Volume 3 – Arco 3
Prólogo: Invasão Noturna
As sombras tomam conta das paredes de pedra. Passos podiam ser ouvidos ao redor de toda a construção. Silhuetas que carregam lanternas andam pelos corredores e rodeiam o lado de fora. O pouco de iluminação era proposital, afinal, era preciso discrição. Da área externa, era possível enxergar as pequenas e foscas luzes alaranjadas dos lustres nos salões, mas que eram, por pouco, ocultadas pelas cortinas vermelhas pesadas e fechadas.
A garota, vendo aquilo ocorrer graças a uma serviçal de expressão neutra, suspirou profundamente.
Então, colocando-se de pé, viu a própria respiração condensar. Estava fazendo bastante frio naquela noite, e seus olhos rosa-escuro analisaram a grande quantidade de neve e gelo acumulada nos telhados do grande castelo.
Ela se esgueirou lentamente pela janela da casa de onde espionava e se dirigiu a passos lentos e o mais silenciosos possíveis para o palácio. Seu tênis ralo e velho estava bastante desgastado, não sendo o melhor equipamento para uma invasão como queria. Foi por muito pouco que não escorregou ao saltar entre um vão e a parede de pedra, se agarrando nela com suas unhas arranhadas o maior forte que pôde.
Suspirou. Estava tudo bem. Precisava ir devagar.
Os passos começaram a ecoar mais alto quando a garota, após olhar para os lados, adentrou o castelo e parou ajoelhada na área aberta do provável segundo andar - uma vez que a construção era completamente irregular e não sabia dizer com certeza onde estava. Ela se virou bem a tempo de ver algo se contorcer nas sombras e um pequeno feixe de luz surgir, crescendo gradativamente. Alguém se aproximava.
— Ué?
— O que houve? — perguntou o segundo guarda vestido em seu uniforme padrão. Eles pareciam bastante engomados com aquela roupa, como soldadinhos de chumbo há pouco organizados numa caixa, todos iguais.
— Achei ter ouvido alguma coisa aqui fora.
Assim que ouviu o comentário, o segundo homem ficou alerta e criou cautela. Antes, havia um ar quase que relaxado demais para uma patrulha em que ambos conversavam animadamente, então a mudança repentina foi bastante surpreendente. Prendendo a respiração, eles se aproximaram devagar da beira da grande varanda de pedra, passando a luz da lanterna por todos os lados. Não havia ninguém no espaço, sequer acima ou na escada logo ao lado deles.
O primeiro guarda soltou um grunhido.
— Me desculpe Otto, ainda devo estar um tanto cansado. O ensaio de ontem foi intenso demais para mim.
— Está tudo bem, Jonas. — Otto deu um sorriso tranquilizante ao amigo enquanto voltavam a andar, dando a volta antes que a outra dupla da patrulha os alcançasse. — Sua Majestade estava bastante entusiasmada ultimamente com os ensaios, então… Não estou em meus melhores dias, também.
Otto e Jonas riram e se afastaram da varanda de pedra.
Um fio dourado escapou para o lado, então um par de olhos rosados analisaram os arredores. A garota saiu lentamente de trás da estátua, onde havia se encolhido por muito pouco e acabara causando um pequeno alarde enquanto se escondia desastradamente. Um suspiro de alívio escapou de seus lábios ao ver a barra limpa. Por enquanto.
— Tem mais dois vindo. Preciso me apressar.
Assim que falou, ajeitou o capuz escuro e seguiu os dois guardas que passaram por uma grande abertura ao lado. Ela se esgueirava pelas sombras, buscando ficar o menor tempo possível debaixo da luz, podendo ser facilmente vista pelos outros guardas que ficavam nas torres. Primeiro, porque era bastante possível de enxergá-la; segundo, porque ela era chamativa demais.
Ela prendeu a respiração quando tropeçou de repente em um piso mais alto e parou aos tropeços, esperando sirenes gritarem em seus ouvidos. Após um silêncio de alguns segundos preciosos, suspirou profundamente de novo.
