si um rei que o mesmo não autorizou...
— “Eu agradeço o senhor Ivis Paeris pelos serviços prestados, mas a partir de agora eu nomeio o senhor Agom...”
— Tempos difíceis exigem medidas extremas...
— “... Rei dos domadores...”
— Rei dos domadores? — disse Vitri. — O que isso quer dizer?
— Ah, esqueci desse detalhe... — Um lobo gigante apareceu sorrateiramente atrás de Agom como se tivesse se materializados das sombras.
— U-um Lobo! — os três sâmidas se assustaram com a aparição repentina da fera.
— .... Eu sou um domador!