Sangue Azul Brasileira

Autor(a): NAI


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 15: O conquistador.

Dia 00 do mês 0. Em algum lugar no entre-mundos.

— 1, 2, 3… Não pera! A foda-se! Já perdi a conta novamente de quantos anos se passaram — disse, enquanto balançava uma espada azulada para cima e para baixo — ei me lembre por favor.

À frente do alto jovem, de cabelos longos e olhos amarelos, erguia-se um grande ser repleto de tentáculos, com olhos pretos que o encaravam. O ambiente ao redor era escuro, e o chão parecia ser de pedra lapidada.

— Quantas vezes mais eu preciso repetir? É simples! Cada dia lá fora equivale a 202 dias aqui dentro. Já se passaram quatro anos e meio para nós.

— Você disse que eu vou ficar aqui 16 dias, isso seria… — Colocou a mão na cabeça, enquanto olhava para cima.

— 8 anos. 

— Tudo isso?! É bastante coisa… — Levou a mão ao queixo em sinal de pensamento —  ao fim disso, provavelmente estarei um velho.

— Considerando os meses, você irá sair com 28 anos e isso não é velho — a coisa se aproximava — Louis nesses quatro anos você já evoluiu consideravelmente, apenas pense! Eu não posso obrigá-lo a ficar mais tempo aqui, mas tenha em mente que nunca mais poderá retornar.

Ele desfez a espada e levantou as duas mãos em sinal de concordância. Os dois se olharam de canto de olho e começaram a andar juntos, lado a lado. Conforme andavam, o ambiente ao redor ficava um pouco mais claro. Algumas árvores surgiam em pontos específicos, quebrando a monotonia da escuridão. Até que, ao longe, visualizaram uma casa feita totalmente de madeira.

Continuaram a andar e, quanto mais se aproximavam, mais elementos surgiam ao redor. Dessa vez, alguns pequenos montes cheios de espinhos apareceram ao redor. Quando enfim chegaram à casa, o ser cheio de tentáculos se transformou rapidamente em um humano de pele escura, cabelos vermelhos e uma joia na testa.

Louis abriu a porta da casa, que em total contrariedade a sua aparência, não fez nenhum barulho. Ela era pequena, possuía cerca de 3 cômodos, uma cozinha integrada com a sala e um único quarto.

— Ainda não me acostumei com esse lugar — Se sentou em uma almofada. — Afinal quem construiu isso tudo?

O ser se dirigiu à cozinha e começou a preparar os itens que iria usar. Foi até o pequeno forno, pegou um avental e o colocou delicadamente.

— Ninguém — sorriu pegando uma faca.

— Como algo existe sem que ninguém tenha construído? 

— Se formou. — Lavava a faca lentamente — tudo no entre-mundos se formou a fim da necessidade exterior. Esse lugar em específico não recebe muitos visitantes, antes de você deve ter vindo 5-6, não sei ao certo.

— Se é um lugar tão grande, por que tão poucos chegaram até aqui?

— Riri, tem muitas dúvidas... — Colocou a faca sobre a tábua. — A outra voz que você ouviu lá fora, era da minha irmã gêmea. A maioria das pessoas, quando confrontadas pelo seu medo interior, escolhem ir em direção a ela para passar pelo processo de “banho”.

“Então…Aquelas águas escuras não foi atoa...”

Ele foi até uma espécie de geladeira e retirou um animal morto, espinhoso, com uma cauda e pelagem estranha. Colocou-o sobre uma tábua e começou a fatiá-lo em diversos pedaços diferentes.

— Morya, certo? Então nós não estamos debaixo da grande árvore? 

Parou abruptamente de cortar o animal e olhou para trás encarando Louis.

— Grande árvore? RIRIRIR — Soltava uma risada estridente — vocês humanos são engraçados. — Retornou a cortar o animal — Nexus, esse é seu real nome. Ela liga todas as dimensões, como um grande tronco.

Virou-se para a panela e a colocou sobre a pia. Encheu a panela de água e a colocou sobre o fogo, ligando-o em seguida. 

O silêncio voltou a permear o ambiente, sendo quebrado apenas pelo som da água fervendo no fogo e pelos cortes que Morya realizava em sua receita. Ele terminou de preparar os pedaços do animal e os colocou dentro da água, temperando com diversos condimentos estranhos. Por fim, tampou a panela.

— Creio que vá demorar mais 40 minutos, vamos dar continuidade ao treino. — disse, enquanto caminhava em direção a porta, abrindo-a em seguida.

