Sangue Azul Brasileira

Autor(a): NAI


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8: O passado (2).

Segundos antes da morte chegar, o tempo desacelera e a visão fica em preto e branco. Tudo o que se pode fazer é relembrar como viveu até aquele momento.

— Vamos morrer? — Apertou a mão de Mika com força. — Por favor!! Aceite ela como troca — A empurrou para frente — e me deixe ir.

A criatura os observava agora com um grande sorriso no rosto.

— O que você está fazendo? Me solta! — Gritava Mika desesperadamente, tentando chutar sua perna.

— Silêncio! Eu não posso morrer, não agora.

Os dois ficaram em uma disputa de força, até que Miguel com sua faca em mãos a colocou perto do pescoço de Mika, segurando com força seu outro braço.

— Ela é toda su — A maldição o interrompeu.

— A espécie de vocês é mesmo deplorável — Se aproximou dos dois — Aproxime-se garoto.

Miguel lentamente a soltou e, demonstrando respeito pelo ser à sua frente, caminhou lentamente em seguida se curvou.

— Você é inútil para mim. — Pegou Miguel com as duas mãos e, como se rasgasse papel, o dividiu em dois. Jogou para longe as partes restantes.

Ao ver aquela cena, não teve outra reação a não ser vomitar de nojo. Quando recobrou a atenção para a criatura, começou a suar frio, mal conseguindo mover um dedo da mão, sem que a sensação de morte a cercasse.

— Jiji — riu — você vai ter que melhorar.. Caso queira se tornar algo a mais.

Ela se mantinha calada, não se permitia dizer nem uma palavra.

— Esse seu cheiro.. — Com um ágil movimento das mãos, a maldição derrubou diversas árvores à sua volta em fúria. — Maldita seja, Krista!!.

Ela estava sedada diante tanto nervosismo, mal  conseguia discernir as palavras ditas.

— Você vai me levar até ela.. Até a sua mãe.

Seus olhos arregalaram no mesmo instante. Todo o sentimento pesado que a cercava desapareceu por alguns instantes e, enfim, ela decidiu falar.

— Minha.. Mãe? Não conheço ela.

— Oh.. Então você fala? Jijiji, Krista Claus Novacrono. — Se aproximou de Mika novamente. — Foi ela quem criou essa barreira. E agora você vai me tirar daqui.

— Eu não sei como cheguei aqui, não me lembro de nada. E não quero ajudar você.

— Você vai.. — Abriu um largo sorriso novamente — O garoto deve ter contado, se você está aqui é por que te queriam morta, tem alguém aí fora que merece uma punição por ter feito isso com você..

Após aquelas palavras, sentiu novamente aquela mesma dor de cabeça, colocando suas duas mãos sob ela. Começou a gritar de dor.

— Mexeram com sua cabeça, hein?!.. Irei consertá-la, mas em troca você vai me deixar habitar seu corpo até encontrarmos sua mãe. 

Ela continuava gemendo de dor, já de joelhos gritou e sem ao menos pensar:

— APENAS TIRA ISSO DE MIM!!

A maldição estendeu sua mão direita e com a ponta da unha tocou levemente a testa de Mika. A marca em sua mão em forma de tridente começou a pulsar fortemente, até que a luz ali presente foi transferida a ponta de seu dedo e, então, em um instante a dor parecia ter cessado.

— Interessante, jiji. Algum especialista em pragas passou pelo seu caminho.. Esse efeito de amnésia está além do que eu consigo.

Ela se levantou o encarando.

— Obrigado.. Qual o seu nome mesmo?

— Tsuchinoko, mas para mim seu agradecimento não me importa, apenas cumpra a parte do acordo — Levou sua mão a um de seus olhos e com grande facilidade o arrancou. 

— O que você tá fazendo?! 

— Toma. — Estendeu para ela — Engula, apenas assim eu poderei sair.

