Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 11 – Arco 4

Capítulo 51: A Noite das Garotas

A casa ainda era tão aconchegante e cheia de cores quanto se lembrava. Na verdade, quase poderia dizer que parecia um pouco mais viva desde a primeira vez que a visitou, especialmente quando nem mesmo a recepção de Saiph mudou.

Logo ao entrar na casa, Bellatrix anunciou sua chegada e uma cena estranhamente semelhante à primeira vez quando visitou o lar da amiga se repetiu. Foram quase as mesmas palavras trocadas, as mesmas risadas e a mesma sensação de calor vinda de uma mãe desastrada e sua filha constrangida com a atenção. 

Apesar disso, era visível para Ryota o quanto ambas eram próximas, e independentemente do tipo de passado que as envolvia como família considerando os relatos parciais de Bellatrix, seus olhos azuis como céu eram capazes de perceber o amor cultivado ali dentro.

Para não estragar a recepção calorosa, Ryota engoliu em seco e sorriu para Saiph quando o cheiro de queimado invadiu suas narinas. Precisou lembrar a si mesma algumas vezes de que era apenas do pão que permaneceu mais tempo que o necessário dentro do forno, e não de qualquer outra coisa. Ainda assim, não foi o bastante para evitar que sua nuca e costas suassem frio, mas ela respeitosamente se afastou pedindo para tomar um ar antes de voltar para dentro de casa.

Bellatrix direcionou um olhar de preocupação para a amiga, mas Ryota assentiu silenciosamente, tentando acalmá-la. Era um esforço gradual para poder superar os efeitos de um trauma que há muito se instalou em seu subconsciente, mas se recusou a vê-lo até que sua mente e corpo fossem levados ao limite e à exaustão. Como resultado, Ryota se tornou várias vezes mais frágil do que uma vez foi — mas, em contrapartida, saber que havia alguém por perto para socorrê-la caso fosse preciso, a fazia ter forças para continuar se dedicando.

Minutos mais tarde, Bellatrix arrastou Ryota pela mão até o quarto e dispensou as preocupações extensivas de sua mãe, fechando a porta antes de suspirar. 

— Me desculpa pela minha mãe. Ela não te disse nada que te deixou desconfortável, né? Se disse, eu vou falar com ela.

— Não se preocupe, estou bem.

Ryota sorriu em agradecimento e desviou os olhos para o quarto de Bellatrix. O cheiro familiar de lavanda ainda residia, bem como as memórias da primeira vez em que visitou aquele cômodo.

Seus olhos foram lentamente direcionados para a cama, e ali ficaram por alguns instantes. 

— A-Ah! Não liga pra bagunça, eu não tive tempo de arrumar antes, e também não tava esperando que ia te chamar pra cá, e… É, enfim.

Provavelmente Bellatrix interpretou sua atenção extra aos arredores como uma avaliação, e ela precisou fazer aquele comentário para deixar Ryota ciente de sua falta de atenção para a organização. Isso apenas a fez rir com o nariz, voltando sua atenção para a amiga.

— Eu estava apenas pensando em como estava cheiroso.

— Ah… Ah! É mesmo?! Eu não percebi!

— Bem, é o seu cheiro, então… Espera, isso parece um pouco esquisito de dizer.

Ryota se sentiu constrangida e pigarreou para disfarçar o comentário desnecessário sobre o perfume — mas ao menos foi honesta. Bellatrix pareceu ficar feliz, pois apressou o passo para perto dela e segurou sua mão, a guiando gentilmente.

— Vem cá, vou te mostrar tudinho.

Após retirar os patins e deixá-los empilhados no canto, Bellatrix mostrou o quarto e todos os detalhes dele. Ryota observou os ursinhos de pelúcia que eram amontoados uns sobre os outros em um canto; riu quando a amiga chutou para debaixo da mesa algumas caixas com roupas que pareciam ser fantasias de antigas peças; analisou a mesa de estudos cheias de anotações, livros e canetas abertas; apreciou a brisa gelada do outono que invadia pela janela; e, por fim, ambas sentaram-se na cama.

