Volume 1

Capítulo 4: Acabando com a Minha Paz e a Falta de Dinheiro

 

Quando cheguei em casa, vi minha mãe assistindo TV na sala.

 

— Nossa, você trouxe pra mim? Obrigada, filho.

 

— Até mesmo eu tenho um pouquinho de dinheiro sobrando.

 

Foi difícil encarar minha mãe sorrindo daquele jeito, então eu rapidamente me afastei dela e fui pro meu quarto.

 

Meu Deus, por que que eu tô com vergonha? Qual o problema de fazer uma boa ação de vez em quando?

 

— O que que eu tô fazendo da minha vida, hein?

 

Após dizer isso, bati com as palmas das mãos no rosto e sentei na frente do computador. Depois de dar uma conferida superficial no que os personagens estavam fazendo, comecei a ler as revistas e livros técnicos que eu tinha comprado.

 

— Na verdade eu queria fazer um milagre agora mesmo, mas não quero desperdiçar meu dinheiro e meus pontos à toa. Primeiro, eu preciso prestar atenção na vida dos personagens um pouco mais e descobrir o que exatamente realmente os ajudaria agora.

 

Além disso, enquanto eles trabalham, eu posso ficar estudando pra poder ajudar também.

 

Pelo visto eu acabei me empolgando um pouco, e agora o sol já está se pondo.

 

Os aldeões já estavam se preparando para o jantar.

 

Li o histórico de diálogos que eu não tinha visto antes, enquanto eu fazia isso descobri algumas coisas.

 

— Uma conversa bem curta entre o Gamz e o Rodis… espero que o guerreiro se sinta mais confortável e comece a falar mais.

 

Não é como se ser quieto fosse um problema, na verdade eu sou pior que ele nesse sentido, mas eu fico com um pouco de pena do Rodis, já que ele é um cara que gosta de conversar.

 

— O que será que a Layla, a Chem e a Carol falaram hoje?

 

Eu sempre fico um pouco apreensivo quando vou ver os diálogos das meninas, mas eu faço isso por um bem maior. Pelo menos… é o que eu quero acreditar para permanecer de consciência limpa enquanto olho o histórico de diálogos.

 

Na maioria dos casos eram apenas conversas normais, do dia a dia, mas às vezes dava para aprender algumas coisas interessantes sobre o universo do jogo. Até certo ponto, eu consigo entender como os aldeões foram parar nessa situação.

 

 — Me pergunto por que será que uma horda de monstros daquelas atacou nossa vila, o que aconteceu naquele dia… não é normal. Foi tudo tão rápido…

 

“O que aconteceu naquele dia” era sobre esse assunto que eu estava interessado. Mas o único jeito de saber mais sobre isso, no momento, é perguntando usando um oráculo. Mas não deve valer a pena tanto assim gastar uma profecia só pra fazer uma pergunta tão simples como essa, né?

 

— A vila onde morávamos não era pequena. As muralhas de pedra que cercavam o vilarejo eram excelentes e estavam bem cuidadas, a nossa muralha era muito mais resistente do que as dos vilarejos vizinhos. Além disso, havia outros caçadores como meu irmão protegendo o lugar, mas mesmo assim…

 

— Será que o titio e a titia da casa ao lado tão bem…?

 

 

— A floresta é um lugar bem perigoso, além disso as rodas da carruagem estão frágeis e podem quebrar a qualquer momento.

 

Consegui mais informações após checar os outros diálogos que eu não tinha visto antes.

 

Pelo visto o vilarejo onde os personagens moravam tinha algumas centenas de habitantes e era considerado de tamanho médio comparado às outras vilas do mundo jogo.

 

Quando a horda atacou, eles até tentaram resistir, mas eventualmente os monstros invadiram e todos aldeões que ainda estavam vivos começaram a fugir.

 

Quando eles se deram conta, todos já haviam fugido e somente a carroça deles ainda estava lá, parada.

 

Eles acabaram tendo que fugir para a floresta durante a correria. Mas, a situação em que eles se encontram agora não é nada boa, eles não possuem planos futuros, a carruagem está por um fio de quebrar de vez. Então não tem como eles viajarem longas distâncias. 

