Volume 1
Capítulo 31
— Você é realmente fantástico, Kururi-kun.
Sempre que vinha para à aula de Ciência Médica, um homem com um sorriso assustador se aproximava de mim como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Havendo oito mesas iguais, capazes de acomodar quatro pessoas em cada uma, você acharia que todos teríamos espaço pessoal suficiente, certo? Errado! Por alguma razão, esse cara sempre vinha aqui e me causaria problemas, sobretudo, quando o professor dizia que iríamos ter projetos em equipe, eu tinha que agir com cautela nesses momentos.
— Ei, você já ouviu um boato que tem circulado por aí?
— Ouvi. É aquele em que eu aparentemente fui domado pelo Príncipe, certo? Para início de conversa, acredito sejamos totalmente incompatíveis. — Minha resposta foi fria para o cara que se assemelhava a um sombrio stalker, havia me perguntado.
Como se não percebesse meu tom, o sorriso de Rail floresceu constantemente. Apesar de que eu não fazia a mínima ideia se era um sorriso verdadeiro ou apenas uma fachada.
— Se eu fosse dar um nome ao nosso relacionamento, acho que seria… parceiros de treino? Ficamos mais próximos do que antes, mas o Príncipe não me “domou”, sendo mais ele me obrigando a ajudá-lo que qualquer outra coisa.
— Recentemente, a Neko-sensei também vem conversando bastante comigo, então espero poder participar de uma aula especial. Apenas eu e você, Kururi-kun.
Ele deu um passo mais perto, sem tirar os olhos de mim. Estávamos tão próximos, que era quase como se estivesse aconchegado em meu corpo, o que fazia calafrios correrem pela minha espinha. Juro que, caso ele chegasse mais perto, iria chutar a bunda dele, apesar de que tenho a sensação de que ele iria apenas dizer “Kya ~!” e, em seguida, chegaria mais perto outra vez. — Bem, o que mais devo fazer!? Ele é tão assustador!
— Ei, hmm… você pode me dar um pouco de espaço?
— Claro. — Ele respondeu com seu habitual sorriso.
O desafio de hoje deveria ser feito individualmente. Seguindo os procedimentos, houve algumas partes em que precisei dos conselho do instrutor, mas, felizmente, a maioria delas podia ser feita apenas seguindo o livro de referência. Assim, meu plano era terminar o meu trabalho rapidamente, mas, para um certo alguém, não me seria permitido entrar em foco.
* Pachinpachin * Bati no meu rosto algumas vezes para me ajudar a me concentrar. — Ok, vamos fazer isso!
— Kururi-kun, e sobre aquilo que me prometeu antes?
… Esse cara deve ter aguardado até o momento perfeito para me atrapalhar. — No entanto, de alguma forma, ele era capaz de falar sem interromper o seu trabalho, o que o tornava um pouco, não, bastante desagradável.
— Você quer dizer a produção de seu equipamento médico?
— Isso mesmo, embora, eu não consiga deixar de me sentir mal por saber que estou tomando a dianteira do Príncipe Arc.
Ele acha que sou a namorada do Príncipe ou algo assim? Não, isso não pode ser, já que ELE é que é o “namorado” do Príncipe.
— Vou fazê-lo em breve.
— Obrigado, eu não teria ido embora se não dissesse isso. — Rail balançou a cabeça enquanto murmurava algo que não consegui ouvir.
Pensando bem, as pessoas que vinham ao meu quarto, sempre tinham suas próprias razões egoístas. Acabei quase perdendo o ânimo de convidar os outros, pois sempre havia ao menos duas pessoas lá. Porém, isso era provavelmente minha culpa e, embora o Rail fosse assustador, não lhe faltava bom senso. Seria ainda pior se ele aparecesse quando nem ao menos o convidasse.
— Bem, se queria ir assim que terminassem as aulas, não seria bom. O mesmo ao anoitecer, porque tenho alguns assuntos a tratar.
— Então de madrugada? Quer que eu te visite no meio da noite?
O que você é, minha namorada!!? — Percebendo meu olhar, Rail logo pediu desculpas. Podia ser por que sempre estava sorrindo, eu tinha difículdade em dizer o que de fato ele estava pensando. — …Espero que tenha sido apenas uma piada.
O pior cenário seria aparecesse quando Vaine e Crossy estivessem fora, nesse caso, eu fugiria imediatamente pela janela. Já que a primeira pessoa que de fato convidei aos meus aposentos era um cara assustador… — É desnecessário dizer o quanto odiava isso!
