Volume 1

Capítulo 26: Voltando Para Casa

Após passarem a noite na clareira da floresta congelada, Aldebaram, Gideon, Alaric e Fuxi decidiram seguir viagem.

— É aqui que nos separamos. — afirmou Alaric.

— Oi? — Gideon, ficou perdido.

Na mente do jovem, a conclusão dessa vingança seria um esforço conjunto, não algo que Alaric realizaria sozinho.

— Garoto, explique-se — ordenou Aldebaram. 

Alaric olhou para Fuxi, ao seu lado. O lobo aparentava já saber o que se passava pela mente do jovem.

— A vingança é de Fuxi, e eu me ofereci para ajudar. — Fitou Aldebaram e Gideon. — Não tem nada haver com vocês dois.

Alaric, consciente de que o dever recaía sobre ele, evitava envolver Aldebaram e, especialmente, Gideon em suas situações complicadas. 

De fato, a promessa foi feita exclusivamente por ele, tornando injusto envolver ambos nessa empreitada arriscada.

— Mas Alaric… 

Entretanto, Gideon discordava dessa perspectiva. A simples ideia de seu irmão enfrentando monstros enormes como os Lycaions, sozinho lhe causava calafrios e apreensão.

— Confie em mim, Gideon. — Seu tom descontraído acabou por tranquilizar o jovem.

— E, em mim jovem — disse Fuxi. — Eu o protegerei com minha vida, se preciso.

O lobo compartilhava uma perspectiva quase idêntica à de Alaric, sentindo a responsabilidade de proteger o garoto inserido em sua própria confusão. Com o pedido de Apolo, essa vontade e dever aumentaram significativamente.

Haha. — Com uma risada sem graças, Gideon colocou a mão na nuca. — Sendo assim, me preocupo menos.

— O que quer dizer Gideon!?

— Você sabe Alaric… Você é bem imprudente e impulsivo… 

Na perspectiva de Gideon, Alaric sempre foi um jovem impulsivo, agindo antes de perguntar ou ponderar, o que frequentemente resultava em derrotas. Apesar de ser perspicaz e um excelente estrategista em batalha, a tendência de Alaric de agir impulsivamente o colocava em situações complicadas.

Mas, obviamente Alaric não iria assumir isso.

— Eu? Impulsivo? — Cruzou os braços e olhou para o céu. — Hump, não sei onde.

Hahaha! Terei que concordar, você é um lobinho branco, estressadinho.

Ignorando tais comentários, Alaric permaneceu firme em sua decisão de agir sozinho, obviamente acompanhado de Fuxi. 

Dessa forma, seguiu seu caminho, deixando Aldebaram e Gideon para trás.

Mesmo sendo pouco relutante diante da decisão um tanto egoísta de Alaric, Gideon ainda mantinha uma apreensão visível, e certos questionamentos surgiram em sua mente.

“Será que ele… apenas não me levou… Por eu ser fraco?” Cerrando os punhos, baixou o olhar e, com uma pesar na voz, indagou:

— Aldebaram, sou fraco?

A pergunta pegou Aldebaram de surpresa; ele não esperava tal questionamento. Racionalmente, poderia afirmar que sim, Gideon era considerado fraco, já que todas as suas lutas resultaram em derrota ou exigiram a intervenção de seu irmão para salvá-lo.

Mas, apesar das piadinhas, Aldebaram nunca foi insensível. Mesmo quando brincava, evitava magoar alguém conscientemente, ou, se o fazia, sabia que não causaria verdadeiro dano.

Um guerreiro com alma de cavalheiro, por assim dizer. No entanto, mentir também não estava no seu estilo.

— Olha, garoto.

— Sem rodeios, Aldebaram — Com punhos ainda cerrados e o olhar fixo no solo, Gideon, pela primeira vez, mostrou uma rudeza um pouco fora do comum.

O guerreiro ignorou a rudeza, compreendendo o nervosismo do garoto. Não julgava, pois ser chamado de fraco podia parecer trivial, mas num mundo onde a força decidia a vida de quem você amava, essa palavra carregava um peso incomum.

— Você é fraco, Gideon.

Seus punhos já cerrados apertaram-se ainda mais, a ponto de o sangue começar a escorrer de suas mãos. 

Embora o guerreiro pudesse ter lançado essa verdade dolorida na face de Gideon, ele optou por não deixar por isso mesmo. Tal atitude não condizia com sua personalidade.

Aproximou-se de Gideon, colocou a mão em seu ombro. 

— Mas você poderá ficar forte, garoto.

Essas palavras, como uma chama de esperança, inflamaram o ânimo do jovem. Ele já havia prometido tornar-se forte, e estava determinado a cumprir essa promessa. Um sorriso puro brotou na face que anteriormente só exibia dor.

Uhum! — Assentiu com a cabeça.