Diferentemente da vez em que visitou o quarto de Fuyuki, onde quase ficou intimidada com o tamanho e impressionada com a quantidade de preciosidades, o de Bellatrix era pequeno e aconchegante. 

Pensar em seu último encontro com a duquesa ou no que ela deveria estar fazendo durante aqueles quatro meses desde que saiu de Hera ainda era um pouco difícil, e Ryota tentou não focar demais em lembranças amargas para não estragar o bom humor da amiga.

Como de costume, a linguagem de amor de Bellatrix era o toque físico, e isso era visível pela forma como a garota continuou segurando sua mão durante tanto tempo quanto possível desde que saíram do Instituto Gnosis algumas horas antes.

“Você é a primeira amiga que tive.”

Em um mundo de possibilidades, Bellatrix uma vez contou aquela história. Sobre uma garota que viveu isolada de todos mesmo depois de se esforçar tanto para ser reconhecida ao ponto de achar que a odiavam. E após continuar a observar aquela felicidade, aquele amor, aquela companhia e aqueles momentos ao lado de amizades que nunca conseguiu ter, ela aprendeu a ser como eles. O desejo de adquirir algo que originalmente nunca rendeu frutos a fez se adequar e copiar os trejeitos de outras pessoas, mudando a si mesma no intuito de receber aquela atenção.

Apesar das memórias serem dolorosas e Ryota evitar lembrar do primeiro retorno a todo custo, agora, ela se sentia com mais vontade do que nunca de repeti-lo — apenas para ouvir a história completa. Ela queria entender os problemas e os sentimentos de Bellatrix para poder ajudá-la a lidar com aquilo que a preocupava em seu âmago.

Desde o começo, quando se conheceram, ela foi uma garota doce, barulhenta e pegajosa. Apesar disso, era também dramática e emotiva. Na superfície, parecia apenas uma brincadeira para poder fazer as pessoas rirem de sua persona, mas Ryota acabou descobrindo que ela era realmente alguém sensível emocionalmente. 

Ainda havia lacunas demais entre elas para ser dito que o laço de amizade se estruturou. Queria conhecê-la, ouvir seu ponto de vista e seus problemas, e então estender a mão para ajudá-la a caminhar por aquela trilha sinuosa e difícil — não apenas no sentido físico, mas emocional também.

Mas era mais fácil falar do que fazer. Ainda que tivesse discutido a respeito das inseguranças de Bellatrix algumas horas antes, sempre seria difícil tocar nas feridas do coração. Ryota não queria parecer insensível, muito menos intrometida ou cheia de si ao ponto de parecer que era a dona de todas as respostas. Ela não era como Sofia, que de fato sabia sobre tudo. Estava aprendendo também, e era justamente isso o que tornava aquilo mais complicado.

Estava fadada ao erro e à chance de, na tentativa de ajudá-la, apenas magoar Bellatrix. Aquele era um risco que sempre iria existir, mas para poder atingir seu objetivo, era um que era preciso.

— Bella.

Quando sentaram-se na cama, Ryota inspirou fundo e começou a falar. As mãos de ambas ainda estavam atadas. E com uma gota de suor marcando a têmpora, murmurou, hesitante:

— Que tal estudarmos juntas?

No último segundo, ela acabou dando um passo em falso, mas acreditou que poderiam levar aquilo devagar. Talvez, encontrasse o momento correto de tocar no assunto.

Bellatrix, para sua surpresa, fez uma careta e resmungou.

— Aaaah, sério? Era pra ser uma noite das garotas bem feliz, cheia de fofocas e esse tipo de coisa…

— Ainda vai ser a noite das garotas, mas como ainda temos tempo, pensei que poderia te ajudar nos estudos.

Os lábios da ruiva se apertaram em uma linha tensa, e Ryota continuou falando da forma mais delicada possível.