— Que? Você tá maluco? Eu jamais engoliria isso, mas por que eu? Eu não sou a primeira pessoa que você encontrou aqui.

— Os demais que encontrei não aguentaram, seus corpos colapsaram instantes depois de engolir o olho.

— Menos um motivo para eu aceitar — Cruzou os braços — Não quero entrar para essa lista.

— Seu mukai e esse cheiro igual a de Krista, tudo me diz que você resistirá, agora engula ou você será morta pela quebra do acordo.

— Você pode me matar quando sair daqui de qualquer forma..

— Quando você aceitou, nós dois precisamos cumprir o que foi acordado ou seremos mortos, e isso inclui a parte que estaremos juntos até encontrar Krista. Até lá você tenta pensar em algo.

Mika estendeu a mão calmamente sem  muitas opções, em direção ao olho, hesitante e com cara de nojo estampada em seu rosto. Seus dedos tocaram a superfície lisa e úmida do glóbulo, fazendo-a estremecer involuntariamente. Uma sensação de repulsa percorre sua espinha enquanto ela o segura.

Quando o levou à boca, uma sensação de asco misturada com algum tipo de euforia a invadiu, enquanto sentia um calor que se espalha pelo seu corpo, seu coração começou a acelerar cada vez mais.

Ela se afastou, ofegante e atordoada, a expressão em seu rosto mostrava o quanto aquela dor aumentava. Ela se agarrou no chão, sentindo uma queimação intensa na barriga. O mundo ao seu redor começou a girar e de repente nada mais fazia sentido.

Após um minuto que mais pareceu uma eternidade, seu corpo enfim relaxou. Assim que ela sente que aquela tortura havia acabado, seus olhos se fecharam e ela apagou por completo.

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Sete horas depois, o sol já raiava no céu, Mika estava com o corpo completamente encolhido em meio a terra e pedras. Faltava 1 minuto para meio dia, quando ela abriu seus olhos.

Assim que se permitiu sentar, começou a sentir o ambiente à sua volta de forma diferente, tudo parecia ter um tipo de energia, era como se ela tivesse nascido novamente. 

Tocou a terra em sua volta e sentiu um misto de sensações. Se levantou e foi até uma das pedras ao lado e tocando-a conseguia visualizar até mesmo a composição daquela pedra.

— Que sensação… INCRÍVEL! — Pulou em êxtase — Sinto como se eu conseguisse fazer qualquer coisa..

— Agora você pode. 

De repente envolto a ela, apareceu uma cobra flutuando com um rosto amigável.

— Quem é você?! — Deu um pulo para trás e entrou em posição de luta por puro instinto.

— Não mudei tanto assim! 

— Espera — Coçou a cabeça — hahaha! É você?! Aquela coisa gigante virou isso?

— Tome cuidado com o que diz, posso tirar o poder que lhe dei. — Voou para uma direção em frente a Mika — Vamos logo.

Ela assentiu com a cabeça e seguiu ele, os dois passaram por um grande número de árvores, buracos, pedras e outros elementos. Até que enfim chegaram a uma ponta da barreira.

—  Isso não faz sentido. Por qual motivo você conseguiria sair agora?

— A propriedade da barreira permite a qualquer um entrar, mas para sair apenas um mestre de barreiras pode abri-la. Krista a criou para impedir que nós maldições saíssemos, mas agora eu só preciso abri-la e enquanto compartilhamos o mesmo corpo e alma não terei problemas em sair.

Tsuchinoko voou até o alto da barreira e sussurrou diversas palavras que não davam para se ouvir. As partes pontudas de seu corpo começaram a brilhar e quando a tocou na barreira ela abriu uma pequena parte.

— E as outras maldições? Elas não vão sair? 

— A barreira deve se fechar em breve, atravesse de uma vez.

Deu o primeiro passo para fora do lugar que mais parecia o inferno na terra e sentiu o mundo a fora como se fosse a primeira vez. Tudo à sua volta parecia ter um propósito claro agora. 