Ao testemunhar o entusiasmo do jovem, o guerreiro sorriu, relembrando os dias em que tinha a mesma idade e exibia a mesma empolgação durante seus primeiros treinamentos.

— Eu irei te ajudar a ficar forte. — afirmou convicto.

— Sério!? — Era possível sentir sua empolgação tomando todo ar envolta, seus pulinhos mesmo que discretos, demonstrava todo seu entusiasmo.

Hahaha! Claro! — Acariciando os cabelos brancos de Gideon, continuou: — Agora vamos para casa.

Depois de 5 noites fora de cabana, eles não imaginavam como Astrid e Dolbrian, estariam. Por isso, decidiram voltar logo.

Subindo a encosta da montanha de Windefel, cruzando toda a floresta congelada. Chegam ao seu destino, em aproximadamente 2 dias de viagem.

Ao aproximarem-se da cabana, se deparam com Astrid carregando um balde d’água. 

— Astrid! — grita Gideon, acenando.

Astrid, imediatamente ao ouvir, soltou o balde que estava em seus braços, derramando toda água e, partiu na direção dos dois.

Seus cabelos prateados dançavam ao vento enquanto corria, cada passo leve no chão marcando a aproximação. Lágrimas escorriam dos seus belos olhos amarelados, e um encantador sorriso desabrochava em seu rosto ao estender os braços ao se aproximar.

Para surpresa de Aldebaram e, especialmente, de Gideon, Astrid saltou na direção do jovem.

— Gideon! — A emoção era tanta, que nem gaguejou ao falar.

— A-Astrid!? — Gideon foi pego de surpresa, mas rapidamente dissipou-se, logo, fechou seus braços devolvendo o abraço.

Astrid abraçava o jovem como se estivessem separados por décadas. Seus cabelos brancos e prateados se entrelaçaram, dando a impressão a qualquer observador de que eram um casal, se reencontrando após uma guerra ou evento complicado.

Aldebaram observava tal ato calado, mas emocionado internamente. Sua filha, tão tímida, havia encontrado o que muitos procuram a vida inteira, alguém em quem verdadeiramente confiar e, talvez, o amor.

Mas seu espírito falador e brincalhão, não o permitia ficar em silêncio por muito tempo.

Aham! — Forçando uma tosse, continuou: — Sei que é amor demais entre os pombinhos, mas eu também sou alguém especial para você Astrid… Poxa.

Imediatamente ao ouvirem, voltaram à realidade e, ao notarem seus corpos tão próximos, avermelharam-se inteiros. Rapidamente afastaram-se um do outro.

Entrelaçando os dedos e olhando para baixo, vermelha como um pimentão, respondeu:

— O-oi, pai. — Mas logo raciocinou o que Aldebaram tinha falado e, virou seu rosto em direção a ele, com um olhar fuzilante. — Como assim “amor”, “pombinhos”?

Aldebaram percebendo que enfrentaria a ira de sua filha, começou a disfarçar.

— Fiu..fiu — Assobiando e andando em direção a cabana, ignorou aquele olhar assassino. 

Gideon, por outro lado, permaneceu imóvel, tão vermelho quanto os cabelos de seu irmão. Não conseguia articular uma palavra, e sempre que estava perto de Astrid, seu coração acelerava. Mas não era uma aceleração desconfortável, como quando se preocupava com Alaric; era algo estranhamente reconfortante, acompanhado por um turbilhão de sentimentos no estômago, como borboletas.

“Será que isso é amor?” questionava a jovem a si mesmo, tais sentimentos pareciam ser o famigerado amor. 

— Gideon! Gideon!

Voltando do mundo da lua, onde tinha se perdido. Notou uma voz o chamando.

— Oi!? — Se assustou inicialmente, mas logo percebeu que era Astrid. — Ah, oi Astrid, desculpe eu estava perdido em meus pensamentos.

Hah! Tudo bem, vamos pra cabana, tá frio aqui. 

Ao terminar de falar, Astrid estranhou algo. Notou que não gaguejava ao conversar com ele; era natural, como se estivesse falando consigo mesma. 

Os dois caminharam até próximo a cabana, e entraram nela. 

— Vovô!! — gritou, correndo na direção de seu avô. De certa forma, assemelhava-se a Astrid, correndo em sua direção.

Dolbrian, ao escutar a voz familiar e reconfortante, virou-se na direção do jovem e abriu seus braços, antecipando o golpe de Gideon: abraço de urso.

— Gideon!

Rapidamente o jovem saltou, pousando nos braços de Dolbrian, gerando um abraço carinhoso e lindo de se ver. 

Toda aquela apreensão de não saber como um ou outro estava, foi-se dissipada. 

Mas logo Dolbrian sentiu a falta de uma certa figura.

— Onde está Alaric? 

— Então…. 

Aldebaram se intrometeu no meio da conversa e tomou o direito de fala.

