Volume 1
Capítulo 83: Fim de Novembro (2)
O estrondo de livros largados na mesa do professor ressoou pela sala, sinalizando que a aula estava para começar. Felix Fitz recostou-se à mesa e anunciou sem cumprimentar seus alunos:
— O fim do segundo semestre se aproxima, assim como o primeiro ano de vocês nesta instituição. Tivemos bons momentos, muitos se entusiasmaram com o que aprenderam e encontraram nas artes arcanas o seu futuro. Mas não posso fingir que tudo transcorreu tranquilamente. Este ano, diferente dos outros, tivemos um drástico aumento em acidentes. — Lançou o olhar para Dario e Nathalia, acompanhado pelo resto da turma.
— Em especial na sala que estou, mas fico feliz em ver o quanto amadureceram.
Na penúltima bancada da coluna do meio, Dario se aproximou da garota em sua frente.
— Ele está falando de você, Leonhart.
— Eu sei — ela respondeu sem virar para trás, em vez disso, fitou Karen com pesar. — Eu sei — repetiu melancólica.
O professor Felix desencostou-se da mesa e caminhou de um lado para o outro. O olhar dele se encontrou com Ronan, que arqueou a sobrancelha em curiosidade. O garoto torceu para que nada de ruim fosse dito em seu nome.
— A dificuldade e a frustração andam juntas no caminho de qualquer manipulador, mas o que nos diferencia é como lhe damos com esses dois monstros. Para alguns, manipulador o fogo ou vento é algo quase natural. Enquanto para o resto, esse tipo de manipulação pode exigir dez anos de estudos e práticas, para talvez nunca chegar ao nível daquele com essa afinidade natural. A qualquer hora vocês podem se encontrar no mundo da conjuração e descobrir a área em que mais se destacam. Pesquisador, Alquimista, Procurador, Criador ou até mesmo, por que não, um membro da Ordem dos Magos. Essas são algumas das inúmeras carreiras a serem seguidas assim que se formarem.
— Ele vai a lugar nenhum — lamentou Dario.
— E é por isso que enfatizarei a importância das atividades de fim de ano. — Isso atiçou o interesse de Dario. — A maioria de vocês já deve saber, afinal, mais da metade da turma olhava para o quadro de avisos pouco antes de eu chegar, mas fiquem tranquilos, eu trouxe comigo algumas listas das atividades ainda disponíveis.
Nathalia levantou a mão, Felix apenas confirmou com cabeça.
— É uma atividade obrigatória? — ela perguntou tentando não demonstrar desinteresse.
— Não, mas como já mencionei, ela pode abrir portas para suas carreiras. — Felix revirou o monte em sua mesa e retirou alguns pergaminhos amarelados e enrolados. — As listas são separadas pela natureza de cada atividade. Caso vocês se interessem por alguma delas, copiem as informações necessárias no caderno, como o local, nome do orientador, nome da pesquisa e etc… — Um braço levantado chamou sua atenção.
— Elas são restritas por semestres? E se alguém já pegou aquela que eu queria?
— Não, elas não são restritas dessa forma, mas cada atividade tem pré-requisitos a serem cumpridos. Agora, caso a vaga já tenha sido preenchida, paciência. Para evitar esse problema eu recomendo anotarem todas as atividades que lhes interessem.
Anna levantou o braço.
— Pois não senhorita Ambrósio.
— Onde são realizadas essas atividades?
— Eu acho que não mencionei isso. Bem observado. Essas atividades são orientadas em sua maioria por membros da Ordem dos Magos. Eles buscam alunos para lhes auxiliar no devido oficio. Agora, sobre o local… — Felix Coçou a têmpora enquanto pensava. — Varia muito. Temos vagas aqui na capital, nas cidades e vilarejos vizinhos, até em locais distantes como no extremo norte, em Alvovale.
Ronan reuniu a coragem necessária para perguntar o que o angustiava.
— E os custos da atividade?
— Ótima pergunta. As despesas são pagas por quem oferece as vagas. Se for um membro da Ordem dos Magos, é ela quem paga. Caso for um professor da Universidade é a instituição, e assim por diante…
Ronan recostou-se na cadeira, aliviado com a resposta do professor.
Com um sorriso no rosto, Anna virou-se para trás jogando o cabelo para o lado.
— Vocês três — ela chamou Ronan, Dario e Nathalia. — O que vocês acham?
Eles se viraram, se olharam e apenas Dario indagou:
— Dessas atividades?
— Não. Dos pelos no sovaco do imperador.
Nathalia não conseguiu conter a risada que irrompeu em meio à explicação do professor. Em instantes sua histeria contagiou seus três colegas.