Caminhou por três minutos sem rumo, apenas apreciando a floresta, os pássaros e os outros elementos presentes ali na natureza.

— O que devo fazer agora? 

— Vamos voltar a sua vila natal, quem sabe você recupera sua memória, preciso de todos os detalhes para acharmos Krista.

— E como você sabe disso?

— Não interessa, vamos.

Tsuchinoko voou tão rápido quanto um pássaro, percorrendo 160Km/h. Ela o encarou indo embora, mas determinada a segui-lo como uma presa, instintivamente flexionou todos os músculos sincronizadamente e se lançou à frente.

Cada passo dado, era firme e preciso, a qual a impulsionava para frente com uma força que ela jamais imaginou que teria. O vento batia com força em seu rosto e o diversos cheiros a sua volta puderam ser sentidos.

Enquanto ela corria, conseguiu sentir o voo de Tsuchinoko agora a 900 metros a sua frente. Os dois mantiveram o ritmo por mais de 20 minutos ininterruptos, até que pararam a 150 metros da vila.

— Se lembra de algo, agora? 

— Não.. Se essa for mesmo minha vila natal, vão me receber bem e ai vou me lembrar.

Antes que ela continuasse o caminho, Tsuchinoko desapareceu pressentindo o que haveria de acontecer adiante.

Mika estava de peito estufado com as duas mãos na cintura e começou a caminhar entre as colheitas, ainda não havia avistado ninguém. Quando ela enfim pisou na entrada da vila, visualizou no centro dela uma cruz empilhada, ainda havia alguém lá, mas ela não conseguiu visualizar pois estava de costas para tal.

Foi até um grande casebre o maior que tinha na vila e então bateu na porta levemente.

— Com licença! Tem alguém aí? — Bateu novamente — Preciso de informações.

Daria uma terceira batida na porta, mas antes que o fizesse uma pessoa chamou pelo seu nome.

— Mika Claus?! 

Ela virou-se lentamente com um sorriso no rosto.

— Finalment — Antes que pudesse completar a palavra, uma lança passou perto de seu rosto fazendo um pequeno corte.

— Você deveria estar morta! Que merda você está fazendo aqui? Sabia que eu não poderia ter confiado naquele mestre maldito — disse um velho homem, com um chapeu cobrindo a calvice, uma grande barba branca, que estendia até o peito.

O homem com sua roupa cheia de adereços, junto de seu cajado de madeira. Avançou lentamente.

— O que você pensa que está fazendo? — Passou a mão no rosto retirando o sangue — Nem sei quem é você!

— Ter que olhar seu rosto novamente.. A sua existência é repugnante! Se aquele mestre não cuidou disso, eu mesmo vou lhe matar.

— Caducou já? — Colocou a mão na cintura — Eu apenas quero informações!

— Que droga Mika! Pare com esse teatro de uma vez, a morte do seu tio Kenny já não foi o suficiente para você?

— Kenny? — Coçou a cabeça, até que enfim uma luz surgiu na sua cabeça.

Suas pupilas dilataram, aquela sensação de vazio em sua cabeça enfim foi preenchida. Seus 15 anos de vida retornaram tão depressa, que ela mal teve tempo de raciocinar outras informações.

Seu corpo se moveu tão rapidamente quanto o som em direção ao local que lembrava de ter visto seu tio pela última vez. Quando levantou sua cabeça e abriu seus olhos reviveu aquela que foi a pior cena de sua vida; seu tio morto pendurado sobre madeiras enquanto gotas de sangue caiam no chão formando uma pequena poça.

— Me desculpe — sua feição mostrava tamanho esforço que fazia para não chorar — Eu sei que nasci errada! Mas qual minha culpa nisso? Eu não pedi isso!.

— Mas nasceu.. E agora eu vou fazer você se encontrar com esse velho tolo. — o velho xamã apontou o cajado em sua direção. 