— Sabe como aquele garoto é né… Dolbrian. 

O ancião afastou Gideon, franziu a testa e cruzou os braços.

— Sem rodeios, Aldebaram.

Haha… Ele foi ajudar um lobo a vingar seu clã. 

Tais palavras, pareciam ter saído direto de algum livro de contos. Algo que em qualquer mundo seria apenas sintomas de loucura, mas Dolbrian já estava vivo a muito tempo e conhecia as maluquices que esse mundo proporcionava.

Então, apenas aceitou os fatos, colocou a mão na testa e suspirou…

Ahh… Aquele garoto. 

Alaric sempre foi um garoto inquieto, o oposto do pequeno garotinho tranquilo que Dolbrian imaginava ao resgatá-lo dos esgotos.

Sua inquietude não era ausência de personalidade, mas uma reação às experiências vividas. Ao encontrar um lar cheio de amor, liberou seu verdadeiro lado bagunceiro.

— Relaxa, vô, Alaric irá voltar — afirmou com um sorriso puro, e continuou: — Afinal, ele prometeu para mim.

Gideon tinha plena confiança de que Alaric nunca quebraria sua promessa. Poderia haver caos no mundo e o universo poderia colapsar, mas Alaric manteria sua palavra para com o seu irmão.

E isso o fortalecia, o mantendo firme e confiante. No final, os irmãos eram a força um do outro. 

— Vocês…. — Uma lágrima escorreu dos olhos cansados de Dolbrian. — Vocês… são realmente meus netos.

— Vovô? — Gideon foi pego de surpresa, não entendeu tal declaração. 

Para Dolbrian, bastava dizer aquilo, sem mais explicações. Em um futuro próximo, Gideon compreenderia plenamente o significado por trás daquelas palavras.

— Por hora, vamos comer — disse Dolbrian, que virou seu olhar para Astrid. — Trouxe a água, jovem?

Hu? — Um arrepio subiu de seus pé até as pontas de seus cabelos. — É-é… eu…

Dolbrian não compreendia tal reação, era uma pergunta simples e básica, até isso a fazia travar? 

“Eu derramei….” Astrid havia deixado a toda água cair, no momento que soltou o balde para correr na direção de Gideon.

— E-eu — Entrelaçando os dedos, e maquinando uma resposta aceitável, travava a cada pequena sílaba. — E-

Gideon tomou sua frente, afinal, ele havia percebido o motivo de seu estranho comportamento.

— Ela… — Ele iria contar a verdade, mas decidiu mudar os fatos. — Eu sem querer… fiz ela derrubar.

“Por que ele mentiu?” Astrid não entendia o motivo dessa ação, até porque, podia acabar sobrando para ele. 

Ao voltar seu olhar para frente, Astrid encontrou os olhos de Gideon fixos nela, seguidos por uma piscada. O gesto a fez derreter por dentro, arregalando os olhos e corando as bochechas. Se pudesse, enterraria a cara no chão.

Ah…. — Aparentava que uma bronca monumental, viria como um cavalo desgovernado para cima do jovem… Mas. — Tudo bem. Aldebaram, vá buscar mais então.

No final, Dolbrian, era tão amável e amistoso quanto Gideon, nunca brigaria por motivos tão banais. 

Gideon estava ciente disso, por isso tomou atitudes aparentemente desesperadas, de forma sutil e rápida.

Após falar Dolbrian virou o olhar para o guerreiro, que fingiu que não era com ele. 

— É com você mesmo, Aldebaram — Afirmou Dolbrian.

"É curioso ver o vovô pedindo algo, sem se sentir envergonhado... Talvez a convivência com Aldebaram tenha causado isso," pensou Gideon, surpreendido ao testemunhar seu avô, que sempre se mostrou relutante em solicitar qualquer coisa a alguém, pedindo para Aldebaram trazer água. Pode ser que fosse por se tratar de algo simples, apenas trazer água, ou talvez Dolbrian já tivesse plena confiança naquele ambiente.

Ah… acabei de voltar… — reclamava Aldebaram, parecia uma criança não querendo fazer algo que a mãe mandava.

Sem muitas opções, e estando pouco afim de enfrentar um ancião irado, Aldebaram obedeceu e saiu chutando até o ar a sua volta, fazendo birra.

Ao final de sua aventura, Gideon estava de volta ao local que tanto amava e, enfrentando situações tão reconfortantes. 

Podia até sentir que as coisas começariam a dar certas e talvez realmente dariam. 

— Pessoal — Rapidamente Aldebaram entrou na cabana e ficou à frente da porta.

— Sem água, Aldebaram?

— Esquece isso, tem algo mais preocupante lá fora.

Ao exterior da cabana, um enorme exército ostentando bandeiras de Estudenfel. Marchavam em direção à cabana.

O sangue iria começar a jorrar e cabeças irão voar.

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