— Eu sei que você nunca foi boa na parte teórica, e sempre se esforça bastante pra compensar isso. E eu pensei que poderíamos unir o útil ao agradável. O que me diz?

Apesar de não mencionar, era preciso apenas um pouco de atenção para perceber o quão desajeitada a presidente do conselho era com a parte escrita. Havia grande dificuldade para ela aprender e decorar os termos e descrições, e apesar de ser uma potencial atriz em ascensão, o Instituto Gnosis não aprovaria estudantes que se especializam em apenas uma área.

Diferente de outros colégios, Sofia aplicou um método de aprendizado que sempre tentava se adequar às maiores facilidades e explorava os talentos únicos de cada estudante. Os professores acadêmicos eram pesquisadores natos que tinham uma observação digna de nota, e sempre faziam o possível para aperfeiçoar a melhor parte de cada uma das pessoas ali. 

Entretanto, era necessário uma média para cada uma das áreas de estudo — tanto teórica quanto prática. E mesmo favorecendo sua qualidade principal, o Instituto não era gentil nas exigências mínimas, requerendo um esforço acadêmico acima do máximo de escolas e faculdades públicas comuns. 

Ryota era versátil — tinha fácil capacidade de aprendizado, além de ser autodidata. Não importava a dificuldade, se tomasse algum tempo de estudo e focasse inteiramente nisso, seria capaz de aprender qualquer coisa. Ela tinha orgulho de seu gosto pela leitura e pelo conhecimento adquirido mesmo depois de viver dezoito anos presa em um vilarejo isolado, sem acesso a grande parte dos acontecimentos gerais de Thaleia.

Quando foi a última vez que li por hobby?

Passar um tempo de lazer sem se preocupar com os conflitos que a rodiavam foi algo que deixou para trás há muito tempo. Ela temia em dizer que poderia ter perdido o gosto pela maior parte de seu tempo livre quando sua mente ficou em cacos. Colocar sua atenção em algo que foi feito unicamente para entretenimento não era nada mais que desperdício de tempo, e ela se sentiu culpada e frustrada por querer algo assim quando deveria estar estudando e se preocupando com o futuro das pessoas que confiaram nela para chegar até ali.

Ao menos, foi como passou um longo mês pensando, gerando um estresse inimaginável que roubou seu humor, gosto e cores do mundo. Ela se isolou e se odiou por isso; queria voltar para aqueles dias felizes e se permitir amar e ser amada de novo, e se odiou por isso. 

Não era exagero dizer que Ryota estava lentamente se matando, e faltou pouco para dar o passo final — e certamente o teria feito caso aquelas boas almas não tivessem lhe estendido a mão.

“Aos que cedem à pressão, nada se pode fazer. Então, desista de tentar salvá-los.”

As palavras de Amane ainda marcavam o coração de Ryota. Eram duras, mas realistas. Ela poderia estender a mão para tentar ajudar alguém importante, mas se esse alguém não se esforçar também, era impossível salvá-lo sem afundar ao lado dele. 

Era uma gentileza perigosa, e Ryota não queria isso. Não permitiria que Bellatrix desistisse, e estava disposta a empurrar suas costas contra a pressão quantas vezes fosse preciso. Se tornaria o pilar dela, assim como ela seria o seu. 

“Não deveria precisar de um motivo, é apenas… Amor por amor.”

Uma via de mão dupla, um ciclo ao qual ela não queria que acabasse — um laço firme de amizade e afeição que as tornaria mais fortes. Lado a lado, iriam resistir contra a pressão e não cederiam. Caminhariam pelo mesmo lugar espinhoso e enfrentariam as mesmas dificuldades, apoiando-se até que pudessem resistir sozinhas. Ainda assim, não soltariam as mãos, pois poderiam precisar daquele calor para se lembrar de onde vieram e para onde queriam ir.