Ela se manteve de joelhos e de cabeça baixa, naquele momento havia perdido a vontade de viver.

O velho lançou uma fina energia, ela avançou tão rapidamente que atravessou o ombro esquerdo de Mika a derrubando no chão. Ele andou lentamente batendo seu cajado no chão, enquanto cada vez mais pessoas iam à janela observar aquela cena.

— Os velhos costumes vem se perdendo nessa nova era, abominações vindouras da magia são cada vez mais normais. 

Ele se posicionou ao lado de Mika já caída observando seu tio no alto.

— Se aqueles malditos fieis não matarem todos vocês por completo, eu mesmo voltarei a caça-los.

De olhos fechados agora, ela relembrava os momentos de quando seu tio a ajudava a caçar, quando acampavam juntos, Todos aqueles momentos enfim se reuniram em sua mente e, então ela se lembra das últimas palavras de seu tio:

“Ganhe o mundo com sua força”

Reabriu os olhos, mas agora um sorriso estava estampado em seu rosto. O velho xamã a olhava em pé, um sorriso de nojo em seus lábios enrugados aparecia. Ele juntou as duas mãos, segurando com força o cajado, o levantou acima de Mika, seu olhar se enchia cada vez mais antes de lançá-lo em sua direção.

Os olhos de Mika se estreitaram enquanto ela segurava o cajado sem demonstrar muito esforço. Com um rápido movimento, lançou o cajado junto do velho para longe, foi tão poderoso que o corte do cajado no ar pode ser ouvido por todos os demais.

Ela se levantou, estralando o pescoço, enquanto sacudia a poeira em seu corpo. O  buraco em seu ombro esquerdo, continuava a sair sangue incessantemente.

— Tsuchinoko — o grito ecoou por toda a vila — Preciso que cure meu ombro.

— Jiji.. Não pense que vou te ajudar toda hora, depois que matar esse velhaco preciso te ensinar o que é Mukai.

Seu ombro se regenerou rapidamente, ela colocou uma das mãos sobre ele, enquanto movia seu braço o testando.

— HEREGE!! CRIANÇA MALDITA — Ele aparecia novamente do outro lado da vila, com sangue escorrendo pela boca — Você! Se uniu com uma maldição!.

—  Chega de falatório. — Mika apareceu do seu lado em alta velocidade e lhe acertou um ataque com seu antebraço o lançando em direção ao velho casebre. 

Ela avançou lentamente em direção a casa, parou ao lado do buraco e bateu na porta novamente. 

— Tem alguém aí? 

Entrou com um sorriso no rosto e viu o velho completamente ensanguentado em cima das tábuas. Ela foi até o seu lado e o pegou pelos cabelos, com a outra mão mirou através do buraco.

— Vou te mandar para lá oh!.

Estendeu seu outro braço já o segurando e o lançou com tanta força, que pode-se ouvir os ossos se partindo no ar. O velho foi lançado a vários metros de distância e naquela velocidade já deveria de estar morto.

Mika saiu do velho casebre, enquanto caminhava em direção a sua antiga casa. No caminho, notou os olhares de julgamento e curiosidade que a seguiam pelas janelas.

Quando chegou à porta de sua casa, tocou a maçaneta e imediatamente se esquivou de um tiro de bala, movendo a cabeça rapidamente para o lado. Assim que abriu a porta totalmente, deparou-se com sua tia segurando uma espingarda de cano serrado.

Sua tia estava diferente. Seus dentes rangiam, suas pupilas dilatadas, respiração ofegante e as veias que saltavam por todo o seu corpo, entregavam a raiva que sentia naquele momento.

— Eu pedi para você sumir — falou ofegantemente.

— Tsuchinoko talvez você devesse começar por ela. Essa mulher é irmã da minha mãe.

Mika entrou na casa e fechou a porta.



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