Volume 1
Capítulo 23: Primordiais
De volta à floresta congelada, cercados por pinheiros intermináveis e iluminados pelo sol esplêndido, Alaric e Fuxi avançavam em direção a Gideon e Aldebaram. O tempo fluía normalmente e logo alcançaram os dois, que permaneciam sentados na pequena clareira entre as imensas árvores.
— Garo- — Rapidamente Aldebaram invocou sua Misriam, ficando em guarda. — Lycaion…
Fuxi esperava essa reação, considerando que o envolvimento dos Lycaions com outras raças era extremamente incomum.
Ligeiramente Alaric tomou a frente de Fuxi, com as mãos à frente do corpo.
— Ei, ei, guerreiro, relaxa.
— Alaric? — Aldebaram, ainda em guarda, não compreendia por que Alaric estava aparentemente defendendo o Lycaion.
— Calma, giganoide. Não irei causar nenhum mal. — O lobo sentou, e fixou o olhar em Aldebaram. — Estou do seu lado.
As palavras surpreenderam Aldebaram, pois jamais imaginara um Lycaion tomando partido que não fosse o deles próprios. A raça sempre fora retraída e pouco interessada em assuntos mundanos.
— Ahn? — Sua expressão demonstrava toda sua descrença. — Como posso confiar nestas palavras!?
Alaric aproximou-se do guerreiro, colocou a mão em seu ombro e sussurrou baixinho:
— Confie em mim, guerreiro. — recolheu a mão do ombro de Aldebaram, e começou andar. — Baixe a guarda guerreiro, deixe tudo em minhas mãos.
Imóvel como uma estátua, Aldebaram viu o lobo passar ao seu lado com a cabeça erguida, exibindo uma certa arrogância.
— Alaric? — Gideon, também sem entender, observava seu irmão. — O que aconteceu?
— Oi? — Como assim, o que mudou? A expressão de Alaric demonstrava sua dúvida, diante dessa pergunta.
Gideon notou sutilmente alterações em Alaric, como se seu sexto sentido de irmão estivesse alerta para mudanças sutis no jovem.
— Você… Sei lá. — Gideon começou a coçar seus cabelos brancos, tentando listar as mudanças. — Não sei, mas algo mudou.
— Então esse é aquele de quem tanto fala? — perguntou Fuxi, por trás de Alaric.
Alaric ao escutar, avermelhou-se inteiro. Embaraçado respondeu:
— E-eu, não sei do que está falando. — abaixou-se e passou o braço por cima de Fuxi. — Não fale sobre isso novamente.
O lobo não compreendeu, Alaric vivia falando sobre Gideon, então porque esconder esse fato? Mas ao sentir o olhar perfurante e o braço do jovem cada vez apertando mais, aceitou as ordens de Alaric.
Gideon por outro lado observando tudo, ficou quieto, imóvel, a vergonha o corroía por dentro.
— Bom, não entendo completamente, suas pretensões Alaric. — Aldebaram aproximou-se deles. — Mas vou confiar em você.
Alaric soltou Fuxi, ergueu-se totalmente ereto, com o queixo erguido, e olhou para cada ser presente ali: Aldebaram, Gideon e Fuxi.
— Acho que devo algumas explicações.
Nas próximas três horas, Alaric dedicou-se a explicar tudo o que podia: informações obtidas, conflitos enfrentados e a promessa de vingança de Fuxi, escondendo um único fato... Sua dualidade.
— Nossa, garoto — começou Aldebaram, que havia sentado em uma pedra. — Passou por poucas e boas, mas agora o entendo.
— Alaric… — Gideon, por outro lado, demonstrava sua preocupação.
Fuxi levantou-se e tomou a frente de Alaric.
— Espero que confie em mim agora, giganoide — falou em tom amigável, mas firme.
Apesar de certo receio, Aldebaram, após ouvir toda a história do jovem, percebeu a necessidade de confiar no lobo e não se prender apenas à sua própria verdade.
— Ainda tenho minhas ressalvas — fixou o olhar sério em Fuxi. — Afinal, você está usando o garoto, mas… — Seu olhar transformou-se, tomando uma forma amistosa, e estendeu sua mão. — Se Alaric confia em você, também irei confiar.
— Obrigado, giganoide. — Estendeu sua pata, formando um aperto de mão/pata.
Aldebaram abriu um enorme sorriso em seu rosto.
— Haha! Me chame de Aldebaram.
Apesar de não confiar totalmente no Lycaion, Aldebaram confiava em Alaric, o que era o suficiente. O guerreiro conhecia a perspicácia de Alaric e sabia que o jovem não confiaria em alguém que pudesse causar problemas.
— Acho que já sabe, mas me chamo Gideon — disse, estendendo a mão para o lobo.
— Tenho conhecimento, até po- — Fuxi sentiu uma quentura em sua nuca e olhou para trás, encontrando apenas o olhar perfurante e intenso de Alaric. — At-... Bom, soube por teu nome. — Apertou a mão de Gideon.