Assim que Louis pôs os pés para fora de casa, o ambiente imediatamente se transformou. Sob seus chinelos de madeira, ele sentiu a umidade do solo encharcado. Ao seu redor, montanhas imponentes cobertas por cerejeiras em flor pintavam o cenário com tons de rosa e branco.

Mais à frente, Morya o aguardava. Estava em pé, firme, com os olhos fixos em Louis, como se cada movimento seu fosse importante. A expressão de Morya era séria. O vento suave balançava levemente os galhos das cerejeiras, fazendo algumas pétalas caírem lentamente, como se o tempo estivesse desacelerando ao redor deles.

No instante seguinte, os dois desapareceram de onde estavam e, em um piscar de olhos, surgiram mais à frente. Seus movimentos foram tão rápidos que parecia que o ar e a água ao redor deles vibravam. Com os antebraços pressionados um contra o outro, eles se encaravam.

A luta começou com uma explosão de movimentos, cada gesto dos dois era preciso e rápido como um relâmpago. Eles se moviam a uma velocidade tão alta que a fina camada de água ao redor deles se espalhava em todas as direções, criando uma névoa de gotas brilhantes. Cada soco ressoava entre as montanhas ali perto as estremecendo por completo.

Depois de mais de um minuto de combate, Louis percebeu uma abertura. Com agilidade, ele agarrou o braço direito de Morya com sua mão esquerda e, num movimento fluido, acertou um soco poderoso no estômago de Morya com a mão direita. O impacto foi tão forte que Morya foi lançado para longe, cortando até mesmo o ar.

Louis ainda no ar, lentamente caia sobre aquelas águas, se posicionando entre as montanhas e Morya.

— Louis… — Se levantava — esse rapaz talvez possa herdar a vontade…

Morya lentamente retornava a andar em direção a Louis.

— Parabéns — Começou a bater palmas — em alguns ticks, fará 5 anos que começamos o treinamento — se aproximou — agora que suas aptidões físicas refinaram, chegou a hora de treinarmos seu Mukai.

— Me fizeram ler vários livros, creio que podemos pular essa parte. 

— Tive acesso a algumas de suas memórias e devo dizer — Colocou a mão sobre a boca cobrindo o riso — esses conhecimentos humanos são um tanto duvidosos… Vamos começar do básico novamente.

“Não é possível isso…” 

— Mukai é a forma como você interage com o ambiente e absorve seu poder a fim de evoluir mais, e também... — Louis o interrompeu levantando a mão.

— Não precisa ser tão básico…

— É básico, mas você não andou praticando isso não é mesmo?! — Olhou de cima a baixo — seu Mukai é pobre, mal consigo senti-lo… Mas deve bastar por enquanto.

“É humilhação a todo momento, até em outra dimensão”

— Você aprendeu alguma arte das antigas famílias ou derivados?

— No mundo atual, isso não existe mais — andava lentamente em círculos. — A última grande família foi extinta há talvez duzentos anos. Cada um agora se contenta com suas próprias habilidades individuais. — Parou e se voltou para Morya. — Em um dos livros falava um pouco sobre elas, mas não havia tanta coisa.

Morya levava a mão ao rosto e o balançava em negação.

“Talvez ele possa aguentar, infelizmente não temos tanto tempo”, pensou Morya encarando Louis.

— Lóngyǐng Shíyǐngshù, ou como era comumente chamada: Técnica das Dez Sombras do Dragão. Criada pelo primeiro chefe da família Ken’jin há cerca de 820 anos, no tempo do seu mundo. Naquele tempo... — foi subitamente interrompido pelo barulho da panela. — Está pronto, continuamos lá dentro.

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De mãos vazias, Morya pegou a panela fervendo e a colocou sobre um pequeno objeto plano que ficava na mesa de madeira. Seguiu em direção ao armário, pegou dois pratos e dois talheres côncavos, e os colocou sobre a mesa.

— Eu o chamo de: Nour ao molho amarelo — falou com um sorriso no rosto, enquanto pegava o líquido da panela com uma concha e o colocava no prato de Louis.

“A cara está péssima… Mas o cheiro está ótimo”

Louis levou o talher à boca com confiança e quando sentiu o sabor, seus olhos dilataram e seu corpo deu um arrepio.

— Isso está MUITO BOM. Você cozinha melhor que o Nikolaus. Não deixa ele saber que eu falei isso — sussurrou.

