Se der Ruim, Viro Ferreiro Japonesa

Tradução: Rudeus Greyrat

Revisão: Asura


Volume 5

Capítulo 78

— Isso foi achado no meu bolso ontem, mas… já que não é meu seria seu, Lahsa?

Durante o café da manhã, mostrei ao Lahsa o relógio que haviam me entregado ontem à noite. A pessoa responsável por lavar as minhas roupas encontrou esse relógio de prata com uma elaborada imagem de águia gravada nele, e decidiu imediatamente me entregar, achando que seria meu.

— BLEUGHH!!

Aparentemente ele ficou tão chocado ao ver o relógio, que cuspiu a comida que tinha na boca, espalhando-a sobre a mesa. Os atendentes então se apressaram para limpar a bagunça.

— Sinto muito, deixem que eu limpo o resto, então, podem nos dar licença por alguns instantes? — Ouvindo o seu pedido, os quatro atendentes deixaram o salão.

“Além de ficar chocado com isso, ainda pede para que todos deixem a sala… será que acabei colocando as mãos em algo que não deveria?”

—  Aniki, eu adoraria pedir para que você esquecesse tudo sobre esse relógio, mas, já que isso me parece impossível, vou lhe explicar melhor a situação, tudo bem? Hmm… mas antes disso.

O Lahsa colocou a mão em seu bolso e cuidadosamente retirou um relógio de prata. Embora a imagem gravada nele fosse diferente, o design definitivamente era o mesmo.

— Graças a Deus que não era o meu. Esse relógio de bolso é algo que foi entregue a um grupo muito seleto de pessoas deste país, sendo algo que possui o mesmo peso que sua própria vida… e pensar que alguém iria perder o seu… Eu não posso falar muito sobre isso, mas, se quiser, dê uma olhada dentro dele. O nome da pessoa que o perdeu deve estar gravado dentro.

Após dizer isso, pude ouvir o Lahsa murmurando para si “(Suspira) Eu aposto que é o da Nee-san…”. Se não estou enganado, a irmã dele se chama Maria Kudan, uma Dama extremamente doce e carismática, segundo o que ouvi dizer, mas, considerando o estado de preocupação em que estava, ela não parecia ser das pessoas mais cuidadosas.

— “Kururi Helan”… é o que está escrito aqui.

— BLEUGHHH!!!

Quando ele tentou tomar um pouco da sopa novamente, mais uma vez acabou cuspindo tudo sobre a mesa. O guardanapo de Lahsa chegou ao seu limite, sendo incapaz de ser usado uma próxima vez.

— Po, cof cof, posso dar uma olhada!?

— Tá, pega.

Quando atirei o relógio, o Lahsa entrou em pânico, jogando seu corpo inteiro para apanhá-lo.

— NÃO JOGUE-O ASSIM!

— Foi mal… — Acabei o deixando irritado.

Ainda alterado, ele abriu o relógio e deu uma olhada na inscrição dentro dele. De alguma forma, seu olhar parecia o da Iris, quando estava avaliando as gemas mágicas.

— … É genuíno, mas quando foi que…?

— Quando a empregada foi lavar as minhas roupas ontem à noite, isso estava no meu bolso e ela simplesmente me entregou.

— Hmm, isso significa que você não recebeu qualquer orientação, certo? Não sei se é a coisa certa, mas, me deixe dar uma explicação sobre ele…

— Essa coisa é assim tão importante?

— CLARO QUE É!

Após abaixar a cabeça por alguns instantes, ele olhou diretamente nos meus olhos, como se tivesse finalmente reunido sua determinação.

— O que vou te explicar agora não pode nunca e jamais ser dito a alguém. Nem mesmo por você, Aniki.

— ……Tudo bem.

— Ótimo, vou começar agora. Este relógio de bolso foi feito a mão por aquele que está acima de todos em nossa pátria… ou seja, o Rei.

No momento em que ouvi isso, um pequeno diabinho sussurrou no meu ouvido — Quanto eu ganharia por este relógio? —, mas eu apaguei isso completamente da minha cabeça.

— Não sei por que o meu pai faria um relógio para você, Aniki. Por acaso se encontrou com ele?

— Não, ainda não encontrei qualquer pessoa com a dignidade para ser Sua Majestade. — Ao menos disso tenho certeza.

—  Bem, meu pai é… uma pessoa “diferente”… então acho que você não deveria pensar tão alto sobre ele. De qualquer modo, o que importa agora é que guarde bem esse relógio, Aniki. Se ele não disse nada a você, significa que era minha responsabilidade lhe contar.

A conversa meio que estava seguindo um rumo problemático. Se me perguntassem, eu diria que preferiria estar passeando no campo de patinação da Capital do que tendo essa discussão. Ouvi dizer que se podia encontrar um monte de mulheres bonitas por lá.

