Volume 6
Capítulo 101
Um dia antes da execução do plano, levantei-me cedo naquela manhã e sai sozinho da casa. O céu ainda estava escuro. Tirando esta área, todo o território Helan estava sendo consumido pela maldição. Embora estivesse escuro porque o sol ainda não tinha levantado, não pude deixar de sentir que aquela atmosfera sombria também fizesse parte dos efeitos da maldição. Isso mostrava o quanto a minha cabeça estava preenchida com tudo aquilo.
Eu ainda não tinha dado o meu último adeus à Eliza. Desde aquele dia em que nós conversamos a beira do lago, passamos um pelo outro algumas vezes, mas não nos falamos uma única vez. No entanto, talvez assim seja melhor. Com toda certeza seria muito doloroso para nós se eu claramente me despedisse dela.
“Inesperadamente, esse adeus meia-boca pode ter sido a melhor escolha…” Enquanto pensava nisso, caminhei para a floresta.
Penso que o Moran-ji e Petel-san ainda estejam dormindo. Eles provavelmente devem estar muito cansados se preocupando com todas essas coisas. Também acho que a Eliza continue na cama, tentando lidar com seus próprios sentimentos.
Mesmo eu, havia tantas coisas na minha cabeça que parecia que ela explodiria a qualquer momento. No entanto, aquilo que precisava fazer estava claro, portanto, decidi me concentrar apenas no meu objetivo. Em termos de preocupação, pode ser que a minha situação fosse a mais fácil de lidar.
A medida em que avançava, o chão duro sob os meus pés ia ficando mais mole e enlameado. Eu estava agora indo sozinho para o pântano amaldiçoado. Meu objetivo aqui não era apenas olhar para a situação porque estava impaciente… mas sim, para usar o Feitiço Supremo de Helan sem avisar aos outros. Quanto mais cedo fosse feito, melhor. Além disso, a magia já estava pronta e foi completamente armazenada em minha cabeça. Tudo que restava agora era esperar até o dia em que a executaríamos, mas como foi algo que nós arbitrariamente decidimos, não haveria problema se eu fizesse isso por minha própria conta.
Enquanto caminhava refletindo sobre todas essas coisas, cheguei até o pântano amaldiçoado antes de me dar conta. Um imenso pântano se estendia bem na minha frente. Uma mancha escura cobria toda a superfície, sendo constantemente sugada pela sujeira e lama espalhada pelo solo. Algumas bolhas de gases se formavam aqui e ali, mas para mim, era como se o solo as emitisse de maneira satisfatória.
Mas que lugar aterrador. Ao invés de um fluxo mágico distorcido, o que eu sentia aqui era simplesmente um sentimento de terror sem fim. Caso pisasse nesse lugar, seria sugado para as profundezas de um abismo que me levaria direto para o submundo e, nesse momento, certamente seria o meu fim.
Apenas o pensamento de que tudo isso era obra de um único homem, me causou uma enorme aflição.
◇◇◇
Eu me sentei no chão e tentei sentir o fluxo da magia correndo daquele lugar e lá jazia um mau que não poderia ser visto ao olho nu. Um poder mágico obscuro, forte e viscoso estava continuamente preenchendo a terra. A sua malícia, ganância e vontade de consumir a tudo, estavam sendo transmitidas diretamente para mim. Não iria demorar muito até que a maldição fosse completamente revivida.
No entanto, nesse curto espaço de tempo, o pântano amaldiçoado acumulou uma enorme vitalidade agora que o Feitiço Supremo havia sido completado.
Sentado ali, eu renovei a minha resolução.
“Hoje, será o dia em que quebrarei essa maldição de uma vez por todas! Moran-ji, Petel-san e até Eliza devem achar que só farei isso amanhã. Não sei porque, mas a idéia de usar o feitiço na frente deles me causa uma dor enorme. Claro, ter a eles me apoiando seria algo reconfortante, mas esse sentimento de aflição me parece muito maior.”
Não estava me antecipando por achar que isso os deixaria menos tristes, mas porque a dor que eu sentiria seria tão grande que decidi vir sozinho. Estou certo de que um dia me perdoarão pelo meu egoísmo.
“Ah, agora que penso nisso, o primeiro Senhor Feudal de Helan também usou o feitiço um dia antes, não foi?” Subitamente recordei-me desse fato.
Meu ancestral provavelmente teve os mesmos sentimentos. Não foi para que seus amigos pudessem lidar melhor com a sua partida, mas sim, porque ele mesmo não era capaz de suportar a dor. Sua morte trouxe a felicidade para inúmeras pessoas e seu nome não foi esquecido. Desta vez também, mesmo que seja só a metade do que ele conquistou, espero que o futuro que aguarda esta terra também seja assim.