Com essa determinação em mente, Ryota e Bellatrix moveram-se para o tapete no centro do quarto. Ao invés de usarem a mesa de estudos, que era pequena demais para duas pessoas, elas optaram por juntar travesseiros e almofadas para ficarem confortáveis, espalhando livros e cadernos pelos arredores.

As garotas compartilharam de alguns minutos agradáveis, e Ryota não pôde deixar de rir de todas as caretas de tédio e frustração da amiga sempre que empacava em alguma parte dos textos. Ryota, para sua sorte, era relativamente boa em explicar, então acabaram conseguindo algum progresso durante a reavaliação e revisão da historiografia das artes cênicas e sua evolução ao longo do tempo. Memorizar nomes, datas e acontecimentos era um pouco difícil, e Bellatrix não conseguia relacionar com tanta facilidade aquelas informações acumuladas, então demandou algum tempo até que pudessem filtrar cada figura sem qualquer erro.

— Ririii, e essa parte?

— Ah, aqui você precisa analisar o enunciado e correlacionar com as afirmações de baixo.

— Mas… Mas eu não entendi nada.

— Releia novamente, dessa vez devagar. 

Ryota apontou com uma paciência impressionante para a marcação do texto, e traçou algumas palavras com o dedo indicador. Bellatrix apertou os lábios fazendo beicinho, o tom de voz choroso quase poderia ser vergonhoso para uma jovem da sua idade, mas ela não pareceu se importar em agir como criança.

— Então… Aqui, e aqui…

— Isso mesmo. Continue.

— … Acho que entendi.

— Meus parabéns, Bella. Faltam apenas mais quatro.

— Ainda faltam muitos! Eu não quero mais, cansei!

— Não faltam tantos assim. Veja, você conseguiu fazer o primeiro, também consegue fazer os outros.

Bellatrix resmungou com uma expressão penosa e Ryota riu baixinho. Ela nunca se sentiu tão aliviada em poder abrir pequenos sorrisos.

— E o que eu vou ganhar fazendo isso?

— Ganhar? Bem… Você ganha mais inteligência.

— Não! Eu quero dizer como recompensa.

— Eu preciso te oferecer uma recompensa por estudar?

— Sim! Assim vou ficar mais motivada.

Agora, ela definitivamente parecia uma criança.

Mas Ryota não odiava aquele lado manhoso de Bellatrix, e seu pequeno sorriso não falhou no rosto nenhuma vez. Ela apenas cruzou os braços e endireitou as costas.

— Hmm… Mas eu não tenho nada para oferecer.

— Aaaah, você é tão boba, Riri.

Eu sou a boba?

— Tô dizendo que você é uma bobinha por achar que precisa me dar algo assim tão grandioso.

Ryota tentou brincar, mas apenas recebeu um beliscão nas costelas e uma pequena palestra de Bellatrix. A ruiva inclinou a cabeça, deitando-a no ombro da amiga e apoiando em seu peso.

— Se você me oferecer um pedaço de bolo, ou um abraço beeem apertado, já vou ficar feliz o bastante.

Mas se você me abraçar, vou morrer sufocada.

Ela não respondeu em voz alta, apesar de ter imaginado a cena perfeitamente.

Ainda assim, compreendeu os intuitos da amiga, e então afagou suas tranças de cor de cenoura com os dedos.

— Tudo bem, eu posso te recompensar com isso.

— Eba! Agora tô motivada! Mas eu quero mais uma coisa!

— Minha nossa, que ganância.

Bellatrix riu e se afastou do ombro de Ryota, então baixou as íris esmeraldas para os dedos dela, parecendo ficar tímida por um momento.

— O que foi?

— … Eu quero saber… Eu quero saber a sua história de amor com o lorde Furoto.

A mente dela ficou em completo silêncio, e por um instante o quarto pareceu esfriar. Mas Ryota se viu murmurando:

— Por quê?

— Bem… Eu ouvi falar que você tava tendo um relacionamento, e fiquei chocada quando descobri que era com uma pessoa da nobreza. E, também… 

Bellatrix brincou com os polegares no colo e olhou para Ryota com um rubor leve no rosto, sorrindo com inocência.