E terceiro, a garota era bastante desastrada. Era a primeira vez que fazia algo assim.
Entretanto, para compensar todas as suas desvantagens, havia algo no qual era bastante habilidosa.
— Otto.
— Eu sei.
Após sussurrarem, ambos se viraram ao mesmo tempo e ergueram as armas. No entanto, eles apenas miraram para o absoluto nada atrás deles, as lanternas subindo e descendo, procurando por algo que não existia.
À poucos metros de distância, a menina aproveitou a distração e, após teleportar para a frente deles, disparou silenciosamente para dentro do palácio.
O interior era bastante aconchegante em comparação ao lado de fora. No entanto, ela não se deu tempo para admirar o lugar, pois tinha uma missão. Como os dois guardas estavam bastante próximos, a suposta segunda dupla deveria estar fazendo o contorno na ala externa naquele exato momento.
Então, correu pelo salão e se deixou fazer um pouco de barulho antes de dar uma olhada para as escadas, conferindo se nenhuma empregada estava por perto. Ela subiu.
— Ainda faltam dois andares… Eu consigo.
O caminho que percorreu nos minutos seguintes constituía de andar rapidamente e fazer bom uso do barulho quando algum serviçal ou guarda — este, que andava sozinho — estava na frente para teleportar com o pouco de chi que tinha antes de disparar para um lugar seguro. Não demorou muito para que ela chegasse a um grande e largo corredor iluminado por luzes amareladas, com um grande tapete vermelho que se estendia no chão até uma grande porta dourada ao final.
Ela prendeu a respiração. Tinha conseguido. Entretanto, naturalmente, haviam guardas ao redor, cuidando para que ninguém interferisse no sono da pessoa dentro do luxuoso cômodo. Arriscar uma distração não daria certo. Seria facilmente encurralada e sua única habilidade não ajudaria naquele caso.
Nas sombras, considerou dar a volta e passar pela janela, que provavelmente estaria trancada. Entretanto, poderia conseguir arrombá-la com sua velha presilha. Se não fosse o suficiente, tentaria ver o melhor possível da parte de dentro e arriscaria um teleporte. No entanto, se falhasse… Provavelmente acabaria caindo daquele andar. Lá embaixo, lembrava-se de ver grandes pontas de ferro afiadas no muro aguardando a sua morte, caso escorregasse.
Não havia muito o que se fazer.
Mas era sua única chance de vê-lo… Sua única oportunidade de ter certeza.
Decidida, a garota deu um passo para trás e quase gritou quando bateu contra alguma coisa.
Seu corpo foi repentinamente lançado ao chão e seus braços puxados sem dó para trás. Algemas prenderam seu pulso quando os dois guardas do lado de fora a cercaram e, logo que viram a confusão, alguns que rodeavam a porta mais à frente se aproximaram.
— Pegamos ela.
— Amarre-a bem.
— O que está acontecendo? Um rato invadiu o castelo?
— Por muito pouco, senhor. Mas já a levaremos ao seu devido lugar.
Ela se remexeu, seu rosto raspando no chão. Tentou gritar, mas um pano a amordaçou logo em seguida.
Forçada a se erguer, a garota começou a ser escoltada aos empurrões para o andar de baixo. Após se remexer e grunhir, um homem mais alto de cabelos compridos se aproximou pela frente e puxou-a por um maço de cabelos loiros, a fazendo parar. Não podia vê-lo nas sombras, sequer reconhecia sua face. No entanto, quando ele viu a cor dos olhos dela, entendeu.
— Sabia que te veríamos mais cedo ou mais tarde.
Então algo foi de encontro com o seu rosto e explodiu. Ela perdeu a consciência na hora e seu rosto ficou completamente molhado de bebida. O cheiro de álcool a invadiu, assim como o de sangue, que manchava o seu rosto. A garrafa de bebida se espatifou no chão e ela perdeu a consciência.
O grupo de guardas e o homem sorridente a arrastaram até o calabouço.