Era melhor parar de pensar de maneira tão mórbida.
Levantei a mão para o céu e liberei todo o meu poder mágico. Uma luz vermelha concentrada brilhou em meu punho e as áreas ainda sombreadas foram iluminadas pela forte luz. A luz se concentrou, condensando-se em um único ponto que começou a esquentar, imediatamente se expandindo até ficar dez vezes maior do que era no início.
Ao mesmo tempo, uma forte rajada de vento se formou e, apesar de ar estar seco, dava uma sensação prazerosa, como se soprasse longe o clima pesado que pairava sobre a região. Tudo isso foi absorvido pelo meu corpo e um imenso vórtex começou a se formar. A sensação de um enorme poder e calor percorreu dentro de mim e o vórtex, embora lentamente, passou a girar mais vividamente. O cansaço causado por isso foi tão grande que me fez querer deitar ali mesmo para descansar.
O pântano amaldiçoado também reagiu a este imenso poder mágico. Como se ressonasse a ele, o redemoinho ao redor do território também passou a se mover. Eu fui ao menos capaz de me impor ao campo de batalha.
Respirando profundamente e fechando meus olhos, liberei toda a magia que ainda restava em mim — toda, literalmente — sem deixar uma única gota. A luz em minha mão se tornou tão vibrante quanto o vórtex em meu interior.
Os preparativos estavam completos e o Feitiço Supremo de Helan despertou aqui e agora.
— [Sob o nome de Kururi Helan, eu ordeno a ti, antigo vórtex de magia que reside em meu corpo. É chegada a hora! Libere seu enorme poder e consuma a toda magia negra!]
Os requerimentos foram cumpridos e o encantamento estava completado.
“Agora é a hora da verdade! Vejamos quem irá cair primeiro, seja eu ou a maldição que reside debaixo desse pântano!”
Poder mágico colidindo contra poder mágico, criando vendavais explosivos e ondas de choque. Ao final da primeira colisão, meu vórtex começou a sugar a mana contida na maldição e lentamente, mas com toda certeza, passou a demonstrar a sua verdadeira forma.
A medida em que a maldição penetrava em mim, a carga sobre o meu corpo se tornava cada vez mais pesada. Uma sensação de tontura e náusea tomou conta de mim e, como se meu peso tivesse dobrado, minha mão ficou tão pesada que parecia que havia se solidificado em pedra. Entretanto, não havia qualquer dor e, embora isso em si me causasse medo, por esta razão fui capaz de suportar o fardo.
“Eu não vou morrer até te sugar por inteira, sua maldição desgraçada!”
Minha determinação não estava nem um pouco abalada.
Ambos, a maldição e o meu vórtex, não mostravam qualquer sinal de estarem próximos do seu fim. Assim, mais uma vez, tornei-me ciente do tamanho da coisa com que estava lutando. Eu estava ali sofrendo enquanto aquele monstro só fazia rir de mim… foi o que pensei quando meu espírito se abalou um pouco.
De repente, sangue começou a escorrer pelo meu nariz. Não era só o meu espírito que estava abalado, até mesmo meu corpo começou a mostrar sinais de estrar sofrendo. Sendo bem sincero, não pensei que tudo seria fácil ao usar o Feitiço Supremo, mas nunca imaginei que seria uma tortura tão grande. A sensação que eu tinha era de que, se me distraísse por um instante sequer, poderia cair de joelhos, incapaz de me levantar novamente.
A dor era tamanha que nem mesmo tentar pensar em coisas boas ajudaria. Até mesmo senti a minha consciência vacilar por alguns momentos. Como a primeira geração conseguiu superar essa crise? Como imaginava, Helan foi um homem incrível. Pude sentir mais uma vez sua grandeza ao me deparar com a mesma dor que ele sentiu. Eu já não sabia mais o que fazer. Minha missão era apenas suportar, mas só isso já era muito difícil.
“Arrrrgh, eu preciso de alguma coisa! Qualquer coisa para fortalecer a minha convicção de novo! Não dá mais! Eu preciso de alguém! Preciso da ajuda de alguém!”
— Kururi-sama…?
Tive a impressão de ouvir a voz de Eliza. Para minha surpresa, apesar de ser apenas um pouco, senti a dor diminuir. Quem imaginaria que uma alucinação dela iria me ajudar em um momento tão difícil? No entanto, esta área já estava cercada por tempestades e um calor escaldante, tornando difícil para qualquer um se aproximar. Infelizmente, não havia como aquela voz ser real, provavelmente era apenas algo da minha cabeça.