— Quero dizer, eu sempre quis falar essas coisas com uma garota antes, mas sabe… Eu nunca tive a chance.

Dessa vez, quem se sentiu constrangida por suspeitar mesmo que milimetricamente dela, foi Ryota.

Mas aquela tensão diminuiu um pouco ao entender o intuito do pedido, e ela se viu refletindo sobre isso. Era verdade que estava em um relacionamento com Zero, e por vezes se esquecia de que agora era noiva de um lorde — o que a tornava uma lady. 

A parte difícil estava na necessidade de falar sobre isso — de voltar às memórias felizes sem se sentir desconfortável por lembrar o que viria mais tarde. Ainda era difícil para Ryota contar sobre seu passado, especialmente aqueles em que as pessoas envolvidas foram feridas por ela mesma ou por circunstâncias do mundo.

E Zero… Ele estava…

— … Se não puder, tudo bem. Vou ficar satisfeita com o pedaço de bolo.

Bellatrix estava sendo gentil com ela agora, talvez de uma forma que se arrependeria de recusar aquele convite para se abrir. Afinal, havia instigado-a a falar mais sobre suas inseguranças e medos. O quão hipócrita e egoísta seria — novamente — se virasse as costas para um obstáculo como esse, agora?

— … Está bem. Eu conto.

A forma como o rosto de Bellatrix se iluminou com um sorriso fez o coração de Ryota se aquecer, mas também apertar de leve.

Ela falaria sobre Zero para alguém pela primeira vez. Sequer teve a capacidade de compartilhar sobre suas emoções e experiências com Dio, alguém que tinha uma familiaridade maior com suas circunstâncias anteriores. Mencionar sobre seu passado e envolver Bellatrix nisso a assustava.

Não vou ter medo. Vai ficar tudo bem.

Lembrando a si mesma do que prometeu e daquilo que queria, Ryota tentou afastar os temores e observou a amiga focar sua atenção inteiramente na tarefa adiante. Bellatrix escreveu em uma velocidade tão grande que seus dedos deveriam doer, mas era a prova de que ela estava motivada.

Eu consigo fazer isso.

Durante aqueles minutos, Ryota repetiu para si mesma e respirou fundo. Não era fácil, no entanto. Mas ela queria provar que era capaz de enfrentar aquilo — o próprio passado, as escolhas e arrependimentos.

Ela apenas esperava que Bellatrix não a menosprezasse com aquilo que viria a contar.

***

Quando a noite caiu, a cortina se fechou na janela e o quarto foi banhado com uma luz calorosa do abajur. Ainda não estava tarde o bastante para dormir, e ambas recém haviam recebido uma visita no quarto quando Saiph bateu na porta para oferecer alguns lanches. Ela ficou feliz ao vê-las estudando, e pareceu dar à Ryota um olhar de agradecimento.

Apesar de desconhecer a origem dele, ela sorriu em retorno para a mãe aliviada, e a viu se retirar, dando-lhes privacidade outra vez.

Ryota tentou não pensar onde estaria o pai de Bellatrix, e pouco se recordava dele. Na verdade, ousava arriscar que a voz que ouviu no primeiro retorno, durante a terceir provação, logo durante seu leito de morte, era de um homem com entonação forte. Agora, talvez pudesse deduzir quem era, mas dado que a própria Bellatrix não o mencionou, Ryota não ousou tocar no assunto, ao menos por enquanto.

— Eu quero minha recompensa, Riri!

— Está bem, está bem. Apenas se acalme, por favor… Ai.

Bellatrix, por outro lado, estava com um sorriso radiante ao ponto de cegá-la. Ryota se encolheu com o abraço de urso, mas continuou sentada contra os travesseiros quando as duas amigas se acomodaram. Após afastar a dor do aperto, ela inspirou fundo e cruzou os dedos no colo.

— O que você quer saber exatamente?