O Professor Felix parou a aula, mas não estava brabo, pois já se acostumou com as interrupções da turma, principalmente vindas “daqueles alunos”. Com a serenidade propiciada pela filosofia de não se importar, apenas repreendeu da seguinte maneira:
— Se o quarteto me interromper mais uma vez, eu os mando para fora.
E seguiu com a aula.
Foi a segunda vez no mesmo dia que alguém se referiu à Nathalia por: quarteto. Ela virou-se para Karen, que já a encarava com um meio sorriso e um olhar misterioso. Voltando sua atenção para a aula, pensativa em relação as suas amizades, a melancolia não foi embora, fazendo Nathalia ponderar durante o resto da manhã, que prosseguiu após o professor terminar de dar o recado.
— Assim que tiverem escolhido a, ou as atividades, dirijam-se ao bloco administrativo para preencherem a vaga, se ela ainda estiver disponível, é claro.
Anna não pensava em outra coisa e já desafiava a paciência dos amigos falando dessa oportunidade. Ronan concordou, mas desde que não tivessem de ir muito longe. Dario também aceitou, mas não impôs condição alguma. Nathalia permaneceu desinteressada e iria concordar apenas se gostasse da atividade escolhida.
Quando a aula da tarde também chegou ao fim, o quarteto se reuniu em um dos bancos do refeitório. Anna tirou seu caderno da bolsa e expôs na mesa uma enorme lista, com dezenas de nomes. Com os olhos arregalados, Dario fez uma observação:
— Você anotou todos?
— Todos que julguei do nosso mútuo interesse, e claro, que possamos nos inscrever.
— Incrível — Ronan elogiou, espantado com o esforço da colega.
— Passa pra cá. — Nathalia puxou para si o caderno-lista, seu olhar percorreu cada registro acompanhado por um comentário em voz alta. — Chato, desinteressante, quem se importa, tedioso, talvez, não, nem pensar…
A cada palavra proferida a raiva foi crescendo em Dario, até ele decidir por um fim àquela loucura. Levantou-se, deu a volta na mesa e se pôs ao lado da garota manuseando o caderno, que nem lhe deu atenção.
— Me dá aqui. — E puxou o caderno, mas ela segurou.
— Não! — ela puxou de volta, mas ele também.
— Eu também quero ver.
— Eu primeiro. Eu disse que entraria apenas se tivesse algo do meu interesse.
— Não me interessa. Por mim você poderia ficar em casa.
— Você é um péssimo mentiroso, Zeppeli.
— Quem apontou você como líder?
— Ninguém, mas se depender de você nós iremos amolar enxadas o mês inteiro.
— Mentira. Se você for escolher nós passaremos um mês inteiro na mansão de algum parente seu, bebendo chá e fazendo vários nadas.
— Melhor do que amolar enxadas, não concorda?
Dario virou-se para o melhor amigo.
— Ronan, me ajuda.
Nathalia se utilizou do mesmo apelo.
— Anna, faz alguma coisa.
Mas os dois alheios àquela cena ridícula se entreolharam, esticaram o braço, numa sincronia impecável, puxaram o caderno e falaram em uníssono:
— Nós vamos escolher.
Dario e Nathalia aquiesceram, embasbacados com a resposta que obtiveram. Desde então eles apenas observaram seus melhores amigos virarem as páginas do caderno, citando em voz alta os nomes que lhes chamava a atenção.
— Ajudar um alquimista. — Anna não conteve a empolgação em sua fala.
— A gente só tem alquimia no terceiro e quarto semestre. — Ronan cortou a esperança da amiga. — Mas olha, um mestre criador precisa de ajudantes, aqui na capital.
— A gente combinou de ir todos juntos. Ele só precisa de dois estudantes. Além do mais, ninguém aqui fora você gosta dessa matéria.
Dario e Nathalia concordaram.
Demorou, mas após vinte minutos algo captou o interesse dos quatro. Anna puxou da bolsa uma folha avulsa, e nela, o primeiro registro foi transcrito.
Título: A Histórica Guerra Entre Leon e Lince.
Orientadora: Professora Catarina Grivaldo.
Pré-requisitos: nenhum.
Atividades a serem realizadas: pesquisa em geral.
Lotação: Capital.
As pesquisas encabeçadas por Felix Fitz e Fernando Valadar surgiram após a da professora Grivaldo, Anna transcreveu as duas na folha dos aprovados. Levou pouco mais de duas horas, mas todas as anotações foram debatidas e julgadas pelos quatro até sobrarem alguns nomes.
— Cinco não é muito pouco? — Dario perguntou.
— É sim, mas estes são os únicos que chegamos a algum acordo — Anna respondeu, sua decepção era visível. — Vamos fazer o registro, quanto mais esperamos, menores as nossas chances.
O quarteto se levantou e, juntos, partiram em direção ao Bloco Administrativo.