Morya seguiu com o sorriso no rosto e se juntou ao Louis na mesa.

— Como eu ia dizendo; as dez grandes famílias se dividiram em diversas regiões — levou a colher à boca — a família Ken’jin recebeu a menor parte, por ser considerada a mais fraca. Então, seu atual chefe decidiu mudar o rumo da própria família, alterando e criando uma nova arte. Inicialmente ele foi condenado pelos demais membros, porém quando houve a primeira revolta entre as 2 famílias menores…

— Ele as extinguiu e provavelmente forçou as outras até conseguir o que queria. — perguntou, abrindo um sorriso enquanto levava a colher à boca novamente.

— Quase! Ele as transformou em zumbis transfigurados e atacou todas as demais casas, matando boa parte de seus membros. Deixando ao fim apenas sua própria casa para no conselho da época.

Louis arregalou os olhos, enquanto saboreava mais um pouco daquela especiaria.

— Anos depois, essa arte foi proibida e esquecida até mesmo pelos Ken’jins. 

— Como você sabe tanto, se não tem acesso ao mundo exterior, a não ser pelas memórias de quem entra?

Morya se levantou, pegou seu prato e talher, e se dirigiu até a cozinha, colocando-os sobre a pia.

— Meu último visitante veio há 810 anos e… foi o próprio chefe dos Ken’jin — Retornou seu olhar ao prato.

— A… — Louis se virou para a janela ao lado, ainda surpreso — e por qual motivo um líder bem sucedido veio parar aqui?

— Nihilo… — fechou a torneira. — Ele não queria que sua arte simplesmente desaparecesse do mundo, então buscou durante anos algum local que pudesse… — começou a andar em direção à porta — venha até aqui.

Os dois a atravessaram e ainda estavam sob aquele mesmo ambiente de antes, encarando uma montanha ao longe.

— Ele encontrou um antigo templo, que de acordo com suas memórias seria o reino que hoje se chama “Tsin”, lá ele mergulhou em um dos acessos que dava até aqui.

— A grande ar… — Tossiu — quer dizer, Nexus não deveria ser o único lugar?

— Nexus é o principal, porém suas raízes são tão grandes que criaram 4 áreas adjacentes.

“Apesar de Celeste e Tsin serem reinos vizinhos, ainda há vários e vários quilómetros entre eles…” 

— Ele me passou — começou a realizar movimentos circulares com a mão — todo o conhecimento técnico e prático da arte. — À frente deles, surgiu um templo cerca de dez vezes maior que a casa onde estavam. — E agora eu passarei a você — se virou para Louis.

— Ainda tem algo que não faz sentido. Por que eu iria aprender uma arte familiar se posso utilizar minha habilidade nativa? — coçava a cabeça.

— Esse é o erro da sua geração. As habilidades nativas e as artes funcionam exatamente da mesma forma, com duas diferenças: primeiro a arte é mais poderosa — colocou os braços para trás. — As habilidades nativas são forças individuais que não utilizam o meio para se fortalecer — dirigiu-se em direção ao templo. — Já as artes utilizam o meio para se tornarem infinitamente mais poderosas.

Louis lentamente começou a segui-lo. O templo, além de enorme, era majestoso. Possuía diversas pilastras ao seu redor, e em seu topo havia um grande bloco de ouro. À sua frente, uma escadaria com sete degraus levava a uma enorme porta de ferro revestida com madeira.

Quando alcançaram juntos o último degrau e ficaram frente a porta, Morya retornou a palavra.

— Segundo: nativas não podem ser aprendidas, são individuais do ser, já as artes podem. 

Os olhos de Louis brilhavam diante daquela estrutura, até que ele retornou à fala de Morya, virando-se para ele.

— Aprendi que tudo nesse mundo tem um preço, qual será o que eu vou pagar?

— Bem... — Andou até a porta e, com apenas uma mão, começou a forçá-la a abrir. — Você deve abdicar de sua própria habilidade nativa e do Mukai como conhece. — Com um último empurrão, a porta se abriu com violência, ecoando um som estrondoso que reverberou pelo templo.

Por mais relutante que Louis estivesse, quando seus olhos foram iluminados pelo esplendor do interior do templo, qualquer dúvida que cercava sua mente foi simplesmente apagada. O brilho dourado e a grandiosidade do lugar enchiam seus sentidos e dissiparam qualquer incerteza que ele tivesse.

— Quando começamos? — colocou as mãos sobre o quadril.

Morya sorriu entrando templo adentro.



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