— O Rei confiou este relógio para aqueles em que ele acredita serem capazes de proteger o reino durante tempos de crise que ameacem a próprio existência do país. Ele funciona como um comprovante de status social lhe dando autoridade para tomar fundos e inclusive mobilizar o exército. É quase como ter a autoridade do próprio Rei.

— Sério!? E durante tempos de paz!?

— ….Serve só de enfeite.

— Ah…

— Por que está tão desapontado…? Talvez o meu pai tenha lhe dado como recompensa pelas suas conquistas no Território Helan ou algo assim. Aniki, proteger esse relógio pode ser uma grande dor de cabeça, mas você faria isso ao menos por mim?

— Claro, já que o recebi, não tenho outra escolha, certo? E isso não parece ser o tipo de coisa que alguém sai por aí mostrando, então acho que vou apenas manter segredo. Apesar de que não acho que serei muito útil em situações de emergência.

— Não acho que isso seja verdade, Aniki. Tenho certeza de que o julgamento do meu pai se mostrará correto no futuro.

“Sinto que acabei de ser promovido ou algo assim. Não é um sentimento ruim. Isso quer dizer que o Rei confia em mim, certo? Isso com certeza é uma coisa boa, mas, como foi que ganhei a sua confiança? Ou melhor, por onde ele tem me espionado? O Rei é cheio de mistérios.”

— Ah, está se tornando uma tempestade de neve lá fora.

Antes que pudesse ter percebido, a neve que caía suavemente até agora, começou a se intensificar. Havia tanta dela agora que poderíamos até travar uma guerra de bolas de neves, mas com esse vento forte, provavelmente teríamos dificuldade em acertar a trajetória.

— Acho que podemos esquecer a patinação, então…?

— É uma pena, mas parece que não temos escolha. Se quiser, que tal visitarmos o alojamento dos Cavaleiros? De qualquer modo, eles têm insistentemente pedido para levá-lo até lá, Aniki.

— Eh!? O que foi que eu fiz para deixá-los com raiva!?

— Não é isso, eles querem lhe dar as boas-vindas. O alojamento não é um lugar muito limpo, então eu não queria levá-lo até lá, mas se as coisas continuarem assim, teremos problemas depois.

— Entendi. Será que irão me agradecer pelas espadas ou algo assim?

— Não acho que eles tenham esse tipo de consideração, mas acredito que possa acontecer algo de bom.

E assim, nossos planos mudaram de ir ver lindas garotas patinando para conhecer um bando de homens musculosos e sujos.

 

◇◇◇

 

O alojamento dos Cavaleiros ficava em um edifício separado. Embora alguns deles poderiam morar no Palácio, infelizmente apenas um grupo seleto seria permitido. Ouvi dizer inclusive que se uma pessoa não tivesse uma família prestigiosa ou habilidades extraordinárias, seria uma escalada muito severa para quem quisesse seguir a carreira militar.

“Me pergunto se o meu querido amigo Vaine estaria vivendo aqui também se as coisas tivessem prosseguido normalmente naquela época. Sim, definitivamente aquele cara conseguiria.”  

Enquanto pensava nisso, chegamos até a entrada do alojamento, onde podíamos ouvir uma algazarra acontecendo lá dentro. Afinal, era impossível que um lugar tão cheio pudesse estar quieto.

— Ah, Príncipe! — Quando entramos, um homem jovem percebeu a chegada do Lahsa.

Apesar de ser jovem, ele definitivamente era mais velho que eu, parecendo estar na casa dos vinte anos.

— Alteza, o que o traz aqui?

— Vocês têm insistido tanto para que eu viesse que acabei cedendo.

— Hã? Isso significa que a pessoa ruiva atrás de Sua Alteza seria Kururi Helan-san!?

— Sim, este é meu ANiki, Kururi Helan.

— UUUOOOOOOHHHHH! SÉRIO!? É SÉRIO!? KURURI-SAMA REALMENTE VEIO NOS VISITAR!? — No momento em que ele começou a fazer barulho, os demais cavaleiros vieram um após o outro.

— QUAL DELES!?

— O DE CABELO RUIVO!

— SÉRIO!? NÃO ERA O QUE EU ESPERAVA!

— ELE NÃO É MUITO JOVEM!?

ؙ— PROVAVELMENTE É UM IMPOSTOR!

— O PRÍNCIPE QUER NOS ENGANAR!

— ISSO É UMA FRAUDE, DEFINITIVAMENTE UMA FRAUDE!

“Esses caras estão falando o que querem… CALEM A BOCA! ISSO NÃO É UM SHOW! EU VOU EMBORA!”

— HOMENS, MANTENHAM A CALMA! EU IREI FALAR PRIMEIRO! — Do meio da multidão, uma mulher veio e tomou a dianteira.