Ignorando um certo par de olhos que mais pareciam os de um réptil encarado sua presa, decidi me concentrar na lição. Hoje estávamos nos concentrando na Anatomia. “Basta cortá-lo e tirá-lo já”, parecia ser o lema do instrutor. É melhor me acostumar com isso agora, ao invés de cometer um erro e alguém acabar ‘chutando o balde’ por causa disso.
Eu peguei o equipamento médico, o qual ainda não me acostumei, a propósito, e comecei a trabalhar. Embora aprender a anatomia de vários organismos possa me ajudar no futuro, era um trabalho cansativo, tanto à nível físico quanto mental.
De qualquer modo, Rail estava em um estado onde era necessário lutar para manter o seu odioso sorriso habitual. — Boa sorte, vai precisar.
— Agora vamos indo.
— Está realmente bem?
— Sim, quero acabar logo com isso.
Depois da aula, forcei o Rail a entrar no meu quarto. O próprio homem continuou dizendo coisas estúpidas como “isso” e “aquilo” , então tive que ser agressivo. Eu realmente não me importava, pois iria esquecer de qualquer má intenção deste nível uma hora ou outra.
— Isto é…? — Assim que entramos, o quarto quente e húmido, com uma enorme confusão acontecendo dentro, não estava lá. Havia alguns sinais remanescentes, mas a sala estava vazia.
… Ei, vocês não treinaram aqui hoje!? — Ao que tudo indicava, o treinamento especial de hoje estava sendo realizado do lado de fora. Meu último raio de esperança que poderia me proteger desapareceu. Virando-me, vi o rosto do Rail que, claro, ainda sorria.
◇◇◇
— Hoje também, muito obrigado por criar essas flores. Embora meu coração ainda dói durante as aulas, sempre que olho para essas flores, me sinto mais aliviado. A última vez que vim regá-las esta manhã, acho que me apaixonei por elas.
— …Entendo, tomarei essas palavras como um elogio.
As flores criadas devido à minha magia, pareciam ter crescido vigorosamente, de acordo com Rail. Elas eram o mesmo que flores normais, afinal, tudo o que precisavam era de luz solar, um pouco de água e solo rico para crescerem saudáveis.
Apesar de que flores cultivadas com magia possam ter um certo charme, elas pareciam tão boas quanto as flores normais e até cheiravam bem. De fato, me pergunto qual é a diferença entre flores naturais e aquelas cultivadas magicamente. Como estavam plantadas em um lugar onde raramente alguém viria, devia ser difícil cuidar delas.
— Então, se me der licença, vou tomar um banho. — E dizendo isso, Rail largou sua bagagem e caminhou até o banheiro do meu quarto.
Agora que ele estava no chuveiro, esse era o momento ideal para fugir… Bem, acho que sempre poderei usar a janela em caso de desespero.
Acendendo a fornalha como de costume, preparei meus materiais e ferramentas. Assim que terminei os preparativos e estava prestes a começar, Rail entrou em meu local de trabalho. Pelo visto, ele tomou um bom banho para limpar o suor e ainda estava pingando água aqui e ali.
— Fu ~, isso foi refrescante. Você estava prestes a começar, Kururi-kun?
— Sim.
A primeira coisa que farei será uma das ferramentas básicas, o bisturi.
— É um dado que a lâmina tem de ser afiada, mas é difícil de usar se for reta, só rasgaria o material ao invés de cortar.
Tive que concordar com a opinião dele. Seria inútil se a ferramenta acabasse assim e por isso, propus que deixássemos a lâmina ligeiramente curvada. Rail concordou e, em seguida, começamos a trabalhar.
O tamanho do equipamento era bem menor que uma espada, assemelhando-se ao trabalho em uma adaga, mas ainda menor. O bisturi precisava ser manejado com uma mão e pequeno o suficiente para que pudesse ser suportado com apenas um dedo.
Prestando muita atenção ao trabalho, bati no ferro com cuidado, pouco a pouco. Por fim, peguei a peça e a coloquei contra uma máquina para nivelá-la até que a lâmina tivesse um polimento afiado. No final, a faca médica foi concluída, emitindo um belo brilho e reflexão, um grande sucesso.
— Isso é incrível Kururi-kun! A diferença entre esse e o bisturi das lições, é como o céu e a terra! Como devo colocar isso…? Dá um sentimento poderoso? Como se você pudesse sentir a alma do artesão!
Uma vez que o trabalho havia terminado, Rail soltou toda a excitação que estava segurando, através de suas palavras.
— Não há de quê. Como reembolso, ficaria muito feliz se você não se intrometesse comigo na aula.
— Desculpe, mas não posso fazer isso. É muito divertido te provocar.
É divertido você diz!? Bem, eu não ligo se é divertido, então pare com isso!!!