 

Hmm… então é nessa situação que eles estão. Um dia eu vou dar um jeito de reunir os aldeões que sobreviveram usando aquele milagre, infelizmente eu ainda não consigo fazer isso.

 

— Filho!! A comida tá pronta!

 

Assim que minha mãe me chamou, deixei o livro que eu estava lendo de lado e desci até a cozinha. 

 

Meu pai chegou bem cedo em casa hoje.

 

Ele tem um corte de cabelo simples, formal, e está usando seu óculos de grau com a mesma armação preta de sempre. E como de costume, está com uma expressão séria.

 

Dá pra dizer que a personalidade dele é um pouco parecida com a do Gamz.  Ele é uma pessoa amigável, mas não fala muito.


Desde que eu me tornei um recluso, que não trabalha nem estuda,  eu passei a conversar com ele apenas algumas vezes por mês. E as conversas sempre eram curtas tipo “oi pai, como foi o trabalho?” ; “foi bem.”  nossas interações ficaram assim desde que tivemos uma discussão meio exagerada.

 

— O que aconteceu com a Sayuki?

 

— Pelo visto ela vai ficar fazendo hora extra no trabalho até tarde de novo.

 

— Sério?

 

É impressão minha ou a minha irmã está um pouco mais atrasada que o normal hoje?

 

A vida dela está indo bem melhor que a minha. Ela conseguiu um emprego numa área que gosta e não se importa tanto em ter que fazer horas extras.

 

Não sei exatamente quais são os detalhes do emprego dela, a única coisa que sei é que ela trabalha em um escritório.

 

Eu e meu pai estamos comendo em silêncio, mas a minha mãe não para de falar.

 

Quando eu digo que ela não para de falar, eu falo sério, ela não ficou quieta por um segundo sequer desde que começamos a comer.

 

Sei que eu vivo em um ambiente abençoado. A casa é razoavelmente grande e tinha um jardim no quintal quando a compramos, mas hoje em dia não tem mais. Apesar disso, meu pai tem planos de reconstruir o jardim do zero.

 

Por enquanto, o quintal continua vazio.

 

Minha mãe continua dizendo que eu tenho que arrumar um emprego, que não sei o que, que não sei o que lá… e não desiste.

 

Meu pai não tocou no assunto desde que tivemos uma discussão pesada. Eu acho que ele nem deve se importar comigo mais.

 

O único motivo de eu não ter sido expulso de casa ainda é que minha família não é pobre, e meu pai ganha um dinheiro decente no trabalho dele, o suficiente para manter todos nós. Nunca falta comida na mesa, eu tenho um quarto só meu e aqui em casa é um lugar bem pacífico.

 

Minha mãe me chamou de novo quando fui voltar pro quarto.

 

— Filho, antes de subir pega pudim pra você. Ah, vê se seu pai vai querer um também, você comprou bastante pra gente.

 

— Pudim? Obrigado, eu aceito.

 

Meu pai sempre fala com uma voz séria, então não dá pra saber se ele está feliz ou não.

 

Eu trouxe o pudim pra ele e voltei pro quarto.

 

O jantar acabou demorando um pouquinho mais do que eu esperava, então quando eu cheguei todos os aldeões já estavam indo dormir, deixando o Gamz de vigia, sozinho.

 

O Gamz está sendo iluminado por uma fogueira, com uma cara séria e uma postura confiante, ele parece estar preparado caso algo aconteça.

 

Eles ainda estão longe de… formarem uma vila.

 

A pessoa mais capaz do grupo, além do Gamz, é a Chem. Ela consegue usar magia para curar ferimentos e parece ter um pouco de experiência de batalha.

 

O Rodis também não é nada mau, mas ele definitivamente não está preparado para participar de uma luta.

 

Agora, diferente de antes, os personagens sabem que Deus não está em condições de fazer tudo por eles, então eles estão mais atentos e resolveram ficar alternando em turnos quem fica de vigia.

 

Como durante o início da madrugada os monstros são mais ativos, o Gamz pegou o primeiro turno.