“Julgando a pressão que sentindo e a espada que está em sua cintura… esta não era a mulher pela qual o irmão do Jeremy-senpai se apaixonou? Qual era mesmo o nome dela…?” 

— Meu nome é Mady e o que carrego aqui é uma de suas criações. Esta espada é excelente, ao ponto de ser comparável a qualquer espada renomada. Eu quero que entenda que inúmeros rumores têm sido espalhados sobre você e por isso chegamos a esta situação.

— Bem, eu compreendo. Muito obrigado.

— E então, como representante deles eu gostaria de perguntar uma coisa… você poderia fazer uma nova espada para mim?

— HÃ!?

— EU PRIMEIRO!

— SE FOR DINHEIRO, EU TENHO UM MONTE!

— FAÇA UMA PARA MIM TAMBÉM!

— IDIOTA!

— MALDITA MULHER MACHO! GUHAAA! — Não suportando a ofensa do último cara, ela o mandou voando com um soco.

No meio dessa confusão, Lahsa se pôs na frente deles.

— Sinto muito, mas o Aniki está de férias agora. Ele não irá aceitar qualquer trabalho de vocês e eu só o trouxe aqui hoje, porque insistiram muito. Sintam-se com sorte só por estarem na presença dele e saibam que o Aniki é só meu!

— QUE INJUSTO!

— ISSO É JOGO SUJO, PRÍNCIPE!

— SEU ROSTO É PURO, MAS SEU CORAÇÃO É NEGRO!

— QUE INFANTILIDADE!

— BEBÊ CHORÃO!

— AUMENTE NOSSOS SALÁRIOS!

Ei, o salário de vocês nem é culpa do Lahsa! Se acha ruim, vá reclamar com outra pessoa! Quanto aos demais, quero que saibam que ele é bem assustador quando fica com raiva, ouviram?

— Aniki, com isso cumprimos a nossa obrigação. Vamos voltar agora comer alguns doces ou algo assim.

— Ah, espere! — Mady-san bloqueou nosso caminho.

Pela expressão que fazia, parecia que ela havia lembrado de algo importante.

— Kururi Helan-san, se estiver tudo bem, o chefe Lotte gostaria de conhecê-lo. Ele normalmente não é do tipo que gosta de conhecer novas pessoas, mas… já que é uma coisa rara… bem, ao menos lhe dei o recado. A decisão é sua de encontrá-lo ou não.

Chefe Lotte… esse é o mesmo sobrenome do Vaine. Como ele vinha de uma família de cavaleiros, acredito que o chefe seja o pai dele. — Por que ele gostaria de me ver? “Como ousa enganar ao meu filho!” por acaso ele viria pra cima de mim gritando isso? — Se este fosse o caso, eu não queria ir encontrá-lo, mas provavelmente era só a minha imaginação correndo solta.

— Aniki, se quiser, eu posso te guiar até o quarto do Líder dos Cavaleiros.

Eu ainda estava pensando sobre isso, mas se o Lahsa vai me guiar, então será que devo ír? Afinal, duvido muito que o Líder dos Cavaleiros iria fazer algo comigo na frente do Príncipe. 

— … Acho que irei.

O quarto ficava no primeiro andar do Palácio, então rapidamente chegamos lá. Antes de bater à porta, eu comecei a ficar nervoso, mas inalando profundamente, tomei coragem e bati.

— Entre. — Era a voz do Vaine… ou assim pensei.

Imediatamente após entrar eu deixei escapar um “Ah.”. Pode ter sido um pouco rude da minha parte, mas eu não poderia fazer nada, afinal esse cara era assustadoramente
grande. — Um gigante! Vou ser comido!

O Vaine tinha aproximadamente dois metros de altura e um corpo musculoso igual a de um urso, mas esse cara era pelo menos vinte centímetros maior e muito mais forte!

— Me desculpe…

— Não se incomode. Em verdade sua reação foi muito boa, considerando que é a primeira vez que me vê.

Eu tinha a ligeira impressão de que estava vendo o seu lado sensível. Este urso provavelmente está consciente que o seu físico causa uma impressão errada sobre si nas outras pessoas. Parando para pensar, o Vaine era assim também.

— Por acaso as pessoas gritavam ou algo assim?

— … Minha esposa gritou na primeira vez que nos encontramos. Embora isso seja apenas uma história velha agora.

— Entendo…

— É bastante raro alguém de fora vir aqui. Por acaso você seria Kururi Helan-dono?

— Exatamente, fico surpreso que tenha descoberto.

— Foi apenas um palpite devido a ocasião e os rumores. Por acaso ouviu que eu gostaria de conversar com você?

— Sim, você também acertou nessa parte.