Passeio bisturi acabado para o Rail. Ele o pegou e ficou admirando, com um olhar sério que não mostrava com tanta frequência.
— Sim, mesmo sem ter testar a lâmina, não há dúvida de que este é um equipamento médico de ponta. É uma ótima peça! Eu quero usar isso o mais rápido possível.
— Ainda há muito trabalho a ser feito, essa foi apenas a primeira peça. Agora preciso fazer o resto do conjunto.
— Oh, vou deixar você trabalhar então, mas realmente, Kururi-kun, suas mãos devem ser abençoadas. Não posso deixar de manter minhas expectativas elevadas.
Após isso, repeti o processo de tentativa e erro até que ficasse satisfeito com os resultados. Então, quando criei mais duas ferramentas já passava da meia-noite. No chão estavam os corpos de duas pessoas cansadas, ambas encharcadas de suor.
— Fu ~, é isso?
— Sim, é o que parece.
Eu respondi à pergunta com um sorriso, e um olhar de satisfação pôde ser visto crescendo no rosto dele. — Me pergunto é o mesmo comigo agora. Acho que sim. —No chão, as ferramentas médicas estavam polidas e dispostas de maneira clara. Olhando para o lado, senti um pouco de orgulho de mim mesmo.
— Só de estar com você, posso sentir coisas boas fluindo dentro de mim, Kururi-kun.
— Eu discordo completamente.
— Não, eu quero dizer isso. Parece que estou me aproximando do meu sonho de ser um médico, dia após dia, por sua causa, e quero que saiba, que não foi só a mim que você afetou. A atmosfera ao redor de Arc, parece ter se suavizado em comparação a como era antes. As coisas insuportáveis nele são divertidas agora.
— A mudança do Príncipe não tem nada a ver comigo, é tudo graças a Iris.
— Oh sim, acho que é verdade. Pensando bem, você sabe quais as disciplinas do Arc? — De repente, Rail virou-se para mim com o sorriso travesso de uma criança. — …Direito, Geologia, Biologia e Herbologia.
Essas eram as mesmas disciplinas eletivas que a Iris. Rail não tinha nenhum motivo para mentir e parecia plausível.
— Ei, isso não é estranho? Por que ele escolheria Herbologia ao invés de Estudos Imperiais? Você sabe o que isso significa, Kururi-kun?
Poderia ser por que ele estava um pouco sonolento, mas as tensões de Rail pareciam ser um pouco mais altas do que o normal, o mesmo acontecia com a risada dele… de alguma forma estava diferente.
— Isso é incrível, realmente incrível. — Ele pegou o bisturi que criamos e olhou fixamente.
Eu agarrei o meu também e inspecionei. Para alguém que só havia aprendido ferraria a poucos anos, esse com certeza era um excelente trabalho que me fazia pensar como havia sido bom não ter negligenciado meu treinamento diário.
— Para algo assim, por que você não grava seu nome nele?
— O meu nome?
— Sim, bem, há uma espada que conheço a qual o ferreiro gravou seu nome, deixando sua marca na história da criação de espadas. Então, por que não fazemos isso? Vamos gravar seu nome e criar o legado de Kururi Helan!
— Eh?! De jeito nenhum, isso seria muito embaraçoso.
Isso era estranho. Com a tensão pairando no meio da noite, por que eu estava agindo todo embaraçado? Muito estranho.
— Bem, provavelmente é hora de parti. Recebi o que queria, mas ainda assim, tenho outro favor a lhe pedir.
— Sim?
— Grave seu nome em suas obras, é tudo o que eu peço, Kururi-kun.
Hã? — Enquanto pensava no assunto, Rail deu uma piscadela para mim.
… Eu acho que não tenho outra escolha. — Não parecia um grande problema. Levando algumas das minhas ferramentas a mão, esculpi o nome “Kururi Helan” . Claro, fiz questão de ser conservador e só fiz isso nos cantos.
— Cuide bem delas.
— Claro.
Rail voltou-se para mim com olhos felizes, que pareciam brilhar. — Bem, eu os fiz para você, então também fico feliz que tenha gostado.
— Wah, estou realmente cansado. Mesmo que tenhamos terminado agora, não posso nem pular de alegria.
— Sim, eu também estou. Acho que preciso dormir agora.
— Sim, também quero ír para cama, mas acho que vou tomar um outro banho primeiro.
Outro banho? Certamente, nós suamos muito, mas…
— Não, faça isso em seu próprio quarto.
— Ficamos acordados por muito tempo, então não tenho força física para voltar. Acho que não vou conseguir.
— Mas só tenho uma cama…
— Eu não me importo.
— É …assim? — NO QUE DIABOS FUI ME METERRRRRRRRRRR??
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