Fuxi evitou recontar a informação sobre a obsessão de Alaric por Gideon, pois sentiu a morte no olhar do jovem e não estava disposto a encontrar Inari Ōkami tão cedo.
— Apresentações concluídas — falava Alaric, aproximando-se. — Vamos em frente agora.
— Garoto? — questionou Aldebaram, olhando o jovem. — O que quer dizer com “Em frente”?
— A vingança de Fuxi. — Virou seu olhar confiante para o lobo. — É claro, quero tirar isso logo do caminho.
Alaric desejava concluir sua promessa por dois motivos: o temor de sua alma queimar devido ao pacto e a necessidade de remover esse obstáculo para concentrar-se na invasão ao reino de Estudenfel.
No âmago de sua alma, Alaric reconhecia um último motivo: ele entendia a dor de Fuxi, sabia o que significava perder alguém importante. Assim, ajudar o lobo em sua vingança talvez fosse uma forma de amenizar sua própria dor.
Esse motivo permaneceu na nébula de sua alma, nunca sendo citado além de sua mente.
— Bom, entendo. — afirmou Aldebaram. — Está usando o cérebro finalmente hahaha!
— Ha,ha, engraçado, guerreiro.
Gideon, ao ouvir tudo, permaneceu em silêncio, mas sua quietude vocal era contrariada por sua inquietude mental.
Ouvir sobre a vingança e em que tudo isso implicava, o deixou apreensivo.
Já não suportando ficar em silêncio, com tanto sendo falado em sua mente, proferiu:
— Alaric… Eu… Você — Mesmo com todas as palavras em sua mente, dizê-las se mostrou complicado.
Ao notar seu irmão agindo de maneira estranha e mal conseguindo formar frases inteiras, aproximou-se dele e colocou a mão em seu ombro.
— Gi… O que te assombra?
“Gi…” Gideon sentia falta de ser chamado assim. Na verdade, ele ansiava pela simplicidade da época em que era chamado assim, quando as preocupações eram apenas brincadeiras, e a felicidade era genuína, sem o medo da morte. Mesmo sendo pobres, a felicidade era uma constante. Essa época tornou-se uma vaga lembrança, algo que nunca mais voltaria.
Uma lágrima escorreu de seus olhos, percorreu todo seu rosto até chegar à ponta de seu queixo e despencar.
— Alaric… tenho medo…
Observando as lágrimas se formando no rosto de seu irmão, começou a enxugá-las. Uma expressão tranquila transparecia em seu rosto.
— Fale, Gideon, pode falar.
— Tenho medo… de você não voltar… — As lágrimas começaram a aumentar subitamente. — Medo… de se voltar, voltar mudado…
Repentinamente sentiu um estranho, mas confortável calor. Um abraço, fornecido por aquele em quem ele mais confiava, seu melhor e único irmão.
Ainda abraçando Gideon, sussurrou em seu ouvido:
— Relaxa, Gi, eu voltarei. — Apertando o abraço, continuou: — E garanto que nunca irei mudar.
— Promete?
— Haha! Óbvio que prometo.
Fuxi observava atônito, nunca imaginando que Alaric agiria daquela forma, demonstrando verdadeiros sentimentos. Sem ironia ou sarcasmo, era evidente que Gideon era alguém especial para Alaric, alguém capaz de tirar o melhor de seu coração fechado.
O amor entre irmãos superava a frieza seletiva de Alaric.
Uma lágrima escorreu dos olhos do lobo, uma lágrima carregando muito mais que apenas a felicidade momentânea.
“Aisha, Fush, meus filhos… Que saudade” Observar aquele abraço, apenas trazia à tona todos os sentimentos e memórias reprimidas de Fuxi, algo que o lobo jurou nunca mais revisitar.
“Ele está chorando!?” Aldebaram se questionou mentalmente ao observar aquele que era considerado um ser divino por alguns, derramando lágrimas verdadeiras.
No final, até os deuses choram. Todos estão suscetíveis às mazelas da vida e sentimentos.
Ao fim de um dia cheio, aquela clareira no meio de enormes pinheiros tornou-se o anfiteatro da melancolia e o palco das lágrimas. O sol levou consigo qualquer sorriso, dando lugar à lua e toda a sua serenidade angustiante.
Depois de tanto choro e verdades reveladas, todos estavam exaustos, prontos para descansar seus corpos surrados. E assim foi feito.
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A paisagem vermelha estendia-se, dominada por uma terra queimada e vermelha, onde rios de fogo cortavam o cenário. Seres medonhos habitavam essa paisagem infernal, junto a demônios que sobreviviam em meio ao caos.
— Morra, morra, morra. — A cada, morra, Blanc matava um demônio aleatoriamente.
Ao lado de Blanc, surgiu um segundo demônio, com pele vermelha enriquecida por marcas e símbolos em azul. Seus olhos, desprovidos de alma como os demais, exibiam uma íris intensamente azul, onde a pupila era apenas um risco perdido na vastidão do mesmo tom. Os cabelos médios lisos, cuidadosamente alinhados na tonalidade azul, enquadravam dois chifres curvos para trás perfeitamentes alinhados. Abaixo do rosto, uma barbicha escura simétrica complementava a figura. Possuindo uma estatura imponente, seus músculos proporcionavam uma presença impactante e ao mesmo tempo elegante, tudo adornado por um kimono azul.