— Mesmo? Fico contente por isso. Há várias coisas que gostaria de conversar, mas agora que estamos frente a frente, não sei por onde começo. Sinto muito por isso, os membros da minha família nunca foram muito bons em se comunicar.

— Não se preocupe.

Eu entendo bem isso. Deve ser bastante desconfortável socializar com os outros quando se tem um físico desses. Só posso imaginar o quão difícil, assustador e trágico deve ser isso.

— Acho que começarei agradecendo a você.

— Me agradecendo…?

— Sim, por ter sido um bom amigo para meu filho desajeitado.

— Ahahah, entendi.

— … Era só isso.

ERA SÓ ISSO!? COMO ASSIM!? A CONVERSA JÁ ACABOU!?

— Hmm, sobre o Vaine… você não está com raiva do seu filho ter fugido para outro país? Bem, eu meio que o encorajei a isso também…

— Isso não é algo para se ficar zangado. Desde criança o digo para viver da forma mais livre que puder e, além disso, nossa família tem o sangue de exploradores correndo em nossas veias. Verdade seja dita, ele provavelmente está seguindo o caminho mais apropriado a ele…

O sangue de exploradores…  isso meio que soa heroico. Tão legal, me faz querer sair em uma jornada também. Me pergunto que tipo de sangue corre nas veias da minha família. Acho que vou perguntar ao meu pai quando estiver em casa… embora eu aposto que ele vai dizer que não sabe.

— Fiquei muito surpreso quando ouvi de meu filho que ele havia feito um amigo, mas, agora que te vejo, consigo entender.

Consegue entender? Entender o que?

— Tudo que consigo sentir agora é gratidão a você.

— Entendo… — Fico contente que ele não vai me cortar ao meio. Sério.  

Como o líder dos Cavaleiros não parecia ter mais assuntos a tratar comigo, decidi deixar o quarto e lá fora estavam a Mady-san e o jovem cavaleiro que havíamos encontrado antes.

— O que estão fazendo? — A voz rouca do pai de Vaine veio de dentro do quarto.

— Líder, esta pessoa é o Kururi Helan! O senhor já terminou?

— Hã? Eu já sei quem ele é.

— Não, o senhor tinha algo a dizer, não tinha? Por favor, peça a ele que faça algumas espadas para nós! O senhor vive quebrando as espadas com sua força monstruosa! Se for uma das espadas de Kururi Helan, tenho certeza de que ela irá durar bastante!

Quando percebeu que não tinha argumentos para negar ao pedido de seus subordinados, ele hesitou.

— Hmm… — Parecia que o pai do Vaine estava ponderando sobre algo. — Sinto muito, parece que os meus subordinados estão certos. Por que fico quebrando as espadas, o orçamento da ordem dos cavaleiros está sempre no vermelho. Eu tenho usado algumas espadas baratas recentemente, mas acho que agora é o momento de comprar uma boa arma e usá-lo por algum tempo. Posso contar com sua ajuda? Ouvi dizer que você é bem habilidoso.

Eu olhei para o Lahsa como se estivesse pedindo sua autorização e, diferente do ocorrido no alojamento dos cavaleiros, sua expressão parecia me dizer “Se estiver tudo bem para você, por que não aceita?”. Se for realmente isso, não tenho qualquer razão para recusar.

— Farei o meu melhor para criar algo esplêndido. Então aguarde um pouco.

— Esperarei ansiosamente.

Com minha resposta, aqueles que pareciam mais felizes foram os dois subordinados. — Falando sério, quantas espadas ele quebrou até agora…?

Quando estávamos voltando, o Lahsa me contou algo interessante.

— Existem várias lendas acerca do Líder dos Cavaleiros, mas a que eu ouvi mais recentemente foi realmente incrível. Quando ele saiu para subjugar uma quadrilha de assaltantes, sua espada acabou partindo ao meio. Ao invés de tomar emprestado alguma outra arma, ele matou mais de 30 bandidos com as mãos nuas! Quem me contou essa história foram os seus próprios subordinados, então não sei o quanto disso é verdade, mas, considerando a excitação deles enquanto me contavam, acho que deve ser…

… Eu acabei ficando com pena dos bandidos. Pense bem, se um monstro daqueles viesse partindo para cima de você, apenas medo é o que se sentiria.

— É bastante raro para aquela pessoa ficar interessada em qualquer coisa. Isto apenas mostra o quanto ele valoriza as suas espadas, Aniki.

— E ele já viu alguma das minhas espadas?

— As suas espadas têm sido o tópico mais discutido no palácio já a algum tempo. Tenho certeza de que ele já viu.

Quando me despedi do Vaine eu havia lhe dado algumas das minhas espadas, agora era a vez de dar uma ao pai também? Levando em consideração essas histórias, parece que vou precisar trabalhar muito para criar uma espada capaz de aguentar esse monstro.


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