— KURURI-SAMA!
Uma voz estrondosa junto com uma dor aguda em minhas bochechas.
— Eh, eeeeeeeehhhh??? ELIZA???
“Por que ela está em lugar como esse!? É uma ilusão!? Como ela sempre vem parar ao meu lado quando eu mais preciso!?”
— Kururi-sama! Essa é a sua punição por ter sido egoísta!
Ela apertou com força as minhas bochechas de novo. Dessa vez, não senti tanta dor… porque a felicidade em vê-la era maior.
— Eliza, aqui é perigoso! A mana ao redor está fora de controle!
— Eu sabia que se fosse você, tentaria fazer isso sozinho, Kururi-sama. Que você iria para um lugar distante carregando o fardo todo consigo. Não irei tolerar algo tão egoísta! Ficarei ao seu lado até o fim!
— Não, Eliza! Você não pode! Não quero te arrastar nisso comigo!
— Foi escolha minha ser arrastada!
— Por que está sendo cabeça dura até em um momento como esse!? Ainda há um futuro brilhante à sua frente, então simplesmente me deixe aqui e agarre a isso com as suas mãos! Não jogue tudo fora por minha causa!
— Nesse caso o mesmo vale para você! Ninguém vai me obrigar a sair daqui!
Dizendo aquilo, ela abraçou o meu peito, não deixando qualquer sinal de que iria me largar. A este ponto, eu estava tão fraco que e mal podia sentir seu calor sendo transmitido a mim e nem conseguia resistir a ela. Não que eu quisesse resistir, é claro.
— …Você vai morrer se ficar comigo.
— Eu não me importo…
Meu medo de envolvê-la no trágico destino que me aguardava era enorme, mas ao mesmo tempo, sentir seu calor ao meu lado me deixava em paz. Agora eu estava confiante de que não iria mais me render à dor. Se a Eliza estivesse comigo até o fim…
— …Kururi-sama… por favor, me deixe carregar, nem que seja um pouquinho, do fardo que você está levando sozinho agora.
— …Tudo bem
Já não havia como ela deixar o lugar onde estávamos e, já que era assim, que ficássemos juntos até o final.
— Obrigada… Isso me deixa muito feliz. Já que um mundo sem o Kururi-sama é como um ensopado sem batatas.
“Essa era a última coisa que eu queria ouvir dela a essa altura.”
A luz reunida em volta do meu punho subiu aos céus e assumiu a forma de uma linha vermelha. O imenso vórtex entrou no seu estágio final de atividade.
Os arredores foram abalados pelas ondas de choque e as árvores começaram a cair, uma após a outra. O redemoinho em meu corpo se estendeu para fora do meu corpo e se manifestou no mundo físico. E isso foi o fim de tudo. O vórtex devorou a maldição e desapareceu completamente.
Aquela foi a última coisa que pude ver.
A maldição desapareceu. Eu queria confirmar isso antes que meu corpo perecesse, mas se fosse para ser ganancioso, também queria dar uma última olhada no rosto de Eliza que permaneceu ao meu lado, mas este simples desejo não me foi concedido.
Parece que a estrada de Kururi Helan termina aqui…
◇◇◇
No mundo onde o imenso vórtex e a maldição consumiram um ao outro, as tempestades de areia que cobriram os céus do território Helan desapareceram completamente e milagres se propagaram por toda aquela terra ressecada. No solo estéril, plantas começaram a brotar uma após a outra e pétalas verdejantes floresceram. Tais milagres aconteciam em toda parte e a natureza daquelas terras secas se tornou ainda mais abundante do que antes, em apenas poucas semanas após o desaparecimento do pântano que havia ali. Era possível encontrar até mesmo peixes e pequenos insetos pela região, e logo a população voltou a morar ali.
Eles não sabiam como os rumores se espalharam tão rápido entre os antigos cidadãos, mas provavelmente havia sido obra daquela pessoa. Não demorou muito para que este incidente passasse a ser chamado de “O Milagre de Kururi” pelo resto do mundo.
No entanto, a pessoa a quem todos ansiosamente aguardavam encontrar, Kururi Helan, não deu qualquer sinal de que iria vir. Não havia qualquer forma de entrar em contato com ele. As pessoas de Helan construíram uma nova mansão para o Senhor Feudal, na esperança de que ele pudesse se instalar confortavelmente no momento em que retornasse, além disso, aquele lugar seria o símbolo do renascimento do território Helan. Entretanto, Kururi não retornou. A mansão permaneceu vazia, um lugar que ninguém habitava.
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