— Tudo!

— Tudo? Mas… É uma história longa.

E Ryota não tinha certeza se conseguiria traçar aquilo do começo ao fim. Mas percebendo ou não sua hesitação, isso não impediu a ruiva de insistir.

— Por favooor! Temos a noite todinha.

— Bem…

— Então, pode me contar apenas as melhores partes.

— As melhores?

— Como você se apaixonou, como foi o primeiro beijo, como foi o pedido… Essas coisas.

Bellatrix citou cada um dos acontecimentos erguendo os dedos da mão, então gargalhou ao olhar para Ryota.

— Ah! Você tá toda vermelha!

— … Fica quieta.

— Ah, que bonitinha. Eu não sabia que você podia ficar tão tímida assim, Riri~

Ryota resmungou e escondeu o rosto queimando com o braço, o que apenas gerou mais risos calorosos de Bellatrix, que cutucou suas costelas e braço em tom provocativo.

Depois do que pareceu uma eternidade, ela suspirou e olhou para a amiga, tentando não se encolher diante do olhar malicioso.

— E-Eu já entendi. Vou tentar te contar o que conseguir.

— Eba!

— Ai.

Outro abraço de urso, e agora Bellatrix estava deitada contra seu ombro novamente. O perfume de lavanda estava mais fraco, mas era agradável o bastante para fazer Ryota tentar relaxar contra os travesseiros, afastando o constrangimento.

Inspirando fundo outra vez, ela ergueu os olhos para o teto do quarto. Nele, uma quantidade considerável de adesivos fluorescentes cintilava na escuridão, criando uma aparência bela e infantil ao quarto de Bellatrix. Eram estrelas brancas e esverdeadas que lembravam Ryota de outro local, mas ele estava longe de ser tão aconchegante quanto este.

— … O nome dele era… O nome dele é Zero Furoto. 

Assim, ela começou a contar. 

Bellatrix ouviu em silêncio, mas com um sorriso largo e sonhador enquanto Ryota mencionou os momentos mais marcantes ao lado do rapaz de cabelos violeta. 

Ela contou sobre como o conheceu em sua terra natal, quando seu avô o trouxe para o vilarejo. Ela contou sobre como brincavam de esconde-esconde e se aventuravam nas matas e florestas, dentro dos limites de Aurora. Ela contou sobre os dias quentes comendo melancia e jogando bola com as outras crianças; sobre os outonos gelados pisando nas folhas alaranjadas; os invernos bebendo café quente debaixo dos cobertores; das primaveras onde faziam coroa de flores.

A voz dela era ligeiramente tensa e um pouco trêmula, mas Bellatrix não mencionou aquele detalhe. Afinal, o rosto de Ryota era de uma expressão tão frágil e doce, mas cheia de um pesar nostálgico, que seus olhos se encheram de lágrimas. 

Foi um relato muito, muito longo. Ryota não ousou mencionar a catástrofe que os fez sair de sua terra natal, mas falou sobre a promessa de Zero realizar seu sonho de encontrar um novo lar e viver em paz outra vez. Não narrou as manipulações, as perdas ou o desespero dentro de uma corte com olhares e línguas afiadas, pronta para pisar uns nos outros ao menor deslize. Mas riu com constrangimento sobre o primeiro beijo atrapalhado, hesitou na confissão, pulou nervosamente os detalhes da noite do baile e sorriu para quando ele mostrou a casa onde viveu.

Onde provou e honrou sua confiança — abriu seu coração e desejou poder receber o dela em retorno. E quando Bellatrix ouviu Ryota finalizar, mencionando que agora aquele rapaz teimoso, mas cheio de calor e determinação, estava esperando por seu retorno, reparou nas lágrimas silenciosas que escorriam pela face dela.

As duas continuaram se abraçando no quarto escuro cheio de luzes fluorescentes quando Ryota fechou os olhos, e sentiu um nós dentro de si se desfazer, libertando um peso que há muito tempo carregou.



Comentários