— Blanc, pare de matar nossos soldados ou, pelo menos, faça isso corretamente. Você sabe muito bem que seus cortes estão desalinhados, e isso me irrita!
Ao lado de Bleu, surgiu um segundo demônio, a primordial Jaune, sua pele vermelha adornada por marcantes símbolos em amarelo. O rosto revelava um olhar faminto, com a íris amarela, seguindo o padrão demoníaco de pupilas, sendo apenas riscos. Acima da cabeça, cabelos amarelados que caíam até os ombros e chifres laterais apontando para frente acentuavam sua presença. A boca faminta exibia caninos pontiagudos projetando-se para fora. Seu corpo pequeno, de curvas tímidas, era elegantemente envolto por um kimono amarelo deslumbrante.
— Invés de matar, vamos devorá-los. Estou sedenta de fome.
Ao lado de Blanc, com sua pele vermelha ornada por marcas e símbolos em rosa, emergia Rose. Suas íris rosa intenso imitiam luxúria e amor, enquanto as pupilas demoníacas acrescentam um toque sedutor. Seu deslumbrante cabelo rosa fluía até suas costas, acompanhado por dois pequenos chifres apontando para cima, quase saindo das laterais de sua cabeça. De estatura imponente, suas curvas salientes possuíam o poder de atrair qualquer ser vivo, independentemente do sexo. Seu corpo era adornado por um kimono indecente, confeccionado em tons de rosa.
— Pare de matar… Você parece irritado Blanc, seria ótimo extravasar esse estresse em mim…
Erguendo-se acima de Blanc, aquele considerado o mais forte, Noir, exibia pele vermelha marcada por símbolos pretos. Seus olhos eram uma imensidão negra, íris profunda e pupila quase inexistente. Sobre sua cabeça, cabelos curtos na mesma tonalidade escura dos olhos, acompanhados por dois chifres, um médio e fino, o outro quebrado. Orelhas adornadas por brincos dourados destacavam sua presença. Sua boca exibia um canino pontiagudo projetado para fora. Com um corpo esguio, mas com alguns músculos, vestia um terno preto que destoava da época em que se encontrava.
— Quietos, todos vocês — ordenou, sua voz cortante como lâminas. Ele apontou para Blanc com um gesto firme. — E você, Blanc, pare de matar os demônios. Sabe muito bem como é difícil repor esses números, e não podemos nos dar ao luxo de perder mais efetivos. Os onis podem estar sob controle agora, mas não sabemos até quando.
Blanc riu com desdém.
— Haha! Onis! Se eu quisesse, exterminaria toda aquela raça miserável. — Seu olhar se voltou para Noir, desafiador. — Não vou parar, mas se quiser me impedir, sinta-se à vontade, demônio preto.
— Eu até faria… Mas pandora desejar falar conosco.
Todos pararam imediatamente o que estavam fazendo, já fazia mil anos que Pandora não os contatava.
O quinteto primordial, viajava até o sul do inferno, atual localização do castelo de Pandora. Cruzando os campos de fogo, se deleitavam com toda desgraça presente na paisagem mórbida, afinal, eram demônios.
— Sabe o que ela quer? — questionou Blanc.
— Não sei, mas para ter nos convocado. — Franziu o olhar. — Deve ser sério.
Rapidamente Jaune, aproximou-se dos dois, e intrigada perguntou:
— Você saiu do inferno, né, Blanc?
As notícias da saída de Blanc rapidamente se espalharam por todo inferno, afinal, a quantidade de energia usada para um primordial adentrar o mundo terreno, estremece todo inferno.
— Sim, saí.
Mas não era isso que Jaune queria saber, tinha outra dúvida em sua mente.
— Saiu e fez o que!?
Blanc percebeu as intenções de suas perguntas, um sorriso medonho tomou sua face.
— Se quer saber, me vença, amarelinha.
A resposta foi proposital, afinal, Blanc e Noir eram os mais fortes. Provavelmente, nenhum outro primordial teria qualquer chance em uma luta contra eles. Rapidamente, ela ficou quieta, uma expressão apática tomou seu rosto. Afastando-se dos primordiais Blanc e Noir, assumiu a retaguarda do quinteto primordial.
Noir sorriu, e olhou para Blanc.
— Sei que está nervosinho, mas não desconte nela.
— Noirzinho, fique quieto. — Sua voz mudou de tom e seu olhar perdeu a vida, já quase inexistente. — Ou eu te mato.
— Suas ameaças são tão vazias.
Noir era outro demônio frio e sarcástico, menos irritante que Blanc. Muitos falavam que eles eram irmãos separados, pois se pareciam muito, até em suas personalidades.
Ao voarem mais um pouco, avistaram o enorme castelo de Pandora.
— Chegamos — falou Noir.
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Notas:
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