 

Parte do motivo dos outros personagens confiarem tanto nele, é a sua aparência.

 

Ele tem cabelos pretos e olhos escuros, é mais alto e musculoso que os outros personagens. Não tem como ver a altura exata dele, mas eu diria que ele tem cerca de um metro e oitenta. 

 

Ele carrega duas armas consigo, uma espada de duas mãos e uma adaga. No universo do jogo, caçar monstros é uma profissão. Gamz e sua irmã ganhavam a vida fazendo isso.

 

Descobri isso em uma das conversas entre a Chem e a Layla.

 

Apesar de ser um cara que não fala muito, o Gamz é uma pessoa super confiável e nunca reclama enquanto trabalha. Ele, de longe, é a pessoa mais capacitada de todos os personagens.

 

— O único problema é que a única pessoa que eu e os aldeões podemos confiar, é no Gamz. Ter mais alguém capaz de lutar ajudaria muito.

 

Na verdade, qualquer mão de obra já ajudaria bastante. Fundar um vilarejo com só cinco pessoas é impossível.

 

Eu até posso trazer mais pessoas para a vila usando Fate Points, mas…

 

É muito caro fazer isso.

 

Personagens diferentes possuem preços diferentes, alguns são mais caros, outros mais baratos. Tem como invocar mercadores, guerreiros, arqueiros, aldeões comuns, marceneiros e todo tipo de gente.

 

Também tem outra opção, a mais barata de todas, que é a “invocação misteriosa” o problema é que não dá pra saber que tipo de pessoa vai vir, é praticamente uma aposta. E se alguma pessoa com más intenções ou um bandido aparecer? Já era?

 

Loot Boxes são um poço sem fim, mesma coisa que jogos gacha. Eu jamais gastaria meu dinheiro com uma coisa dessas.

 

Fora que mesmo se eu fizesse mais alguém aparecer agora, onde essa pessoa dormiria? Na carroça? Mesmo se o personagem novo concordasse em ficar, não teria muito espaço livre dentro para ele poder dormir, e mesmo se dessem um jeito de caber todo mundo, seria um péssimo lugar para dormir. 

 

— Por mais cômico que pareça, acrescentar mais uma pessoa agora causaria um problema de superlotação, hah!

 

Se bem que se eu gastar todo meu dinheiro trazendo carpinteiros pro vilarejo, talvez eles consigam construir uma casa bem rápido.

 

Dezenas de troncos de madeira estão alinhados próximos a carruagem. Cinco deles já foram descascados. O Gamz está encarregado de cortar as árvores enquanto o Rodis faz o processamento dos troncos cortados.

 

Ter um familiar e um abrigo decente para eles morarem são as coisas que eu mais quero no momento.

 

Mas mesmo assim, eu acho que economizar os meus pontos para uma situação de emergência é uma ideia melhor.

 

— Argh… esse jogo tá me deixando preocupado demais!

 

Comecei a coçar a cabeça, mas a minha ansiedade não diminuiu nem um pouco.

 

— Será que eu gasto todos meus pontos amanhã ou deixo guardado por enquanto, hein?

 

Como não houve nenhuma situação de emergência até o momento, talvez eu não precise me preocupar tanto com isso agora.

 

De qualquer forma, é melhor eu esperar até amanhã pra pensar mais sobre isso, até porque amanhã eu vou receber mais fate points.

 

A única coisa que posso fazer agora, é ficar assistindo o Gamz ficar de vigia, sentado perto da fogueira. Ele parece estar com bastante sono, mas ele não pode se dar o luxo de dormir agora.

 

Bip!

 

Do nada um barulho estranho saiu da caixinha de som, parecendo um alerta.

 

E então uma notificação apareceu na tela, escrito “ATAQUE IMINENTE” com uma fonte vermelha.

 

— Como assim?

 

Eu agarrei as laterais do monitor com as minhas mãos e o trouxe para mais perto, como se isso fosse me ajudar a entender melhor o que vai acontecer.

 

De repente o Gamz se levantou e desembainhou tanto sua espada quanto sua adaga.

 

— Pessoal, eu quero todo mundo acordado!!

 

Assim que o Gamz gritou, todos os personagens que estavam dentro da carroça acordaram e foram para o lado de fora.

 

— Gamz, o que aconteceu?

 

— Monstros estão se aproximando! Preparem-se para se defender e voltem para dentro da carruagem! Chem, você também!

 

— Mas, irmão eu também posso lutar…!

 

— Não! Se alguma coisa acontecer com você, já era! Você é a única que pode usar magia de cura, então fique escondida lá dentro até eu terminar.

 

Chem voltou para dentro da carruagem enquanto sussurrava algo para si mesma.

 

Não tem como ver o que está acontecendo dentro da carroça, mas o Rodis e sua família com certeza estão aterrorizados, tremendo de medo.

 

Gamz começou a andar em volta da fogueira, olhando para todas as direções. Mas não dá pra enxergar praticamente nada já que está de madrugada e a única fonte de luz é o fogo.

 

Dois animais parecidos com cachorros pretos apareceram em meio a escuridão.

 

— Será que são apenas cães selvagens ou alguma espécie de monstro mesmo?

 

Cliquei em dos bichos que apareceram com o mouse.

 

— Cães Negros: São cães selvagens que se tornaram monstros malignos. Sua origem é desconhecida. São conhecidos por serem predadores ferozes e carnívoros. Possuem capacidades físicas superiores às dos cachorros normais, se assemelhando mais aos lobos. São capazes de envenenar suas presas através de suas mordidas que carregam uma saliva venenosa.

 

— Então é um monstro mesmo? O Gamz é forte, mas ainda assim são dois contra um…

 

Os Cães lentamente se aproximam, saindo das sombras.

 

Gamz está de costas para a carruagem, parado na frente dela sem se mover.

 

Acho que seria mais fácil se ele avançasse e matasse um deles primeiro, mas pelo visto ele está com medo de sair de perto da carruagem e um dos monstros se aproveitar da oportunidade para atacar quem está lá dentro. Pelo menos é o que eu acho.

 

Os cavalos estão amarrados em uma árvore ali perto, mas não demonstraram nenhuma reação ao ataque, talvez nem tenham percebido o que está acontecendo.

 

Os monstros parecem ser bem inteligentes, eles estão cercando o Gamz por duas direções diferentes.

 

A única coisa que posso fazer agora é juntar as mãos e orar.

 

Não… qual é o sentido de rezar sendo que eu sou o Deus deles? Tem que ter alguma coisa que eu possa fazer.

 

— AH É! Tem que ter algum milagre que ajude em combate na loja de pontos! Agora eu só preciso achar qual!

 

Lembrando minha função como jogador, abri o menu de milagres e comecei a procurar alguma coisa útil para a situação atual, mas alguma coisa mudou na postura do Gamz.

 

Logo em seguida os dois inimigos pularam em cima do Gamz em perfeita sincronia, enquanto se esquivava, o espadachim atacou usando suas duas armas ao mesmo tempo.

 

O som de carne sendo rasgada ressoou no silêncio da noite… e então os Cães Negros caíram no chão.

 

— Eita porra! O Gamz é foda pra caralho!!!

 

Eu já ia ficar feliz pra caramba só dele sobreviver, mas ele conseguiu matar os dois inimigos com um golpe em cada! Um usando a espada longa e o outro com uma adaga ainda por cima! Ele conseguiu vencer sem nem mesmo suar.

 

Que bom que me preocupei à toa… Bom trabalho Gamz, você mandou bem.

 

— Irmão? Você se feriu?

 

Chem pulou da carruagem e correu em direção ao seu irmão com uma preocupação aparente em seu rosto.

 

Gamz gentilmente acariciou a cabeça de sua irmã e sorriu.

 

— Desculpa por isso… agora… é com vo– ……………… 

 

Cri-cri… cri-cri…

 

Baque.

 

Gamz caiu no chão antes de terminar sua frase.

 

— Irmão!! Como assim… foi uma vitória perfeita não foi?!

 

Gamz…?

 

Cliquei nele pensando que ele só tinha caído no chão de cansaço, mas… um ícone com a palavra “envenenado” ao lado apareceu em cima dele.



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